quinta-feira, 11 de novembro de 2021

AINDA SOBRE O BOLSOLÃO DO SULTÃO DO BOLSONARISTÃO E A PEC DO CALOTE


ENTRAR PARA A POLÍTICA É AMANCEBAR-SE COM O DIABO

O Ibovespa fechou em alta de 0,72% na última terça, aos 105.535 pontos, com os investidores mantendo um olho na PEC dos Precatórios e outro no plenário virtual do STF. A proposta indecente acabou aprovada na Câmara mais à noite, depois que 6 dos atuais dez ministros votaram pela suspensão do pagamento do espúrio orçamento secreto. Até o meio-dia de ontem, o único voto divergente fora o do semideus togado (quelle surprise) mas Dias Toffoli, Nunes Marques e do presidente da Corte, Luiz Fux, ainda não se haviam pronunciado (atualização: o placar final ficou em 8 a 2, com o vassalo Nunes Marques defendendo mais uma vez os interesses de seu suserano).

Se nada mudar — no Brasil tudo que é certo vira duvidoso para os gatunos poderem gatunar em paz — as emendas secretas do relator, que servem apenas para alugar os favores das marafonas da Câmara, devem perder sua validade política, para desgáudio do capitão-bolsolão.

Nunca é demais lembrar que Bolsonaro, quando candidato à Presidência, jurou que pegaria em lanças contra "a velha política do toma-lá-dá-cá" e o instituto da reeleição, e que daria carta branca a Sergio Moro no combate à corrupção. Mas o mundo gira e a Lusitana roda: amancebado com o Centrão, o arremedo de mandatário moveu mundo$ e fundo$ para guindar Arthur Lira à presidência da Câmara.

Lira jamais deveria ter sido eleito deputado, quanto mais presidente da Casa do Povo. Não só porque esse exemplo de probidade mandou quase R$ 4 milhões para a cidade da qual seu pai é prefeito. Investigado no bojo da Operação Taturana, que revelou um desvio de mais de R$ 200 milhões da folha de pagamentos da na Assembleia Legislativa de Alagoas, Lira foi preso. A PF se referiu a ele como UM "político sem limites para usurpar dinheiro público" — claro que foi uma injustiça; o sujeito é tão inocente quanto Lula é a alma viva mais honesta do Brasil. Dois anos depois, o obelisco da lisura cearense foi eleito deputado federal; instalado no DF, ele entrou na mira da PGR, acusado de participar — juntamente com seu pai, hoje senador — do escândalo do Petrolão. Aliás, a família é a base da sociedade, como lembra o programa da União Brasil.

Por mais que seja um problemão, a vitória do governo na Câmara (no Senado o buraco é mais embaixo) sinaliza que Bolsonaro ainda não se tornou um completo lame duck. Apesar de os nobres deputados terem suprimido do texto apenas o trecho que abriria espaço para o governo contornar a chamada regra de ouro dos gastos públicos, a aprovação da farra fiscal não se deveu ao motoqueiro fantasma subtropical, mas ao réu que preside a Câmara.

Entre o primeiro e o segundo turno, o quórum aumentou de 456 para 496 deputados presentes e o placar final foi de 323 votos a favor a 172 contrários. Só uma coisa não mudou, apontou Josias de Souza em sua coluna: o colaboracionismo da oposição. Sem os votos de partidos que se dizem adversários ou independentes, o governo teria sofrido uma derrota acachapante, que foi evitada por Lira com ameaças de cortar o ponto dos deputados faltosos — sua ideia era antecipar-se à decisão da ministra Rosa Weber sobre a suspensão do segundo turno de votação da PEC do Calote — a magistrada acabou não acolhendo os pedidos apresentados por legendas e parlamentares.

Lira escusou-se de dar explicações a Rosa — que lhe havia concedido 24 horas para demonstrar que sua manobras não feriam a Constituição —, mas pediu uma audiência com Fux — que o ministro, na condição de presidente da Corte, jamais deveria ter concedido. Foi mais uma ousadia do deputado-réu visando constranger o presidente do Legislativo diante de ações que tramitam no STF contra suas decisões.

Lira preside a Casa do Povo com agressividade, atropela o regimento interno e faz interpretações que contrariam os preceitos constitucionais, numa demonstração inequívoca da que, para ele, os fins, quaisquer que sejam eles, justificam os meios. São interpretações o insigne deputado força por um lado e a minoria contesta pelo outro (não por estar preocupada com o "povão", mas para não ser esmagada pela maioria, sobretudo em tempos de verbas secretas e argumentos falaciosos.

Ao fim e ao cabo, sob a alegação de que o governo precisa pagar um novo benefício social criado antes de saber de onde sairia o dinheiro, aprovou-se na Câmara um calote em dívidas judiciais que acomodou acima do teto uma espécie de Bolsa Reeleição R$ 91,6 bi para Bolsonaro gastar em 2022. Foi para o beleléu qualquer resquício de preocupação com o equilíbrio fiscal. Se o problema fosse o socorro aos pobres, a solução seria simples: fortalecer o Bolsa Família, reforçando o programa com dinheiro extraído de benesses parlamentares e benefícios fiscais de mais de R$ 300 bilhões anuais.

Até onde a vista alcança, os investidores consideram o calote dos precatórios menos prejudicial que os planos alternativos — como a abertura de crédito extraordinário para prorrogar o auxílio emergencial. Enfim, vão-se os anéis e ficam os dedos. No momento em que finalizei este post (14h10 de ontem), o Ibovespa registrava alta de 1,60%, aos 107.226,87 pontos.