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domingo, 11 de março de 2018

SOBRE O PTB, CRISTIANE BRASIL ― AQUELA FOI SEM NUNCA TER SIDO ― E OUTRAS CONSIDERAÇÕES


O começo deste ano foi marcado por mais um embate entre o Executivo e o Judiciário, desta vez envolvendo a nomeação da filha de Roberto Jefferson ― aquele do Mensalão ― para o ministério do Trabalho. No entanto, ao decretar a intervenção federal no RJ, o presidente Temer mandou para as calendas a reforma previdenciária, e a pendenga da nomeação perdeu o objeto, já que os votos da bancada petebista (vinculados à nomeação da moçoila por exigência de seu papai) deixaram de ser prioridade para o governo. 

Numa das minhas postagens sobre esse tema, ponderei que “As sucessivas derrotas na Justiça desgastam a imagem do presidente, mas ele não quer desagradar o PTB de Roberto Jefferson por razões fáceis de entender. Difícil é compreender por que Cristiane não abre mão do cargo de ministra, a despeito de toda essa celeuma. O que move a moçoila não é o foro privilegiado, que, como deputada, ela já tem. Tampouco me parece ser o salário, visto que um deputado federal ganha R$ 33.763,00 por mês”. E concluí com a seguinte pergunta:Será apenas uma questão de ego, ou será que tem dente de coelho nesse angu? Responda quem souber

A resposta veio na edição de Veja da semana passada, sob o título “O NOVO ESQUEMA DO PTB”. Assinada por Thiago Bronzatto, a matéria detalha a corrupção no ministério do Trabalho e associa ao fato a insistência de Roberto Jefferson em manter a pasta sob o comando de um petebista de sua confiança ― aliás, como eu disse mais de uma vez, se a nomeação da filhota prosperasse, seria o papai quem puxaria os cordéis.

Segundo a reportagem, uma conversa mantida no ano passado e gravada por um dos interlocutores revela dois lobistas pedindo R$ 4 milhões a um empresário em troca de um serviço junto ao ministério do Trabalho.

Observação: É nítida a semelhança entre esse episódio e o ocorrido em 2005, quando Maurício Marinho ― então funcionário do alto escalão dos Correios ― foi filmado confidenciando a um interlocutor que havia chegado ao posto por indicação do PTB e que sua missão era arrecadar propinas para o partido. O esquema, como se descobriu mais adiante, era replicado em dezenas de repartições e gabinetes, e acabou conhecido como “Mensalão” ― depois que o mesmo Roberto Jefferson trouxe à público seus detalhes sórdidos. Curiosamente, o maior beneficiário da maracutaia disse que nada viu, nada ouviu e de nada sabia, e escapou incólume da ação penal 470, na qual 37 réus foram julgados e 24, condenados (dentre os quais Dirceu, Genoino, Delúbio, Vaccari e outros petralhas notórios).

Agora, o mesmo PTB do mesmo Roberto Jefferson aparece operando o mesmo esquema. A diferença é que a base das operações ilegais se transferiu para o ministério do Trabalho ― o mesmo ministério que sua filha ficou 47 dias lutando para ocupar. Isso nos leva de volta à pergunta: Por que Cristiane Brasil insistiu tanto em ser ministra do Trabalho? A resposta está no diálogo a que eu me referi parágrafos atrás, mantido entre os lobistas e o empresário gaúcho Afonso Rodrigues de Carvalho.

Dono de uma pequena transportadora e presidente do Sintrave ― um sindicato de microempresas do Estado de Goiás ― o gaúcho Afonso Rodrigues de Carvalho pelejava para obter um registro sindical para oficializar sua atividade. Vendo que o processo não avançava, o empresário recorreu à lobista Verusca Peixoto da Silva, que dizia ter “boas conexões políticas”, e foi apresentado a seu parceiro de negócios, Silvio Assis, dono de uma consultoria financeira e que tem livre trânsito em diversos ministérios e órgãos públicos.

Para resumir a história, Rodrigues gravou a conversa em que Assis revelou a existência de um conluio entre o PTB e o Solidariedade para achacar o setor de registro de sindicatos. Para destravar o processo, o lobista pediu R$ 1 milhão no ato e R$ 3 milhões quando o registro fosse concedido, explicando que parte do dinheiro seria usada para subornar o pessoal técnico do ministério, e a outra parte, para o pessoal político ― entre eles o deputado Jovair Arantes, do PTB. O empresário procurou a PF, que o orientou a manter os contatos enquanto os agentes monitoravam tudo. E assim foi feito.

Rodrigues negociou com Verusca um abatimento, e conseguiu baixar o preço para R$ 3,2 milhões. Para fechar o negócio, um “contrato de consultoria” foi assinado e entregue ao empresário num posto de gasolina no interior de Goiás (o encontro foi filmado; para assistir ao vídeo, clique aqui). Orientado pela PF, Rodrigues pediu uma nova reunião, que foi realizada num hotel em Brasília e contou com a presença de Rogério Arantes, sobrinho do deputado Jovair Arantes e diretor do INCRA indicado pelo PTB. Rogério prometeu interceder junto a Leonardo Arantes ― outro sobrinho do deputado Jovair, indicado pelo tio para o ministério do Trabalho em maio de 2016, quando Dilma foi afastada e Temer assumiu interinamente a presidência.

Para resumir a novela, as investigações da PF apontam que quem dá as cartas no ministério do Trabalho é o PTB e o Solidariedade (ambos fazem parte da base aliada do governo Temer). Os agentes continuam realizando operações monitoradas, e um pedido para investigar elementos do esquema que contam com prerrogativa de foro já foi apresentado ao supremo. O segredo de Justiça não permite saber que são esses indivíduos, mas os únicos políticos com foro privilegiado no caso são Jovair Arantes e Paulinho da Força.

Com exceção da lobista Verusca, que entregou candidamente a rapadura ― “se você não paga, não sai”, disse ela à reportagem de Veja ― todos os envolvidos negam qualquer irregularidade. Mas até aí morreu o Neves. Lula também protesta inocência, foi condenado a 9 anos e meio e teve a pena aumentada para 12 anos 1 mês de prisão pelo TRF-4.

Como dizia José Saramago, prêmio Nobel de literatura em 1998, “a cegueira é um assunto particular entre as pessoas e os olhos com que nasceram; não há nada que se possa fazer a respeito”.  

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sábado, 24 de fevereiro de 2018

CRISTIANE BRASIL NO MINISTÉRIO DO TRABALHO ― FIM DA NOVELA?



O fato de não simpatizar com Lula e o PT não faz de mim um admirador incondicional de Michel Temer ― que, a meu ver, é um rebento gerado e parido por Lula e o PT.  Mas isso não torna o impeachment da anta menos oportuno nem muda o fato de que o vampiro do Jaburu reconstruiu, em um ano e meio, boa parte do que o tsunami dilmista arrasou em um mandato e meio. Basta comparar os indicadores financeiros atuais com os de 2014, 2015 e 2016 para ver que, se o país não voltou a crescer como gostaríamos, ao menos a economia está no rumo certo.

Mas não há como admirar alguém que, pego com as calças na mão e a cueca machada pelo batom da JBS, proteste inocência, diga que a investigação pedida pelo Supremo será o território onde surgirão todas as explicações e então faça “o diabo” para impedir o andamento da investigação que ele próprio afirmou defender. E isso é apenas um exemplo de sua conversa de camelô paraguaio

Para encurtar o que poderia ser uma longa (e repetitiva) história: Temer teve mais sorte (ou mais traquejo) que Dilma para escapar da deposição ― pelo menos até agora, já que o caso Rodrimar é uma ameaça real, embora as investigações dificilmente serão concluídas durante os 10 meses que faltam para ele deixar a presidência. Mas o fato é que o presidente se tornou refém do Congresso ― um chefe de governo sem voz ativa, uma marionete manipulada por parlamentares ávidos por cargos, verbas, emendas e outras benesses, pelos quais é chantageado dia sim, outro também e, pior, que cede sistematicamente às intimidações.

