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segunda-feira, 4 de outubro de 2021

ALIANÇAS SÓ SE CONCRETIZAM QUANDO HÁ UMA AMEAÇA EXTERNA MAIOR

Toda previsão no Brasil deveria trazer junto um seguro-imprevisibilidade, mas é razoável supor que entramos num período algo estável, já que nem o presidente da República reuniu até o momento força para suplantar os demais poderes nem os opositores acumularam por enquanto massa crítica para depô-lo. Daí que as atenções comecem a se voltar cada vez mais para a próxima janela de oportunidade na disputa do poder: a eleição. 

Com uma competição particular entre os candidatos a ser o “Bolsonaro do Bolsonaro”. Alguém que tire do incumbente a liderança do bloco que vai do centro para a direita, exatamente como o atual presidente fez com o PSDB na corrida de 2018. Um PSDB que nas seis disputas anteriores ou ganhara ou pelo menos fora ao segundo turno...

Os dois pré-candidatos tucanos afiaram as lanças na última semana, exibindo suas impecáveis credenciais antipetistas, pouquíssimo tempo após a vaga de opiniões e emocionados apelos pela “frente ampla”. Faz sentido. Para a legenda, a vaga em disputa no segundo turno não é a de Lula, mas a do adversário dele. E os governadores paulista e gaúcho estão num momento de “ciscar para dentro”.

Enquanto isso, Bolsonaro busca um certo reposicionamento, mostrando que a carta redigida em conjunto com o ex Michel Temer não foi raio em céu azul. Tem lógica. O presidente não enfrenta concorrência séria no campo da direita; se mantiver os traços estruturais de seu discurso, pode tranquilamente fazer movimentos táticos ao “centro”, inclusive por não ter maiores antagonismos com o centrismo. Corre pouco risco de perder substância.

Quanto vai durar a (quase) calmaria? Um palpite é que dure enquanto os dois blocos que hoje travam a disputa mais acalorada — o bolsonarismo e o centrismo — acreditarem reunir potencial de voto para prevalecer em outubro de 2022. Por isso mesmo, seria imprudente apostar todas as fichas num processo eleitoral no padrão dos anteriores, absolutamente estável. Pois alguma hora um desses dois blocos notará que a vaca está indo para o brejo. A não ser que Lula derreta no caminho. O que por enquanto não está no horizonte.

E os imprevistos? Como dito amiúde, é imprudente desprezá-los. Especialmente diante de um Judiciário fortemente inclinado ao ativismo. Mas eventuais decisões que removam algum contendor manu militari não garantem vida fácil a quem sobrar na corrida. Pois pode perfeitamente acontecer como em 2018: o removido apoiar alguém e manter ocupado o espaço político que se pretendeu deixar vago.

E há outra variável, que ensaia alguns passos, costeando o alambrado: Sergio Moro. As ofertas para ele estão feitas. Com o pulverizado cenário da “terceira via”, a possibilidade de ocupar esse espaço não deixa de ser atraente para o ex-juiz e ex-ministro.

Mas a pergunta que não quer calar é: Por que os opositores não se reúnem numa frente ampla contra Bolsonaro? A explicação está ao alcance. Qual dos candidatos a participar da frente vê no capitão uma ameaça significativamente maior que a representada pelos possíveis aliados táticos contra o presidente da República? Pois seria simples de resolver. Bastaria todos firmarem o compromisso de apoiar quem for ao segundo turno contra Bolsonaro — se o presidente estiver no segundo turno. Poupariam tempo e energia. E cada um faria seus próprios comícios, passeatas e que tais. Sem o risco de ser apupado pelos amigos de hoje, que amanhã voltarão a ser os inimigos de ontem. Qual é o obstáculo?

Em largas parcelas do espectro político-social-empresarial, apoiar Bolsonaro ou manter certa neutralidade, no primeiro ou no segundo turno, continua sendo uma opção à mesa. E alianças políticas só se consolidam quando se cristaliza a consciência, ou a circunstância, de uma ameaça externa qualitativamente maior.

Um exemplo aliancista sempre lembrado é o da Frente Ampla costurada por Carlos Lacerda e Juscelino Kubitschek, que tentou atrair João Goulart. No fim, o regime militar implodiu a articulação e ela acabou sendo o canto do cisne político dos três. Eram inimigos e só começaram a conversar sobre juntar-se quando a ameaça existencial política já tinha desabado ou estava apontada para todos eles. Lacerda fora um líder de 1964. E JK votara no marechal Castelo Branco na eleição indireta para substituir o deposto Jango.

Outro episódio de referência é a II Guerra Mundial. União Soviética, Estados Unidos e Reino Unido juntaram-se para derrotar a Alemanha. O incauto Bolsonaro que comemora ostracismo do MST pode ser induzido a acreditar na fábula das três potências que certa hora decidiram salvar a humanidade, deixaram para depois as diferenças e deram-se as mãos na urgente tarefa comum.

O Reino Unido e a França declararam guerra à Alemanha quando esta invadiu a Polônia, mas britânicos e franceses esconderam-se numa guerra de mentirinha (phoney war), ou pelo menos de baixa intensidade, até os alemães atacarem a França.

A União Soviética só passou a combater a Alemanha quando foi invadida por ela, em junho de 1941. Antes, firmara em 1939 um pacto de não agressão com Berlim, para neutralizar a pressão que britânicos e franceses faziam sobre os alemães para que estes atacassem os soviéticos. E os Estados Unidos só entraram na guerra quando atacados pelos japoneses em Pearl Harbor, em dezembro de 1941.

Súditos da rainha, liderados de Stalin e comandados por Roosevelt só se deixaram arrastar diretamente para a guerra quando se viram diante de uma ameaça existencial direta. A eles mesmos (União Soviética), a seu império (Reino Unido) ou a sua área de influência no Pacífico (Estados Unidos).

Que futuro o PT oferece ao “centro” para este fechar as portas definitivamente a Bolsonaro? E que garantias a esquerda raiz tem de vida mais fácil num governo da “terceira via”? Dizer “vamos tirar o Bolsonaro e só depois eu corto teu pescoço” não chega a ser uma sedução irresistível.

Com Alon Feuerwerker

domingo, 10 de julho de 2022

SERGIO MORO DE VOLTA ÀS ORIGENS (PARTE 4)


 

Após ganhar notoriedade expondo documentos secretos da NSAGlenn Greenwald, o pasquineiro difamador, deixou o jornal The Guardian e passou ser bancado pelo francês de origem iraniana Pierre Omidyar, fundador do site de leilões eBayCom fortuna avaliada em quase US$ 14 bilhões, o bilionário é fundador também da First Look Media — empresa-mãe do The Intercept — e do Press Freedom Defense

Diferentemente de filantropos realmente engajados em causas humanitárias e à semelhança do húngaro George Soros — a encarnação do demônio para os antiglobalistas —, Omidyar “faz caridade” com uma desavergonhada pegada de ativismo político. Em 2017, quando doou US$ 100 milhões para combater fake news através do jornalismo investigativo, ele divulgou um comunicado em que se comprometia a aplacar o “déficit global de confiança” nas instituições. Dentre os eventos listados para fundamentar tal preocupação figuravam a eleição de Donald Trump e — vejam só — o impeachment da ex-presidanta Dilma Rousseff. 

Defensores de Verdevaldo nas redes sociais tentaram lhe emprestar credibilidade alegando que ele teria sido agraciado com um Pulitzer — considerado o Oscar do Jornalismo — pela publicação dos documentos da NSA vazados por Edward Snowden. Na verdade, a equipe liderada por ele e Laura Poitras conquistou para o The Guardian US e para o The Washington Post o prêmio na categoria “Serviço Público” de 2014 — na qual o premiado é sempre o jornal que publicou a reportagem ou a série de reportagens. Ainda que assim não fosse, a lista de ganhadores do Pulitzer inclui Walter Duranty, que ocultou deliberadamente os crimes do stalinismo (incluindo o genocídio de ucranianos pela fome) e Janet Cooke, autora de uma reportagem inventada sobre uma criança de oito anos viciada em heroína, que teve de devolver o prêmio depois que a farsa foi descoberta (clique no site do Pulitzer para checar).
 
