A proclamação da República é outro episódio da nossa história que, devidamente despido do glamour fantasioso atribuído pelos livros didáticos, não passou de um golpe de Estado político-militar que pôs fim à monarquia constitucional parlamentarista do Império, apeou do trono D. Pedro II e implementou o presidencialismo republicano como forma de governo. Vejamos isso em detalhes.
UM BATE-PAPO INFORMAL SOBRE INFORMÁTICA, POLÍTICA E OUTROS ASSUNTOS.
quarta-feira, 8 de julho de 2020
DA PRAGA DA CASERNA AO CAPITÃO CAVERNA — TERCEIRA PARTE
A proclamação da República é outro episódio da nossa história que, devidamente despido do glamour fantasioso atribuído pelos livros didáticos, não passou de um golpe de Estado político-militar que pôs fim à monarquia constitucional parlamentarista do Império, apeou do trono D. Pedro II e implementou o presidencialismo republicano como forma de governo. Vejamos isso em detalhes.
segunda-feira, 15 de novembro de 2021
MORO LÁ — SERÁ? (PARTE 2)
Comemora-se hoje o 132º aniversário de outro episódio da nossa história que, devidamente despido do glamour fantasioso atribuído pelos livros didáticos, não passou de um golpe de Estado político-militar desfechado com o fito de pôr fim à monarquia constitucional parlamentarista do Império, apear do trono D. Pedro II e implementar o presidencialismo republicano como forma de governo.
Meses depois de o Marechal Deodoro da Fonseca proclamar a República, o Brasil já conhecia a primeira crítica articulada sobre o processo que havia removido a monarquia do poder: o livro Fatos da Ditadura Militar no Brasil, escrito em 1890 pelo advogado paulistano Eduardo Prado, que foi o primeiro autor a considerar a Proclamação da República um "golpe de Estado ilegítimo" aplicado pelos militares.
Na visão do empresário Luiz Philippe de Orleans e Bragança, tataraneto de D. Pedro II e militante do movimento de direita Acorda Brasil, "a proclamação foi um golpe de uma minoria escravocrata aliada aos grandes latifundiários, aos militares, a segmentos da Igreja e da maçonaria. O que é fato notório é que foi um golpe ilegítimo". Sua tese é esposada pelo historiador José Murilo de Carvalho, autor do livro O Pecado Original da República (editora Bazar do Tempo).
O jornalista e historiador José Laurentino Gomes, autor da trilogia 1808, 1822 e 1889, concorda com a leitura do “golpe”, mas pondera que a questão envolve a luta pelo direito de nomear os acontecimentos históricos que, no caso dos republicanos, conseguiram emplacar a ideia de "proclamação" e não de "golpe". "O que aconteceu em 1889, em 1930 e em 1964 é a mesma coisa: exército na rua fazendo política. Depende de quem legitima o quê. O movimento de 1964 não foi legitimado pela sociedade, mas a revolução de 1930 o foi tanto pelos sindicatos quanto pelas mudanças promovidas por Getúlio Vargas. A proclamação é contada hoje por quem venceu", argumenta.
Já o historiador Marcos Napolitano, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade da USP, assevera que é possível, sim, falar em golpe na fundação da República, mas questionar sua legitimidade, como faz Orleans e Bragança, seria um revisionismo histórico incabível. "Se pensarmos que a monarquia era um regime historicamente vinculado à escravidão (esta sim, uma instituição ilegítima, sob quaisquer aspectos), acho pessoalmente que a fundação da República foi um processo político legítimo que, infelizmente, não veio acompanhado de reformas democratizantes e inclusivas", explica.
Resumo da ópera: Com o fim do governo provisório e a promulgação da Constituição Republicana de 1891, o Congresso Nacional guindou o Marechal Deodoro da Fonseca à presidência da República Velha — ou República das Oligarquias. Dito de outra maneira, a primeira república tupiniquim começou com um golpe militar, e o primeiro presidente, também militar, foi eleito indiretamente e “convidado” a deixar o cargo pelas Forças Armadas. Ao longo de 132 anos de história republicana, o Brasil teve até hoje 35 presidentes, que chegaram ao poder pelo voto popular, por eleição indireta, via linha sucessória ou por golpe de Estado. Oito deles, a começar por Deodoro, foram de alguma maneira apeados do poder. E como o que começa mal tende a piorar, o atual inquilino do Palácio do Planalto só continua no Palácio do Planalto (quando não está passeando ou promovendo motociatas, naturalmente), porque o povo brasileiro não tem vergonha na cara. Está na hora de mudar. E de aprender a votar.
Dito isso, passemos à postagem do dia:
Ainda sobre Sérgio Moro, diz Dora Kramer que o discurso de candidato a Presidente na cerimônia de filiação ao Podemos
não significa que será esse o destino do ex-juiz na vida política que agora
inaugura; que todos os pretendentes ao Planalto nessa altura entram no jogo
desse modo e que ele prometeu mundos e fundos — como erradicar a pobreza no
Brasil. Diz ainda que sua fala, típica de um "cristão-novo", não
contribuiu para reduzir desconfianças e desaprovações — dada a atitude de
candidato a justiceiro dotado de capacidade de resolver todas as mazelas,
muitas delas decorrentes “da degeneração da classe política”, e que Moro
pareceu apostar excessivamente na credulidade das pessoas nesse tipo de
pretendente a herói, mostrando-se verde na política e ainda completamente
referido na figura do magistrado cujo único fator de direção é o próprio juízo
a respeito do certo e do errado. Será?
Conforme eu ponderei no post anterior, Moro jamais foi o candidato dos meus sonhos. Por outro lado, em vista do que está colocado no tabuleiro, talvez ele seja a peça mais importante do jogo. Sua filiação ao Podemos, partido que se posicionou o tempo todo para recebê-lo como candidato a Presidente, mira o espectro eleitoral das forças de centro-direita do país, frustradas pelo mau desempenho administrativo de Bolsonaro e as alianças com os partidos do chamado Centrão, sobretudo o PP, o PL e o Republicanos. Seu discurso na cerimônia de filiação deixou isso muito claro e tende a galvanizar apoios dos eleitores decepcionados com o capitão-negação e certos setores da sociedade que apoiavam incondicionalmente a Lava-Jato, como os militares.