Observação: Temer sempre aspirou à reeleição, embora dissesse se contentar em entrar para a história como “o cara que recolocou o Brasil nos trilhos do crescimento”. Em vez disso, ele será lembrado como o primeiro presidente denunciado, no exercício do cargo, por crimes de corrupção, obstrução da Justiça e associação criminosa, mas essa já é outra conversa.

De olho nos votos do PTB para aprovar a PEC da Previdência, o presidente aceitou a indicação de Roberto Jefferson ― aquele que foi condenado a sete anos e 14 dias de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mas teve a pena reduzida por delatar o esquema do “mensalão” ― para substituir o petebista Antonio Nogueira no comando do Ministério do Trabalho. Ocorre que a indicada ― Cristiane Brasil, filha de Jefferson ― foi processa na Justiça trabalhista por dois ex-motoristas que trabalharam para ela sem registro em carteira. Isso levou o juiz da 4.ª Vara Federal de Niterói a suspender a nomeação e a cerimônia de posse, que classificou como “um desrespeito à moralidade administrativa. Houve apelações, tanto por parte do governo quanto de Cristiane, mas as instâncias superiores rejeitaram os pedidos, e hoje, dois meses depois da demissão de Nogueira, o Ministério do Trabalho continua acéfalo e a filhota de Jefferson, que havia se licenciado do mandato de deputada para assumir a pasta, segue desempregada.

Foi um erro nomear Cristiane e uma burrice levar adiante a queda de braço, já que as sucessivas derrotas na Justiça desgastaram ainda mais a imagem do governo. Mas a causa perdeu o objeto com a intervenção federal no Rio de Janeiro, já que nenhuma proposta de emenda constitucional poderá ser votada durante a vigência do decreto (que já foi avalizado na Câmara e no Senado e deve viger até 31 de dezembro próximo). Portanto, já não há motivo para esticar a corda em troca do apoio dos petebistas numa votação que não vai mais ocorrer (pelo menos sob a batuta do atual governo). Mas tudo isso nos leva às seguintes perguntas: 1) O que dizer de alguém que erra e, mesmo consciente do erro, insiste em mantê-lo até as últimas consequências? 2) O que dizer de um ministério que está acéfalo há dois meses e ninguém sente a menor falta do ministro?

A moral da história é que provavelmente nada mudaria se o Ministério do Trabalho nunca mais voltasse a ter um ministro ― ou se o próprio ministério deixasse de existir. Esse mamute, como muitos de seus irmãos e primos na Esplanada dos Ministérios, serve apenas para roubar dinheiro público e encher as burras de fiscais que vivem de extorquir empresas e criar dificuldades para vender facilidades.

Observação: Elon Musk mandou um Tesla Roadster para a órbita de Marte, para que algum dia seja encontrado por alienígenas. Bem que poderia ter aproveitado para colocar no foguete outras coisas que parecem não ter finalidade óbvia, como o Ministério do Trabalho, boa parte do Congresso Nacional, e por aí vai...

A Justiça do Trabalho ― criada há 88 anos por Getúlio Vargas ― custa em um ano, entre salários, custeio e outros gastos, o dobro do que concede em ganhos de causa à classe trabalhadora deste país. Como seria possível, numa sociedade racional, consumir duas unidades para produzir uma — e achar que está tudo bem? Que justiça existe em gastar 17 bilhões de reais de dinheiro público ― que não é “do governo”, mas de todos os brasileiros que pagam imposto — para gerar 8 bilhões? É obvio que alguma coisa deu monstruosamente errado aí.

Por essas e outras, fechar esse ralo pouparia o país de despesas e evitaria cenas burlescas, como as exibidas no caso de Cristiane, que começou quando Temer foi impedido por um aliado de nomear o ministro que havia escolhido e forçado a dar o cargo à cria de Jefferson. Claro que o fato de ela ter sido condenada nas ações trabalhistas não é, por si só, demérito nenhum, mas é evidente que isso “não pega bem” para quem vai comandar justamente o Ministério do Trabalho (como não pega bem juiz que tem domicílio próprio na comarca onde atua receber auxílio-moradia, embora o benefício seja "legal").

Mas não é só. Esse imbróglio monumental revelou também que o suplente de Cristiane Brasil na Câmara é Nelson Nahin, irmão do ex-governador Anthony Garotinho, mas mais conhecido por ter sido condenado a 12 anos por estupro de vulnerável ― ele passou quatro meses na cadeia, mas foi solto mercê um habeas corpus do ministro Ricardo Lewandowski.

Vale lembrar que Garotinho também já foi condenado ― a 9 anos, 11 meses e 10 dias de prisão por corrupção eleitoral, associação criminosa, supressão de documento público e coação durante o processo ― e foi igualmente beneficiado pelo programa “Meu Alvará de Soltura, Minha Vida”, só que pelo ministro Gilmar Mendes.

Pausa para aplaudir o STF.

Na visão obtusa de nossos governantes e representantes públicos, o dinheiro dos impostos serve exclusivamente para prover a sobrevivência e a prosperidade dos políticos, suas famílias, amigos e amigos dos amigos. E mais: com a possível exceção da equipe econômica, das Forças Armadas, do Itamaraty e de um ou outro órgão que exerce funções de Estado verdadeiras, o atual governo serve apenas para roubar e mentir. A diferença em relação aos governos de Lula e Dilma é que, naqueles, roubava-se e mentia-se mais.

Mudam as moscas, mas a merda continua a mesma, e não apenas no Executivo: o Legislativo é um mercado persa, só que com padrões de honestidade comercial ainda mais rasteiros, ao passo que o Judiciário é uma zona de catástrofe da qual qualquer cidadão decente reza para ficar o mais distante possível.

Enfim, no último dia 20, Roberto Jefferson comunicou que o PTB desistiu de indicar Cristiane Brasil para o ministério do Trabalho. Vale lembrar que, da esquadra de 28 ministérios, 13 terão novos comandantes em breve, já que os atuais devem se desincompatibilizar para disputar as eleições de outubro. É recomendável, portanto, que o presidente analise com cuidado as indicações, ou acabará tentando emplacar Fernandinho Beira-Mar no recém-criado Ministério da Segurança, por exemplo. A julgar pelos congressistas que temos...

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sábado, 6 de novembro de 2021

ERA O QUE FALTAVA!

 

Da equipe de "notáveis" que foram empossados ministros em 1º de janeiro de 2019, contam-se nos dedos de uma só mão os que ainda continuam no cargo — não por competência, mas por rezarem pela cartilha do chefe. O veterinário e político gaúcho Onyx Lorenzoni faz parte dessa tão seleta quão reduzida confraria.

Lorenzoni chefiou inicialmente a Casa Civil da Presidência, de onde saltou para o Ministério da Cidadania, e de lá para a Secretaria-Geral da Presidência da República. Por ocasião da última reforma ministerial, na qual Bolsonaro finalmente entregou o governo ao Centrão, o político gaúcho teve de ceder a poltrona para Ciro Nogueira. Para não deixar seu fiel vassalo ao relento, nosso indômito capitão recriou o Ministério do Trabalho — que ele próprio havia extinguido em 2019.

O Ministério do Trabalho foi criado originalmente em 1930, durante o governo Vargas, e entregue a Lindolfo Leopoldo Boeckel Collor, avô do ex-presidente e ainda senador Fernando Collor de Mello. Durante a nada saudosa gestão do caçador de marajás de araque, a pasta foi chefiada pelo sindicalista Antonio Rogério Magri (para quem o FGTS era "imexível" e sua cadela, Orca, "um ser humano como outro qualquer"). Durante o mandato tampão do vampiro do Jaburu, houve um furdunço envolvendo o notório Roberto Jefferson (que atualmente goza de férias compulsórios no presídio de Benfica) e sua filha Christiane Brasil.