Quem tiver interesse em conhecer o verdadeiro estofo do caráter do manipulador do conta-gotas do Intercept encontrará mais informações na reportagem que Eric Wemple publicou em 27 de junho de 2013 no jornal The Washington Post. Dentre outras coisas, a matéria informa que “o escritório do cartório do condado de Nova York mostra que Glenn Greenwald tem US$ 126.000 em sentenças abertas e contra ele datando de 2000, incluindo US$ 21.000 do Departamento de Impostos do Estado e da Secretaria da Fazenda. Também fala de um penhor de US $ 85.000”.
 
Greenwald se envolveu com gente do submundo e do ramo da pornografia e se tornou inimigo de Peter Haas — dono de uma companhia de produtos pornográficos —, a quem chamou de little bitch (putinha) no Post. Ao se juntar a Edward Snowden — o ex-administrador de sistemas da CIA e ex-contratado da NSA que tornou públicos detalhes de vários programas que constituem o sistema de vigilância global americano —, entrou para a lista negra do governo EUA e bateu de frente com Julian Assange, dono do WikiLeaks e de uma capivara que inclui processo por estupro na Suécia e quebra de acordo de liberdade sob fiança no Reino Unido. 

Em 2013, quando David Miranda — ex-suplente de Jean Wyllys e marido de Glenn — foi detido no Aeroporto de Londres por violar o protocolo 7 do Ato Antiterrorismo, Dilma prestou mais um desserviço aos brasileiros abrindo as portas do país para a permanência legal do panfleteiro, como fez Lula antes dela ao acolher o mafioso assassino Cesare Battisti

Se você ainda acha que o Intercept, seu editor e seus replicadores são paladinos da justiça, pense outra vez. Como Lula, essa caterva não passa de santos com pés de barro. Greenwald posa de quintessência da moralidade, mas nunca foi flor que se cheire. Um mês antes das eleições americanas de 2016, ele publicou no Intercept uma matéria intitulada “EXCLUSIVO: NOVO VAZAMENTO DE E-MAILS REVELA RELAÇÃO PRÓXIMA DA CAMPANHA DE CLINTON COM A IMPRENSA”, que expunha o conteúdo de mensagens trocadas entre a equipe da candidata democrata Hillary Clinton e jornalistas. 

Ao divulgar as supostas conversas entre Moro e os procuradores da Lava-Jato, o blogueiro ignominioso não se importou com a forma como o material fora obtido nem com o óbvio direcionamento dos alvos: somente juízes e investigadores envolvidos em decisões desfavoráveis aos acusados pela Lava-Jato tiveram seus dados vazados. Ao ser perguntado sobre essa seletividade, o coveiro de reputações respondeu: “Qualquer sugestão de que eu me oponho à Lava-Jato é totalmente ridícula”. Seus métodos se encaixam naquilo que é conhecido como “jornalismo ativista”, “jornalismo de oposição” ou “jornalismo de choque”. 

A prática usa as premissas que regem a profissão, como a preservação da fonte e a busca do interesse público, para atingir apenas rivais. Seu sobrenome até deu origem a um verbo em inglês: “greenwalding”. Em 2016, o termo entrou no site Urban Dictionary, em que os leitores elencam acepções para as palavras e votam nas melhores, sedo uma das mais populares “pinçar um conteúdo e tirá-lo do contexto com o objetivo de difamar alguém”.
 
Os alvos do “jornalista investigativo” e seu site panfletário são todos aqueles que, em sua visão de mundo, abusam de sua condição de poder. Trata-se de um grupo eclético, que inclui o Partido Democrata, as elites, o jornal The Washington Post, a Globo, os ricos (embora ele próprio seja financiado por um bilionário), o FBI, a CIAIsrael, o Reino Unido, o ex-procurador especial dos Estados Unidos Robert Mueller, a Lava-Jato (quando o alvo é o PT), e por aí segue a procissão.

O gosto pelo enfrentamento, destilado quase diariamente em sua conta do Twitter, aflorou ainda em 2005, quando Glenn passou a criticar a presença militar americana no Iraque. No ano seguinte, publicou o livro Como um patriota deveria atuar — o título fazia referência ao Patriot Act, criado pelo presidente George W. Bush como resposta aos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. A obra tornou-se um best-seller, e o sucesso editorial lhe abriu as portas para a autoria de colunas no site americano Salon e, mais adiante, no jornal inglês The Guardian.

Com Snowden e Assange, o paladino dos bocós forma um trio sempre disposto a defender Vladimir Putin. Dos três ativistas, Glenn é quem tem a língua mais afiada. Para cada abuso ou crime cometido a mando de Putin, ele cria uma história para relativizar o fato ou afirma que as evidências não são suficientes para culpar Moscou. Quando um ex-espião russo e sua filha foram envenenados com novichok na Inglaterra, disse que os cientistas britânicos mentiram quando afirmaram que a substância havia sido produzida na Rússia.
 
Além prestar vassalagem o ditador russo, Greenwald é simpatizante de grupos terroristas muçulmanos, como o Estado Islâmico, a Al-Qaeda, o Hamas e o Hezbollah, que considera como "as democracias do Oriente" — só para lembrar: em 1983, membros do Hezbollah explodiram dois caminhões-bomba no Líbano e mataram 307 militares que estavam no país como força de paz. Desses, 241 eram americanos. Mas o Brasil entrou em sua vida por questões pessoais: Em 2005, ele conheceu o marido David Miranda, então com 20 anos, que conquistou seus cinco minutos de fama ao ser interrogado durante nove horas no aeroporto de Heathrow, em Londres, depois de ter sido pego transportando documentos de Snowden para Greenwald

Em 2016, Miranda se elegeu vereador pelo Rio de Janeiro; em 2018, tentou a Câmara dos Deputados, mas conseguiu apenas a primeira suplência da bancada do PSOL. Quando Jean Wyllys se autoexilou na Espanha, alegando ameaças de morte, o vice passou a titular, o que comprova mais uma vez quão bem servidos estamos de representantes no Congresso.
 
"Lutamos contra os governos mais poderosos do mundo e a CIA, a NSA, o Reino Unido… Estávamos sendo ameaçados o tempo todo”, disse Greenwald em entrevista ao site Agência Pública, dois dias depois da divulgação das mensagens roubadas do celular de Dallagnol. Na mesma entrevista, atacou veículos de imprensa brasileiros, afirmando que a “grande mídia” estava trabalhando para a Lava-Jato. No dia seguinte, a Globo emitiu um comunicado revelando que, apesar dos ataques, o panfleteiro havia proposto uma pareceria para divulgar as mensagens roubadas. 

Glenn e a Globo já haviam trabalhado juntos em 2013, na publicação dos documentos de Snowden, mas o assassino de reputações se negou a dar informações sobre o conteúdo e a origem do material que dizia possuir. Em outras palavras, ele queria fechar a parceria sem que a emissora soubesse o que tinha em mãos, e por isso a conversa não foi adiante. Uma vez publicadas as matérias no Intercept, prossegue o comunicado da Globo, um representante do site ainda a procurou para oferecer uma entrevista. Também não deu certo. Na sequência, Glenn passou a atacar a Globo. “O comportamento de Greenwald nos episódios aqui narrados permite ao público julgar o caráter dele”, resume a nota.

O mundo dá muitas voltas. Seria justiça poética o casal 20 versão século XXI receber uma dose cavalar do próprio remédio, até porque a diferença entre o fármaco e o veneno está justamente na dosagem. E assim encerro mais este capítulo, aproveitando o ensejo para recomendar a leitura desta matéria, que detalha o imbróglio que descrevi. Se sobrar tempo, vale também assistir a este vídeo.