A pré-candidatura de Moro cria mais problemas para Bolsonaro do que para os partidos de oposição, no primeiro turno — caso chegue ao segundo, aí a história será outra. O ex-juiz não esconde as mágoas com Bolsonaro. Desde sua saída do governo, ele vem tendo a sua imagem de juiz competente e íntegro desconstruída — a primeira por sucessivas decisões do STF, e a segunda pelos adversários políticos da operação anticorrupção da qual foi artífice e é o principal símbolo, que o acusam de parcialidade.
A entrada de Moro no Podemos, partido que tem 10 deputados federais e nove senadores, mexe com a tabuleiro eleitoral de 2022 porque ocupa um quadrante à direita que seria fundamental para a reeleição de Bolsonaro. Trata-se de uma legenda independente em relação ao governo no Senado, mas nem tanto na Câmara — Moro é ligado ao senador Álvaro Dias (PR), ex-candidato à Presidência pela legenda, que articulou sua filiação. Sua candidatura é contingenciada por Bolsonaro, que supostamente conta com o apoio de 25% do eleitorado, e também pelos pré-candidatos da chamada "terceira via", Henrique Mandetta (DEM), Rodrigo Pacheco (PSD-MG), Simone Tebet (MDB-MS) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE), além dos tucanos João Doria (SP) e Eduardo leite (RS), todos mirando o chamado centro democrático, e do pedetista Ciro Gomes, mais à esquerda.
A filiação de Moro encerra um ciclo político
antissistema, que surgiu nas manifestações contra o funesto governo de Dilma,
prosperou com a campanha por seu impeachment, mandou recados para todos os
partidos nas eleições municipais de 2016 e culminou com a não menos funesta
eleição de Bolsonaro, em 2018. A anunciada filiação do capetão ao partido
de Valdemar Costa Neto e a articulação de sua federação governista com o PP
e o Republicanos consolidam um bloco político de direita no poder, no
âmbito do sistema partidário existente, que ganha até mais nitidez
programática.
Moro seria o herdeiro natural desse sentimento
antissistema, que procurou capitalizar com seu discurso, mas o Podemos,
o Novo e o MBL já estão no leito natural da política eleitoral: o
Congresso e o seu sistema partidário. A consolidação de sua candidatura vai depender
muito mais do poder de alavancagem do apoio popular à Lava-Jato do que
de alianças, que serão restritas devido aos ressentimentos dos políticos
tradicionais com sua atuação naquela operação.
A conferir.
segunda-feira, 4 de janeiro de 2021
... SEMPRE TEM ESPAÇO PARA PIORAR!
A ideia de transformar o Brasil numa República já era manifesta em muitas revoltas. Os militares, vitoriosos da Guerra do Paraguai, aproximaram-se dos republicanos, a exemplo da Igreja Católica, depois que D. Pedro II anulou suas medidas contra a maçonaria, e os fazendeiros, descontentes com a abolição da escravatura, que os privou da mão de obra gratuita do negros.
O marechal Deodoro da Fonseca — idoso,
enfermo e monarquista — relutava em protagonizar a troca do regime demandada por lideranças civis e fardados liderados por Benjamin Constant,
mas a falsa notícia de que sua prisão havia sido decretada acabou por convencê-lo a insurgir-se contra o Império.
Substituída a monarquia constitucional parlamentarista pelo presidencialismo republicano, D. Pedro II e família foram exilados. Deodoro, que não só era amigo pessoal do Imperador, mas também lhe devia favores, ofereceu 5 mil contos de réis para ajudar na mudança. D. Pedro recusou, mas disse que levaria de bom grado um travesseiro com terra do Brasil (para repousar sua cabeça quando fosse sepultado).
Observação: A quem interessar possa, sugiro a leitura de A
História das Constituições Brasileiras, do historiador e professor Marco
Antonio Villa.
Deodoro comandou o Governo Republicano Provisório
(1889 a 1891) e foi escolhido
presidente pelo colégio eleitoral formado por senadores e deputados da
Assembleia Constituinte. Mas sua relação tensa com as oligarquias e os
muitos desafetos que colecionou durante a gestão renderam-lhe um vice da
oposição (o também marechal Floriano Peixoto).
Deodoro substituiu todos os governadores por políticos de sua confiança, mas nem assim conseguiu evitar que as bancadas estaduais do Congresso articulassem um projeto de lei que lhe reduziria os poderes. Em represália, dissolveu o Congresso e decretou estado de sítio. O vice-presidente recorreu ao comandante do Encouraçado Riachuelo, que ameaçou bombardear a capital federal se o presidente não capitulasse. Sua excelência não pensou duas vezes.
Com a renuncia de Deodoro (em 23 de novembro de 1891), Floriano Peixoto
assumiu a presidência e a exerceu até 15 de novembro de 1894, quando, meio que a contragosto, deu posse a Prudente de Moraes, que entrou
para a História como primeiro presidente civil e eleito pelo voto direto. Sua
gestão foi marcada turbulências
e dificuldades, mas isso é conversa para outra hora.
Esse breve relato resume o primeiro e o segundo dos muitos golpes de Estado ocorridos desde a proclamação da República. Oficialmente, Bolsonaro é o 38º presidente desta banânia, e, também oficialmente (segundo dados da plataforma de monitoramento do ministério da Saúde) o Brasil ultrapassou a marca de 190 mil mortes pela Covid. Mas um levantamento realizado pela organização Vital Strategies, formada por pesquisadores e especialistas independentes, dá conta de que esse número pode ser superior a 220 mil. Mas isso também é outra conversa.
