Conhecimentos não-empíricos, como os obtidos através de inexatos livros de História, não autorizam ninguém a pleitear volta dos fardados ao poder.
A ditadura instituída pela assim chamada Revolução de 1964 foi um golpe militar desfechado na madrugada de 1º de abril, quando líderes civis e militares conservadores depuseram o então presidente João Goulart e empossaram o marechal Humberto de Alencar Castello Branco, a pretexto de afastar do poder um grupo político que supostamente flertava com o comunismo.
Em 1968, o “linha-dura” Costa e Silva decretou o AI-5, produzindo um elenco de ações arbitrárias que prevaleceram durante o período mais repressivo do regime. Em 1974, Geisel deu início ao lento processo de abertura que poria fim, dali a 11 longos anos, à malfadada ditadura — que se estendeu por intermináveis 21 anos, durante os quais, além de Castello, outros quatro generais presidiram o país, a saber: Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo.
O desgaste do governo militar propiciou a eleição (indireta) de Tancredo Neves, que derrotou Paulo Maluf no Colégio Eleitoral (por 480 votos a 180), em 15 de janeiro de 1985. graças à união do PMDB à chamada Frente Liberal (formada por dissidentes do partido que dava sustentação ao militares).
O fim da ditadura não foi uma “consequência natural do espírito democrático” de Geisel e Figueiredo nem tampouco transcorreu sem turbulências e acidentes de percurso. O processo só foi concluído graças a manifestações populares pró-diretas que reuniram cerca de 1,5 milhão de pessoas na Candelária e 1 milhão no Vale do Anhangabaú. A mais emblemática delas lotou a Praça da Sé, em janeiro de 1984, com 300 mil pessoas carregando faixas e vestindo camisetas onde se lia a inscrição “EU QUERO VOTAR PARA PRESIDENTE”.
Observação: Os movimentos pró “Diretas Já” pugnavam pela aprovação da emenda constitucional Dante de Oliveira, que visava restaurar o direito às eleições diretas. Os manifestantes apareceram espontaneamente para ouvir e aplaudir líderes políticos do quilate de Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Leonel Brizola, Fernando Henrique Cardoso e Lula, além de artistas e intelectuais que se revezavam ao microfone. Em meados dos anos 1980, a Internet ainda era uma ilustre desconhecida, e as redes sociais só surgiriam e se popularizariam quase duas décadas depois.
O deputado Ulysses Guimarães, então presidente da Câmara, entregou a Tancredo o programa denominado Nova República, que previa eleições diretas em todos os níveis, educação gratuita, congelamento de preços da cesta básica e dos transportes, entre outras benesses.
Com esperança e ânimos redobrados, os brasileiros ansiavam pela chegada do dia 15 de março — data prevista para a posse do primeiro civil na Presidência em 21 anos. Mas o que deveria ser a festa da democracia se transformou em luto nacional: Tancredo foi internado 12 horas antes da cerimônia e morreu 38 dias e 7 cirurgias depois, levando para o túmulo a esperança de milhões de brasileiros.
O sepultamento do político em São João Del Rey (MG) produziu um dos maiores cortejos fúnebres já vistos no país: o féretro foi seguido por mais de 2 milhões de pessoas por São Paulo, Brasília e Belo Horizonte, a caminho da cidade natal daquele que foi, sem jamais ter sido, o maior presidente do Brasil.
Após algumas discussões jurídicas sobre a possibilidade de o então presidente da Câmara ser guindado ao Palácio do Planalto, prevaleceu o entendimento de que o rebotalho do coronelismo nordestino José Sarney, vice na chapa vencedora, deveria assumir a Presidência. E foi o que aconteceu, para o bem e para o mal.
É no mínimo curioso o fato de que muita gente que nem era nascida quando a
eleição de Tancredo marcou o fim da ditadura se diz saudosa
dos "anos de chumbo". Essa caterva compareceu em peso nas manifestações
de 7 de Setembro último, para beber as palavras golpistas de seu despirocado “mito”.
Enquanto os brasileiros não se conscientizarem de que voto é
coisa séria — e não perceberam a força que têm —, continuaremos amargando
agentes públicos fisiologistas, vendilhões e ladrões. E, guardadas as
devidas proporções, o mesmo raciocínio vale para o Poder Judiciário.
Como instituição, tanto a Presidência da República quanto o
Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal merecem nosso mais profundo
respeito. Mas daí a dizer que o atual chefe do Executivo (bem como os que o
precederam desde a "redemocratização"), os 513 deputados federais, os
81 senadores e os 11 togados supremos merecem o mesmo tratamento
é confundir alhos com bugalhos.
Observação: Confundir alhos com
bugalhos é o mesmo que trocar as bolas, ou, por extensão, meter
os pés pelas mãos. O que muita gente não sabe é
que bugalhos são bulbos comestíveis de textura semelhante à do
alho, cujo formato de pênis inspirou um fado que os marujos
lusitanos cantavam nos tempos de Cabral: “Não confundas alhos com bugalhos
/ Nem tampouco bugalhos com caralhos”.
Continua...