Continua...

quarta-feira, 8 de julho de 2020

DA PRAGA DA CASERNA AO CAPITÃO CAVERNA — TERCEIRA PARTE



Peguemos nossa máquina do tempo e teletransportemo-nos do século XVI — quando os lusitanos botaram as patas na terra do pau-brasil, até o ano de 1808 — quando a Família Real Portuguesa, ameaçada pelo Tratado de Fontainebleau, mudou-se de mala e cuia para sua colônia, que então foi promovida de a Reino Unido. Feita essa breve escala, avancemos até o final de agosto de 1822, semanas antes do célebre “Grito do Independência” — que Pedro Américo imortalizou em seu tão célebre quanto fantasioso quadro, cuja reprodução ilustra esta postagem, e que Evaristo da Veiga poetizou, no Hino da Independência, aludindo à ruptura dos grilhões que nos forjava da perfídia astuto ardil.

Em agosto de 1822, o príncipe regente D. Pedro deslocou-se à província de São Paulo para acalmar a situação, depois de uma rebelião contra José Bonifácio. No dia 7 de setembro, voltando de Santos (SP), sua alteza recebeu três cartas. Uma, com ordens de seu pai para que retornasse a Portugal e se submetesse ao rei e às Cortes. Outra, do próprio Bonifácio, que o aconselhava a romper com Portugal, e a terceira, de sua esposa, Maria Leopoldina de Áustria, apoiando a decisão do ministro e advertindo: "O pomo está maduro, colhe-o já, senão apodrece." 

Impelido pelas circunstâncias, D. Pedro teria desembainhado a espada e rompido os laços de união política com Portugal com a célebre frase "Independência ou Morte!" (menos de 1 mês depois ele foi aclamado imperador do Brasil, com o título de D. Pedro I, e coroado em 1 de dezembro na Igreja de Nossa Senhora do Monte do Carmo, no Rio de Janeiro, então capital do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, mas isso não vem ao caso para o escopo desta abordagem).

A representação dos intrépidos viajantes na obra do ilustre pintor — que poderia ser apreciada ao vivo e em cores se o Museu do Ipiranga não estivesse fechado ao público desde 2013 (para obras de restauro e modernização que certamente estarão datadas quando e se forem concluídas e o museu, reaberto um dia) —, trajando vistoso uniformes de gala e montados em garbosos puros-sangues, não condiz com a realidade. Talvez porque o quadro foi encomendado para retratar a independência do Brasil como um ato heroico, como se a iniciativa tivesse surgido da necessidade de se construir uma nação. Não foi bem isso, mas esses detalhes não vêm ao caso para os efeitos desta análise.

D. Pedro e distinta comitiva (não mais que uma dezena de pessoas) montavam mulas, e não os cavalos, já que a viagem era longa e boa parte dela era feita pela Serra do Mar, o que demandava montarias fortes e resistentes, e não simplesmente elegantes. Também por isso sua alteza e companhia estavam suados, sujos e amarfanhados. O rio Ipiranga não passava de um córrego, e “grito” não se deu exatamente às suas margens, mas numa colina que ficava nas imediações. E o local não foi escolhido por ser bucólico e servir de pano de fundo para a efeméride — o préstito imperial só parou ali para que D. Pedro, acometido de poderosa caganeira, pudesse aliviar os intestinos. E já que estava “soltando um barro”, sua alteza soltou também o histórico grito da independência.

A proclamação da República é outro episódio da nossa história que, devidamente despido do glamour fantasioso atribuído pelos livros didáticos, não passou de um golpe de Estado político-militar que pôs fim à monarquia constitucional parlamentarista do Império, apeou do trono D. Pedro II e implementou o presidencialismo republicano como forma de governo. Vejamos isso em detalhes.

Meses após o Marechal Deodoro da Fonseca proclamar a República, o Brasil já conhecia a primeira crítica articulada sobre o processo que havia removido a monarquia do poder: o livro Fastos da Ditadura Militar no Brasil, escrito em 1890 pelo advogado paulistano Eduardo Prado, que foi o primeiro autor a considerar a Proclamação da República um "golpe de Estado ilegítimo" aplicado pelos militares.

Na visão do empresário Luiz Philippe de Orleans e Bragança, tataraneto de D. Pedro II e militante do movimento de direita Acorda Brasil "a proclamação foi um golpe de uma minoria escravocrata aliada aos grandes latifundiários, aos militares, a segmentos da Igreja e da maçonaria. O que é fato notório é que foi um golpe ilegítimo". Sua tese é esposada pelo historiador José Murilo de Carvalho, autor do livro O Pecado Original da República (editora Bazar do Tempo).

O jornalista e historiador José Laurentino Gomes, autor da trilogia 1808, 1822 e 1889, concorda com a leitura do “golpe”, mas pondera que o debate sobre a legitimidade da República é sobre "quem legitima o quê", o que está ligado ao processo de consolidação de qualquer regime político. Segundo ele, a questão envolve a luta pelo direito de nomear os acontecimentos históricos que, no caso dos republicanos, conseguiram emplacar a ideia de "proclamação" e não de "golpe". "O que aconteceu em 1889, em 1930 e em 1964 é a mesma coisa: exército na rua fazendo política. Depende de quem legitima o quê. O movimento de 1964 não foi legitimado pela sociedade, mas a revolução de 1930 o foi tanto pelos sindicatos quanto pelas mudanças promovidas por Getúlio Vargas. A proclamação é contada hoje por quem venceu", argumenta.

Já o historiador Marcos Napolitano, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade da USP, assevera que é possível, sim, falar em golpe na fundação da República, mas questionar sua legitimidade, como faz Orleans e Bragança, seria um revisionismo histórico incabível. "Se pensarmos que a monarquia era um regime historicamente vinculado à escravidão (esta sim, uma instituição ilegítima, sob quaisquer aspectos), acho pessoalmente que a fundação da República foi um processo político legítimo que, infelizmente, não veio acompanhado de reformas democratizantes e inclusivas", explica.

Resumo da ópera:

Com o fim do governo provisório e a promulgação da Constituição Republicana de 1891, o Congresso Nacional guindou o marechal Deodoro da Fonseca à presidência da República Velha — ou República das Oligarquias. Ou seja: a primeira república tupiniquim começou com um golpe militar, e o primeiro presidente, também militar, foi eleito indiretamente e “convidado” a deixar o cargo pelas Forças Armadas cerca de 2 anos depois. 

Ao longo de 130 anos de história republicana, o Brasil teve até hoje 35 presidentes, que chegaram ao poder pelo voto popular, por eleição indireta, via linha sucessória ou por golpe de Estado. Oito deles, a começar por Deodoro da Fonseca, foram de alguma maneira apeados do poder. E como o que começa mal tende a piorar, a possibilidade de o atual inquilino do Palácio do Planalto sofrer uma ação de despejo são reais. E, cá entre nós, já está mais que na hora.

Continua...

segunda-feira, 15 de julho de 2019

A VAZA-JATO E AS ESTRIPULIAS DE VERDEVALDO



Em clima de Fla Flu, com torcidas opostas, vaias e fogos lançados do outro lado da margem por manifestantes contrários à sua presença na Feira Literária Pirata das Editoras Independentes, o jornalista americano Glenn Greenwald foi saudado como herói pela patuleia e opositores do governo Bolsonaro, ao som de uma versão hardcore de "Bella Ciao" — canção popular italiana que se tornou um símbolo da Resistência italiana contra o Fascismo durante a 2ª Guerra Mundial.