Observação: De 1549 a 1763, a capital do Brasil
foi Salvador (BA). No Rio, o Palácio do Itamaraty sediou o
Executivo até 1897, quando Prudente de Moraes e seu staff passaram a
ocupar o Palácio do Catete. A ideia de transferir a capital para o
interior era antiga; em 1761, o Marques de Pombal fez essa sugestão, que
José Bonifácio ressuscitou em 1823, mas foi no final dos anos 1950, durante
o governo de Juscelino Kubitschek, que Brasília foi construída do
nada — e no meio do nada — para ser o novo DF, e o Palácio do
Planalto, inaugurado em 21 de abril de 1960 para ser a nova sede do
Executivo Federal. O que pouca gente sabe é que Curitiba foi capital federal por três dias,
de 24 e 27 de março de 1969.
Desde 1945, o Brasil teve nove presidentes eleitos de forma direta. Desses, apenas quatro completaram seus mandatos: Eurico Gaspar Dutra, vencedor daquela que é considerada a primeira eleição verdadeiramente democrática do Brasil, em 1945; Juscelino Kubitschek, eleito em 1955; Fernando Henrique Cardoso, vencedor do segundo pleito pós-ditadura militar, em 1994; e Lula, eleito em 2002 e reeleito em 2006. Integrante dos cinco restantes, Getúlio Vargas “foi suicidado” com um tiro no peito, digo, foi encontrado morto com um tiro no peito em 24 de agosto de 1954, após ter sido acusado de tramar um atentado contra o jornalista Carlos Lacerda e de 27 generais exigirem publicamente sua renúncia. O político gaúcho deixou uma "carta-testamento" que se notabilizou pelas palavras finais (“saio da vida para entrar na História”).
Em outubro de 1955, quando Juscelino Kubitschek se elegeu presidente, a ala conservadora e os militares, com o apoio de Café Filho — que passou de vice a titular com o “suicídio” de Vargas — e do presidente da Câmara, Carlos Luz — que assumiu interinamente a presidência da República quando do afastamento de Café — urdiram um golpe de Estado para impedir a posse de JK. Assim que subiu de posto, Luz substituiu o general Henrique Lott pelo também general Álvaro Fiúza de Castro no comando do Ministério da Guerra. Sentindo o cheiro do golpe, Lott depôs Luz (que ficou apenas 4 dias no cargo e foi impichado em 11 de novembro) e empossou Nereu Ramos, então presidente do Senado. Assim, pela primeira vez na história, o Brasil teve três presidentes numa única semana.
O resto fica para o próximo capítulo.
sábado, 9 de outubro de 2021
NÃO PODE DAR CERTO
"Tem de dar certo" é conselho de mãe de
miss. Mas a expressão "dar certo" é usada também com a acepção
de "produzir bons resultados". E foi com esse sentido em mente
que eu intitulei esta sequência sobre o país do futuro que nunca chega porque tem
um longo passado pela frente.
Tudo começou milhões de anos antes de Cabral — falo do navegante português, não do ex-governador carioca que por algum motivo continua preso (o fato de ter sido condenado a 400 anos de prisão não é motivo para mofar na cadeia; não no Brasil).
Depois de transformar o Caos em ordem, criar o dia e a noite, separar as terras das águas, criar as plantas, as aves, os peixes, o Criador fez no sexto dia a maior de todas as burradas: “Agora vamos fazer os seres humanos, que serão como nós, que se parecerão conosco. Eles terão poder sobre os peixes, sobre as aves, sobre os animais domésticos e selvagens e sobre os animais que se arrastam pelo chão”, disse o Senhor das Esferas. E ao ver que "tudo era bom (?!)", Ele abençoou e santificou o sétimo dia e nele descansou.
Comenta-se que, ao ser acusado de protecionismo devido ao tratamento dispensado à porção global que se tornaria o Brasil, Deus respostou: "vocês vão ver o povinho de merda que eu vou colocar lá". A meu ver, isso resume de maneira lapidar a história da nossa republiqueta de bananas. Mas nunca é demais relembrar alguns aspectos insólitos dessa tragicomédia, a começar pela chegada da esquadra de Cabral ao litoral do que estava destinado a ser a costa da Bahia.
Registram os livros de História que, aos 22 dias do mês de abril
do Anno Domini 1.500, depois de ter sido desviada de seu destino
original (Calicute, nas Índias Ocidentais), não
se sabe ao certo se por uma tempestade ou uma calmaria, a esquadra
cabrália aportou na costa brasileira. Em epístola endereçada a D.
Manuel, "O Venturoso", comunicando a "descoberta" de terra brasilis, o escriba Pero Vaz de Caminha anotou que "em
se plantando tudo dá", e aproveitou o ensejo para rogar a sua majestade que intercedesse
em favor do marido da filha, inaugurando a corrupção em solo tupiniquim,
ainda que na forma de nepotismo.
O Brasil foi colônia portuguesa até
o início do século XIX, quando a família real, ameaçada pelo Tratado de
Fontainebleau, mudou-se de mala e cuia para o Rio de Janeiro, depois de
uma breve escala em Salvador (BA). Em 1822, D. Pedro I proclamou
a independência, e dali a 67 anos o marechal Deodoro da Fonseca
pôs fim à monarquia constitucional parlamentarista, apeou o monarca
e implementou o presidencialismo republicano como forma de governo, protagonizando
o
primeiro dos muitos golpes de Estado que se sucederiam a partir de então.
Ao longo da história republicana do Brasil, ao menos quatro presidentes renunciaram — Deodoro da Fonseca, em 1891; Getúlio Dornelles Vargas, em 1945; Jânio da Silva Quadros, em 1960; e Fernando Affonso Collor de Mello, em 1992. Dos cinco que foram eleitos pelo voto direto desde o fim da ditadura militar, Collor e Dilma foram expulsos de campo antes do final do jogo.
O pseudo
caçador de marajás foi alvo de 29 pedidos de impeachment — mas nunca foi
chamado de genocida. Itamar, FHC, Lula e Temer foram
agraciados com 4, 27, 37 e 33 pedidos de impeachment, respectivamente, mas concluíram seus
mandatos sem jamais ser chamados de genocidas. Madame foi alvo
de 68 pedidos — e acabou penabundada porque
estava quebrando o país —, mas ninguém jamais a acusou de genocídio.
