Lorenzoni chefiou inicialmente a Casa Civil da Presidência,
de onde saltou para o Ministério da Cidadania, e de lá para a Secretaria-Geral
da Presidência da República. Por ocasião da última reforma ministerial, na qual
Bolsonaro finalmente entregou o governo ao Centrão, o político
gaúcho teve de ceder a poltrona para Ciro Nogueira. Para não deixar seu
fiel vassalo ao relento, nosso indômito capitão recriou o Ministério do
Trabalho — que ele
próprio havia extinguido em 2019.
O Ministério do Trabalho foi criado originalmente em 1930,
durante o governo Vargas, e entregue a Lindolfo Leopoldo Boeckel
Collor, avô do ex-presidente e ainda senador Fernando Collor de Mello.
Durante a nada saudosa gestão do caçador de marajás de araque, a pasta foi
chefiada pelo sindicalista Antonio Rogério Magri (para quem o FGTS era
"imexível" e sua cadela, Orca, "um
ser humano como outro qualquer"). Durante o mandato tampão do
vampiro do Jaburu, houve um
furdunço envolvendo o notório Roberto Jefferson (que atualmente goza de
férias compulsórios no presídio de Benfica) e sua filha Christiane
Brasil.
A partir de então, como resultado de uma miserável sucessão
de atos de inépcia por parte do gabinete da Presidência da República e de
surtos repetidos de demência por parte de integrantes do Poder Judiciário, deu-se
uma vacância nesse obelisco da inutilidade — do qual nenhum trabalhador
brasileiro honesto sentiu a menor falta durante meses a fio.
Tanto faz que haja um ministro do Trabalho ou que não haja
nenhum — não muda nada, e a suspeita, mais do que razoável, é que não mudaria
nada jamais, até o fim dos tempos, se o Ministério do Trabalho nunca mais
voltasse a ter um ministro. Ou, melhor ainda, que não houvesse mais o próprio
ministério em si. Para que mais esse mamute na Esplanada dos Ministérios? Ele,
como tantos outros primos, só serve mesmo para seus donos roubarem o Erário
público, cevarem manadas inteiras de fiscais que vivem de extorquir empresas e
criar novas regras para dificultar cada vez mais a criação e a manutenção de
empregos neste país.
A inexistência dessa geringonça que os devotos do “Estado
forte” gostam de chamar de “histórica”, porque foi fundada por São Getúlio,
pouparia o Brasil das cenas, impróprias para todas as idades. Após ser impedido
por um aliado de nomear o ministro que havia escolhido, Michel Temer tentou
colocar no cargo uma deputada condenada em duas ações trabalhistas — o que não
é pecado para ninguém, salvo para quem fosse assumir, justamente, o raio do
Ministério do Trabalho.
Um juiz de Niterói proibiu a posse da filha de Jefferson,
e o governo, em pânico, largou as decisões finais para os mais altos tribunais
da nação. Para completar, descobriu-se que a ministra nomeada tinha como seu
suplente na Câmara dos Deputados um colega que não só foi condenado a 12 anos
de prisão por estupro, mas também era irmão do ex-governador Anthony
Garotinho, ele próprio um ex-presidiário beneficiado pelo programa “Meu
Alvará de Soltura, Minha Vida”, do ministro Gilmar Mendes.
Para que todo esse vexame? Só para ter mais um (ou mais uma)
parasita com carro oficial em Brasília, onde sua ausência não é sentida por
nenhuma pessoa séria? O único efeito prático de não haver um ministro do
Trabalho é que deixam de ser assinadas portarias, e despachos, e ofícios, e o
resto de toda essa infame papelada que não serve para coisa nenhuma — ou
melhor, serve, e serve muito, mas apenas aos interessados em arrancar do
Tesouro Nacional algum proveito para si mesmos.