Mesmo diante da pressão, Greenwald avisou que não pretende sair do Brasil: "Sou casado com um brasileiro que eu amo mais do que tudo, nós temos dois filhos brasileiros que adotamos; somos uma família completa, cheia de amor e felicidade, como todos podem ser, inclusive os jovens LGBT neste país. Posso sair do país a qualquer momento, só que eu não estou fazendo isso, nem vou fazer. Porque 15 anos atrás eu me apaixonei pelo Brasil". E aproveitou a ocasião para revelar em que pé estão os trabalhos de apuração do The Intercept Brasil: "Estamos muito mais perto do começo do que do final. Temos muito mais para revelar. Quando perceberam a importância do material, todos os jornalistas do Brasil nos procuraram querendo trabalhar com a gente como parceiros. Todos, menos um: a Globo. Para os jornalistas da Globo, é um crime fazer jornalismo. Só com fascistas e racistas o Bolsonaro conseguiu ter 15% dos votos. O país pelo qual me apaixonei não é isso. Ele é feito de pessoas diferentes. Só a democracia pode unir esse país."

Algumas pessoas parecem ter nascido com o único propósito de atazanar a vida alheia. E Verdevaldo se destaca entre os membros dessa seleta confraria. A propósito da Vaza-Jato, escreveu Diogo Mainardi na revista eletrônica Crusoé:

A imprensa resistiu ao AI-5, mas não vai resistir a Glenn Greenwald. Como é que a Veja, depois de denunciar a gatunagem lulista por mais de dez anos, sendo retaliada por aquela gente, pode compartilhar mensagens obtidas por criminosos, com o único propósito de enterrar a Lava-Jato e tirar da cadeia Lula e seus comparsas? Como é que a Folha, que sempre se vangloriou de sua autonomia, pode sucumbir às imposturas militantes de um bando de piratas, que manipula e falseia o produto de um crime para inocentar os membros de uma quadrilha? Os leitores vão castigá-los duramente. E o descrédito vai se espalhar para todos os lados.

O complexo de vira-latas dos jornalistas brasileiros permite que o aventureiro americano passe o dia inteiro no Twitter, arrotando platitudes sobre a liberdade de imprensa, como um novo Thomas Jefferson. Mas ele não é nada disso. Depois de quatro semanas de intenso agitprop, o plano de Verdevaldo para desmoralizar a Lava-Jato e libertar o chefe da ORCRIM está se revelando um fiasco. E o motivo é um só: Sergio Moro e Deltan Dallagnol, ao contrário dos bandidos que eles prenderam, fizeram tudo certinho, sem atropelar a lei.

O AI-5 de Verdevaldo não tem DOI-CODI nem pau-de-arara: a imprensa entregou-se espontaneamente a seu algoz. Se os jornalistas quiserem, posso torturá-los ainda mais, contando o que vai ocorrer a partir de agora. Em primeiro lugar, a PF vai prender o responsável pelos ataques aos telefones celulares dos procuradores de Curitiba. Em seguida, sua rede de contatos também será revelada. Quando esses nomes vierem à tona, a trama lulista vai explodir espetacularmente. Eu sei disso porque é o que vem se repetindo há quatro anos e meio. Já vimos essa história: criminosos muito poderosos se mobilizam para destruir a Lava-Jato, advogados bombardeiam a imprensa com falsos vazamentos e pareceres de juristas coniventes, ministros do STF tentam intimidar Sergio Moro e, no fim, os bandidos terminam na cadeia. Desta vez, porém, há uma novidade: o golpe partiu da imprensa. E ela, tristemente, vai se espatifar.

Um mês antes das eleições americanas de 2016, Greenwald publicou com um colega uma matéria no site The Intercept, criado por ele em 2013. Com o título “Exclusivo: novo vazamento de e-mails revela relação próxima da campanha de Clinton com a imprensa”, o texto expunha o conteúdo de mensagens trocadas entre a equipe da candidata democrata Hillary Clinton e jornalistas. Entre as táticas usadas para manipular a imprensa, citava-se o oferecimento de bebidas e comida para jornalistas em reuniões para transmitir informações e sugestões de entrevistados para os programas de televisão. A fonte dos dados, segundo o site, identificava-se como Guccifer 2.0 — um nome já conhecido.

Dois dias antes, o Departamento de Segurança Interna e o diretor de Inteligência Nacional dos Estados Unidos soltaram um comunicado dizendo-se convictos de que o governo russo estava por trás dos roubos de e-mails de cidadãos e instituições americanas, incluindo de organizações políticas. “As revelações recentes de e-mails supostamente hackeados em sites como DCLeaks.com e Wikileaks, e pela identidade online Guccifer 2.0, são consistentes com os métodos e motivações russos”, dizia a nota. “Nós acreditamos que somente oficiais de alto nível da Rússia poderiam ter autorizado essas atividades.”

O alerta não deteve Greenwald, mesmo em plena campanha eleitoral. Na matéria do Intercept, ele se explicava: “Na sexta-feira, autoridades do governo de Barack Obama alegaram que os funcionários de alto nível da Rússia foram responsáveis por este e outros ataques, embora não tenham fornecido nenhuma evidência para essa afirmação”. Nem a origem criminosa dos documentos nem o interesse evidente de quem forneceu os dados — agente russos — evitaram a publicação da matéria.

O padrão parece ter se repetido no Brasil. Na divulgação das conversas entre Sergio Moro e os procuradores da Lava-Jato, Greenwald também não se importou com a forma como o material fora obtido (se é mesmo que ele não sabe) ou com o óbvio direcionamento dos alvos: somente juízes e investigadores envolvidos em decisões desfavoráveis aos acusados pela Lava-Jato tiveram seus dados vazados. Ao ser perguntado por Crusoé sobre essa seletividade, respondeu: “Qualquer sugestão de que eu me oponho à Lava-Jato é totalmente ridícula”.

Os métodos de Greenwald se encaixam naquilo que é conhecido como “jornalismo ativista”, “jornalismo de oposição” ou “jornalismo de choque”. A prática usa as premissas que regem a profissão — como a preservação da fonte e a busca do interesse público — para atingir apenas rivais. Seu sobrenome até deu origem a um verbo em inglês: “greenwalding”. Em 2016, o termo entrou no site Urban Dictionary, em que os leitores elencam acepções para as palavras e votam nas melhores. Uma das mais populares é: pinçar um conteúdo e tirá-lo do contexto com o objetivo de difamar alguém”.

Os alvos de Greenwald são todos aqueles que, em sua visão de mundo, abusam de sua condição de poder. Trata-se de um grupo eclético, que inclui o Partido Democrata, as elites, o jornal The Washington Post, a Globo, os ricos (embora seja financiado por um bilionário), o FBI, a CIA, Israel, o Reino Unido, o ex-procurador especial dos Estados Unidos Robert Mueller, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro e a operação Lava-Jato quando o alvo é o PT. “Moro e os procuradores da Lava-Jato são figuras altamente controversas aqui e no mundo — tidos por muitos como heróis anticorrupção e acusados por tantos outros de ser ideólogos clandestinos de direita, disfarçados como homens da lei apolíticos. Seus críticos têm insistido que eles exploraram e abusaram de seus poderes na Justiça com o objetivo político de evitar que Lula retornasse à Presidência e destruir o PT”, diz o Intercept no texto elaborado para justificar a publicação das mensagens roubadas de Deltan Dallagnol.

O gosto pelo enfrentamento, que Greenwald destila quase diariamente em sua conta do Twitter com mais de 1 milhão de seguidores, aflorou ainda em 2005, quando ele criou um blog e começou a criticar a presença militar americana no Iraque. No ano seguinte, ainda na condição de advogado constitucionalista e blogueiro, publicou o livro Como um patriota deveria atuar. O título fazia referência ao Patriot Act, criado pelo presidente George W. Bush como resposta aos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. A obra tornou-se um best-seller.