Desde que se tornou um\ República, o Brasil amargou 38
presidentes (o número varia de 35 a 44, dependendo de como é feita a contagem).
De 1926 para cá houve 25 mandatários, mas somente quatro dos que foram eleitos
pelo voto popular concluíram seus mandatos — Eurico Gaspar Dutra, Juscelino
Kubitschek, Lula e Fernando Henrique. Seriam seis se Collor e Dilma não tivessem ingressado na seleta confraria dos
depostos, onde já se encontravam Washington Luís, Júlio Prestes, Getúlio
Vargas, Carlos Luz, João Goulart.
Fosse esta banânia um país que se desse ao respeito e o
mandatário de turno já teria sido devidamente despejado e internado.
Pedidos de impeachment não faltam: em fevereiro, quando o deputado-réu Arthur
Lira assumiu a presidência da Câmara, havia 60 petições protocoladas em desfavor da
permanência do motoqueiro fantasma no Palácio do Planalto. Atualmente, são cerca de 140 — e contando.
Continua...
domingo, 10 de outubro de 2021
NÃO PODE DAR CERTO — CONTINUAÇÃO
Tão logo passou de vice a titular, Floriano demitiu todos os governadores que apoiaram Deodoro (e
que defendiam a realização de nova eleição, à luz do previsto no art.
42 da Carta Magna). Graças à postura ditatorial que se tornaria
moda entre os mandatários tupiniquins, o marechal teve de debelar sucessivas
rebeliões, entre as quais a Revolução
Federalista e a Segunda
Revolta da Armada. Como se vê, o que começou mal encontrou espaço
para piorar.
Em abril de 1892, diante de protestos de opositores e
da divulgação de manifestos na capital, Peixoto decretou estado de sítio,
prendeu e desterrou desafetos para a Amazônia. Quando Rui Barbosa ingressou
com um pedido de habeas corpus em favor dos detidos, o marechal ameaçou
os magistrados: "Se os juízes concederem habeas corpus aos
políticos, eu não sei quem amanhã lhes dará o habeas corpus de que, por sua
vez, necessitarão". A Suprema Corte negou o habeas corpus por
dez votos a um. Como se vê, não existe nada tão ruim que não possa piorar. Que o digam Bolsonaro e os brasileiros.
Em novembro de 1894, muito a contragosto, Floriano cedeu
o lugar para o paulista Prudente de Morais,
que obteve 90% dos votos na primeira eleição direta da nossa história.
Mas recusou-se
a transmitir pessoalmente o cargo ao sucessor — como faria em 1985 o
último presidente-general da ditadura.
Ao longo de 131 anos de história republicana (completados em novembro do ano passado), 38 presidentes chegaram ao poder pela via do voto popular, eleição indireta, linha sucessória ou golpe de Estado (como até o passado é incerto neste país, esse número varia de 35 a 44). Desses, oito, a começar pelo marechal Deodoro, foram apeados antes do fim do mandato.
Dos cinco mandatários eleitos pelo voto direto desde o fim da
ditadura, Collor e Dilma foram impichados. Bolsonaro deveria fazer parte
dessa mui seleta confraria, mas a cumplicidade de Arthur Lira,
o deputado-réu que preside a Câmara, deve resistir ao esgarçamento enquanto o Centrão
tiver interesse em manter o verdugo do no Planalto.
Retomando nossa breve incursão pelo passado republicano do Brasil, a gestão de Prudente de Morais deu início à alternância entre representantes das oligarquias rurais do sudeste (conhecida como política do café com leite devido à aliança nas indicações para presidentes entre São Paulo e Minas Gerais), que durou até 1930. As revoltas tenentistas no RS, em 1923, e em SP, em 1924, somadas à insatisfação das oligarquias com a eleição de Júlio Prestes, em 1930, resultaram no impedimento do presidente eleito — ou seja, outro golpe militar sepultou a Velha República.
Uma semana após ter assumido o poder, em 24 de outubro de 1930, a “junta governista” passou o bastão a Getúlio Vargas, dando início ao “governo provisório” que perdurou até julho de 1934, quando o mesmo Vargas foi eleito indiretamente (conforme os ditames da Constituição de 1934).
O nome desse período sugere exatamente o status que deveria ter tido o governo de Vargas: provisório. A ideia era convocar uma Assembleia Constituinte para substituir a Constituição de 1891 e, em seguida, realizar uma eleição presidencial. Mas faltou combinar com Vargas, que, como alguns dos mandatários que o sucederam, tencionava se perpetuar no poder.
A postura autoritária de Vargas ficou clara na dissolução do Congresso e das Assembleias existentes nos Estados e municípios. Com o enfraquecimento do Legislativo, o poder do tiranete nas unidades da Federação escorou-se nos interventores — prepostos nomeados pelo próprio Vargas para governar os Estados. A continuidade de sua gestão e as medidas centralizadoras tomadas pelo ele geraram reações, sobretudo no Estado de São Paulo, pois as oligarquias paulistas foram as que mais sofreram com a Revolução de 1930 e a ascensão do caudilho gaúcho ao poder.
Exigiu-se que uma Constituinte fosse convocada e, na esteira de sua promulgação, uma nova eleição para presidente fosse realizada. Vargas contornou esse "problema" decretando um novo Código Eleitoral, que trazia mudanças consideráveis nas eleições tupiniquins. Em 10 de novembro de 1937, mediante mais um golpe de Estado, o ditador instituiu o Estado Novo e se manteve no poder até outubro de 1945, quando outro golpe o apeou da presidência.
A queda de Vargas alçou o general Eurico Gaspar Dutra à Presidência, e uma Assembleia Constituinte criou nossa quinta Carta Magna, que estabeleceu os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Da feita que o povo brasileiro não aprende com os erros do passado, Vargas voltou ao cenário político em 1950 e, graças a sua “postura nacionalista”, venceu as eleições presidenciais com o apoio de empresários, das Forças Armadas, de grupos políticos do Congresso e da União Nacional dos Estudantes, entre outros.
