O falecido deputado baiano Fernando Santana, um comunista dos tempos em que havia comunistas
de carne e osso no Brasil, costumava divertir os colegas da Câmara com uma
brincadeira sobre a Bahia. “Pense num absurdo, qualquer absurdo que te
passar pela cabeça”, dizia ele. “Na Bahia há precedente”.
Santana foi cassado, exilado durante quinze anos, reeleito
após o fim do regime militar e hoje descansa em paz. Mas as coisas estão
ficando de tal jeito, neste país, que ele poderia dizer algo equivalente em
relação à dobradinha “Governo
Temer-Poder Judiciário Brasileiro”.
Imagine, no caso da atuação de ambos, um disparate realmente
grande, tamanho XXXX-L – e pode ter certeza de que já aconteceu, está
acontecendo ou vai acontecer a qualquer momento. A história da deputada Cristiane Brasil, nomeada pelo
presidente da República para o cargo de ministra do Trabalho, está aí para
mostrar que, na política brasileira atual, não existem limites para a
palhaçada.
Há de tudo neste picadeiro de circo. O presidente Temer fica com o Ministério do Trabalho
vago e nomeia, após devida consideração, um novo ministro. O ex-presidente José Sarney veta a nomeação, o convite
é anulado e o cargo continua sem titular.
Numa segunda tentativa, o presidente nomeia uma deputada federal, mas um grupo de advogados do Rio de Janeiro não concorda e entra com uma ação na justiça para barrar a posse ― a nova ministra do Trabalho tinha sido condenada, no passado, em duas causas na justiça trabalhista. Um juiz de Niterói manda suspender a posse. A coisa toda vai então para os altos tribunais da República.
Descobre-se, nesse meio tempo, que o suplente da deputada, prestes a sentar na sua cadeira na Câmara, é um indivíduo condenado a 12 anos de cadeia por estupro ― além disso, é irmão do ex-governador Anthony Garotinho, um ex- presidiário que está no momento em liberdade por ter tido a sorte de cair com o ministro Gilmar Mendes em seu último entrevero judicial. Já o irmão-suplente ficou uns tempos preso, mas graças às maravilhas do nosso Direito de Defesa, está não apenas solto; é também um quase-deputado.
Numa segunda tentativa, o presidente nomeia uma deputada federal, mas um grupo de advogados do Rio de Janeiro não concorda e entra com uma ação na justiça para barrar a posse ― a nova ministra do Trabalho tinha sido condenada, no passado, em duas causas na justiça trabalhista. Um juiz de Niterói manda suspender a posse. A coisa toda vai então para os altos tribunais da República.
Descobre-se, nesse meio tempo, que o suplente da deputada, prestes a sentar na sua cadeira na Câmara, é um indivíduo condenado a 12 anos de cadeia por estupro ― além disso, é irmão do ex-governador Anthony Garotinho, um ex- presidiário que está no momento em liberdade por ter tido a sorte de cair com o ministro Gilmar Mendes em seu último entrevero judicial. Já o irmão-suplente ficou uns tempos preso, mas graças às maravilhas do nosso Direito de Defesa, está não apenas solto; é também um quase-deputado.
O melhor de tudo é a fundamentação filosófica e jurídica,
digamos assim, da decisão contra a ministra nomeada: segundo o juiz, ela não
pode ser ministra do Trabalho em nome do princípio da “moralidade pública”. Aí
também já é avacalhação. Se moralidade estivesse valendo alguma coisa neste
país, quanta gente teria de deixar nos próximos cinco minutos os cargos
públicos que ocupa, inclusive no Poder Judiciário?
Eis aí mais uma das grandes páginas da nossa história:
conseguiram montar um episódio em que estão todos do lado ruim. Escolha o seu
preferido ― o presidente Temer, o
ex-presidente Sarney, a deputada que
foi condenada em ações trabalhistas e deveria ter pedido um cargo que não fosse
o de ministra do Trabalho, seu suplente, o irmão do suplente, o juiz de
Niterói, os advogados do Rio e quem mais tiver tido algum contato com este
pacote de refugo tóxico.
Estamos em pleno Circo
Marambaia. (Com J.R. Guzzo.)
***
O fato é, meus caros, que esse imbróglio é um dos muitos que
ainda virão quando outros nobres ministros deixarem os cargos para se
recandidatar à Câmara ou ao Senado. A nomeação da pimpolha de Roberto Jefferson demonstrou acima de qualquer dúvida razoável que não temos um sistema de governo, mas um simulacro de presidencialismo ― que o próprio presidente chama de “governo
semiparlamentar”.
Enquanto continuarmos patinando na reforma
político-eleitoral, estaremos ao sabor das circunstâncias. Como se viu ao longo
de 2017, para reforçar a base parlamentar do governo em votações importantes, vários ministros foram exonerados num dia e reempossados no dia seguinte, depois de terem votado a favor dos interesses do governo. No presidencialismo de verdade, um político que deixa o
cargo no Legislativo para ocupar um ministério ou uma secretaria no Executivo
tem de renunciar ao mandato. Mas não no Brasil, onde o presidencialismo foi
copiado da constituição americana para substituir o parlamentarismo já “flexibilizado” que existia
no Segundo Império. No parlamentarismo abrasileirado ― ou no atual regime semiparlamentar, como queiram ―, não valem as
características do verdadeiro parlamentarismo.
A proposta de “semipresidencialismo” defendida por Michel Temer e Gilmar Mendes
elimina o cargo de vice-presidente, deixando o presidente da Câmara como o
primeiro da linha sucessória ― o que seria um empecilho à eventual aprovação do
sistema pelo Senado, mas o Mendes já
deu a solução: volta o cargo de vice-presidente.
Oito dos 37 presidentes que o Brasil teve ao longo de sua
história republicana foram vices que assumiram o cargo: Floriano Peixoto, Nilo
Peçanha, Delfim Moreira, Café Filho, João Goulart, José Sarney,
Itamar Franco e Michel Temer. Houve
época em que o vice-presidente era eleito diretamente, mas, com a crise
institucional ― que assoma sempre que um vice-presidente tem voo próprio ―,
mudou-se a fórmula, e hoje o vice está na chapa presidencial, mas aparece na
cédula (ou na urna eletrônica) como coadjuvante, ou seja, o eleitor vota apenas
no candidato a presidente.
Com o impeachment da anta vermelha, Michel Temer, que lidera o (P)MDB há muitos
anos e presidiu a Câmara três vezes, passou de coadjuvante ― de uma presidente
que nunca disputara uma eleição na vida ― a protagonista, e o Brasil se
transformou na balbúrdia que aí está.
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