Nos anos seguintes, Greenwald escreveu mais quatro livros. O sucesso editorial abriu as portas para a autoria de colunas no site americano Salon e, mais tarde, no jornal inglês The Guardian. No final de 2012, ele foi procurado por Edward Snowden, um hacker que havia trabalhado na NSA. Snowden entregou a ele documentos que mostravam como as agências americanas vigiavam cidadãos nos Estados Unidos e no resto do planeta, inclusive no Brasil. O material foi publicado por diversos veículos do mundo. Um jornalista do The Washington Post também recebeu material para produzir uma matéria. A experiência, contudo, incomodou Snowden.

No livro Sem lugar para se esconder, Greenwald conta como Snowden reagiu ao ver o Washington Post executando seu ofício. “Em vez de reportar a história rapidamente e de forma agressiva, o Washington Post montou um grande time de advogados, que estava fazendo todo tipo de pedido e dando todo tipo de advertências terríveis. Para a fonte (Snowden), isso mostrou que o Post, em relação ao que ele acreditava ser uma oportunidade jornalística sem precedentes, estava sendo dominado pelo medo em vez de convicção e determinação”, escreve Greenwald. Snowden então fez um pedido: “Agora eu realmente quero que você seja a pessoa que vai reportar isso. Eu o tenho lido há muito tempo e sei que você será agressivo e não terá medo em fazer isso”. Greenwald respondeu: “Eu estou pronto e ansioso. Vamos decidir agora o que preciso fazer”.

Pela divulgação do material de Snowden, Greenwald ganhou o Prêmio Pulitzer de jornalismo em 2014, ao lado do Guardian e do Post. Mas a má experiência em negociar a publicação com veículos da imprensa o levou, ainda em 2013, a pensar em fundar o site The Intercept, em que ele teria mais liberdade para divulgar seu material (os contratos assinados para as colunas no Salon e no Guardian estabeleciam que Greenwald publicaria sem ter de se submeter a um editor).

A empreitada digital começou muito bem. Em 2013, o Intercept recebeu 500 mil dólares do bilionário iraniano Pierre Omidyar, fundador do site de leilões eBay e do PayPal. Nos primeiros anos de vida, os salários da equipe do Intercept foram custeados por Omidyar e pelo rendimento das ações de suas empresas. Entre 2014 e 2017, Greenwald recebeu 1,6 milhão de dólares da First Look Media, de Omidyar. Seu salário em 2015, segundo matéria do jornalista Charles Davis, publicada na Columbia Journalism Review, chegou a 518 mil dólares ao ano, ou 43 mil dólares por mês.

Três anos depois da divulgação dos materiais de Snowden, o Intercept ganhou os holofotes com a divulgação dos e-mails da campanha de Hillary Clinton, juntamente com o Wikileaks, do australiano Julian Assange — que recentemente foi obrigado a sair da embaixada do Equador, em Londres, onde estava refugiado desde 2012, para evitar ser extraditado ou para a Suécia, onde é acusado de estupro, ou para os Estados Unidos, onde é acusado de espionagem. A Justiça do Reino Unido deve enviá-lo para os Estados Unidos. Com Snowden e Assange, Greenwald forma um trio decidido e sempre disposto a defender Vladimir Putin. Snowden hoje vive refugiado na Rússia e mantém contato frequente com Greenwald. “Eu acho que a razão para que Putin tenha aceitado Snowden na Rússia é porque ele simplesmente gostou da ideia de aparecer como um protetor dos direitos humanos contra os Estados Unidos”, disse Greenwald a Ian Parker, jornalista da revista The New Yorker.

Dos três ativistas, Greenwald é o que tem a língua mais afiada. Para cada abuso ou crime cometido a mando de Putin, o americano cria uma história para relativizar o fato. Ou, então, afirma que as evidências não são suficientes para culpar Moscou. Um ex-espião russo e sua filha foram envenenados com Novichok, na Inglaterra, no ano passado? Para Greenwald, os cientistas britânicos mentiram quando disseram que a substância havia sido produzida na Rússia. E atacar rivais políticos é o que fazia também o ex-presidente americano Barack Obama com o uso de drones militares no Oriente Médio. Russos derrubaram um avião de passageiros da Malaysia Airlines que sobrevoava a Ucrânia, em 2014? Greenwald tuitou que a Marinha americana também abateu um avião iraniano em 1988.

No afã de livrar os russos, Greenwald, que é de esquerda, chegou até mesmo a se aproximar de veículos de imprensa favoráveis ao presidente americano Donald Trump. Tudo para argumentar que não houve conluio entre os russos e a campanha do republicano, em 2016. Greenwald chamou as matérias sobre um possível conluio de “histeria russofóbica”. Ao mesmo tempo, passou a atacar impiedosamente o ex-procurador-geral Robert Mueller, que foi responsável pela investigação do caso. “Mesmo que ele (Trump) tenha feito acordos estranhos com a Rússia, eu ainda acho que é do interesse geral não ensinar uma geração inteira, que está se interessando por política pela primeira vez, que os russos são demônios”, disse ele à New Yorker.

Além de preservar Putin, Greenwald é simpático a grupos terroristas muçulmanos, como o Estado Islâmico, a Al Qaeda, o Hamas e o Hezbollah. Em uma conferência de socialistas em Chicago, em 2012, ele disse: “Nós temos organizações na lista de terrorismo que não são nem remotamente uma ameaça para os Estados Unidos, como o Hezbollah e o Hamas. Eles não estão de forma alguma tentando ferir americanos. São devotados a proteger seus cidadãos contra o estado de Israel. Apesar disso, é um crime nos Estados Unidos fazer qualquer coisa que seja entendida como apoio material ao Hezbollah e ao Hamas”. Em 1983, só para lembrar, membros do Hezbollah explodiram dois caminhões-bomba no Líbano e mataram 307 militares que estavam no país como força de paz. Desses, 241 eram americanos.

Para Greenwald, terroristas são as democracias do Ocidente. “Os Estados Unidos, o Reino Unido e seus aliados mataram repetidamente civis muçulmanos na última década (e antes disso), mas os defensores desses governos insistem que isso não pode ser ‘terrorismo’ porque são os combatentes, não civis, que são os alvos. Será que está certo pensar que, quando nações ocidentais matam continuamente civis muçulmanos, isso não é terrorismo, mas quando os muçulmanos matam soldados ocidentais, isso é terrorismo?”, escreveu ele no Guardian, em maio de 2013.

O Brasil entrou na vida de Greenwald principalmente por questões pessoais. Em 2005, o americano conheceu o jovem David Miranda, então com 20 anos, na região da rua Farme de Amoedo, na praia de Ipanema. Casaram-se pouco tempo depois. Miranda, que deixou a escola aos 13 anos, fez supletivo e depois se formou em comunicação, tornou-se mundialmente conhecido por ter sido interrogado por nove horas no aeroporto de Heathrow, em Londres. Ele foi pego transportando documentos de Snowden para Greenwald. Ao chegar ao Brasil, começou uma campanha pedindo para a então presidente Dilma Rousseff conceder asilo a Snowden, sem sucesso.

Em 2016, Miranda elegeu-se vereador no Rio de Janeiro pelo PSOL. No ano passado, tentou a Câmara dos Deputados. Com 17 mil votos, tornou-se primeiro suplente da bancada do PSOL. Quando o deputado federal Jean Wyllys, também do PSOL, decidiu deixar o Brasil alegando ameaças de morte, Miranda ocupou seu lugar.

