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quinta-feira, 29 de julho de 2021

A HORA E A VEZ DO CENTRÃO


Para surpresa de ninguém, o senador Ciro Nogueira "aceitou o convite" do presidente Jair (já deveria ter ido) Bolsonaro para chefiar a Casa Civil. O embarque do parlamentar piauiense é mais uma prova provada de que: 1) o mundo gira e a Lusitana roda; 2) o desafeto de hoje pode ser o aliado de amanhã (e vice-versa); 3) nada é tão ruim que não possa piorar.

Caiu no colo do capo da camarilha política — por exigência inegociável do bloco fisiológico — a cobiçada pasta que em outros tempos e enredo abrigou o inefável José Dirceu, espécie de eminência parda petista, de onde mandou e desmandou na tessitura do Mensalão.

Nogueira entra na vaga deixada pelo general Luiz Eduardo Ramos, dispensado dos préstimos de ajudante de ordens do capitão-psicopata que, quando candidato, pegou em lanças contra o Centrão, condenou a "velha política do toma-lá-dá-cá" e prometeu combater a corrupção; agora, na reta final do mandato, entrega o controle da articulação política do governo ao bloco fisiologista e engole sem mastigar cada palavra do célebre "Se gritar pega Centrão, não fica um meu irmão", cantarolado em tom de superioridade pelo general Augusto Heleno na campanha de 2018.

Visando podar as arestas e justificar mais um cavalo-de-pau para sua récua de apoiadores, Bolsonaro reconheceu ser "fruto do Centrão" (contrariando sua falácia de palanque) e negou que as marafonas do Congresso e a cafetina do lupanar (transmudada da noite para o dia em "bolsonarista desde criancinha") sejam o câncer da política tupiniquim. Mas toda araruta tem seu dica de mingau.

O novo "primeiro-ministro" responde a dois inquéritos no STF — por suspeita de receber propina de empreiteiras e por tentativa de atrapalhar a Lava-Jato — e o partido que ele preside (Progressistas) está no centro das atenções da CPI, com o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, enrolado no caso Covaxin e orbitando outras maracutaias protagonizadas por Roberto Dias (que recorreu ao STF para pedir a suspensão dos efeitos de sua prisão na CPI).

Durante uma entrevista à TV piauiense Meio Norte em 2017, Nogueira não só desancou o então candidato Jair Bolsonaro como enalteceu seu principal adversário: Eu tenho muita restrição a Bolsonaro porque ele é um fascista, ele tem um caráter fascista [...] Lula foi o melhor presidente da história deste país

Naquela época, ninguém acreditava que o mau militar e parlamentar medíocre se tornaria o próximo inquilino do Palácio do Planalto, nem que terminaria sua execrável gestão emparedado pela CPI do Genocídio, com a filharada enrolada — somente a caçula (de 11 anos) não é alvo de investigações; afora o célebre caso de Zero Um e as rachadinhas, a PF e o Ministério Público investigam Zero Dois, Zero Três e Zero Quatro por tráfico de influência, contratação de funcionários fantasmas e envolvimento na organização de manifestações antidemocráticas.

Observação: O próprio presidente está enterrado até o pescoço no lamaçal da Covaxingate. Fosse esta banânia um país sério, Bolsonaro já teria sido expelido do cargo — para o qual jamais foi talhado, mas acabou sendo eleito graças à rejeição popular ao lulopetismo corrupto

Na bizarra aliança em assunto, fica evidente que a carniça precisa mais dos urubus que os urubus da carniça. O presidente foi forçado a dar os anéis — e o relógio, a pulseira, o cordão e a medalhinha — para não perder os dedos. A  escumalha centrista aglutina cerca de 200 dos 513 deputados federais, o que pode lhe assegurar um mínimo de governabilidade e blindá-lo contra um impeachment ou inquérito no STF.

Com mais de 130 pedidos de impedimento na lomba — a maior parte embasada em crimes de responsabilidade facilmente comprováveis —, o capitão-sem-rumo se equilibra no cargo graças à benevolência alheia. Ao bravatear que só Deus o tira da cadeira presidencial, parece atribuir a condição de divindade ao deputado-réu alagoano Arthur Lira — eleito presidente da Câmara com as "benção$" do Planalto — e a Augusto Aras — o PGR vassalo que lambe as botas do suserano na esperança de ser reconduzido ao cargo e continuar prestando a tal proteção legal de divina providência a seu benfeitor.

A manobra de Bolsonaro é uma prova inequívoca de fragilidade do governo, mas pode definir o destino partidário do presidente, sem mencionar que a ida de um membro da Câmara Alta para a Esplanada é vista com simpatia pelos senadores da base aliada. 

No que tange à CPI do Genocídio, os membros do G7 afirmam que tudo continuará como dantes no Quartel de Abrantes. Que os anjos digam amém.

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

AINDA SOBRE O BOLSOLÃO DO SULTÃO DO BOLSONARISTÃO E A PEC DO CALOTE


ENTRAR PARA A POLÍTICA É AMANCEBAR-SE COM O DIABO

O Ibovespa fechou em alta de 0,72% na última terça, aos 105.535 pontos, com os investidores mantendo um olho na PEC dos Precatórios e outro no plenário virtual do STF. A proposta indecente acabou aprovada na Câmara mais à noite, depois que 6 dos atuais dez ministros votaram pela suspensão do pagamento do espúrio orçamento secreto. Até o meio-dia de ontem, o único voto divergente fora o do semideus togado (quelle surprise) mas Dias Toffoli, Nunes Marques e do presidente da Corte, Luiz Fux, ainda não se haviam pronunciado (atualização: o placar final ficou em 8 a 2, com o vassalo Nunes Marques defendendo mais uma vez os interesses de seu suserano).

Se nada mudar — no Brasil tudo que é certo vira duvidoso para os gatunos poderem gatunar em paz — as emendas secretas do relator, que servem apenas para alugar os favores das marafonas da Câmara, devem perder sua validade política, para desgáudio do capitão-bolsolão.

Nunca é demais lembrar que Bolsonaro, quando candidato à Presidência, jurou que pegaria em lanças contra "a velha política do toma-lá-dá-cá" e o instituto da reeleição, e que daria carta branca a Sergio Moro no combate à corrupção. Mas o mundo gira e a Lusitana roda: amancebado com o Centrão, o arremedo de mandatário moveu mundo$ e fundo$ para guindar Arthur Lira à presidência da Câmara.

