ENTRAR PARA A POLÍTICA É AMANCEBAR-SE COM O DIABO
O Ibovespa fechou em alta de 0,72% na última terça,
aos 105.535 pontos, com os investidores mantendo um olho na PEC dos
Precatórios e outro no plenário virtual do STF. A proposta indecente
acabou aprovada na Câmara mais à noite, depois que 6 dos atuais dez ministros votaram pela suspensão do pagamento do espúrio orçamento
secreto. Até o meio-dia de ontem, o único voto
divergente fora o do semideus
togado (quelle surprise) mas Dias Toffoli, Nunes
Marques e do presidente da Corte, Luiz Fux, ainda não se haviam pronunciado (atualização: o placar final ficou em 8 a 2, com o vassalo Nunes Marques defendendo mais uma vez os interesses de seu suserano).
Se nada mudar — no Brasil tudo que é certo vira duvidoso
para os gatunos poderem gatunar em paz — as emendas secretas do relator,
que servem apenas para alugar os favores das marafonas da Câmara, devem perder
sua validade política, para desgáudio do capitão-bolsolão.
Nunca é demais lembrar que Bolsonaro, quando candidato à Presidência,
jurou que pegaria
em lanças contra "a velha política do toma-lá-dá-cá" e o instituto
da reeleição, e que daria
carta branca a Sergio Moro no combate à corrupção. Mas o
mundo gira e a Lusitana roda: amancebado com o Centrão, o
arremedo de mandatário moveu mundo$ e fundo$ para guindar Arthur Lira
à presidência da Câmara.
Lira jamais deveria ter sido eleito deputado, quanto
mais presidente da Casa do Povo. Não só porque esse exemplo de probidade mandou
quase R$ 4 milhões para a cidade da qual seu pai é prefeito. Investigado
no bojo da Operação
Taturana, que revelou um desvio de mais de R$ 200 milhões
da folha de pagamentos da na Assembleia Legislativa de Alagoas, Lira foi preso.
A PF se referiu a ele como UM "político sem
limites para usurpar dinheiro público" — claro que foi uma injustiça;
o sujeito é tão inocente quanto Lula é a alma
viva mais honesta do Brasil. Dois anos depois, o obelisco da lisura
cearense foi eleito deputado federal; instalado no DF, ele entrou
na mira da PGR, acusado de participar — juntamente com seu pai, hoje
senador — do escândalo do Petrolão. Aliás, a família é a
base da sociedade, como lembra o programa da União Brasil.
Por mais que seja um problemão, a vitória do governo na Câmara
(no Senado o buraco é mais embaixo) sinaliza que Bolsonaro ainda não se
tornou um completo lame
duck. Apesar de os nobres deputados terem suprimido do texto apenas o
trecho que abriria espaço para o governo contornar a chamada regra
de ouro dos gastos públicos, a aprovação da farra fiscal não se deveu
ao motoqueiro fantasma subtropical, mas ao réu que preside a Câmara.
Entre o primeiro e o segundo turno, o quórum aumentou de 456
para 496 deputados presentes e o placar final foi de 323 votos a favor a 172
contrários. Só uma coisa não mudou, apontou Josias de Souza em
sua coluna: o colaboracionismo da oposição. Sem os votos de partidos que se
dizem adversários ou independentes, o governo teria sofrido uma derrota
acachapante, que foi evitada por Lira com ameaças de cortar o ponto dos
deputados faltosos — sua ideia era antecipar-se à decisão da ministra Rosa
Weber sobre a suspensão do segundo turno de votação da PEC do Calote
— a magistrada acabou
não acolhendo os pedidos apresentados por legendas
e parlamentares.
Lira escusou-se de dar explicações a Rosa — que lhe havia
concedido 24 horas para demonstrar que sua manobras não feriam a Constituição —,
mas pediu uma audiência com Fux — que o ministro, na condição de
presidente da Corte, jamais
deveria ter concedido. Foi mais uma ousadia do deputado-réu visando
constranger o presidente do Legislativo diante de ações que tramitam no STF
contra suas decisões.
Lira preside a Casa do Povo com agressividade,
atropela o regimento interno e faz interpretações que contrariam os preceitos
constitucionais, numa demonstração inequívoca da que, para ele, os fins,
quaisquer que sejam eles, justificam os meios. São interpretações o insigne
deputado força por um lado e a minoria contesta pelo outro (não por estar
preocupada com o "povão", mas para não ser esmagada pela maioria,
sobretudo em tempos de verbas secretas e argumentos falaciosos.
Ao fim e ao cabo, sob a alegação de que o governo precisa
pagar um novo benefício social criado antes de saber de onde sairia o dinheiro,
aprovou-se na Câmara um calote em dívidas judiciais que acomodou acima do teto
uma espécie de Bolsa Reeleição R$ 91,6 bi para Bolsonaro
gastar em 2022. Foi para o beleléu qualquer resquício de preocupação com o
equilíbrio fiscal. Se o problema fosse o socorro aos pobres, a solução seria
simples: fortalecer o Bolsa Família, reforçando o programa com dinheiro
extraído de benesses parlamentares e benefícios fiscais de mais de R$ 300 bilhões
anuais.
Até onde a vista alcança, os investidores consideram o
calote dos precatórios menos prejudicial que os planos alternativos — como a
abertura de crédito extraordinário para prorrogar o auxílio emergencial.
Enfim, vão-se os anéis e ficam os dedos. No momento em que finalizei este post
(14h10 de ontem), o Ibovespa registrava alta de 1,60%, aos 107.226,87
pontos.