Em agosto de 1954, após ser acusado de tramar um atentado contra o jornalista Carlos Lacerda e de 27 generais exigirem publicamente sua renúncia, Vargas foi suicidado, digo, foi encontrado morto, com um tiro no peito e a "carta de despedida" que eu reproduzi nesta postagem. Na sequência, passaram pela Presidência Café Filho (de 24/08/1954 a 11/11/1955), Carlos Luz (cuja gestão durou míseros 3 dias) e Nereu Ramos(de 11.11.1955 a 31.01.1956). Através de uma aliança política formada por seis partidos, Juscelino Kubitschek de Oliveira foi eleito presidente em 3 de outubro de 1955, com 35,68% dos votos válidos — a menor votação de todos os presidentes eleitos entre 1945 e 1960.
JK tomou posse em janeiro de 1955 prometendo realizar “cinquenta
anos de progresso em cinco de governo” e, mui mineiramente, mudou
a capital federal do Rio de Janeiro para o meio do nada, digo, para o
centro do país. E assim, em 21 de abril 1960 “nascia” nossa querida Brasília.
segunda-feira, 29 de agosto de 2022
O PAÍS DO GOLPE
Despida do glamour fantasioso atribuído pelos livros didáticos, a Proclamação da República foi apenas o primeiro dos muitos golpe de Estado político-militar que aconteceram nos últimos 132 anos (entre os quais vale citar a revolução de 1930, a implantação do Estado Novo por Getúlio Vargas em 1937, a deposição de Getúlio em 1945, o golpe de 1964, e assim por diante).
Ao longo da nossa história republicana, 35 presidentes chegaram ao poder pelo voto popular, por eleição indireta, via linha sucessória ou por golpe de Estado. Oito deles, a começar por Deodoro da Fonseca — o tal que "proclamou" a república — foram de alguma maneira apeados do poder.
Da redemocratização até os dias atuais, amargamos um presidente eleito indiretamente, um literato meia-boca, um caçador de marajás de mentirinha, um baianeiro namorador, um tucano de plumagem vistosa, um retirante pobre e semianalfabeto, uma aberração travestida de "gerentona", um vampiro escalafobético e um dublê de mau militar e parlamentar medíocre.
Da feita que quem não aprende com os erros passados está fadado a repeti-los indefinidamente, duas dessas tragédias são os franco-favoritos para disputar o Planalto agora em outubro. E ainda tem gente que diz que Deus é brasileiro!
A política tupiniquim sempre foi um esgoto a céu aberto. Os candidatos se elegem para roubar e roubam para se reeleger. No Executivo, a fé se perdeu (se é que ainda restava alguma) antes mesmo da renúncia de Jânio, que pavimentou o caminho para o golpe de 1964 e os subsequentes 21 anos de ditadura militar.
A morte do primeiro presidente civil do período "pós-redemocratização" — que foi eleito indiretamente, mas representava a esperança dos brasileiros num futuro melhor — resultou no governo do eterno donatário da capitania do Maranhão — um dos mais notórios ícones da abominável política coronelista nordestina. Ao final do mandato-tampão, a impopularidade do dito-cujo era tamanha que ele se viu obrigado disputar uma cadeira no Senado pelo recém-criado estado do Amapá.
As esperanças se renovaram quando o pseudo caçador de marajás derrotou o desempregado que deu certo (ou que daria certo em 2002, quando seria eleito presidente pela primeira vez). Mas logo se percebeu que o santarrão de pau oco tinha pés de barro e não passava de um populista tão descarado quanto o adversário derrotado.
Do impeachment dessa figura desprezível — o primeiro da Nova República — resultou a gestão do tal baianeiro, que se notabilizou por posar para fotos ao lado da modelo sem calcinha Lilian Ramos e ressuscitar o Fusca, mas que também promulgou o Plano Real, cujo sucesso levou ao Planalto, por duas vezes consecutiva, ambas no primeiro turno, seu ministro da Fazenda.
Observação: Lamentavelmente, o grão-duque tucano resolveu comprar a PEC da reeleição, mas aí já não lhe restavam coelhos para tirar da cartola.
A reboque da vitória de Lula vieram o Mensalão, o Petrolão e a indicação de oito ministros do STF, cujas decisões teratológicas (não só deles nem de todos eles, vale ressaltar) fulminaram a esperança que os brasileiros depositavam no Judiciário quando nada que prestasse se podia se esperar do Executivo e do Legislativo.
Em 2012, assistimos estarrecidos — mas esperançosos — a condenação da alta cúpula do Mensalão. Em 2016, comemoramos impeachment da "gerentona de festim" e os avanços da Lava-Jato — que refrearam em alguma medida e por algum tempo o apetite pantagruélico da seleta confraria de políticos corruptos pelo dinheiro dos contribuintes.
A morte é anterior a si mesma. Ela começa muito antes da abertura da cova. Percorre um lento processo. No caso da Lava-Jato, a operação morreu sem colher os devidos louros. Foi graças a ela que, pela primeira vez desde a chegada das caravelas, o braço do Estado investigou, enjaulou e puniu poderosos da oligarquia política e econômica do Brasil.
O velório reuniu gente importante: seguravam a alça do caixão Jair Bolsonaro, o Centrão e o PT. O STF enviou uma sequência de coroas de flores enquanto preparava a última pá de cal. E ela não demorou a chegar. Ironicamente, o sepultamento da força tarefa se deu sob a batuta do mandatário que, quando candidato, prometeu combater implacavelmente a corrupção e os corruptos.