Lira jamais deveria ter sido eleito deputado, quanto mais presidente da Casa do Povo. Não só porque esse exemplo de probidade mandou quase R$ 4 milhões para a cidade da qual seu pai é prefeito. Investigado no bojo da Operação Taturana, que revelou um desvio de mais de R$ 200 milhões da folha de pagamentos da na Assembleia Legislativa de Alagoas, Lira foi preso. A PF se referiu a ele como UM "político sem limites para usurpar dinheiro público" — claro que foi uma injustiça; o sujeito é tão inocente quanto Lula é a alma viva mais honesta do Brasil. Dois anos depois, o obelisco da lisura cearense foi eleito deputado federal; instalado no DF, ele entrou na mira da PGR, acusado de participar — juntamente com seu pai, hoje senador — do escândalo do Petrolão. Aliás, a família é a base da sociedade, como lembra o programa da União Brasil.

Por mais que seja um problemão, a vitória do governo na Câmara (no Senado o buraco é mais embaixo) sinaliza que Bolsonaro ainda não se tornou um completo lame duck. Apesar de os nobres deputados terem suprimido do texto apenas o trecho que abriria espaço para o governo contornar a chamada regra de ouro dos gastos públicos, a aprovação da farra fiscal não se deveu ao motoqueiro fantasma subtropical, mas ao réu que preside a Câmara.

Entre o primeiro e o segundo turno, o quórum aumentou de 456 para 496 deputados presentes e o placar final foi de 323 votos a favor a 172 contrários. Só uma coisa não mudou, apontou Josias de Souza em sua coluna: o colaboracionismo da oposição. Sem os votos de partidos que se dizem adversários ou independentes, o governo teria sofrido uma derrota acachapante, que foi evitada por Lira com ameaças de cortar o ponto dos deputados faltosos — sua ideia era antecipar-se à decisão da ministra Rosa Weber sobre a suspensão do segundo turno de votação da PEC do Calote — a magistrada acabou não acolhendo os pedidos apresentados por legendas e parlamentares.

Lira escusou-se de dar explicações a Rosa — que lhe havia concedido 24 horas para demonstrar que sua manobras não feriam a Constituição —, mas pediu uma audiência com Fux — que o ministro, na condição de presidente da Corte, jamais deveria ter concedido. Foi mais uma ousadia do deputado-réu visando constranger o presidente do Legislativo diante de ações que tramitam no STF contra suas decisões.

Lira preside a Casa do Povo com agressividade, atropela o regimento interno e faz interpretações que contrariam os preceitos constitucionais, numa demonstração inequívoca da que, para ele, os fins, quaisquer que sejam eles, justificam os meios. São interpretações o insigne deputado força por um lado e a minoria contesta pelo outro (não por estar preocupada com o "povão", mas para não ser esmagada pela maioria, sobretudo em tempos de verbas secretas e argumentos falaciosos.

Ao fim e ao cabo, sob a alegação de que o governo precisa pagar um novo benefício social criado antes de saber de onde sairia o dinheiro, aprovou-se na Câmara um calote em dívidas judiciais que acomodou acima do teto uma espécie de Bolsa Reeleição R$ 91,6 bi para Bolsonaro gastar em 2022. Foi para o beleléu qualquer resquício de preocupação com o equilíbrio fiscal. Se o problema fosse o socorro aos pobres, a solução seria simples: fortalecer o Bolsa Família, reforçando o programa com dinheiro extraído de benesses parlamentares e benefícios fiscais de mais de R$ 300 bilhões anuais.

Até onde a vista alcança, os investidores consideram o calote dos precatórios menos prejudicial que os planos alternativos — como a abertura de crédito extraordinário para prorrogar o auxílio emergencial. Enfim, vão-se os anéis e ficam os dedos. No momento em que finalizei este post (14h10 de ontem), o Ibovespa registrava alta de 1,60%, aos 107.226,87 pontos.

segunda-feira, 25 de setembro de 2023

PREVISÕES E PREOCUPAÇÕES

O ASPECTO MAIS TRISTE DA VIDA ATUAL É QUE A CIÊNCIA ALCANÇA O CONHECIMENTO MAIS RAPIDAMENTE DO QUE A SOCIEDADE ALCANÇA A SABEDORIA.

O dinheiro do contribuinte continua saindo pelo ladrão porque os ladrões não param de entrar no Orçamento. Na gestão Bolsonaroaté o Ministério da Defesa revelou-se indefeso. Sob a camuflagem militar, cerca de R$ 1 bilhão em verbas públicas foi distribuído a 23 parlamentares na forma de orçamento secreto — evidência de que as "minhas Forças Armadas" de que falava o ex-presidente degradaram-se a ponto de servir de fachada para o escoamento das emendas enfiadas no Orçamento federal pelo Centrão
Nessa modalidade secreta, o pagamento de emendas não costuma resultar em honestidade. O Orçamento sigiloso produziu apenas dois tipos de gastos: os que já viraram escândalo e os que ainda não foram investigados, como o aparelhamento político de rubricas orçamentárias da Defesa (o orçamento da Defesa abriu-se para o Centrão sob o general Braga Netto, um das fardas mais subinvestigadas da República).
Os comandos militares desgovernaram a Saúde, fabricaram cloroquina, avalizaram o afrouxamento do controle de armas e negligenciaram o avanço da criminalidade nas fronteiras amazônicas. As Forças Armadas afiançaram o sequestro ideológico do 7 de Setembro, desfilaram tanques defronte ao Planalto, assistiram impassíveis à troca de comandantes incomodados por outros que mergulharam a farda no lodaçal da campanha de desqualificação do sistema eleitoral e confraternizaram com os acampados que pediam golpe em seus portões, num movimento que desaguou no quebra-quebra de 8 de janeiro. Nesse contexto, a terceirização de parte do orçamento da Defesa ao Centrão é apenas mais um detrito no monturo que reclama investigação, mas a chance apuração séria é pequena: o senador Davi Alcolumbre, idealizador e um dos maiores beneficiários do rateio secreto da Defesa, deslizou suavemente do bolsonarismo para a base de sustentação congressual de Lula, e agora indica para o primeiro escalão do governo personagens precários como Juscelino Filho, o ministro manga-larga das Comunicações.