A partir de então, como resultado de uma miserável sucessão de atos de inépcia por parte do gabinete da Presidência da República e de surtos repetidos de demência por parte de integrantes do Poder Judiciário, deu-se uma vacância nesse obelisco da inutilidade — do qual nenhum trabalhador brasileiro honesto sentiu a menor falta durante meses a fio.

Tanto faz que haja um ministro do Trabalho ou que não haja nenhum — não muda nada, e a suspeita, mais do que razoável, é que não mudaria nada jamais, até o fim dos tempos, se o Ministério do Trabalho nunca mais voltasse a ter um ministro. Ou, melhor ainda, que não houvesse mais o próprio ministério em si. Para que mais esse mamute na Esplanada dos Ministérios? Ele, como tantos outros primos, só serve mesmo para seus donos roubarem o Erário público, cevarem manadas inteiras de fiscais que vivem de extorquir empresas e criar novas regras para dificultar cada vez mais a criação e a manutenção de empregos neste país.

A inexistência dessa geringonça que os devotos do “Estado forte” gostam de chamar de “histórica”, porque foi fundada por São Getúlio, pouparia o Brasil das cenas, impróprias para todas as idades. Após ser impedido por um aliado de nomear o ministro que havia escolhido, Michel Temer tentou colocar no cargo uma deputada condenada em duas ações trabalhistas — o que não é pecado para ninguém, salvo para quem fosse assumir, justamente, o raio do Ministério do Trabalho.

Um juiz de Niterói proibiu a posse da filha de Jefferson, e o governo, em pânico, largou as decisões finais para os mais altos tribunais da nação. Para completar, descobriu-se que a ministra nomeada tinha como seu suplente na Câmara dos Deputados um colega que não só foi condenado a 12 anos de prisão por estupro, mas também era irmão do ex-governador Anthony Garotinho, ele próprio um ex-presidiário beneficiado pelo programa “Meu Alvará de Soltura, Minha Vida”, do ministro Gilmar Mendes.

Para que todo esse vexame? Só para ter mais um (ou mais uma) parasita com carro oficial em Brasília, onde sua ausência não é sentida por nenhuma pessoa séria? O único efeito prático de não haver um ministro do Trabalho é que deixam de ser assinadas portarias, e despachos, e ofícios, e o resto de toda essa infame papelada que não serve para coisa nenhuma — ou melhor, serve, e serve muito, mas apenas aos interessados em arrancar do Tesouro Nacional algum proveito para si mesmos.

Mas tudo que foi escrito aqui poderia ter sido escrito em grego, caso alguém imagine que um único político brasileiro possa encontrar alguma coisa de estranho nessa alucinação toda. Para eles, é justamente essa farinata disforme que serve como pão nosso de cada dia. De seu ponto de vista, a única função que o Brasil tem hoje é prover, com o dinheiro dos impostos, sua sobrevivência e prosperidade — sua, das famílias, dos amigos e dos amigos dos amigos.

Com exceção de um ou outro órgão que exerce funções de Estado verdadeiras, o governo brasileiro, como sempre, continua servindo somente para duas coisas: roubar e mentir. Até não muito tempo atrás, a única diferença com o passado recente era que os governos de Lula e de Dilma roubavam e mentiam mais — hoje, já não se sabe. Afora isso, a essência é exatamente a mesma em todos eles, e não apenas na área do Poder Executivo. O Legislativo é um bazar como a Rua 25 de Março em São Paulo ou o Saara no Rio de Janeiro — com a diferença de que nesses dois lugares os padrões de honestidade comercial são incomparavelmente mais elevados. O Judiciário é uma zona de catástrofe da qual qualquer brasileiro decente reza para ficar o mais distante possível.

Voltando aos dias atuais, o multiministro Onyx Lorenzoni, expert em assuntos aleatórios e momentaneamente acomodado na pasta do Trabalho, passa a impressão de estar sempre prestes a decidir de qual borda da terra plana vai pular. Em matéria de vacinas, optou pela borda em que se encontra Bolsonaro. Editou portaria proibindo a demissão de quem não se vacinou e a exigência de atestado de vacinação para a contratação.

Em português claro: Onyx reconheceu por meio de portaria o direito dos sem-vacina de infectar livremente os colegas vacinados no ambiente de trabalho. De uma tacada, afrontou a Constituição, rasgou uma lei sancionada pelo próprio Bolsonaro, atropelou decisão do STF e se colocou na contramão de providências adotadas pelo STJ.

O ministro afrontou a Constituição porque qualquer advogado recém-formado sabe que o direito da sociedade à saúde prevalece sobre o direito individual do cidadão de recusar a vacina. Todos têm o direito de manter suas convicções e idiossincrasias pessoais, desde que não coloquem em risco a vida alheia. Fez picadinho da Lei 13.979/2020, sancionada por Bolsonaro em 6 de fevereiro do ano passado, que prevê no artigo 3º que, para enfrentar emergência internacional de saúde pública, as autoridades podem adotar medidas excepcionais, entre elas a vacinação "compulsória."

Onyx passou por cima do Supremo porque o plenário da Corte já decidiu, ao interpretar a lei retrocitada, à luz da Constituição, em dezembro do ano passado, que a obrigatoriedade da vacina é constitucional. Pela decisão, ninguém será arrastado na marra até a seringa, mas todos os não vacinados estão sujeitos a medidas restritivas — multa e proibição de frequentar determinados lugares, por exemplo.

Como ministro do Trabalho, Onyx não deveria ignorar que o TST, Corte suprema da Justiça trabalhista, começa a exigir na última terça-feira, 3, a exibição de comprovante de vacina para as pessoas que quiserem entrar nas sua sede. Ao noticiar a providência no seu site, a Corte a atribuiu ao "poder-dever da administração pública de proteger a saúde e a integridade física de servidores, colaboradores e usuários de seus serviços". Não é por outra razão que a Justiça do Trabalho vem reconhecendo país afora o direito das empresas de demitir os não vacinados e condicionar as contratações à exibição de atestados de vacina. Tudo ao contrário do que desejam Onyx e, sobretudo, seu amado chefe.

Certos governos só serão perfeitamente compreendidos daqui a um século. Governos incertos como o de Bolsonaro só serão devidamente entendidos no século passado. O presidente e seus áulicos têm o direito de ser ouvidos quando dizem tolices sobre vacinas. Mas isso não inclui automaticamente o direito de serem levados a sério. A portaria de Onyx é uma piada sem graça.

Com J.R. Guzzo e Josias de Souza

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

TEMER SOFRE NOVA DERROTA NO CASO DA MINISTRA PORCINA (AQUELA QUE FOI SEM NUNCA TER SIDO).


A nomeação de Cristiane Brasil, filha de Roberto Jefferson, para o Ministério do Trabalho vem dando trabalho ao Planalto desde o começo do mês. Depois recorrer por duas vezes contra a suspensão da nomeação e da cerimônia de posse ― e perder em ambas ―, o governo finalmente conseguiu uma liminar no STJ. Assim, para alívio de Temer, de Cristiane e dos demais mercadores de votos dos quais o presidente passou a depender de maneira umbilical para se manter vivo nesse “presidencialismo de cooptação”, a posse da moçoila foi marcada para as 9 horas da manhã desta segunda-feira. Mas a euforia durou pouco.

A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, decidiu suspender ― mais uma vez ― a posse da “ministra porcina” (aquele que foi sem nunca ter sido). A decisão foi feita no âmbito de um processo movido por advogados trabalhistas e respaldada pelo fato de o STF ainda não ter recebido a decisão liminar (provisória) do ministro Humberto Martins, vice-presidente do STJ, que no sábado, 20, cassou decisão da Justiça Federal de Niterói que impedia a posse.

Observação: O STJ e seus 33 ministros são os guardiões da lei, e o STF e seus 11 ministros, os guardiões da Constituição Federal.