A morte às vezes funciona como um grande despertar. Mas a sociedade brasileira emite sinais de cansaço. Um cansaço que se parece com saudade de quem não teve a oportunidade de dizer adeus.
segunda-feira, 27 de julho de 2020
UM PODER QUE SE SERVE EM VEZ DE SERVIR É UM PODER QUE NÃO SERVE — PARTE 3
Jair Bolsonaro — tido como “mito” por seus apoiadores de raiz e autodeclarado “Messias que não faz milagre” — ocupa o 38º lugar na lista dos presidentes que governaram o Brasil desde o golpe militar de 1889, que pôs fim à monarquia e guindou a presidente de turno o Marechal Deodoro da Fonseca, a quem os livros de História se referem como “proclamador” da República, mas que na verdade foi o protagonista do primeiro golpe desta República. E além de entrar para a História como o primeiro presidente da (hoje chamada) “República Velha”, o indômito marechal foi o primeiro chefe do Executivo Federal Tupiniquim a renunciar ao cargo: sob ameaça de iminente deposição pelos Republicanos — representados pelo igualmente marechal Floriano Peixoto — Deodoro pediu o boné em 23 de novembro de 1891. Floriano, que era o vice de plantão, assumiu a presidência, e assim, de golpe em golpe e eleição em eleição, noves fora os governos de exceção, chegamos até aqui. Para onde vamos é outra história, mesmo porque no Brasil até o passado é incerto.
Observação: Para acessar a galeria de fotos do ocupantes dos Palácios do Itamaraty, Catete e Planalto nos últimos 130 anos, clique aqui; caso queira ler as postagens em que esmiúço cada gestão desde o desditoso governo de Jânio Quadros — iniciado em janeiro de 1961 e encerrado menos de 7 sete meses depois, em 25 de outubro, com a renúncia do presidente, que foi o estopim do golpe de ’64 —, os primeiros capítulos foram publicados nos dias 15, 16, 17 e 24 de abril e 3 e 7 de maio, e os finais devem ir ao ar na semana que vem ou na próxima.
Voltando ao tempo presente, o presidente da Câmara Federal, deputado Rodrigo Maia — a quem o departamento de propinas da Odebrecht se referia como Botafogo —, abuzanfou-se sobre a pilha de trinta e tantos pedidos de impeachment protocolados até agora contra o atual mandatário.
De acordo com a Constituição de 1988, qualquer cidadão pode pedir o impeachment do Presidente, cabendo ao presidente da Câmara decidir se o pedido preenche os requisitos formais de admissibilidade e, caso afirmativo, fazer a leitura em plenário e encaminhar a denúncia a uma comissão criada especialmente para analisá-la. Se a denúncia for acolhida, o presidente acusado terá até dez sessões da Câmara para se manifestar, após o que a comissão especial terá até cinco sessões para dar seu parecer, que também deverá ser lido na íntegra no plenário da Casa.
Quarenta e oito horas contadas a partir da apresentação do parecer da comissão especial, o documento deverá ser incluído na “ordem do dia” da Câmara e votado em plenário. Se obtiver maioria qualificada de 2/3 — ou seja, se pelo menos 342 dos 513 deputados considerarem o acusado culpado —, a denúncia será encaminhada ao Senado (do contrário ela é arquivada e o assunto morre aí).
Instaurado o processo de impeachment no Senado, o chefe do Executivo é afastado e substituído pelo vice, devendo, inclusive, desocupar as residências oficiais em Brasília. Caso o julgamento não ocorra em até 180 dias, o acusado reassume a presidência e permanece no cargo até o processo terminar sua tramitação.
Reza o artigo 52 da Constituição, em seu parágrafo único: (...) Funcionará como Presidente (do processo de impeachment) o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.”
Se for considerado culpado, o presidente é deposto em definitivo e inabilitado para o exercício de cargos públicos por oito anos. Caso o julgamento tenha ocorrido dentro do prazo de 180 dias, o vice é efetivado e conclui o mandato-tampão; caso o prazo tenha sido excedido, o vice reassume, é efetivado e governa até o final do mandato.
Observação: Na hipótese de morte, renúncia, cassação etc. do vice, a Constituição prevê a convocação de nova eleições, que serão diretas se faltarem mais de 2 anos para o final do mandato. Caso contrário, caberá ao Congresso Nacional escolher o novo presidente.
Da leitura do artigo 52 da CF infere-se que “com” exerce a função de conjunção subordinativa aditiva, relacionando o que vem depois dela (inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública) ao que vem antes (perda do cargo). Basta esta singela análise gramatical para concluir que a deposição de Dilma sem a suspensão dos direitos políticos ofendeu a Constituição, e que, ao permitir que isso ocorresse, o então presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, cometeu crime de prevaricação (volto a esse assunto mais adiante).
Explicando melhor: o termo “quórum” remete ao número mínimo de pessoas presentes para a realização do processo de votação de alguma medida administrativa ou legislativa. Por “maioria absoluta” entende-se o primeiro número inteiro superior à metade — sendo inadequado, portanto falar em “metade mais um”; tomando como exemplo o Senado, que é composto por 81 parlamentares, a metade é 40,5 e a maioria absoluta, 41 (e não 41,5).
Para aprovação de lei complementar é exigido o voto da maioria absoluta dos membros do legislativo em ambas as Casas. A rejeição de veto presidencial também depende do voto da maioria absoluta dos deputados e senadores, em sessão conjunta. Já a maioria simples leva em consideração o número de presentes participantes na votação, ou seja, compreende mais da metade dos votantes ou o maior resultado da votação, no caso de haver dispersão de votos. O quórum de maioria simples é exigido para a aprovação de projetos de Lei Ordinária, de Resolução, de Decreto Legislativo e de Medida Provisória.
Observação: Ressalte-se que Medidas Provisórias também podem ser aprovadas por votação simbólica, que é quando não há o registro individual de votos. Nesse caso, é pedido aos parlamentares que permaneçam como estão se forem favoráveis à matéria, cabendo apenas aos contrários se manifestarem.
Já a maioria qualificada é aquela que exige número superior à maioria absoluta — geralmente dois terços ou três quintos. Para a aprovação de Propostas de Emenda Constitucional (PEC), o artigo 60, § 2 º da Constituição Federal diz que (a proposta) "será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros". Já o artigo 86 prevê da Carta estabelece que a acusação contra o presidente da República por crime de responsabilidade será admitida por dois terços da Câmara dos Deputados (conforme vimos em detalhes parágrafos atrás).