A ideia de que a Terra era o centro do Universo foi defendida por Aristóteles e Ptolomeu, mas o sistema heliocêntrico proposto por Nicolau Copérnico pôs fim a esse disparate, e os estudos de Lazzaro Spallanzani comprovaram que a teoria da geração espontânea, defendida pelo britânico John Needham, não fazia sentido. Enfim, o mundo gira e a Lusitana roda

Por outro lado, algumas ideias "heterodoxas" de Stephen Hawking — como a dos buracos negros e a de que o Universo teve um começo — foram confirmadas mais adiante. Já a afirmação de que "não há um lugar para Deus na criação do Universo" é bem-aceita pelos cientistas em geral, mas dificilmente será comprovada por evidências observacionais. 

Observação: O livro póstumo Brief Answers to the Big Questions do astrofísico britânico (cuja leitura eu recomendo a quem interessar possa) aborda diversas questões polêmicas sobre religiosidade e fé. 

Cinco anos após a morte de Hawking, o psicólogo e cientista da computação anglo-canadense Geoffrey Hinton — considerado "padrinho" da IA — desligou-se do Google para se dedicar full time à conscientizar as pessoas dos perigos da tecnologia que ajudou a criar. Em entrevista à BBC, ele afirmou que "os chatbots ainda não são mais inteligentes do que nós, mas logo poderão ser." 

Observação: Na inteligência artificial, redes neurais são sistemas semelhantes ao cérebro humano na forma como aprendem e processam informações. As IAs aprendem com a experiência, como uma pessoa faria, mas conseguem aprender separadamente e compartilhar o conhecimento instantaneamente. É como se, num grupo de 1000 pessoas, sempre que uma delas aprendesse algo, todas teriam acesso a esse conhecimento. Daí os chatbots poderem saber muito mais do que qualquer ser humano.

O Instituto Future of Life pediu uma pausa em todos os desenvolvimentos mais avançados do que a versão atual do ChatGPT para que medidas de segurança robustas possam ser projetadas e implementadas, mas Hinton acredita que a IA trará mais benefícios do que malefícios, e é contra a interrupção de seu desenvolvimento.
 
Os chatbots são a encarnação mais popular da inteligência artificial no momento. A tecnologia está por trás dos algoritmos que, nas plataformas de streaming, determinam os vídeos que os usuários devem ver a seguir. No recrutamento, ela pode filtrar os pedidos de emprego; nas seguradoras, calcular os prêmios; na medicina, realizar diagnósticos; enfim, as possibilidades são inúmeras. 
 
A IA evoluiu dramaticamente desde que Hinton construiu uma rede neural de análise de imagem pioneira em 2012. Entramos num trem-bala, e a possibilidade de ele começar a construir seus próprios trilhos é assustadora.

terça-feira, 20 de setembro de 2022

NÃO É BEM POR AÍ...

 
Perde-se uma eleição por diversas razões. A principal é a falta de votos, e as demais não vêm ao caso. 
 
Depois de anos de desconversa, o dublê de ex-presidente e ex-presidiário se viu forçado pela conjuntura a admitir uma obviedade: houve desvios durante os governos petistas. Em entrevista à CNN, reconheceu os desvios na Petrobras, enalteceu medidas de controle adotadas nas administrações petistas e apontou as perversões da gestão Bolsonaro. Só não explicou como fará, caso retorne ao Planalto, para evitar que a roubalheira se repita.
 
Lula reiterou que acabará com o orçamento secreto — versão institucional do mensalão e do petrolão. Como fazer? "Política é a arte de conversar", disse. "Você conversa com quem está na cadeira, eleito como deputado, como senador, goste ou não goste. Você conversa com quem tem poder de decisão." (Hoje, "poder" é apenas um outro nome para Centrão).
 
Perguntou-se a Lula se sabia do loteamento político na Petrobras. E ele: Isso "acontece na democracia de qualquer país do mundo". Declarou que, eleito, os partidos que integram sua coligação "vão ter direito de indicar" pessoas para postos na engrenagem federal. Insistiu: "Isso faz parte da democracia." Disse a certa altura: "As pessoas que eu indiquei para a Petrobras eram pessoas com mais de 30 anos [na empresa]. Não era um corpo estranho."
 
Observação: Chama-se Paulo Roberto Costa (ou chamava-se, melhor dizendo, pois morreu há poucas semanas) o primeiro delator da roubalheira na Petrobras. Lula o chamava de "Paulinho". Em depoimento, Paulinho declarou ter trabalhado por 27 anos na estatal "sem nenhuma mácula". De repente, foi indicado para a diretoria de Abastecimento pelo PP de Arthur Lira e Ciro Nogueira, os reis do orçamento secreto da era Bolsonaro. Foi a partir do apadrinhamento político que Paulinho meteu-se em corrupção. Disse que passou a operar segundo a regra da oração de São Francisco: "É dando que se recebe".
 
Ao confundir o aparelhamento que levou ao assalto com "coisa da democracia", Lula revela que nada aprendeu. Ou nada esqueceu. Repetindo os métodos, chegará aos mesmos resultados. Nesse jogo, dão as cartas personagens como Lira, NogueiraValdemar Costa Neto — ex-sócios do petrolão ou do mensalão, que agora mamam nas tetas no orçamento secreto e são a favor de tudo ou contra qualquer outra coisa, desde que possam plantar bananeira dentro dos cofres estatais.

ObservaçãoAntes de iniciar a entrevista, William Waack lamentou a ausência de Bolsonaro — o único que não deu retorno às várias tentativas da emissora de agendar data e horário para que o candidato à reeleição apresentasse suas propostas de governo. Curiosamente, o presidente aceitou o convite do SBT para participar do quadro "Candidatos com Ratinho".

Em 2018, cavalgando um PSL nanico, Bolsonaro chegou ao Planalto numa campanha que declarou à Justiça Eleitoral gastos de míseros R$ 2,5 milhões. Hoje, reclama da penúria milionária, enquanto disputa o caixa do PL com uma legião de candidatos ao Legislativo.
 