Cristiane não tem estatura para ser ministra de coisa nenhuma. Na verdade, em se confirmando sua nomeação, quem comandará a pasta do Trabalho, ainda que dos bastidores, será Roberto Jefferson, o notório “pai do Mensalão”. Se pudesse, Temer rejeitaria a nomeação da dita-cuja, até porque, a esta altura, ela já está completamente desmoralizada. Mas o governo depende de todos os partidos integram sua base aliada para aprovar a reforma da Previdência, e o PTB, que é comandado por Jefferson, tem uma bancada considerável. O Planalto não tem como forçar o partido a desistir da vaga e muito menos de Cristiane Brasil.

Temer tentou impedir a todo custo que o processo chegasse às mãos de Cármen Lúcia para evitar novo atrito entre o Executivo e o Judiciário, até porque a ministra já havia barrado, em dezembro, o indulto presidencial que ampliava os benefícios a presos condenados por crimes como corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O processo de Cristiane foi sorteado para o ministro Gilmar Mendes, mas, como o STF está em recesso, coube à presidente, que responde pelo plantão da Corte nesse período.

É possível que o STF libere a posse, pois nomeação de ministros é uma prerrogativa do presidente da República. Mas ter uma ministra do Trabalho condenada na Justiça do Trabalho por não pagar direito seus funcionários não é um impedimento jurídico, e sim moral.

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domingo, 15 de agosto de 2021

AFRONTA PESSOAL


 

Em mais um capítulo da batalha entre o STF e o Palácio do Planalto e seus apoiadores, o ministro Alexandre de Moraes determinou nesta sexta-feira (13) a prisão preventiva do ex-deputado federal Roberto Jefferson, cuja biografia se confunde com uma folha corrida. 

Bolsonaro não só classificou a decisão do magistrado de "atentado contra a liberdade de expressão" como considerou uma "afronta pessoal", seja porque seus filhos são investigados no âmbito do mesmo inquérito que fisgou o mandarim do PDT, seja porque, na avalição do mandatário, ele próprio é o alvo do ministro.

De ex-presidiário do mensalão, Jefferson se converteu em modelo do bolsonarismo ao percorrer a conjuntura incitando a prática de crimes em entrevistas e nas redes sociais, pregando a intervenção militar sob o comando de Bolsonaro e incitando a invasão do Senado e a destituição dos ministros do Supremo. É graças a esse tipo de pregação que o Brasil se consolida na Era Bolsonaro como o mais antigo país do futuro do mundo.

Jefferson está indo para a cadeia porque tem um entendimento particular da democracia? Porque discorda das decisões de ministros do Supremo? Porque é favorável à reeleição de Bolsonaro? Porque aprova o comportamento do governo federal durante a pandemia? Obviamente não! Isso é parte do proselitismo vagabundo com que os devotos do bolsonarismo tentam imputar ao tribunal — particularmente ao ministro Alexandre de Moraes — uma decisão atrabiliária, autoritária.

Alega essa escumalha que ao determinar a prisão preventiva do ex-parlamentar o ministro ofendeu o direito constitucional à liberdade de expressão — que bolsonaristas e simpatizantes veem como um salvo-conduto para a delinquência e o crime. Tomar crime por liberdade de expressão consiste em instrumentalizar os códigos da democracia para solapá-la; tomar a liberdade de expressão como um crime remete a uma questão quase ancestral, que está em "A República", de Platão, já suficiente e brilhantemente dissecada por Karl Popper em "A Sociedade Aberta e Seus Inimigos", como explanou Reinaldo Azevedo neste artigo.

Não deixa de ser comovente ver defensores de um golpe militar posando de arautos do livre pensar e do livre dizer. A Lei de Segurança Nacional, mesmo com todo o lixão que abrigava, permitia punir os prosélitos do golpismo. E, claro, não por acaso, um bolsonarista como André Mendonça se valeu dessa aberração para punir opiniões desairosas ao presidente da República. Só que não estamos lidando com uma corrente de pensamento política que tenha ao menos coerência interna no seu erro, e sim com oportunistas vulgares, pilantras, aproveitadores, depredadores da ordem democrática, golpistas.

Jefferson é um político flexível. Recompensado, pode ser a favor de tudo ou contra qualquer outra coisa. Integrou a milícia congressual de Collor. Sob Lula, interessou-se pelos negócios dos Correios. Pilhado, virou delator. Ainda não contou como distribuiu o mimo de R$ 4 milhões que recebeu de Delúbio Soares, então gestor das arcas do PT. Sob Dilma, o PTB de Jefferson foi apanhado plantando bananeira na Casa da Moeda. Sob Temer, assumiu o balcão em que se vendiam no Ministério do Trabalho registros de sindicatos por cifras que também roçaram os R$ 4 milhões. Agora, Jefferson retorna à cadeia como herói da resistência do bolsonarismo.

O PTB é um cartório travestido de partido político, que Jefferson preside como dono. O fundo partidário é abastecido com dinheiro público. Os arquivos do TSE informam que o Tesouro pingou R$ 18,8 milhões nas arcas do PTB em 2020. Em 2021, já foram gotejados mais R$ 11,7 milhões.

É o cúmulo da desfaçatez: dinheiro arrancado do bolso do contribuinte e destinado ao financiamento da democracia pode ter sido usado para bancar atividades antidemocráticas.

Com Josias de Souza

domingo, 14 de janeiro de 2018

AINDA SOBRE A NOMEAÇÃO DE CRISTIANE BRASIL PARA O MINISTÉRIO DO TRABALHO




A substituição da Rainha Bruxa do Castelo do Inferno pelo Vampiro Furta-cor Peemedebista (que curiosamente declinou de morar no Alvorada porque tem medo de assombração) foi uma lufada de ar puro após 13 anos, 4 meses e 12 dias de clausura lulopetista. No entanto, se no início os ventos benfazejos da esperança levavam a crer que o governo estava no rumo certo, o prometido ministério de notáveis se revelou uma notável confraria de corruptos antes mesmo de Dracutemer completar um mês no cargo ― aliás, ministro de Temer não tem currículo, tem folha-corrida. Mas o castelo de cartas ruiu um ano depois, quando Lauro Jardim revelou uma conversa fortuita entre o presidente e certo moedor de carne criminoso com vocação para delator ― e burro a ponto de delatar a si mesmo, mas isso já é outra história ―, abrindo a Caixa de Pandora de onde saltaram duas denúncias criminais contra Temer. Com isso, em vez de entrar para a história como “o cara que recolocou o Brasil nos trilhos do crescimento”, sua insolência será lembrada como o primeiro presidente da Banânia denunciado no exercício do cargo (por corrupção, organização criminosa e obstrução da Justiça).

Observação: Nada mal para um país que, depois da redemocratização, elegeu 4 presidentes pelo voto popular, dos quais 2 foram depostos e um é hepta-réu na Justiça Penal ― e ainda se arroga o direito de concorrer à presidência nas próximas eleições, mas isso também é outra história.

Temer despiu de vez o manto da moralidade quando recorreu à compra e venda de votos para sepultar as denúncias contra ele, numa versão fisiologista recentemente ampliada para a chantagem explícita contra governadores para tentar aprovar a reforma da Previdência ― prejudicada justamente por atos do presidente que resultaram nas denúncias. Isso lhe salvou o mandato, mas não contribuiu em nada para sua já combalida popularidade. A quase totalidade do país o rejeita, e suas chances de se candidatar à reeleição ― conforme ele próprio andou insinuando ― ou de atuar como cabo eleitoral “substancioso” ― para usar a palavra dele em momento de otimismo delirante ― são próximas de zero.

Moralmente, o governo Temer está morto. E foi o próprio Michel Temer, com seu “presidencialismo de cooptação”, que cavou sua sepultura ao se tornar refém do Congresso. Seu “capital político” se esgotou com a compra de votos para barrar a investigação no Supremo ― que, segundo ele, “seria o terreno onde surgiriam as provas de sua inocência”. Mas nem mesmo uma raposa velha como ele é capaz de tirar leite de pedra.