Miranda e Greenwald compartilham uma casa perto da favela da Rocinha e a mesma visão de mundo. “Eu e meu marido estivemos juntos no caso do Snowden e nós lutamos contra os governos mais poderosos do mundo e a CIA, a NSA, o Reino Unido… Estávamos sendo ameaçados o tempo todo”, disse Greenwald, em entrevista para o site Agência Pública, dois dias depois da divulgação das mensagens roubadas do celular de Deltan Dallagnol e que teriam sido entregues ao Intercept por “fonte anônima”. Na mesma entrevista, Greenwald aproveitou para atacar veículos de imprensa brasileiros. Ele afirmou que a “grande mídia” estava trabalhando para a Lava-Jato. Não é um argumento muito diferente do que ele usou contra a imprensa americana, mas com sinal trocado. Ele diz que os veículos do seu país estavam a serviço dos democratas, em 2016. “Quando a grande mídia transforma Moro e a força-tarefa em deuses ou super-heróis, torna-se inevitável o que aconteceu. Os jornalistas pararam de investigar e questionar a Lava-Jato e simplesmente ficaram aplaudindo, apoiando e ajudando”, disse ele. “A Globo foi para a força-tarefa uma aliada, amiga, parceira, sócia. Assim como a força-tarefa da Lava-Jato foi o mesmo para a Globo.”

No dia seguinte, a Globo emitiu um comunicado revelando que, apesar dos ataques, Greenwald procurara a empresa no dia 29 de maio para propor uma nova parceria: divulgar as mensagens de Dallagnol a Sergio Moro. O advogado e a TV já tinham trabalhado juntos em 2013 na publicação dos documentos de Snowden. Mas, numa conversa na redação do Fantástico, Greenwald se recusou a dar informações sobre o conteúdo do material que dizia possuir e da sua origem — “uma grande bomba a explodir”. Sim, ele queria fechar a parceria sem que a Globo soubesse antes o que ele tinha em mãos. Por isso, a conversa não foi adiante.

Uma vez publicadas as matérias no Intercept, prossegue o comunicado, um representante do site ainda procurou a emissora para oferecer uma entrevista. Também não deu certo. Na sequência, vieram os ataques de Greenwald à Globo. “O comportamento de Greenwald nos episódios aqui narrados permite ao público julgar o caráter dele”, diz a nota.

A Folha de São Verdevaldo, agora, espalha mensagens de Deltan Dallagnol para sua mulher. O novo traque, que levanta suspeitas sobre um projeto que nem foi realizado, invade a esfera privada do procurador da Lava-Jato, à procura de algo para emporcalhá-lo. O resultado só emporcalha os autores do golpe: em sua reportagem sobre as palestras de Dallagnol, a Folha logicamente tentou encontrar algum fragmento de conversa capaz de constranger Sérgio Moro, mas acabou obtendo o efeito contrário. 

Há uma única mensagem enviada pelo coordenador da força-tarefa ao ex-juiz da Lava-Jato, em que o procurador diz: “Caro, o Edilson Mougenot [fundador da Escola de Altos Estudos em Ciências Criminais] vai te convidar nesta semana pra um curso interessante em agosto. Eles pagam para o palestrante 3 mil. Pedi 5 mil reais para dar aulas lá ou palestra, porque assim compenso um pouco o tempo que a família perde (esses valores menores recebo pra mim… é diferente das palestras pra grandes eventos que pagam cachê alto, caso em que estava doando e agora estou reservando contratualmente para custos decorrentes da Lava-Jato ou destinação a entidades anticorrupção)…”. 

Além de não ter nada contra Moro (o estoque de traques de Verdevaldo parece ter chegado ao fim), a mensagem isenta também Dallagnol, explicando claramente o destino dos recursos de suas palestras.

Alguma dúvida de quem é o vilão nessa história?

domingo, 2 de agosto de 2020

HAY GOBIERNO? SOY CONTRA!

A frase de cariz anarquista que intitula este post remonta à anedota da vítima de naufrágio que, ao chegar à praia de um país desconhecido, diz a seus acolhedores habitantes: "Obrigado por me salvarem! Mas se há Governo, sou contra!"

O verbo "governar" pode ser transitivo, intransitivo e reflexo. É transitivo quando a ação praticada pelo sujeito recai sobre uma pessoa, coisa ou animal (por exemplo: "João governa Maria"); intransitivo quando a ação não passa a outra pessoa (p. ex.: "João adormeceu a governar"); reflexo quando a ação recai sobre quem a pratica (p. ex.: “Eu me governo").

Como bem disse o historiador católico e liberal Lord Acton, “o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente”. Ainda segundo ele, “a liberdade não é um meio para um fim político mais elevado; ela é em si mesma o mais elevado fim político.”

No livro The History of Freedom foram reunidos vários de seus escritos, e sua análise sobre a liberdade na antiguidade, logo no começo da obra, tem inestimável valor. Importantes lições podem ser extraídas através da experiência dos povos antigos, tais como os judeus, atenienses e romanos. O que Lord Acton faz é justamente filtrar essas preciosas lições.

Para Acton, em todos os tempos o progresso da liberdade enfrentou seus inimigos naturais, pela ignorância e superstição, pela sede de conquista, pelo desejo de poder etc.; os amigos sinceros da liberdade foram raros, e seus triunfos, devidos a minorias que obtiveram sucesso associando-se a aliados cujos objetivos frequentemente diferiram dos seus próprios.

Acton reconhece que tais associações são sempre perigosas, e algumas vezes desastrosas para a própria liberdade. Para ele entende, os interesses hostis à liberdade causaram menos ferimentos a ela do que as falsas ideias. As instituições que tentam preservar a liberdade acabam dependendo das ideias que as produzem e do espírito que as preserva. Por isso a preocupação com os pensamentos dos homens é crucial.

Por liberdade, Acton entendia a garantia de que todo homem deve ser protegido ao fazer aquilo que ele acredita ser seu dever contra a influência da autoridade e maiorias, costumes e opinião. Portanto, o teste mais certeiro pelo qual podemos julgar se um país é realmente livre seria a quantidade de segurança desfrutada pelas minorias. Como um dos primeiros exemplos usados para ilustrar o que tinha em mente, Acton usou a história do “povo escolhido”.

O governo dos israelitas era uma Federação, unida sem uma autoridade política, por acordo voluntário. O princípio de autogoverno estava bastante presente em cada grupo e, pelo que afirma Acton, não havia privilégios nem desigualdade perante a lei. O historiador respeita o fato de que uma constituição cresce de suas raízes por um processo de desenvolvimento, e não por uma mudança essencial.

Essas características estariam presentes, segundo ele, na Grécia Antiga, onde as reforma introduzidas por Sólon foram fundamentais para a ampliação da liberdade em Atenas. As classes mais pobres eram excluídas, e o estadista lhes deu voz política ao garantir a eleição de magistrados, introduzindo a ideia de que o homem deve ter direito a uma voz ao selecionar aqueles aos quais irá confiar seu futuro e sua vida.

O único recurso conhecido contra as desordens políticas era a concentração de poder, e Sólon escolheu o caminho contrário, da descentralização. Na essência da democracia estaria obedecer a nenhum mestre além da lei. A democracia, porém, não pode ser vista jamais como simples ditadura da maioria. Para Acton, se é ruim ser oprimido pela minoria, é ainda pior ser oprimido pela maioria. Afinal, existe uma reserva latente de poder nas massas a qual, caso seja despertada, a minoria raramente consegue resistir.

A lição que se pode tirar das experiências passadas a este respeito é que o governo da classe mais numerosa e poderosa representa um mal da mesma natureza que uma monarquia. Pelos mesmos motivos, portanto, exige instituições que servem para proteger o governo dele mesmo, na tentativa de permitir o reino permanente da lei contra revoluções arbitrárias de opinião.

Acton considerava que não era alguma classe específica que seria inadequada para governar, mas sim que todas as classes eram inadequadas. O poder deve ser descentralizado, e por esse motivo, o Federalismo era defensável. Se a distribuição de poder entre as várias partes do Estado é o meio mais eficiente de restringir uma monarquia, a distribuição de poder entre vários Estados é o melhor caminho na democracia. Multiplicando os centros de governo, ele promove a difusão do conhecimento político e a manutenção da opinião independente — donde a máxima “o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente.