A título de contextualização, Bolsonaro percorreu três décadas de vida pública a bordo de 9 partidos, todos do Centrão. Em 2019, devido a divergências sobre a distribuição das verbas milionárias dos fundos partidário e eleitoral, deixou o laranjal do PSL e tentou fundar o "Aliança pelo Brasil". Como não conseguiu reunir nem a metade das assinaturas necessárias, flertou com o PTB, o PRTB, o Patriota e o PP e finalmente se amancebou com o PL

O enlace com o mensaleiro e ex-presidiário Costa Neto aconteceu após um namoro turbulento, com direito a "intensa troca de mensagens" do mais alto nível — como "vá para a puta que pariu" e “vão tomar no cu você e seus filhos”. Mas, no discurso proferido durante a cerimônia de filiação, Bolsonaro disse sentir-se em casa

Observação: Na convenção partidária de 2018, o general-menestrel e futuro chefe do GSI cantarolou uma paródia do samba Reunião de Bacana e acrescentou: "Querem reunir todos aqueles que precisam escapar das barras da lei num só núcleo. Daí criou-se o Centrão. O centrão é a materialização da impunidade". Como se vê, o mundo gira e a Lusitana roda.
 
O PL de Costa Neto distribuiu a seus candidatos notáveis R$ 312 milhões em verbas públicas. Entre os presidenciáveis, Bolsonaro é um dos que mais arrecadaram doações de pessoas físicas — cerca de R$ 11 milhões até agora. Ainda assim, seu primogênito e articulador de campanha leva os lábios ao trombone para alardear que as doações "estão sendo realizadas de forma muito lenta" (e pede aos eleitores doações por Pix). Em outras palavras, o candidato que posou de antissistema e se jactou da campanha barata em 2018 agora atribui (por antecipação e pela boca do senador das rachadinha) sua possível derrota nas urnas a uma suposta falta de dinheiro.
 
Observação: O próprio Costa Neto também reclamou da hipotética pindaíba, mas é bom lembrar que sua prioridade não é reeleger Bolsonaro, e sim aumentar a bancada do PL na Câmara, de maneira a arrancar mais dinheiro dos cofres públicos a partir da próxima legislatura.
 
O senador das rachadinhas não notou, mas o principal problema da campanha do pai não é pecuniário. Nenhuma campanha à reeleição será rica o suficiente para comprar um passado de realizações para um administrador que não tem o que mostrar.
 
Com Josias de Souza 

quinta-feira, 30 de maio de 2024

O STF E A MALDITA POLARIZAÇÃO


Divergências de opinião e disputas pelo poder sempre fizeram parte da política, mas a polarização como a conhecemos hoje, com a divisão da sociedade em dois grupos opostos e antagônicos, é um fenômeno relativamente recente. Com o fim da ditadura militar e a volta do pluripartidarismo, Lula gestou e pariu seu abjeto "nós contra eles", mas os embates eram mais civilizados quando PSDBPT eram os adversários de turno. 

O advento do "bolsonarismo" e a ascensão das "mídias sociais" levaram água ao moinho das "fake news" e à criação de "bolhas" onde as pessoas, tomadas pelo fanatismo, só tomam em consideração as notícias e opiniões que confirmam suas convicções. E a desconfiança no governo, nos partidos políticos e na imprensa tradicional estimula essa récua a busca fontes alternativas de informação (nem sempre confiáveis) que reforcem sua visão deturpada de mundo. 

As eleições presidenciais de 2018 foram as mais polarizadas da nossa história recente, mas perderam o posto para o pleito de 2022, em que Lula, "descondenado" e reabilitado politicamente por uma sequência de decisões teratológicas do STF, derrotou o "mito" dos descerebrados pela menor diferença de votos válidos desde a redemocratização. 

Com o eleitorado dividido entre "nhô-ruim" e "nhô-pior", não havia como a quimérica "terceira via" prosperar — a menos que, metaforicamente falando, um meteoro como o que extinguiu os dinossauros há 66 milhões de anos varresse do cenário político as duas seitas do inferno. 

Dizem que o sábio aprende com os erros dos outros e os tolos, com os próprios, mas o inigualável eleitorado tupiniquim os repete eleição após eleição, como se essa perseverança tivesse o condão de produzir um resultado diferente. Pelo andar da carruagem, teremos neste ano mais um pleito plebiscitário, com postulantes à prefeitura de quase 5.600 municípios apadrinhados pelo capitão-golpista e pelo aspirante a Matusalém. Parece até coisa de Superman x Lex Luthor ou Coringa x Batman! E ainda dizem que Deus é brasileiro!
 
Na desvaliosa opinião deste humilde articulista, J.R. Guzzo, Augusto Nunes, Dora Kramer, Josias de Souza e Reinaldo Azevedo são "monstros sagrados" do  jornalismo político. Mas o mundo gira, a Lusitana roda, a terra plana capota e, como ensinou o saudoso Vinicius de Moraes, "não há nada como o tempo para passar". 

Dora e Josias continuam produzindo textos isentos, mas Guzzo e Nunes se converteram em bolsonaristas convictos, e Azevedo, que cunhou o termo "petralha" quando o escândalo do Mensalão veio à tona, em lulista de carteirinha. De Rodrigo Constantino, então, nem se fala. Parafraseando um slogan do maior jornal paulista — "Folha: Não dá para não ler —, Constantino: "não dá mais para ler". 
 
Seria exagero dizer que nada se aproveita de tudo que esses "convertidos" escrevem. Afinal, até um relógio analógico parado marca a hora certa duas vezes por dia. Além disso, cabe ao leitor sensato diferenciar fatos das versões e "pesquisas de intenção de voto" das manifestação de torcidas organizadas em prol de seus corruptos de estimação. 
 