Na última semana, a substituição de Ronaldo Nogueira ― que se demitiu do Ministério do Trabalho no último dia 27 ― por Cristiane Brasil Francisco cravou mais um prego no caixão presidencial. A escolhida não só e filha de Roberto Jefferson Monteiro Francisco ― que foi condenado a sete anos e 14 dias de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mas teve a pena reduzida por delatar o esquema de pagamento de propina envolvendo parlamentares da base aliada para dar sustentação ao governo do ex-presidente Lula, vulgarmente conhecido como “escândalo do mensalão” ―, como também já foi condenada na Justiça trabalhista. Isso levou o juiz da 4ª Vara Federal de Niterói a suspender sua nomeação e a cerimônia de posse, que classificou como “um desrespeito à moralidade administrativa”.  

O governo e a própria deputada apelaram, mas, na noite da última quarta-feira, o TRF-2 rejeitou os pedidos. Na sexta, a AGU protocolou um novo recurso no TRF-2, desta feita para definir qual vara da Justiça Federal deve analisar os apelos contrários à posse da pretensa futura ministra ― como mais de uma ação foi ajuizada contra a nomeação da deputada, o governo argumenta que, conforme a lei das ações populares, deve ser levada em conta apenas a decisão tomada primeiro, caso em que, segundo a AGU, valeria o entendimento da 1ª Vara Federal de Teresópolis, tomada às 16h36 do último dia 8 e favorável à posse de Cristiane Brasil, e não a decisão da 4ª Vara Federal de Niterói, que a barrou, proferida às 20h11 do mesmo dia. Assim, por uma dessas ironias do destino, a filhota de Jefferson, que se licenciou do cargo de deputada federal para assumir a pasta do Trabalho, encontra-se momentaneamente sem trabalho.

Observação: Cristiane foi processada por dois ex-motoristas, que alegaram ter trabalhado para ela sem registro em carteira. O GLOBO revelou no último sábado que o dinheiro usado para pagar as parcelas da dívida trabalhista que a deputada tem com um dos reclamantes saiu da conta bancária de uma funcionária lotada em seu gabinete na Câmara. Ela afirmou que reembolsava a funcionária, mas não apresentou os respectivos comprovantes.

Para Temer, a nomeação de Cristiane garante o apoio da bancada petebista ― uma das mais fiéis ao Planalto ― na votação da PEC da Previdência, embora nada garanta que ela ocorrerá mesmo no próximo mês: se o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, insistir em pautá-la somente quando houver 308 votos favoráveis, talvez ela só ocorra em 2019, quando Temer já terá deixado o cargo ― ou sido reempossado, pois estamos no Brasil, onde o passado é imprevisível e nada é impossível, por mais absurdo que pareça.

Jefferson disse que a nomeação da filha resgata sua imagem conspurcada pelo mensalão. Cristiane, que encerra neste ano seu primeiro mandato, é autora de uma PEC que visa restringir a reeleição de presidente, governadores e prefeitos a um único período subsequente. Além disso, ela apresentou um projeto para banir minissaias e decotes mais ousados dos corredores e salões da Câmara, votou favoravelmente ao impeachment da anta vermelha (“em homenagem a seu pai”) e apoiou o governo em questões importantes ― como a PEC dos gastos e a reforma trabalhista ―, bem como votou a favor do sepultamento das denúncias contra Temer (nem poderia ser diferente). Ao se licenciar do mandato parlamentar, ela cedeu sua cadeira ao suplente Nelson Nahin, que é irmão do ex-governador Anthony Garotinho e acusado de participar de uma rede de exploração sexual de crianças em adolescentes em Campos de Goytacazes. Como se vê, tudo gente do mais alto gabarito.

As sucessivas derrotas na Justiça desgastam ainda mais a imagem do presidente, mas ele não quer desagradar o PTB de Roberto Jefferson por razões fáceis de entender. Difícil de compreender por que Cristiane não abre mão do cargo de ministra, a despeito de toda essa celeuma. Aliás, presume-se que novos podres virão à tona, e no fim das contas os benefícios podem não compensar toda essa exposição. 

O que move Cristiane não é o foro privilegiado, que, como deputada, ela já tem. Tampouco me parece que seja o salário, visto que, atualmente, um deputado federal ganha R$ 33.763,00) por mês ― mais que um Ministro de Estado, cujo salário é de R$ 30.934,70. Será apenas uma questão de ego, ou será que tem dente de coelho nesse angu? Responda quem souber.   

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segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

CRISTIANE BRASIL E O CIRCO MARAMBAIA


O falecido deputado baiano Fernando Santana, um comunista dos tempos em que havia comunistas de carne e osso no Brasil, costumava divertir os colegas da Câmara com uma brincadeira sobre a Bahia. “Pense num absurdo, qualquer absurdo que te passar pela cabeça”, dizia ele. “Na Bahia há precedente”.

Santana foi cassado, exilado durante quinze anos, reeleito após o fim do regime militar e hoje descansa em paz. Mas as coisas estão ficando de tal jeito, neste país, que ele poderia dizer algo equivalente em relação à dobradinha “Governo Temer-Poder Judiciário Brasileiro”.

Imagine, no caso da atuação de ambos, um disparate realmente grande, tamanho XXXX-L – e pode ter certeza de que já aconteceu, está acontecendo ou vai acontecer a qualquer momento. A história da deputada Cristiane Brasil, nomeada pelo presidente da República para o cargo de ministra do Trabalho, está aí para mostrar que, na política brasileira atual, não existem limites para a palhaçada.

Há de tudo neste picadeiro de circo. O presidente Temer fica com o Ministério do Trabalho vago e nomeia, após devida consideração, um novo ministro. O ex-presidente José Sarney veta a nomeação, o convite é anulado e o cargo continua sem titular.

Numa segunda tentativa, o presidente nomeia uma deputada federal, mas um grupo de advogados do Rio de Janeiro não concorda e entra com uma ação na justiça para barrar a posse ― a nova ministra do Trabalho tinha sido condenada, no passado, em duas causas na justiça trabalhista. Um juiz de Niterói manda suspender a posse. A coisa toda vai então para os altos tribunais da República.

Descobre-se, nesse meio tempo, que o suplente da deputada, prestes a sentar na sua cadeira na Câmara, é um indivíduo condenado a 12 anos de cadeia por estupro ― além disso, é irmão do ex-governador Anthony Garotinho, um ex- presidiário que está no momento em liberdade por ter tido a sorte de cair com o ministro Gilmar Mendes em seu último entrevero judicial. Já o irmão-suplente ficou uns tempos preso, mas graças às maravilhas do nosso Direito de Defesa, está não apenas solto; é também um quase-deputado.

O melhor de tudo é a fundamentação filosófica e jurídica, digamos assim, da decisão contra a ministra nomeada: segundo o juiz, ela não pode ser ministra do Trabalho em nome do princípio da “moralidade pública”. Aí também já é avacalhação. Se moralidade estivesse valendo alguma coisa neste país, quanta gente teria de deixar nos próximos cinco minutos os cargos públicos que ocupa, inclusive no Poder Judiciário?

Eis aí mais uma das grandes páginas da nossa história: conseguiram montar um episódio em que estão todos do lado ruim. Escolha o seu preferido ― o presidente Temer, o ex-presidente Sarney, a deputada que foi condenada em ações trabalhistas e deveria ter pedido um cargo que não fosse o de ministra do Trabalho, seu suplente, o irmão do suplente, o juiz de Niterói, os advogados do Rio e quem mais tiver tido algum contato com este pacote de refugo tóxico.

Estamos em pleno Circo Marambaia. (Com J.R. Guzzo.)

***
O fato é, meus caros, que esse imbróglio é um dos muitos que ainda virão quando outros nobres ministros deixarem os cargos para se recandidatar à Câmara ou ao Senado. A nomeação da pimpolha de Roberto Jefferson demonstrou acima de qualquer dúvida razoável que não temos um sistema de governo, mas um simulacro de presidencialismo ― que o próprio presidente chama de “governo semiparlamentar”.