Por fim, é importante frisar que tanto a maioria absoluta e quanto a maioria qualificada levam em consideração o número total de membros que legalmente integram o órgão, ao passo que a maioria simples toma por base apenas os presentes à votação.
quarta-feira, 12 de agosto de 2020
DA PRAGA DA CASERNA AO CAPITÃO CAVERNA — DÉCIMA PARTE
Se as margens do córrego do Ipiranga serviram de pano de fundo para o "heróico brado", isso deveu-se a mero acaso: passava por lá a comitiva quando D. Pedro, acometido de poderosa caganeira, apeou e saiu em busca de uma moita que lhe permitisse esvaziar os intestinos com alguma privacidade. Foi então que se juntou ao grupo um mensageiro vindo de São Paulo, com três missivas endereçadas a sua alteza.
A primeira epístola, assinada por D. João VI, ordenava ao nobre rebento que regressasse imediatamente a Portugal e se submetesse ao Rei e às Cortes. A segunda, de José Bonifácio, aconselhava-o a romper com Portugal. A terceira, da Imperatriz Leopoldina, dileta esposa do príncipe-regente (noves fora Domitila de Castro Canto e Mello, mais conhecida como Marquesa de Santos), transmitia ao marido o seguinte recado: “O pomo está maduro; colhe-o já, antes que apodreça”.
Impelido pelas circunstâncias, o príncipe, que já estava mesmo fazendo merda, aproveitou o ensejo para romper os laços de união política com Portugal e declarar a independência do Brasil.
Dali a 67 anos, a não menos romanceada “Proclamação da República” — sobre a qual o livros de história se referem como um ato patriótico protagonizado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, que estava longe de ser um republicano convicto — foi, isso sim, um golpe de Estado que expeliu do trono o imperador D. Pedro II em prol da “unidade militar”.
Deodoro tornou-se o primeiro presidente do Brasil — cargo que exerceu interinamente até ser efetivado por uma eleição indireta (como se vê, começamos bem), e do qual foi deposto, 9 meses depois, por iniciativa de seu vice, o também marechal Floriano Peixoto, que ficaria conhecido como "Marechal de Ferro".
A despeito de a Constituição de 1891 determinar a convocação de novas eleições no caso de vacância na Presidência, Floriano decidiu completar o quadriênio para o qual seu predecessor havia sido “eleito”. E começou sua gestão demitindo todos todos os governadores que apoiavam Deodoro. Houve reação, naturalmente, sobretudo no sul do país, onde uma grave crise política se instalou, em razão da disputa pelo poder. Ainda assim, o Marechal de Ferro conseguiu se manter no poder até 1894, quando passou o bastão ao republicano Prudente de Morais, que entrou para a história como o primeiro presidente civil — e eleito pelo voto direto — do novo regime.
Continua no próximo capítulo.
terça-feira, 6 de fevereiro de 2024
UMA PIADA CHAMADA BRASIL
Da redemocratização até os dias atuais já tivemos um presidente eleito indiretamente que morreu sem receber a faixa, um literato meia-boca, um pseudo caçador de marajás, um baianeiro namorador, um tucano de plumas vistosas (por dois mandatos) um desempregado que deu certo (por dois mandatos) um poste fantasiado de "gerentona" (por um mandato e meio) um vampiro escalafobético (por meio mandato) um mix de militar ruim e parlamentar pior (por intermináveis 4 anos) e — ói nóis aqui traveiz — o ex-presidiário mais famoso de Pindorama desde o genro de Caminha, que foi conduzido por togas supremas da carceragem da PF para o gabinete presidencial no DF.
Incapaz de aprender com os próprios erros, o inigualável eleitorado tupiniquim tende a repeti-los eleição após eleição. Ao que tudo indica, teremos neste ano mais um pleito plebiscitário, com postulantes à prefeitura de quase 5.600 municípios apadrinhados por Bolsonaro ou por Lula — parece até coisa de Superman x Lex Luthor ou de Coringa x Batman. E ainda dizem que Deus é brasileiro!
Nossos políticos se elegem para roubar e roubam para se reeleger. A fé no Executivo se perdeu antes mesmo de renúncia de Jânio pavimentar o caminho para o golpe de 1964 e os subsequentes anos de chumbo. A chama da esperança foi avivada pelos movimentos pró-diretas, bruxuleou com a rejeição da emenda Dante de Oliveira, voltou a brilhar com eleição indireta de 1985 e foi sepultada com o corpo do primeiro presidente civil da "Nova República" — que, a exemplo da Viúva Porcina no folhetim global Roque Santeiro, foi sem nunca ter sido. Em 1989, a vitória de Collor sobre Lula pareceu ser uma luz no fim do túnel. Mas logo se percebeu que o Rei-Sol era tão demagogo e populista quanto adversário derrotado. E o resto é história recente.
A morte é anterior a si mesma. Ela começa antes da abertura da cova e percorre um lento processo. A Lava-Jato morreu sem colher os devidos louros. Foi graças a ela que, pela primeira vez desde a chegada das caravelas, poderosos da oligarquia política e econômica do Brasil foram investigados, processados e condenados. Seu velório reuniu gente importante. Seguravam a alça do caixão Jair Bolsonaro, o Centrão e o PT. O STF enviou uma sequência de coroas de flores enquanto preparava a última pá de cal. Que não demorou a chegar. Ironicamente, o sepultamento se deu sob a égide do presidente que, quando candidato, prometeu pegar em lanças contra a corrupção e os corruptos. Mas vamos por partes.
Em 2018, era imperativo impedir a volta do lulopetismo corrupto — que se estendeu por 13 anos 4 meses e 12 dias e "terminou" com o afastamento da gerentona de araque. Dada a possibilidade de o país vir a ser governado pelo bonifrate do então presidiário mais famoso do Brasil, a minoria pensante do eleitorado teria votado no próprio Capiroto. Com essa opção não estava disponível nas urnas, o jeito foi apoiar o "mito" da direita radical. Como se costuma dizer, situações desesperadoras requerem medidas desesperadas.