Após esta breve introdução, segue uma versão condensada do texto (magistral) que Augusto Nunes publicou na edição de 24 de maio da Revista Oeste:  
 
Que García Márquez, que nada. Muito mais assombroso que o universo fictício criado pelo grande escritor colombiano é o estranho país que vem sendo redesenhado desde o início de 2020 por 11 figuras que, em silêncio e vestindo trajes normais, parecem gente como a gente. As diferenças começam pelo dialeto que elas falam e se acentuam quando vestem a fantasia completa. Versão nativa da capa que promove a Superman o introvertido jornalista Clark Kent, a toga pendurada nos ombros do mais medíocre bacharel em Direito anuncia a entrada em cena de um Doutor em Tudo, um Eminente Superjuiz, uma sumidade a serviço do STF, uma alta patente da tropa que recriou o Poder Moderador — que só existiu na experiência constitucional brasileira na Constituição de 1824, e que era exercido pelo Imperador — para salvar a democracia em perigo com métodos que até um ditador parido pelo realismo fantástico acharia exagerados.
 
Que Cem Anos de Solidão, que nada. A esplêndida saga do clã que não terá uma segunda chance na face da Terra é coisa de amador se confrontada com o que fazem e desfazem as estrelas (e os roteiristas) do mais longo e intragável faroeste à brasileira. O coronel Aureliano Buendia meteu-se em dezenas de revoluções. Perdeu todas. Numa visita à cidade natal, o filho revolucionário foi impedido de abraçar a mãe pelos soldados designados para garantir-lhe a integridade física. No Brasil controlado pelo STF, o ministro Alexandre de Moraes não dispensa a companhia de oito brucutus, nem para zanzar pelo clube do qual é sócio. O esquema de segurança não permite que os brasileiros ao menos apertem as mãos do homem que os livrou da ressurreição do fascismo ao sufocar o primeiro golpe de Estado orientado por uma minuta, abastecido por um vendedor de algodão-doce e consumado por civis desarmados e sem comandantes com experiência militar. 
 
Se faltam autores brasileiros no ranking dos melhores do realismo fantástico, não é por falta de personagens prontos e acabados. Em O Outono do Patriarca, Márquez criou um ditador de idade indefinida (calcula-se que tem mais de 107 anos e menos de 232). Moraes terá de viver ao menos mais dois séculos, sem aposentar-se, para concluir o julgamento dos casos que o transformaram em gerente da maior e mais vagarosa Vara Criminal do planeta. O Primeiro Carcereiro disse recentemente que são mais de 2 mil. Não é pouca coisa. Mas o sorriso que acompanhou o cálculo avisou que está longe do fim o aumento da população carcerária embutido no recado que fez publicamente ao parceiro Dias Toffoli em outro comício sem plateia: “Tem muita gente pra prendê (sic), muita multa pra aplicá (sic)”, animou-se o carrasco de plurais, direitos e liberdades. 
 
"Os idiotas perderam o pudor e estão por toda parte”, constatou Nelson Rodrigues na década de 1970. Passados 50 anos, sobram imbecis também na cúpula dos Três Poderes. Alguns ajudam a piorar o Judiciário, mas no Supremo prevalece a tribo dos napoleões de hospício sem remédio. Daqui a muitos anos, diante das verdades preservadas por um punhado de jornalistas decentes, todo brasileiro com mais de dez neurônios se perguntará o que aconteceu com o Brasil na primeira metade da terceira década do século 21. 
 
Em cinco anos, o Supremo pariu o flagrante perpétuo, a presunção de culpa, a prisão sem julgamento, a multa com seis zeros, a verdade oficial, a prisão provisória sem prazo para terminar, o criminoso que não descumpriu nenhuma lei em vigor e outras obscenidades chicaneiras. Decidiu que o ônus da prova agora cabe ao acusado, revogou o devido processo local, aposentou o sistema acusatório e o direito de ampla defesa, tornou rotineira a condenação por decisão monocrática de quem não pode ser julgado pelo Supremo. Fora o resto.
 
Nesta semana, o Brasil que pensa e presta foi insultado por outra carga de cavalaria liderada pela mais insolente dupla de coveiros da Justiça, dos direitos democráticos e do Estado de Direito. Indignado com os brasileiros que rejeitaram a meia-liberdade, jogaram tornozeleiras no lixo e partiram para o exílio, Alexandre de Moraes anunciou que vai prender de novo homens e mulheres que soltou por falta de provas para condená-los. 

Perfeitamente afinado com o colega de toga, Dias Toffoli decidiu que o empreiteiro Marcelo Odebrecht não cometeu as ilegalidades que confessou em depoimento eternizado num vídeo. Coisa de doido? Não deixa de ser. Mas há uma lógica por trás dessas loucuras, como provará esta coluna na próxima edição. Mais importante ainda: é uma indignidade inútil. Mesmo enterrada, a verdade segue viva. E logo estará assombrando os que se julgam condenados à eterna impunidade.
 
Volto a frisar que, a meu ver, Nunes se converteu ao bolsonarismo e a destacar que não concordo com muito do que escreveu sobre Alexandre, mas a parte que toca ao Supremo — e a Toffoli em particular — me levou a publicar esta postagem. 
Cabe ao leitor tirar suas próprias conclusões. 

domingo, 15 de março de 2020

0 MUNDO GIRA E A LUSITANA RODA



O tom de Bolsonaro sobre a pandemia da COVID-19 mudou nos últimos dias. Na segunda-feira, quando ainda estava nos Estados Unidos, ele disse que a doença era “muito mais fantasia” e minimizou seus impactos. Na transmissão da última quinta, quando buscou distanciar-se da organização dos atos programados para este domingo (que ressaltou serem espontâneos e legítimos), tanto o presidente quando o ministro da Saúde e a intérprete de libras apareceram usando máscaras.

Três dias antes das manifestações populares em defesa de seu governo e críticas ao Congresso e ao STF, o capitão sugeriu que elas fossem suspensas. Em sua live semanal nas redes sociais, fez ponderações sobre a legitimidade dos atos, mas defendeu (mesmo que a contragosto) o adiamento, dado o risco de a possível aglomeração contribuir para a propagação do vírus. Mas como não é de dar o braço a torcer, sua excelência não se furtou de dizer que, mesmo sendo adiado (o protesto), “já foi dado um tremendo recado ao parlamento”. 

A despeito dos constantes desmentidos oficiais, Executivo e Legislativo vivem às turras. Às vezes o Judiciário também entra na dança, mas a postura estapafúrdia de alguns ministros e a parlapatice de outros perderam espaço nas manchetes para a pandemia do coronavírus, que, para além das consequências no âmbito sanitário, tem produzindo efeitos nefastos na economia mundial e nos mercados de câmbio e de ações em especial, como se viu durante a última semana. 