Enquanto continuarmos patinando na reforma político-eleitoral, estaremos ao sabor das circunstâncias. Como se viu ao longo de 2017, para reforçar a base parlamentar do governo em votações importantes, vários ministros foram exonerados num dia e reempossados no dia seguinte, depois de terem votado a favor dos interesses do governo. No presidencialismo de verdade, um político que deixa o cargo no Legislativo para ocupar um ministério ou uma secretaria no Executivo tem de renunciar ao mandato. Mas não no Brasil, onde o presidencialismo foi copiado da constituição americana para substituir o parlamentarismo já “flexibilizado” que existia no Segundo Império. No parlamentarismo abrasileirado ― ou no atual regime semiparlamentar, como queiram ―, não valem as características do verdadeiro parlamentarismo.  

A proposta de “semipresidencialismo” defendida por Michel Temer e Gilmar Mendes elimina o cargo de vice-presidente, deixando o presidente da Câmara como o primeiro da linha sucessória ― o que seria um empecilho à eventual aprovação do sistema pelo Senado, mas o Mendes já deu a solução: volta o cargo de vice-presidente.

Oito dos 37 presidentes que o Brasil teve ao longo de sua história republicana foram vices que assumiram o cargo: Floriano Peixoto, Nilo Peçanha, Delfim Moreira, Café Filho, João Goulart, José Sarney, Itamar Franco e Michel Temer. Houve época em que o vice-presidente era eleito diretamente, mas, com a crise institucional ― que assoma sempre que um vice-presidente tem voo próprio ―, mudou-se a fórmula, e hoje o vice está na chapa presidencial, mas aparece na cédula (ou na urna eletrônica) como coadjuvante, ou seja, o eleitor vota apenas no candidato a presidente.

Com o impeachment da anta vermelha, Michel Temer, que lidera o (P)MDB há muitos anos e presidiu a Câmara três vezes, passou de coadjuvante ― de uma presidente que nunca disputara uma eleição na vida ― a protagonista, e o Brasil se transformou na balbúrdia que aí está.

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segunda-feira, 24 de outubro de 2022

SEM COMENTÁRIOS!



ATUALIZAÇÃOA resistência armada de Roberto Jefferson à prisão descortinou uma visão antecipada da invasão do Capitólio versão tupiniquim, e forçou o Bolsonaro a repetir na sabatina da Record, horas depois da rendição do criminoso, o que havia anotado nas redes sociais: "É bandido". Ecoando ataques do mandatário a magistrados, o pajé do PTB firmou-se como adepto da tese presidencial de que "o povo armado jamais será escravizado", mas atirou prematuramente, num instante em que o presidente tenta virar votos para não ter que virar a mesa. Na mesma postagem em que repudiou as granadas e os tiros, Bolsonaro atacou os "inquéritos sem nenhum respaldo na Constituição". Criticou Jefferson por chamar Cármen Lúcia de prostituta, mas atacou a censura imposta pelo TSE à Jovem Pan, com o voto da ministra. Tenta tomar distância de Jefferson, acomodando no colo de Lula o delator e beneficiário da corrupção do mensalão, mas segue dizendo que as FFAA estão buscando "possíveis fraudes" em urnas que jamais foram fraudadas. Quer dizer: mesmo ciente de que precisa fazer pose de moderado, o presidente manuseia retoricamente as mesmas armas de Jefferson.

A censura é um câncer e como tal pode gerar metástase. Gazeta do Povo foi proibida de publicar que Lula e Daniel Ortega são aliados políticos e admiradores um do outro. Por achar que isso poderia lhe custar votos, o petralha recorreu ao tribunal e foi prontamente atendido. A partir daí o câncer se espalhou pela Jovem Pan  que puxa o saco do candidato à reeleição de forma acintosa, mas daí a ser proibida de falar sobre os processos e as condenações de Lula por corrupção e lavagem de dinheiro vai uma longa distância. É como se não tivesse existido a Lava-Jato ou as férias forçadas de 580 dias que o demiurgo de Garanhuns gozou em Curitiba, ou, ainda, a devolução em massa de dinheiro roubado. 

Nunca se viu numa eleição brasileira — nem mesmo durante o AI-5 — atos de ditadura como os que vêm sendo praticados neste momento pelo alto Poder Judiciário, anotou J.R. Guzzo. Em outras palavras, a Justiça Eleitoral está agindo abertamente a favor de um candidato em detrimento do adversário. 

Ainda segundo Guzzo, montou-se uma colossal operação de fingimento para salvar o Brasil do “autoritarismo”. A metástase transbordou do seu foco inicial não apenas quanto aos órgãos de imprensa perseguidos pelo TSE, mas também em relação aos assuntos censurados. O presidente da corte eleitoral e seus aliados proíbem a exibição de vídeos em que Lula diz ”ainda bem” que “a natureza” nos mandou a Covid — assim as pessoas aprendem a “importância do Estado”. 

É proibido dizer que Lula foi o mais votado nas penitenciárias, e que, na prática, o PT votou contra o Auxílio Brasil. Nem o ex-decano do STF, ministro Marco Aurélio Mello, pode falar: seus ex-colegas proibiram que ele diga que Lula não foi absolvido em nenhum momento, que apenas teve seus processos “anulados” sem quaisquer menções a provas ou fatos, o que não tem absolutamente nada a ver com “absolvição”. E por aí se vai, com multas de R$ 25 mil por dia para veículos de imprensa ou para jornalistas que não obedecerem de imediato as ordens da censura — um abuso sem precedentes na história da justiça brasileira.

Mudando de um ponto a outro, mesmo em país onde o rabo abana o cavalo e o poste mija no cachorro causa estranheza ver Sergio Moro assessorando BolsonaroNas redes sociais, o ex-ministro disse que reatou com o presidente "pelo Brasil, contra a corrupção da democracia e o projeto de poder de Lula e a favor de um país com o mínimo de integridade".
 
Como juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Moro condenou Lula a 9 anos e 6 meses de prisão no caso do tríplex no Guarujá. Quando a sentença foi confirmada pelos desembargadores da 8ª  Turma do TRF-4 (que aumentaram a pena em quase 5 anos), o petista foi preso numa cela VIP em Curitiba.  
Como as eleições gerais de 2018 ocorreram nesse entretempo, não faltou quem acusasse o magistrado de agir de caso pensado, sobretudo depois que ele aceitou o convite do então presidente eleito para integrar seu ministério.
 
Em abril de 2020, Moro desembarcou do governo e acusou o mandatário de tentar interferir na Polícia Federal. "Quando vi meu trabalho boicotado e quando foi quebrada a promessa de que o governo combateria a corrupção, sem proteger quem quer que seja, continuar como ministro seria apenas uma farsa", disse ele. Mas não há nada como o tempo para passar.
 
Moro tinha uma biografia respeitável, estabilidade no emprego, um olho na suprema toga e outro no trono do Planalto. Mas iniciou seu périplo pelos nove círculos do inferno ao trocar a magistratura pela subordinação a Bolsonaro. E o problema com as consequências é que elas sempre vêm depois.

Fritado pelo presidente, Moro fez pose de terceira via; tostado pelo STF, migrou para a condição de antifenômeno eleitoral; esvaziado pelo Podemos, migrou para o UB — e foi forçado a abrir mão da pretensão presidencial para disputar uma vaga de Senador pelo Paraná, que ele efetivamente conquistou.
 
Tomado pelas sentenças que proferiu como juiz, Moro achava que a política era a segunda profissão mais antiga do mundo. Como político, descobriu que ela é muito parecida com a primeira. E se tornou uma cópia carbono do que Alckmin se sujeitou a ser para Lula — a diferença é que o ex-tucano disputa a vice-presidência na chapa do candidato que ele próprio classificou como "o criminoso que quer voltar à cena do crime", enquanto o ex-magistrado reatou com Bolsonaro para não ficar isolado politicamente.
 