Mesmo assim, nunca é demais lembrar a pérola de sabedoria atribuída ao político conservador e estadista britânico Sir Winston Churchill, famoso principalmente por sua atuação como primeiro-ministro do Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial: 

"O MELHOR ARGUMENTO CONTRA A DEMOCRACIA É UMA CONVERSA DE CINCO MINUTOS COM UM ELEITOR MEDIANO."




Com Rodrigo Constantino

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

E AGORA, VERDEVALDO???



Chega de Glenn Greenwald", escreveu Diogo Mainardi na Crusoé. "Agora só falta a PF prender o hacker que lhe repassou as mensagens roubadas da Lava-Jato. Verdevaldo sabe que o hacker será preso e que seus cúmplices e financiadores também devem acabar na cadeia. Sim, a festa vai terminar. E depois vem a parte aborrecida: limpar o salão.”

Para quem chegou de Marte neste minuto, um relatório enviado pelo Coaf (hoje rebatizado de Unidade de Inteligência Financeira) ao Ministério Público do Rio aponta “movimentações atípicas” de R$ 2,5 milhões na conta do deputado David Miranda, maridão de Verdevaldo das Couves — o bem-amado, idolatrado, salve, salve, editor do abominável The Intercept, que desde junho vem divulgando a conta-gotas supostas mensagens comprometedoras trocadas pelo ex-juiz da Lava-Jato e hoje ministro da Justiça, Sérgio Moro, e integrantes da força-tarefa, notadamente seu coordenador em Curitiba, Deltan Dallagnol.

Se você acha mesmo que Verdevaldo, o Interpret e seus replicadores são paladinos da justiça, pense outra vez. Como Lula, o malacafento, eles não passam de santos com pés de barro. Greenwald posa de quintessência da moralidade, mas nunca foi flor que se cheire. Um mês antes das eleições americanas de 2016, ele publicou com um colega uma matéria no Intercept, com o título “EXCLUSIVO: NOVO VAZAMENTO DE E-MAILS REVELA RELAÇÃO PRÓXIMA DA CAMPANHA DE CLINTON COM A IMPRENSA”, que expunha o conteúdo de mensagens trocadas entre a equipe da candidata democrata Hillary Clinton e jornalistas.

Entre as táticas usadas para manipular a imprensa, era citado o oferecimento de bebidas e comida para jornalistas em reuniões para transmitir informações e sugestões de entrevistados para os programas de televisão. A fonte dos dados, segundo o site panfletário de Verdevaldo, identificava-se como Guccifer 2.0 — um nome já conhecido. Mutatis mutandis, o mesmo padrão se repetiria mais adiante aqui no Brasil.

Ao divulgar as supostas conversas entre Sergio Moro e os procuradores da Lava-Jato, o editor ignominioso também não se importou com a forma como o material fora obtido nem com o óbvio direcionamento dos alvos: somente juízes e investigadores envolvidos em decisões desfavoráveis aos acusados pela Lava-Jato tiveram seus dados vazados. Ao ser perguntado por Crusoé sobre essa seletividade, o coveiro de reputações respondeu: “Qualquer sugestão de que eu me oponho à Lava-Jato é totalmente ridícula”.

Os métodos de Verdevaldo se encaixam naquilo que é conhecido como “jornalismo ativista”, “jornalismo de oposição” ou “jornalismo de choque”. A prática usa as premissas que regem a profissão — como a preservação da fonte e a busca do interesse público — para atingir apenas rivais. Seu sobrenome até deu origem a um verbo em inglês: “greenwalding”. Em 2016, o termo entrou no site Urban Adicionar, em que os leitores elencam acepções para as palavras e votam nas melhores. Uma das mais populares é: “pinçar um conteúdo e tirá-lo do contexto com o objetivo de difamar alguém”.

Seus alvos são todos aqueles que, em sua visão de mundo, abusam de sua condição de poder. Trata-se de um grupo eclético, que inclui o Partido Democrata, as elites, o jornal The Washington Post, a Globo, os ricos (embora seja financiado por um bilionário), o FBI, a CIA, Israel, o Reino Unido, o ex-procurador especial dos Estados Unidos Robert Mueller, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro e a operação Lava-Jato (quando o alvo é o PT). Seu gosto pelo enfrentamento, destilado quase diariamente em sua conta do Twitter (que conta com mais de 1 milhão de seguidores), aflorou ainda em 2005, quando o sacripanta criou um blog e começou a criticar a presença militar americana no Iraque

No ano seguinte, ainda na condição de advogado constitucionalista e blogueiro, Verdevaldo publicou o livro Como um patriota deveria atuar. O título fazia referência ao Patriot Act, criado pelo presidente George W. Bush como resposta aos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. A obra tornou-se um best-seller. Nos anos seguintes, escreveu mais quatro livros, e o sucesso editorial lhe abriu as portas para a autoria de colunas no site americano Salon e, mais tarde, no jornal inglês The Guardian.

No final de 2012, Gleen recebeu de Edward Snowden, um hacker que havia trabalhado na NSA, documentos que mostravam como as agências americanas vigiavam cidadãos nos Estados Unidos e no resto do planeta, inclusive no Brasil. O material foi publicado por diversos veículos do mundo, mas rendeu a Verdevaldo o Prêmio Pulitzer de jornalismo em 2014 — ou pelo menos é isso que seus baba-ovos nas redes sociais afirmam, tentando lhe emprestar credibilidade.

Na verdade, a equipe liderada por Gleen Greenwald e Laura Poitras conquistou para o The Guardian US e para o The Washington Post o prêmio na categoria “Serviço Público” de 2014 — na qual o premiado é sempre o jornal que publicou a reportagem (ou a série de reportagens). Ainda que assim não fosse, é bom lembrar que a lista de “ganhadores do Pulitzer” inclui Walter Duranty, que ocultou deliberadamente os crimes do stalinismo, incluindo o genocídio de ucranianos pela fome, e Janet Cooke, autora de uma reportagem inventada sobre uma criança de oito anos viciada em heroína, que teve de devolver o prêmio depois que a farsa foi descoberta.

Observação: Escreveu Políbio Braga: “Boa parte da mídia tradicional e da mídia amestrada a serviço do lulopetismo atribuírem ao dono do site The Intercept a conquista do Pulitzer. Com a ajuda do influenciador Glauco Fonseca, um dos articulistas deste blog [blog do Políbio], o editor investigou e constatou que em 2014, e não em 2013, como os aliados de Glenn informam, quem levou o Pulitzer foi o jornal inglês The Guardian. Glenn atuou como um dos repórteres do caso Snowden, mas o prêmio não foi atribuído a ele. Clique no site do Pulitzer para checar.”

Quem tiver interesse em conhecer o verdadeiro estofo do caráter de Verdevaldo pode encontrar informações relevantes numa reportagem de Eric Wempel, publicada em 27 de junho de 2013 no jornal The Washington Post. Dentre outras coisas, a matéria informa que “o escritório do cartório do condado de Nova York mostra que Greenwald tem US$ 126.000 em sentenças abertas e contra ele datando de 2000, incluindo US$ 21.000 do Departamento de Impostos do Estado e da Secretaria da Fazenda. Também fala de um penhor de US $ 85.000”.

Gleen se envolveu com gente do submundo e do ramo da pornografia. Tornou-se inimigo de Peter Haas — dono de uma companhia de produtos pornográficos —, a quem chamou de little bitch (putinha) no Post. Ao se juntar a Snowden, entrou para a lista negra do governo EUA e bateu de frente com o australiano Julian Assange, dono do site WikiLeaks. Após ganhar notoriedade, deixou o Guardian e passou ser bancado pelo bilionário francês de origem iraniana Pierre Omidyar, que oferece auxílio financeiro a jornalistas que enfrentam processos por causa de suas reportagens.