Menos mal que Bolsonaro tenha testado negativo para a doença. Mas não seria ruim para o país se ele ficasse afônico, a ponto de não conseguir falar, por pelo menos 90 dias.

quarta-feira, 22 de junho de 2022

RECORDAR É VIVER

 

O mundo gira, a Lusitana Roda e as coisas mudam, até porque, na política, é preciso mudar para que tudo fique do jeito que está. Confiram a seguir o que eu escrevi na postagem de 22 de junho de 2018, a pouco mais de 100 dias do primeiro turno das eleições que culminaram com a vitória do "mito".

Não é de hoje que o Estado brasileiro atua exclusivamente para satisfazer ânsias de riqueza de seus mandatários e funcionários, a ponto de o verbo "servir" perder o sentido ativo e preservar apenas o significado passivo para a casta privilegiada e a burocracia que se presta a trabalhar só para ela.

Notícias recentes trazem a público indícios claros de que os Poderes da República, na ânsia de proteger seus privilégios corporativos, tomam o mando — que em teoria é do povo — para exercê-lo em função de uma classe social que se reproduz por via hereditária, como no ancien régime, por nomeação do chefe do Estado, por concurso público ou até pelo voto.

Essa ruptura do mais pétreo dos preceitos constitucionais — aquele segundo o qual todo o poder emana do povo e em seu nome ser exercido — teve seu apanágio retórico no julgamento do habeas corpus impetrado por um condenado por crime comum. Nele, o advogado de defesa e político profissional Roberto Battochio elegeu como símbolo da justiça que pedia para seu representado, o ex-operário Lula, o discurso do nobre advogado do monarca Luís XVI, Guillaume-Chrétien de Lamoignon de Malesherbes (atenção para a duplicação da nobiliárquica preposição de) contra o “punitivismo” jacobino na Revolução Francesa.

Agora é muito provável que estejamos em pleno paroxismo dessa lenta e inexorável tomada de poder numa democracia que se perde pela aristocracia de estamento nesta República (de res publica, no latim, coisa pública) assaltada pelos interesses privados de uma classe cínica e insaciável, que não tem espírito cívico nem dá a mínima para a moral e os bons costumes.

O presidente mais impopular da História, Michel Temer, protagonizou recentemente um dos episódios mais representativos, mas não o único, nesse sentido. Para resolver o impasse criado pela falta de rumo, autoridade e competência na gestão — o movimento organizado para defender os interesses exclusivos de caminhoneiros e empresas transportadoras —, o chefe do governo atropelou o bom senso e a lei, cedendo a tudo o que exigiam os amotinados. Com isso interrompeu a política de preços adotada para recuperar as finanças da Petrobras, quase falida pelo furto de seus ativos nos desgovernos de Lula e Dilma, restabelecendo o tabelamento de seu correligionário José Sarney para o diesel e para o frete.

Com a “bolsa caminhoneiro”, como definiu o Estado em primeira página na edição de domingo 17 de junho, o chefe do Executivo adotou uma medida ilegal, pois, conforme advertiu o CADE, violou o princípio da livre concorrência, marco basilar da economia de mercado vigente no País. Ou não é mais?

O economista Edmar Bacha lembrou que Temer teve o juízo de montar “uma equipe econômica da melhor qualidade (que) opera com relativa autonomia, dentro dos estreitos limites da atual conjuntura”. Isso só não funcionou porque o presidente perdeu todo o seu capital político com a revelação de suas tratativas pouco republicanas na calada na noite com o empresário Joesley Batista. A partir daí o governo teve de se dedicar a barrar o impeachment, incapaz de desenvolver uma agenda econômica positiva, disse Bacha.

O episódio lembrado pelo criador do termo “Belíndia” (para definir o Brasil como parte Bélgica e parte Índia) é um dos marcos de fundação dessa aristocracia de cartéis. Estes vão do pacto entre políticos governistas e da oposição, grandes empresários, principalmente empreiteiros, e burocratas de estatais, em particular a Petrobras, e autarquias, até o compromisso ilegal do presidente para interromper a recente pane seca e o consequente desabastecimento de derivados de petróleo e gêneros alimentícios.

Um dos lemas dessa situação surreal em que o quinteto Temer, Padilha, Moreira, Marun e Etchegoyen meteu o País é a frase com que o primeiro recebeu o meliante do abate Joesley Batista na garagem do Jaburu (mais adequado seria chamar o palácio de Guabiru) na calada da noite: “Tem que manter isso, viu?”

Apesar da desesperada tentativa dos asseclas palacianos de desqualificarem a gravação do palpite pra lá de infeliz, ela se perdeu por lembrar outro lema, que pode valer para essa classe de roedores do erário, da lavra do presidente do MDB temerário, Romero Jucá, ao correligionário que presidiu a BR Distribuidora (de derivados e propinas), Sérgio Machado: “Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria”.

A sangria ainda não foi estancada, apesar do esforço que tem sido feito pelos chefões políticos. Mas as eleições gerais de outubro não são nada promissoras em relação à atuação do combate à corrupção na polícia e na Justiça. Nenhum presidenciável deu até agora sinal de que esteja fora desse pacto. Um deles, Geraldo Alckmin, cujo PSDB foi derrotado por Dilma e Temer em 2014 e hoje é parceiro do governo, teve o descaramento de dizer que este “padece de uma questão de legitimidade”, como se o chanceler Aloysio Nunes Ferreira não fosse tucano.

As duas frases sobre as quais se sustenta a oligarquia dos cartéis nos levam, destarte, a introduzir nessa constatação da total deturpação do Estado de Direito em estágio de defeito o Poder Legislativo. Jucá, pernambucano de Roraima, onde faz praça e troça, é um bom exemplo da transformação do governo do povo em desgoverno dos polvos. Desde que o “caranguejo” Eduardo Cunha se assenhoreou do comando da produção de leis, o Congresso passou a servir apenas a “manter o que está aí” e, para isso, a procurar fórmulas legais para “estancar essa sangria”, aplicando um garrote vil contra a ação moralizadora de agentes, procuradores e juízes federais de primeira instância.