Moro continua acusando Lula de mentir, especialmente no que tange aos episódios de corrupção. Mas parece ter mudado de ideia sobre o que via como mentiras do seu mais recente amigo de infância. "Bolsonaro admitiu que nunca defendeu o combate à corrupção e a Lava-Jato. Era só mais um discurso do seu estelionato eleitoral", postou ele em janeiro deste ano. E, três meses depois: "Assim como Lula, Bolsonaro mente. Nada do que ele fala deve ser levado a sério. Mentiu que era a favor da Lava-Jato, mentiu que era contra o Centrão, mentiu sobre vacinas, mentiu sobre a Anvisa e o Barra Torres e agora mente sobre mim. Não é digno da Presidência".
 
Escândalos da carreira política de Bolsonaro também entraram na mira do ex-juiz em determinados momentos: "Sério que, entre um ladrão de um lado e um ladrão do outro, a culpa é do juiz? Entre o petrolão e a rachadinha, não há escolha possível. Precisamos, sim, reformar nosso sistema de justiça para que casos de corrupção não fiquem impunes", postou Moro, quando ainda mirava a Presidência. Mas, de novo, não há nada como o tempo para passar. "No primeiro turno, nós tínhamos nosso candidato, eu defendi o candidato do União Brasil. No segundo turno, eu me coloco claramente contra o Lula e contra o projeto de poder do PT, que querem voltar à cena do crime. Acho isso inaceitável", disse o ex-juiz. Mas há quem veja dente de coelho nesse angu. 
 
De acordo com o portal UOL, Moro negou que esteja buscando um novo cargo numa eventual reeleição de Bolsonaro. O presidente também minimizou a divergência. "Você nunca brigou em casa com marido? Uma briguinha. Acontece, divergências, mas nossas convergências são muito maiores", disse ele quando questionado sobre o assunto.
 
Nas redes sociais, um tuíte em que o ex-juiz critica tanto Lula quanto Bolsonaro voltou a ganhar destaque após o debate do dia 16. Publicada em janeiro, a postagem diz que o presidente "mentiu que era a favor da Lava Jato, mentiu que era contra o Centrão, mentiu sobre vacinas, mentiu sobre a Anvisa e o Barra Torres. Não é digno da Presidência".
 
Sem comentários.

sábado, 13 de janeiro de 2018

O REBAIXAMENTO DO BRASIL PELA STANTDARD AND POOR’S E A CONTURBADA NOMEAÇÃO DA MINISTRA DO TRABALHO




No finalzinho da última quinta-feira, a Standard and Poor’s rebaixou de BB para BB- a nota de crédito do Brasil, colocando o país três patamares abaixo do grau de investimento (que havia sido perdido em 2015, na gestão da Rainha Bruxa do Castelo do Inferno). A decisão pegou a equipe econômica de surpresa, até porque o ministro da Fazenda e virtual candidato à sucessão presidencial, Henrique Meirelles, fez o diabo para ganhar tempo até fevereiro, quando a reforma da Previdência deverá ser (supostamente) aprovada na Câmara. Mas a agência não quis esperar, e agora não adianta chorar o leite derramado.

Talvez a história fosse outra se essa famigerada PEC já tivesse sido aprovada. Mas não foi, e se somarmos a isso os avanços pífios do ajuste fiscal, o retrocesso representado pela proposta de pôr fim da “regra de ouro” ― que proíbe o endividamento para gastos de custeio ― e a inclusão de receitas incertas ― como a da privatização da Eletrobras ― no orçamento de 2018, teremos a receita pronta e acabada que produziu o rebaixamento do país, muito embora a SELIC tenha despencado ao longo de 2016, e a inflação, encerrado o ano abaixo do piso da meta.  

O Executivo culpa o Legislativo, que culpa Michel Temer: segundo os parlamentares, a PEC não foi votada porque se gastou um tempo imenso na votação das denúncias de Janot contra o presidente. Mas a verdade é que faltou vontade política, e que interesses pessoais se sobrepuseram aos interesses da nação. Afinal, a reforma da Previdência é polêmica, e os que a defenderam não conseguiram convencer a opinião pública de sua inevitabilidade. E considerando que os 513 deputados e 2/3 dos 81 senadores estão em fim de mandato, esperar que eles peitassem o eleitorado seria tão absurdo quanto acreditar na inocência de Lula.

Será um milagre se PEC da Previdência for aprovada ainda neste governo. Temer já esgotou seu “capital político” comprando votos das marafonas do Congresso para barrar as denúncias contra si, e nem mesmo uma raposa velha como ele consegue tirar leite de pedra. Para piorar, sua insolência se tornou refém do Parlamento com seu presidencialismo de cooptação ― haja vista o imbróglio envolvendo Cristiane Brasil, filha de Roberto Jefferson ― o notório delator do Mensalão e atual presidente do PTB ―, nomeada para o ministério do Trabalho no lugar de Ronaldo Nogueira, que se demitiu no último dia 27, alegando que irá se dedicar à sua campanha pela reeleição à Câmara dos Deputados.

Observação: Temer nomeou a filha de Jefferson com o nítido propósito de obter o apoio do cacique petebista e de seus apaniguados, de olho na votação da reforma da Previdência em fevereiro. Mas a razão que leva Cristiane a não abrir mão do cargo, a despeito de todo esse rebosteio jurídico, já não é tão clara assim (voltaremos a esse assunto na próxima postagem). 

Enquanto isso, o governo vê o Rodrigo Maia e Henrique Meirelles, dois de seus principais pilares, acelerarem uma agenda própria, visando suas candidaturas ao Planalto. Como se não bastasse, os irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da JBS, voltaram colaborar com as investigações, na tentativa de na tentativa de não terem os benefícios de seus acordos de delação suspensos definitivamente. Meirelles reafirmou o compromisso do Brasil com as reformas e diz contar com o Congresso, mas, se as 50 semanas que faltam para o fim do ano forem tão atribuladas como as duas primeiras, ficará cada vez mais difícil manter esse discurso.

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domingo, 18 de março de 2018

TEMER E SUA EQUIPE DE NOTÁVEIS (CONTINUAÇÃO)



Desde maio de 2016, quando assumiu interinamente a presidência, poucos foram os momentos em que Michel Temer se viu distante de desgastes políticos envolvendo a Esplanada dos Ministérios. A partir dos primeiros anúncios sobre seu alto escalão ― uma equipe de notáveis, segundo o presidente ―, uma relação de controvérsias marcou sua gestão no campo ministerial. Aliás, logo de início ele anunciou que reduziria de 32 para 23 no número de pastas, mas voltou atrás diversas vezes, e hoje temos 29 ministérios, três a menos do que quando Dilma foi afastada.

Da tal equipe de notáveis ― que na verdade era uma notável agremiação de investigados, denunciados e réus na Lava-Jato ― o senador Romero Jucá foi o primeiro a cair, depois de comandar por apenas 11 dias o ministério do Planejamento. Jucá é também o primeiro político com foro privilegiado a se tornar réu no STF a partir das delações da Odebrecht, conforme eu comentei na postagem anterior e voltarei a comentar numa próxima publicação).

Criticado por ter montado um staff sem diversidade racial e de gênero, Temer ― que dizia não se preocupar em ser popular, mas sim em recolocar o país nos trilhos ― indicou mulheres para postos importantes, como Maria Silvia Bastos para chefiar o BNDES (ela se demitiu em maio de 2017) e Flávia Piovesan para a secretaria de Direitos Humanos (ela foi exonerada no fim de 2017). Aliás, a secretaria de Direitos Humanos (para que diabos precisamos disso?), depois de ganhar status de ministério, tornou-se palco da tragicomédia protagonizada pela desembargadora aposentada Luislinda Valois (que se demitiu no mês passado ― e não deixou saudades).

