segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

CRISTIANE BRASIL E O CIRCO MARAMBAIA


O falecido deputado baiano Fernando Santana, um comunista dos tempos em que havia comunistas de carne e osso no Brasil, costumava divertir os colegas da Câmara com uma brincadeira sobre a Bahia. “Pense num absurdo, qualquer absurdo que te passar pela cabeça”, dizia ele. “Na Bahia há precedente”.

Santana foi cassado, exilado durante quinze anos, reeleito após o fim do regime militar e hoje descansa em paz. Mas as coisas estão ficando de tal jeito, neste país, que ele poderia dizer algo equivalente em relação à dobradinha “Governo Temer-Poder Judiciário Brasileiro”.

Imagine, no caso da atuação de ambos, um disparate realmente grande, tamanho XXXX-L – e pode ter certeza de que já aconteceu, está acontecendo ou vai acontecer a qualquer momento. A história da deputada Cristiane Brasil, nomeada pelo presidente da República para o cargo de ministra do Trabalho, está aí para mostrar que, na política brasileira atual, não existem limites para a palhaçada.

Há de tudo neste picadeiro de circo. O presidente Temer fica com o Ministério do Trabalho vago e nomeia, após devida consideração, um novo ministro. O ex-presidente José Sarney veta a nomeação, o convite é anulado e o cargo continua sem titular.

Numa segunda tentativa, o presidente nomeia uma deputada federal, mas um grupo de advogados do Rio de Janeiro não concorda e entra com uma ação na justiça para barrar a posse ― a nova ministra do Trabalho tinha sido condenada, no passado, em duas causas na justiça trabalhista. Um juiz de Niterói manda suspender a posse. A coisa toda vai então para os altos tribunais da República.

Descobre-se, nesse meio tempo, que o suplente da deputada, prestes a sentar na sua cadeira na Câmara, é um indivíduo condenado a 12 anos de cadeia por estupro ― além disso, é irmão do ex-governador Anthony Garotinho, um ex- presidiário que está no momento em liberdade por ter tido a sorte de cair com o ministro Gilmar Mendes em seu último entrevero judicial. Já o irmão-suplente ficou uns tempos preso, mas graças às maravilhas do nosso Direito de Defesa, está não apenas solto; é também um quase-deputado.

O melhor de tudo é a fundamentação filosófica e jurídica, digamos assim, da decisão contra a ministra nomeada: segundo o juiz, ela não pode ser ministra do Trabalho em nome do princípio da “moralidade pública”. Aí também já é avacalhação. Se moralidade estivesse valendo alguma coisa neste país, quanta gente teria de deixar nos próximos cinco minutos os cargos públicos que ocupa, inclusive no Poder Judiciário?

Eis aí mais uma das grandes páginas da nossa história: conseguiram montar um episódio em que estão todos do lado ruim. Escolha o seu preferido ― o presidente Temer, o ex-presidente Sarney, a deputada que foi condenada em ações trabalhistas e deveria ter pedido um cargo que não fosse o de ministra do Trabalho, seu suplente, o irmão do suplente, o juiz de Niterói, os advogados do Rio e quem mais tiver tido algum contato com este pacote de refugo tóxico.

Estamos em pleno Circo Marambaia. (Com J.R. Guzzo.)

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O fato é, meus caros, que esse imbróglio é um dos muitos que ainda virão quando outros nobres ministros deixarem os cargos para se recandidatar à Câmara ou ao Senado. A nomeação da pimpolha de Roberto Jefferson demonstrou acima de qualquer dúvida razoável que não temos um sistema de governo, mas um simulacro de presidencialismo ― que o próprio presidente chama de “governo semiparlamentar”.

Enquanto continuarmos patinando na reforma político-eleitoral, estaremos ao sabor das circunstâncias. Como se viu ao longo de 2017, para reforçar a base parlamentar do governo em votações importantes, vários ministros foram exonerados num dia e reempossados no dia seguinte, depois de terem votado a favor dos interesses do governo. No presidencialismo de verdade, um político que deixa o cargo no Legislativo para ocupar um ministério ou uma secretaria no Executivo tem de renunciar ao mandato. Mas não no Brasil, onde o presidencialismo foi copiado da constituição americana para substituir o parlamentarismo já “flexibilizado” que existia no Segundo Império. No parlamentarismo abrasileirado ― ou no atual regime semiparlamentar, como queiram ―, não valem as características do verdadeiro parlamentarismo.  

A proposta de “semipresidencialismo” defendida por Michel Temer e Gilmar Mendes elimina o cargo de vice-presidente, deixando o presidente da Câmara como o primeiro da linha sucessória ― o que seria um empecilho à eventual aprovação do sistema pelo Senado, mas o Mendes já deu a solução: volta o cargo de vice-presidente.

Oito dos 37 presidentes que o Brasil teve ao longo de sua história republicana foram vices que assumiram o cargo: Floriano Peixoto, Nilo Peçanha, Delfim Moreira, Café Filho, João Goulart, José Sarney, Itamar Franco e Michel Temer. Houve época em que o vice-presidente era eleito diretamente, mas, com a crise institucional ― que assoma sempre que um vice-presidente tem voo próprio ―, mudou-se a fórmula, e hoje o vice está na chapa presidencial, mas aparece na cédula (ou na urna eletrônica) como coadjuvante, ou seja, o eleitor vota apenas no candidato a presidente.

Com o impeachment da anta vermelha, Michel Temer, que lidera o (P)MDB há muitos anos e presidiu a Câmara três vezes, passou de coadjuvante ― de uma presidente que nunca disputara uma eleição na vida ― a protagonista, e o Brasil se transformou na balbúrdia que aí está.

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