segunda-feira, 29 de agosto de 2022

O PAÍS DO GOLPE


Despida do glamour fantasioso atribuído pelos livros didáticos, a Proclamação da República foi apenas o primeiro dos muitos golpe de Estado político-militar que aconteceram nos últimos 132 anos (entre os quais vale citar a revolução de 1930, a implantação do Estado Novo por Getúlio Vargas em 1937, a deposição de Getúlio em 1945, o golpe de 1964, e assim por diante). 


Ao longo da nossa história republicana, 35 presidentes chegaram ao poder pelo voto popular, por eleição indireta, via linha sucessória ou por golpe de Estado. Oito deles, a começar por Deodoro da Fonseca — o tal que "proclamou" a república — foram de alguma maneira apeados do poder. 

 

Da redemocratização até os dias atuais, amargamos um presidente eleito indiretamente, um literato meia-boca, um caçador de marajás de mentirinha, um baianeiro namorador, um tucano de plumagem vistosa, um retirante pobre e semianalfabeto, uma aberração travestida de "gerentona", um vampiro escalafobético e um dublê de mau militar e parlamentar medíocre


Da feita que quem não aprende com os erros passados está fadado a repeti-los indefinidamente, duas dessas tragédias são os franco-favoritos para disputar o Planalto agora em outubro. E ainda tem gente que diz que Deus é brasileiro!

 

A política tupiniquim sempre foi um esgoto a céu aberto. Os candidatos se elegem para roubar e roubam para se reeleger. No Executivo, a fé se perdeu (se é que ainda restava alguma) antes mesmo da renúncia de Jânio, que pavimentou o caminho para o golpe de 1964 e os subsequentes 21 anos de ditadura militar. 


A morte do primeiro presidente civil do período "pós-redemocratização" — que foi eleito indiretamente, mas representava a esperança dos brasileiros num futuro melhor — resultou no governo do eterno donatário da capitania do Maranhão — um dos mais notórios ícones da abominável política coronelista nordestina. Ao final do mandato-tampão, a impopularidade do dito-cujo era tamanha que ele se viu obrigado disputar uma cadeira no Senado pelo recém-criado estado do Amapá. 

 

As esperanças se renovaram quando o pseudo caçador de marajás derrotou o desempregado que deu certo (ou que daria certo em 2002, quando seria eleito presidente pela primeira vez). Mas logo se percebeu que o santarrão de pau oco tinha pés de barro e não passava de um populista tão descarado quanto o adversário derrotado. 


Do impeachment dessa figura desprezível — o primeiro da Nova República — resultou a gestão do tal baianeiro, que se notabilizou por posar para fotos ao lado da modelo sem calcinha Lilian Ramos e ressuscitar o Fusca, mas que também promulgou o Plano Real, cujo sucesso levou ao Planalto, por duas vezes consecutiva, ambas no primeiro turno, seu ministro da Fazenda. 


Observação: Lamentavelmente, o grão-duque tucano resolveu comprar a PEC da reeleição, mas aí já não lhe restavam coelhos para tirar da cartola.

 

A reboque da vitória de Lula vieram o Mensalão, o Petrolão e a indicação de oito ministros do STF, cujas decisões teratológicas (não só deles nem de todos eles, vale ressaltar) fulminaram a esperança que os brasileiros depositavam no Judiciário quando nada que prestasse se podia se esperar do Executivo e do Legislativo. 


Em 2012, assistimos estarrecidos — mas esperançosos — a condenação da alta cúpula do Mensalão. Em 2016, comemoramos impeachment da "gerentona de festim" e os avanços da Lava-Jato — que refrearam em alguma medida e por algum tempo o apetite pantagruélico da seleta confraria de políticos corruptos pelo dinheiro dos contribuintes. 

 

A morte é anterior a si mesma. Ela começa muito antes da abertura da cova. Percorre um lento processo. No caso da Lava-Jato, a operação morreu sem colher os devidos louros. Foi graças a ela que, pela primeira vez desde a chegada das caravelas, o braço do Estado investigou, enjaulou e puniu poderosos da oligarquia política e econômica do Brasil. 


O velório reuniu gente importante: seguravam a alça do caixão Jair Bolsonaro, o Centrão e o PT. O STF enviou uma sequência de coroas de flores enquanto preparava a última pá de cal. E ela não demorou a chegar. Ironicamente, o sepultamento da força tarefa se deu sob a batuta do mandatário que, quando candidato, prometeu combater implacavelmente a corrupção e os corruptos. 

 

A morte às vezes funciona como um grande despertar. Mas a sociedade brasileira emite sinais de cansaço. Um cansaço que se parece com saudade de quem não teve a oportunidade de dizer adeus.