Quando Temer assumiu a presidência, a Lava-Jato (que completou 4 anos na última sexta-feira) soprava sua segunda velinha, e já havia inquéritos envolvendo “notáveis” como Romero Jucá, Henrique Eduardo Alves e Fábio Medina Osório. Em janeiro do ano seguinte, a homologação das delações da Odebrecht deu origem a mais uma centena de inquéritos e envolveu pelo menos 8 ministros, aí incluídos amigos próximos do presidente, como Eliseu Padilha e Moreira Franco. Mas a promessa de demitir ministros que fossem denunciados formalmente (detalhes no post anterior) foi solenemente ignorada depois que sua conversa de alcova com o açougueiro bilionário Joesley Batista veio a público. A partir de então, Temer mandou às favas os escrúpulos e acionou sua tropa de choque para comprar os votos necessários ao sepultamento das denúncias Janot. Conseguiu, mas a um preço absurdo, além de queimar seu capital político e se tornar um pato-manco, refém das marafonas do Congresso.

Entre este mês e o próximo, o presidente terá de substituir ao menos 10 ministros, para que eles possam disputar as próximas eleições. A julgar pelo imbróglio que se seguiu à nomeação da filha de Roberto Jefferson para a pasta do Trabalho, será um caminho espinhoso a trilhar.

Um levantamento feito pelo G1 revela que quase metade dos 54 senadores cujos mandatos terminam neste ano perderão o foro privilegiado se não se reelegerem. Dentre os emedebistas, cito o onipresente Romero Jucá ― ora réu no STF e alvo de pelo menos mais uma dúzia de inquéritos na Justiça ―, o atual presidente do Senado, Eunício Oliveira, seu antecessor, Renan Calheiros (que também é réu no STF), os ex-presidentes da Casa Garibaldi Alves Filho, Jader Barbalho e Edison Lobão (todos investigados na Lava-Jato), além de Valdir Raupp, que já é réu no Supremo, e Eduardo Braga.

Nas fileiras do PT, destaco Gleisi Hoffmann (presidente do partido e ré no STF) e seus esbirros Lindbergh Farias, Humberto Costa e Jorge Viana. No mesmo barco estão os presidentes do DEM, Agripino Maia, e do PP, Ciro Nogueira (além do líder do PP no Senado, Benedito de Lira, e do senador Ivo Cassol, já condenado pelo Supremo numa ação sem ligação com a Lava-Jato). Lídice da Mata e Vanessa Grazziotin, líderes do PSB e do PC do B, respectivamente, também estão no último ano do mandato e são alvo da Lava-Jato. 

Entre os tucanos, são investigados na Lava-Jato e correm o risco de perder o foro privilegiado o vice-presidente do Senado, Cássio Cunha Lima, o ex-presidente do partido, Aécio Neves, o atual ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes (que foi candidato a vice-presidente da República em 2014, na chapa encabeçada por Aécio) e os senadores Ricardo Ferraço e Dalirio BeberTutti buona gente. Cabe a nós, eleitores, botar um ponto final nessa putaria franciscana.

E falando em "buona gente" e em suruba, volto a Romero Jucá na próxima postagem. Até lá.

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quinta-feira, 22 de julho de 2021

PAU QUE NASCE TORTO MORRE TORTO

Após receber alta do hospital Vila Nova Star, no último domingo, Bolsonaro retornou a Brasília "com a corda toda". A princípio, a obstrução intestinal diagnosticada pelos médicos do Hospital das Forças Armadas exigiria uma cirurgia de emergência, daí o esculápio que o acompanha desde o atentado em 2018 recomendou que ele fosse trazido para São Paulo. Acabou que "o paciente respondeu bem ao tratamento convencional" (nada como um bom purgante) e a cirurgia foi descartada. Quando mais não seja, a viagem livrou o capitão da reunião com os presidentes do STF e do Congresso.

Dias antes de ser internado, Bolsonaro levou uma carraspana do ministro Luiz Fux por acusar o TSE de fraude nas eleições. Antes mesmo de receber alta, voltou a atacar o ministro Luís Roberto Barroso, chamando-o de "imbecil" e "idiota". Na semana anterior, depois da conversa com o presidente do Supremo, desagradado com as perguntas de alguns repórteres, disparou: "Eu não vim aqui para brigar com ninguém. Vai acabar a entrevista. Depois diz que eu sou grosso. Vai acabar a entrevista. Vamos rezar o pai nosso aqui, vamos? Vamos rezar? Vamos lá, vamos ajudar, vamos rezar o Pai Nosso".

De volta a Brasília, em conversa com a récua de baba-ovos no chiqueirinho defronte ao Alvorada, Bolsonaro voltou a defender o voto impresso: "Eu entrego a faixa para qualquer um, se eu disputar a eleição, né? Se eu disputar, eu entrego a faixa para qualquer um. Uma eleição limpa. Agora, participar de uma eleição com essa urna eletrônica..."

O ministro Barroso classificou os ataques de "lamentáveis" e "levianos"; Rodrigo Pacheco disse que "quem pretender retrocesso democrático será considerado inimigo da nação". Arthur Lira, que por enquanto continua alinhado com Bolsonaro, afirmou que "não tem compromisso algum com nenhum tipo de ruptura política, institucional democrática". Aliados alertaram o presidente de que sua truculência leva ao delírio seus apoiadores de raiz, mas assusta quem votou nele como alternativa à volta do PT — e a perda desse eleitorado pode ser fatal. Mas Bolsonaro, exemplo do escorpião da fábula, é incapaz de agir contra a própria natureza.

Mudando de um ponto a outro, o presidente que se elegeu com a promessa de acabar com a velha política do "toma-lá-dá-cá" — e que só continua no cargo porque alugou o apoio do Centrão — deve anunciar amanhã a nomeação de Ciro Nogueira para a Casa Civil. O deputado piauiense é considerado a pessoa certa para baixar a fervura no Congresso em tempos de CPI (e outras crises). Com isso, o general Luiz Eduardo Ramos assumirá a Secretaria-Geral e Onyx Lorenzoni comandará o Ministério do Trabalho e Emprego, que será recriado com a divisão do Ministério da Economia.

A troca de cadeiras é uma indicação inequívoca de fragilidade do governo. Antes da posse, o bolsonarismo desdenhava o Centrão; hoje, precisa dele para sobreviver. Cada palavra do célebre "Se gritar pega Centrão, não fica um meu irmão", cantarolado em tom de superioridade pelo general Augusto Heleno na campanha de 2018, teve que ser engolida goela abaixo.

Para os centristas, não existem ideologias, só interesses. Em troca de poder e dinheiro — não necessariamente nesta ordem — eles alugam seu apoio a peso de ouro, seja para dar sustentação ao governo da vez, seja para blindar o governante de turno de um impeachment (por crime de responsabilidade) ou de um processo no STF (por crime comum). Chupam-lhe o sangue a mais não poder e o abandonam à própria sorte ao menor sinal de mudança dos ventos.  

Bolsonaro quer um partido para chamar de seu, mas exige o controle dos fundos partidário e eleitoral. Se estivesse bem na fita, poderia escolher a sigla que mais lhe aprouvesse; com a popularidade em queda livre a CPI nos calcanhares, não está em posição de impor condições. 

Depois que as negociações com o Patriota malograram, restaram-lhe o PTB de Roberto Jefferson — que já foi lulista —, o PMDB (Partido da Mulher Brasileira) e outras siglas nanicas. Se quiser manter o apoio do Centrão, terá de se filiar ao Progressistas de Ciro Nogueira e Arthur Lira, o que significa aliar-se de vez aos verdadeiros profissionais da política tupiniquim. Do contrário, ficará a ver navios pelo binóculo. E sem o papai na Presidência, Zero Um, Zero Dois, Zero Três e Zero Quatro se tornarão Zeros à Esquerda.

A depender dos avanços da CPI, o Centrão abandonará Bolsonaro — atribuindo o desembarque a seu governo errático, caótico. Collor, Lula e Dilma foram páginas viradas pelo Centrão. Mas nada impede que o picareta dos picaretas volte a ser cortejado pelos centristas.

A conferir.