Diferentemente de outros bilionários realmente engajados em causas humanitárias e ambientalistas, o franco-iraniano “faz caridade” com uma desavergonhada pegada de ativismo político. Em 2017, quando doou US$ 100 milhões para combater "Fake News" através do jornalismo investigativo, Omidyar divulgou um comunicado em que se comprometia a aplacar o “déficit global de confiança” nas instituições. Dentre os eventos listados para fundamentar tal preocupação figuravam a eleição de Donald Trump e — vejam só — o impeachment da ex-presidanta Dilma Rousseff.

Para ter mais liberdade para divulgar seu material (os contratos assinados para as colunas no Salon e no Guardian estabeleciam que o gringo publicaria sem ter de se submeter a um editor), Verdevaldo criou o site The Intercept, que em 2013 recebeu meio milhão de dólares de Omidyar, que também custeou os salários da equipe durante os primeiros anos do site. Entre 2014 e 2017, o pasquineiro difamador recebeu US$ 1,6 milhão da First Look Media — empresa do grupo de Omidyar. Seu salário em 2015, segundo matéria do jornalista Charles Davis publicada na Columbia Journalism Review, chegou a US$ 518 mil ao ano, ou US$ 43 mil dólares por mês.

Três anos depois da divulgação dos materiais de Snowden, o panfleto digital de Verdevaldo ganhou os holofotes com a divulgação dos emails da campanha de Hillary Clinton, juntamente com o WikiLeaks — cujo dono foi forçado a deixar a embaixada do Equador, em Londres, onde estava refugiado desde 2012, para evitar ser extraditado ou para a Suécia, onde é acusado de estupro, ou para os EUA, onde é acusado de espionagem.

Com Snowden e Assange, o paladino dos bocós forma um trio sempre disposto a defender Vladimir Putin. Dos três ativistas, ele é o que tem a língua mais afiada. Para cada abuso ou crime cometido a mando de Putin, cria uma história para relativizar o fato ou afirma que as evidências não são suficientes para culpar Moscou. Quando um ex-espião russo e sua filha foram envenenados com Novichok na Inglaterra, no ano passado, disse que os cientistas britânicos mentiram quando disseram que a substância havia sido produzida na Rússia.

Além de preservar o presidente russo, Gleen é simpático a grupos terroristas muçulmanos, como o Estado Islâmico, a Al-Qaeda, o Hamas e o Hezbollah, que considera como "as democracias do Oriente" — só para lembrar: em 1983, membros do Hezbollah explodiram dois caminhões-bomba no Líbano e mataram 307 militares que estavam no país como força de paz. Desses, 241 eram americanos. Mas o Brasil entrou em sua vida por questões pessoais. Em 2005, ele conheceu o jovem David Miranda, então com 20 anos, com quem se casou tempos depois. O hoje deputado, que deixou a escola aos 13 anos, tornou-se mundialmente conhecido por ter sido interrogado por nove horas no aeroporto de Heathrow, em Londres), após ser pego transportando documentos de Snowden para Greenwald.

Em 2016, David se elegeu vereador no Rio de Janeiro pelo PSOL. No ano passado, tentou a Câmara dos Deputados, mas conseguiu apenas tornar-se primeiro suplente da bancada do PSOL. Deu sorte: quando Jean Wyllys se autoexilou na Espanha, alegando ameaças de morte, passou de suplente a titular em seu lugar, o que comprova, mais uma vez, quão bem servidos estamos de representantes no Congresso — que Deus nos livre e guarde.

O alegre casal alegre compartilha uma casa perto da favela da Rocinha e a mesma visão de mundo; "Lutamos contra os governos mais poderosos do mundo e a CIA, a NSA, o Reino Unido… Estávamos sendo ameaçados o tempo todo”, disse o farsante em entrevista ao site Agência Pública, dois dias depois da divulgação das mensagens roubadas do celular de Deltan Dallagnol e que seu site espúrio teria recebido de “fonte anônima”.  Na mesma entrevista, atacou veículos de imprensa brasileiros, afirmando que a “grande mídia” estava trabalhando para a Lava-Jato. Não é um argumento muito diferente do que usou contra a imprensa americana, mas com sinal trocado. Ele diz que os veículos do seu país estavam a serviço dos Democratas, em 2016. “Quando a grande mídia transforma Moro e a força-tarefa em deuses ou super-heróis, torna-se inevitável o que aconteceu. Os jornalistas pararam de investigar e questionar a Lava-Jato e simplesmente ficaram aplaudindo, apoiando e ajudando”, disse ele. “A Globo foi para a força-tarefa uma aliada, amiga, parceira, sócia. Assim como a força-tarefa da Lava-Jato foi o mesmo para a Globo.”

No dia seguinte, a Globo emitiu um comunicado revelando que, apesar dos ataques, Verdevaldo lhe havia proposto uma pareceria para divulgar as mensagens roubadas. O D. Quixote dos pobres e a emissora já tinham trabalhado juntos em 2013, na publicação dos documentos de Snowden, mas, em conversa na redação do Fantástico, o assassino de reputações se negou a dar informações sobre o conteúdo e a origem do material que dizia possuir. Em outras palavras, ele queria fechar a parceria sem que a Globo soubesse antes o que tinha em mãos e por isso a conversa não foi adiante.

Uma vez publicadas as matérias no Intercept, prossegue o comunicado da Globo, um representante do site ainda procurou a emissora para oferecer uma entrevista. Também não deu certo. Na sequência, Glenn passou a atacar a Globo. “O comportamento de Greenwald nos episódios aqui narrados permite ao público julgar o caráter dele”, resume a nota.

O juiz auxiliar Marcelo Martins Evaristo da Silva, da 16.ª Vara de Fazenda Pública do Rio, negou a quebra dos sigilos bancário e fiscal de David Miranda. Segundo ele, a medida só deve ser adotada em “circunstâncias excepcionais”, já que pode produzir impacto negativo na imagem do investigado.

Ao determinar que o marido de Verdevaldo e os parças que entraram no radar do MP-RJ sejam ouvidos antes da adoção de qualquer iniciativa que viole o sigilo, o magistrado ponderou que eventual convite para prestar depoimento não afetará a investigação, já que as informações apuradas se referem a fatos ocorridos no passado e que estão nas mãos de instituições financeiras e da Receita Federal, “resguardadas, portanto, de quaisquer iniciativas dos interessados no sentido de sua inutilização ou distorção enquanto documentos dotados de força probante.” Miranda e Greenwald já alegam “retaliação” — Oh! Que surpresa! — e devem seguir nessa mesma linha quando se pronunciarem oficialmente.

Outro questionamento feito pelo juiz substituto diz respeito à decisão de Dias Toffoli, que, valendo-se de um pedido da defesa Flávio Bolsonaro, suspendeu por atacado todas as investigações que usaram dados de órgãos como o Coaf sem autorização judicial prévia (assunto que já foi comentado ad nauseam aqui no Blog). No pedido da quebra de sigilo do marido de Verdevaldo, o MP alegou que a decisão de Toffoli não valeria para casos de improbidade administrativa, que correm na esfera cível. Mas o conspícuo decisor refutou o argumento e afirmou que seria “inconcebível” impedir o uso dos dados para fins criminais e os autorizar livremente em ações de improbidade.

Valendo-se do mesmíssimo argumento usado pelas defesas de Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz, David Miranda reclamou do vazamento do caso para a imprensa, que considera a “única ilegalidade” na história toda. A investigação corre sob sigilo de Justiça.

O mundo dá muitas voltas. Seria providencial que ao casal 20 versão século XXI fosse administrada uma dose cavalar do seu próprio remédio, até porque a diferença entre o remédio e o veneno está justamente na dosagem. E assim encerro esta postagem, mas não sem antes recomendar a leitura desta matéria, que detalha todo esse imbróglio envolvendo o casal 20 e uns. Se sobrar tempo, não deixe também de assistir a este vídeo.