Essa tarefa mesquinha e traiçoeira contra o povo que deputados e senadores fingem representar começou a ser cumprida com a “lei da bengala” que mantém os compadritos (apud Jorge Luís Borges) nos tribunais superiores de Contas, Justiça e Supremo. Com a vigilância sobre propinas e caixa 2 na contabilidade das campanhas eleitorais, para garantir suas vagas e as de parentes e cupinchas, os legisladores criaram o Fundo Eleitoral, que, segundo a Folha de S. Paulo, usando dados do TSE, representa 86,5% das receitas de seus partidos.

Duas notícias, publicadas lado a lado na primeira página do Estado de segunda-feira 18, complementam a anterior. Uma dá conta de que a eleição para o Senado este ano terá número recorde de candidatos – 70% – em busca de reeleição. Em entrevista a Fausto Macedo e Ricardo Galhardo, o ex-diretor da Polícia Federal Leandro Daiello informou que “há material para mais cinco anos de operações”.

A reeleição de qualquer político que possa estar nesse “material” é uma ameaça à continuidade do combate à corrupção, sem o qual não há como o Brasil deixar de ser este trem descarrilado, cujo farol é a luz que se poderá ver saindo do túnel das urnas. O pior de tudo é que a esperança que a sociedade passou a ter na ação das operações a que Daiello se referiu está nas mãos de quem mais as põe em risco. Os seguidores de Malesherbes, representados pelo quinteto Gilmar, Lewandowski, Toffoli e a dupla Mello, continuam a atuar como garantes não da igualdade dos cidadãos perante a lei, assegurada pela Constituição vigente, mas dos caprichos e “dodóis” dos clientes abonados das bancas que abrigam mulher, genro, amigos e antigos parceiros de convescotes e salamaleques.

Vitimados pelo desemprego, pela violência e por saúde e educação de péssima qualidade, os pobres, que nem sonham poder um dia exigir seus direitos no fechadíssimo clube da impunidade dos que são mais iguais perante a lei, pagam a conta do desgoverno do Executivo, da safadeza do Legislativo e do cômodo uso da definição de Corte para seu colegiado com os mesmos frufrus e minuetos das monarquias absolutistas. A proibição da condução coercitiva de delinquentes de colarinho-branco e a tentativa de garantir a honra de políticos desonrados proibindo fake news são exemplos recentes, mas não os únicos, de como os ministros de tribunais superiores participam, sem pudor, do golpe dos “aristo-ratos” que se locupletam como dantes nos cartéis de Abrantes.


Como se vê, o Brasil, os brasileiros e o papel higiênico têm algo em comum: quando não estão no rolo, estão na merda.

segunda-feira, 17 de junho de 2024

AINDA SOBRE O MAQUIAVEL DE MARÍLIA

Em 2009, a morte do supremo togado Menezes Direito deu ao então presidente a oportunidade de retribuir com a suprema toga os bons serviços prestados por seu AGU como advogado do Sindicato dos Metalúrgicos, consultor jurídico da CUT, assessor jurídico do PT e subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil sob José DirceuSegundo o art. 101 da Constituição, aspirantes a togados supremos devem ter mais de 35 e menos de 65 anos, reputação ilibada e notório saber jurídico; segundo Lula, que se ufanava de jamais ter lido um livro na vida, seu apadrinhado ter bombado duas vezes em concursos para Juiz de Direito não constituía impedimento — opinião compartilhada pelos 59 senadores que chancelaram a indicação presidencial. 

No novo habitat, Toffoli buscou apoio em Gilmar Mendes, de quem absorveu a arrogância e a grosseria,  julgamento da ação penal 470, ele votou pela absolvição de Dirceu (que foi apontado como "chefe da quadrilha do mensalão") e pediu transferência para a 2ª Turma do STF, que ficou responsável pela Lava-Jato, assim que a
 "primeira lista de Janot" foi divulgada. Foi ele quem sugeriu tirar de Curitiba os casos não relacionados diretamente à Petrobras, foi ele quem concedeu prisão domiciliar a Paulo Maluf (a foto do turco lalau se arrastando para o camburão apoiado numa bengala merecia integrar os arquivos de dramaturgia da Rede Globo) e foi dele o pedido de vista que interrompeu a votação da limitação do foro privilegiado quando já havia maioria a favor.
 
Léo Pinheiro revelou em sua proposta de delação que a OAS executou reformas na casa do eminente ministro, mas a informação vazou e o então procurador-geral Rodrigo Janot (notório admirador do lulopetismo) melou o acordo. A Lava-Jato descobriu que um consórcio suspeito de firmar contratos viciados com a Petrobras repassou R$ 300 mil ao escritório de advocacia da esposa do magistrado, mas investigação não foi adiante, a Lava-Jato morreu, e não é de bom-tom falar mal dos mortos.
 
Em 2018, pouco antes de o mais jovem ministro do STF se tornar o mais jovem presidente do Tribunal,  J.R. Guzzo, então colunista de Veja, anotou num texto magistral que um indivíduo considerado incompetente para ser juiz da comarca mais ordinária do interior passaria a presidir a mais alta corte de Justiça do país. Que ele não só era uma nulidade em matéria de direito, mas também um fenômeno de suspeição e parcialidade sem paradigma no mundo civilizado, e que quem o leva a sério, a começar pelos colegas que o chamam de excelência, tratavam o Brasil como um país de idiotas. 
 
No finalzinho do mês passado, o doutor em direito e ciência política e professor da USP Conrado Hübner Mendes publicou um artigo sob o título "É isto um juiz?". Em seu discurso de posse, relembrou o articulista, o magistrado afirmou que queria "enxergar um porto seguro" nessa "era de ponderações, imprevisibilidade e incertezas", mas sua falta de credenciais acadêmicas e profissionais e a atuação pouco conhecida como advogado de partido foram lembradas de modo recorrente durante sua sabatina no Senado. E não levou muito tempo para que ele revelasse seu estofo jurídico.