Mas tudo que foi escrito aqui poderia ter sido escrito em
grego, caso alguém imagine que um único político brasileiro possa encontrar
alguma coisa de estranho nessa alucinação toda. Para eles, é justamente essa
farinata disforme que serve como pão nosso de cada dia. De seu ponto de vista,
a única função que o Brasil tem hoje é prover, com o dinheiro dos impostos, sua
sobrevivência e prosperidade — sua, das famílias, dos amigos e dos amigos dos
amigos.
Com exceção de um ou outro órgão que exerce funções de
Estado verdadeiras, o governo brasileiro, como sempre, continua servindo somente
para duas coisas: roubar e mentir. Até não muito tempo atrás, a única diferença
com o passado recente era que os governos de Lula e de Dilma
roubavam e mentiam mais — hoje, já não se sabe. Afora isso, a essência é
exatamente a mesma em todos eles, e não apenas na área do Poder Executivo. O
Legislativo é um bazar como a Rua 25 de Março em São Paulo ou o Saara no Rio de
Janeiro — com a diferença de que nesses dois lugares os padrões de honestidade
comercial são incomparavelmente mais elevados. O Judiciário é uma zona de
catástrofe da qual qualquer brasileiro decente reza para ficar o mais distante
possível.
Voltando aos dias atuais, o multiministro Onyx Lorenzoni,
expert em assuntos aleatórios e momentaneamente acomodado na pasta do Trabalho,
passa a impressão de estar sempre prestes a decidir de qual borda da terra
plana vai pular. Em matéria de vacinas, optou pela borda em que se encontra Bolsonaro.
Editou portaria proibindo a demissão de quem não se vacinou e a exigência de
atestado de vacinação para a contratação.
Em português claro: Onyx reconheceu por meio de
portaria o direito dos sem-vacina de infectar livremente os colegas vacinados
no ambiente de trabalho. De uma tacada, afrontou a Constituição, rasgou uma lei
sancionada pelo próprio Bolsonaro, atropelou decisão do STF e se
colocou na contramão de providências adotadas pelo STJ.
O ministro afrontou a Constituição porque qualquer advogado
recém-formado sabe que o direito da sociedade à saúde prevalece sobre o direito
individual do cidadão de recusar a vacina. Todos têm o direito de manter suas
convicções e idiossincrasias pessoais, desde que não coloquem em risco a vida
alheia. Fez picadinho da Lei 13.979/2020, sancionada por Bolsonaro em 6
de fevereiro do ano passado, que prevê no artigo 3º que, para enfrentar
emergência internacional de saúde pública, as autoridades podem adotar medidas
excepcionais, entre elas a vacinação "compulsória."
Onyx passou por cima do Supremo porque o
plenário da Corte já decidiu, ao interpretar a lei retrocitada, à luz da
Constituição, em dezembro do ano passado, que a obrigatoriedade da vacina é
constitucional. Pela decisão, ninguém será arrastado na marra até a seringa,
mas todos os não vacinados estão sujeitos a medidas restritivas — multa e
proibição de frequentar determinados lugares, por exemplo.
Como ministro do Trabalho, Onyx não deveria ignorar
que o TST, Corte suprema da Justiça trabalhista, começa a exigir na
última terça-feira, 3, a exibição de comprovante de vacina para as pessoas que
quiserem entrar nas sua sede. Ao noticiar a providência no seu site, a Corte a
atribuiu ao "poder-dever da administração pública de proteger a saúde e
a integridade física de servidores, colaboradores e usuários de seus serviços".
Não é por outra razão que a Justiça do Trabalho vem reconhecendo país afora o
direito das empresas de demitir os não vacinados e condicionar as contratações
à exibição de atestados de vacina. Tudo ao contrário do que desejam Onyx
e, sobretudo, seu amado chefe.
Certos governos só serão perfeitamente compreendidos daqui a
um século. Governos incertos como o de Bolsonaro só serão devidamente
entendidos no século passado. O presidente e seus áulicos têm o direito de ser
ouvidos quando dizem tolices sobre vacinas. Mas isso não inclui automaticamente
o direito de serem levados a sério. A portaria de Onyx é uma piada sem
graça.
Com J.R. Guzzo e Josias de Souza