Observação: O lulopetismo corrupto foi o agente catalizador que levou ao poder o patriarca do clã das rachadinhas e das mansões milionárias, mas foi sua abominável gestão que libertou da catacumba o xamã da petralhada. Se o verdugo do Planalto não conspirasse diuturnamente contra a democracia, não se associasse ao coronavírus, não investisse contra a imprensa, o Congresso e o STF e não andasse de mãos dadas com Queiroz, Zambelli, milicianos, Collor et caterva, talvez o pontifex maximus da seita do inferno ainda estivesse gozando férias compulsórias na carceragem da PF em Curitiba.
Com ensinou o Conselheiro Acácio (personagem do romance O Primo Basílio, do escritor português Eça de Queiroz), as consequências vêm sempre depois. E não há nada como o tempo para passar. Em 2022, o fiasco da folclórica "terceira via" levou a mesma minoria pensante que ajudou a eleger o "imbrochável imorrível incomível" em 2018 a apoiar o demiurgo de Garanhuns (alguns até levaram fé na falaciosa frente ampla pró-democracia, mas isso é outra conversa). E deu no que está dando.
Reconduzido ao trono com a menor diferença de votos entre candidatos à Presidência no segundo turno desde a redemocratização, o morubixaba petista age como se tivesse sido eleito para o cargo de Deus. Sem se dar conta de que já não esbanja carisma como em 2010, quando se ufanava de ser capaz de eleger até poste, parece confundir o Planalto com o Olimpo da mitologia grega. Livrarmo-nos de Bolsonaro era imperativo, mas a volta de Lula et caterva foi um preço alto a pagar.
Não era de esperar que o ex-presidiário multirréu descondenado por togas camaradas cumprisse suas promessas de campanha. Noves fora a de "não descansar enquanto não foder Sergio Moro", naturalmente. E agora a oportunidade lhe bate à porta: o TRE-PR adiou o julgamento do pedido de cassação do ainda senador sob o pretexto de que, para o caso ser analisado, é preciso que o quórum esteja completo. Detalhe: cabe a Lula escolher um dos três nomes homologados pelo Tribunal para a vaga aberta no último dia 27 com a saída de Thiago Paiva dos Santos, representante da classe dos juristas. Mas isso também é outra conversa.
No debate promovido pela Band em outubro de 2022, por exemplo, Lula trombeteou que "nomear amigo e companheiro para o Supremo é retrocesso" (referindo-se a Nunes Marques e André Mendonça, indicados por Bolsonaro para as vagas de Celso de Mello e Marco Aurélio). Eleito, indicou o amigo e advogado particular Cristiano Zanin para o lugar de Rosa Weber e Flávio Dino para o de Ricardo Lewandowski, convocou o ex-togado para substituir Dino no comando do ministério da Justiça, e ainda teve o desplante de negar sua relação de amizade com Zanin — que esteve em seu casamento com Janja e a quem chamou de "amigo" em entrevista à BandNews FM.
O indicador de corrupção da Transparência Internacional apontou que o Brasil perdeu pontos na luta contra a corrupção sob Bolsonaro e continua descendo a ladeira sob Lula. Com 36 pontos numa escala de 0 a 100, o país despencou da 94ª para a 104ª posição entre os 180 avaliados, ficando atrás da Argentina, da Guiana e da Colômbia, abaixo da média global (43 pontos) e muito abaixo da média entre os membros da OCDE (66 pontos).
A ONG registra que marcos legais e institucionais anticorrupção que demoraram décadas para ser construídos ruíram em poucos anos. Que a indicação de Zanin para o STF foi "contrária à autonomia do Judiciário", e que a de Dino teve "perfil político" para um tribunal já excessivamente politizado. Que a não observância da lista tríplice do MPF na indicação de Paulo Gonet para a PGR evidencia que Lula optou por adotar o mesmo método de escolha política usado por Bolsonaro, cujos efeitos desastrosos ainda são sentidos no país. Que o afrouxamento da Lei das Estatais contou com a cumplicidade do Judiciário — foi uma liminar de Lewandowski que suspendeu os efeitos da lei —, e que houve pressões do governo federal e do Congresso para viabilizar indicações políticas (vale lembrar que o foco das investigações da Lava-Jato foi justamente a corrupção na Petrobras).
Como desgraça pouca é bobagem, o ministro Edson Fachin driblou o regimento da Corte para entregar o "caso Vaza-Jato" diretamente ao colega Dias Toffoli, que não só anulou todas as provas obtidas com o acordo de leniência da Odebrecht (em todas as esferas e para todas as ações) e suspendeu o pagamento de R$ 3,8 bilhões (valor que chegaria a R$ 8,5 bilhões ao final dos 23 anos previstos para o parcelamento). Em sua decisão, o magistrado anotou que, diante das informações obtidas até o momento no âmbito da Operação Spoofing, teria havido conluio entre o então juiz Sergio Moro e procuradores da Lava-Jato em Curitiba para a "elaboração de cenário jurídico-processual-investigativo que conduzisse os investigados à adoção de medidas que melhor conviesse a tais órgãos, e não à defesa em si".
Observação: A alegação de que o processo foi maculado pela falta de acordos de colaboração internacional não se sustenta, quando mais não seja porque as planilhas de propina, extratos bancários, e-mails e registros de retirada de dinheiro foram fornecidos voluntariamente pela Odebrecht. A empresa alegou que fechou o acordo sob coerção, mas não pediu sua anulação — para não perder benefícios como a permissão para voltar a disputar obras públicas e receber empréstimos de bancos estatais, além da garantia de que não seriam mais processadas pelos crimes já confessados.
A liminar do Maquiavel de Marília colocou a Odebrecht no melhor dos mundos, pois ela não terá de pagar mais nada e não perderá os benefícios recebidos. Quem deixa de ser compensado por anos de corrupção bilionária — que nem a empreiteira nem o nobre ministro negaram ter existido — são o Estado e o contribuinte brasileiro. Para piorar, a fila de empresas que querem se livrar de multas bilionárias vem crescendo, já que podem contar com Toffoli e sua noção sui generis de proteção do Estado de Direito.
Triste Brasil.