O eminente magistrado assumiu a presidência do STF pregando “harmonia” e invocando o papel de “mediador”, mas deixou como legado um inquérito sem fim que transformou o tribunal em polícia e censor. Ao longo de sua gestão, esmerou-se em impor travas à Lava-Jato e ao combate à corrupção. A virtude que mais confere unidade a sua trajetória não está em sua jurisprudência, mas em sua lealdade a Lula. Embora tenha negado um pedido da jornalista Mônica Bergamo para entrevistar seu padrinho na prisão, o apadrinhado mudou de posição no ano seguinte. 
 
Ao autorizar Lula a comparecer ao velório do irmão Vavá meia hora antes do enterro e determinar que ele se reunisse com os familiares numa base militar, longe da imprensa, de militantes e de celulares, sua excelência 
forneceu munição para o então presidiário mais famoso desta banânia capitalizar "a desumana decisão” que o impediu de dar o último adeus ao "irmão querido".
 
Observação: Aristides Inácio da Silva, pai de Lula, morreu de cirrose em 1978 e foi sepultado como indigente — nenhuma mulher, ex-mulher ou filho se dignou de lhe conceder um túmulo e uma lápide. Dois anos depois, durante uma breve passagem pela prisão da ditadura, o então sindicalista foi autorizado a comparecer ao velório da mãe. Durante sua primeira gestão, Lula perdeu os irmãos João InácioOdair Inácio, mas não compareceu ao enterro de nenhum dos dois (segundo o Conexão Política, enquanto o corpo do primeiro era velado, o petista jantava com ministros e assessores na Granja do Torto). Em 2017, já em pré-campanha, transformou o velório de Marisa Letícia em comício e o cadáver em arma contra seus adversários políticos. 
 
No primeiro ano do governo Bolsonaro, o ministro congelou o inquérito que investigava o primogênito do mandatário e outros 935 processos fornidos com dados do Coaf. No mesmo ano, quando ainda presidia o STFhospedou um general em seu gabinete como forma de estreitar relações, e anunciou uma nova interpretação do autoritarismo brasileiro em pleno Salão Nobre da Faculdade de Direito do Largo São Francisco: " Hoje não me refiro mais a golpe nem a revolução, mas a movimento de 1964".
 
"Toffoli é nosso", disse o então presidente. "Muito bom termos aqui a Justiça ao nosso lado", enfatizou. Derrotado nas unas, o aspirante a tiranete foi aconselhado pelo togado a sumir: "Presidente, sua presença na cerimônia de posse só vai mostrar um país dividido, as pessoas vão vaiar" (conforme relato de Recondo e Weber no livro "O Tribunal"). 

Sua lealdade a Augusto Aras foi inspiradora. Depois de organizar livro em homenagem ao PGR, apoiar sua recondução e indeferir pedido de investigação por crime de prevaricação contra ele, que se disse "estrategicamente discreto" por arquivar mais de 70 representações contra o ex-presidente, o togado discursou na despedida: "Não fosse a responsabilidade, a paciência, a discrição e a força do silêncio de sua Excelência [referindo-se a Aras], talvez não estivéssemos aqui, não teríamos, talvez, democracia."
 
Mas o mundo gira, a Lusitana roda e não há nada como o tempo para passar. Com a volta de Lula ao Planalto, o apadrinhado ingrato vem fazendo das tripas coração para se ajustar à nova conjuntura. Durante a cerimônia diplomação do xamã petista, sussurrou-lhe ao ouvido: "Me sinto mal com aquela decisão e queria dormir nesta noite com seu perdão". Fantasiado de madalena arrependida (Caravaggio deve ter se revirado na tumba), trombeteou que "a Lava-Jato foi o "verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia" e que "a prisão de Lula foi um dos maiores erros judiciários da história do país". 

Não bastasse a vassalagem explícita, o nobre togado despejou uma enxurrada de decisões monocráticas que, entre outras coisas, suspenderam a bilionária multa do acordo de leniência da J&F, anularam todos os processos envolvendo o príncipe das empreiteiras Marcelo Odebrecht e liberaram para diferentes autoridades — inclusive do PT — o acervo completo de mensagens hackeadas de procuradores da Lava-Jato e do ex-juiz Sergio Moro.
 
Em 2016, o então senador Romero Jucá disse que "a sangria" precisava ser estancada". Enquanto se empenha no desmonte da Lava Jato, o STF faz sangrar sua credibilidade junto aos brasileiros, seja no exame colegiado de decisões monocráticas, seja no reparo ao comportamento de magistrados alheios aos autos e/ou aos ditames da ética. Que a Corte perde a majestade só parecem ter dúvidas seus integrantes, que, ao serem (de modo condenável) atacados nas ruas e nas redes, cobram respeito sem se mostrarem respeitáveis. Se a contestação ao papel supremo do Tribunal é danosa para a democracia, ruinosas são as atitudes que dão margem à confrontação. Passa da hora de se pôr um fim a tal embate, mas a iniciativa cabe a quem detém a prerrogativa constitucional de falar por último sobre o que é legal ou ilegal no país.
 
As togas não fazem um favor a si mesmas quando dão margem à interpretação de que estejam prestando favores a outrem ou obtendo vantagens de cunho pessoal. Oferecem, antes, um desserviço à coletividade aliando-se ao espírito do tempo da má educação cívica quando o ideal seria darem o exemplo oposto. Olham o panorama de cima, sem dar mostras de perceberem o tamanho da erosão sofrida na sociedade e do quanto esse desgaste por ser nocivo para a imprescindível confiança nas instituições. Na disseminação da descrença viceja o entusiasmo pela anormalidade barulhenta que confere ao autoritarismo a chance de sugerir aos incautos a pior das soluções.
 
Segundo Gilberto Freyre, o formalismo exacerbado leva os juristas a se isolarem da realidade brasileira. Mas o problema de certos ministros do STF não é o excesso de liturgia, mas, sim a falta dela. A julgar pela desfaçatez com que se dedicam a rega-bofes e encontros com o lobismo político e empresarial, algumas togas já deram alta aos psicanalistas, e o togado a quem me refiro nesta postagem é um dos que desafiam Freud e a própria sensatez. Dizer que os magistrados brasileiros perderam o contato com as pessoas que lhes pagam os salários é muito pouco para traduzir tamanha alienação. Na verdade, eles se desconectaram da realidade.
 
Houve um tempo em que eu me envergonhava de ser brasileiro. Agora, tenho nojo.