Nunca, desde a redemocratização, uma eleição presidencial foi igual a outra no Brasil. As peculiaridades estiveram presentes até mesmo naquelas em que o(a) chefe da nação foi reeleito(a). Em 2022, tudo será bem diferente do que foi em 2018. A começar pela duração da campanha, que, oficialmente, será de apenas 45 dias, mas durará bem mais que as anteriores, pois começou ainda no primeiro ano da atual gestão. A prevista radicalização não chega a ser novidade, mas não faltam ineditismos, como o fato de o embate reunir o mandatário atual e um ex-presidente e envolver o bate-cabeça da oposição aos dois.
O maior problema desse campo nem é o mar de pretendentes, mas o deserto de ideias. Bem ou mal, nas eleições anteriores havia um conceito por trás das candidaturas. Em 1998, Fernando Henrique já não contava com o impacto positivo do Plano Real que o elegeu em 1994 e, em meio a uma crise econômica, precisou se valer do receio da sociedade de perder os ganhos obtidos com o fim da inflação.
Em 2002, Lula lançou mão da esperança (“venceu o medo”, lembram-se?) de que uma mudança radical liderada por “um brasileiro igualzinho a você” proporcionasse o almejado bem-estar social absoluto. Em 2006, o grande ativo do mandatário mergulhado no escândalo do mensalão foi o céu de brigadeiro da economia e o auxílio precioso da campanha errática da oposição. Em 2010, no auge da popularidade, o corrupto se fez suceder por uma "gerentona de araque" que vendia a expectativa de dias ainda melhores pela frente. Em 2014 instituiu-se o reino das fake news numa campanha de sórdida ousadia, que, aliada ao ilusório “já ganhou” em Minas Gerais, levou Aécio Neves à derrota por muito pouco e permitiu à presidanta a renovação do mandato — que perderia dois anos depois, por incompetência e trapaças outras.
No intervalo entre a ressaca do impeachment e a próxima eleição, assumiu o vice-presidente — que deixaria o cargo com inacreditáveis 4% de avaliação positiva. Lula estava preso, fazendo campanha fictícia com uma candidatura àquela altura impossível, e a oposição meio engatada no barco do Vampiro do Jaburu, meio confiante na atração de votos por gravidade. O clima era de desesperança.
Nesse ambiente surgiu o babalorixá dos bolsomínions, vendendo seus devaneios extremistas. Colou. A despeito de todos os pesares daí decorrentes, emocionou. De um lado quem estava disponível para aquele tipo de emoção e, de outro, quem acreditou não haver outra forma de impedir a volta do PT. Boa ou ruim, houve motivação. Justamente o que falta para a próxima eleição.
Estamos em campanha há três anos. Tempo suficiente para que
os partidos dispostos a correr na pista do centro da avenida eleitoral entre os
dois ditos extremos já tivessem encontrado algo de consistente e, sobretudo,
inspirador, para dizer àqueles de quem pretendem atrair os votos.
Os líderes nas pesquisas tratam de assegurar suas reservas
de mercado. Falam para as respectivas “bolhas”, inflando a rejeição mútua da
qual ambos são dependentes. Mesmo que donos de portentosos telhados de vidro,
ainda detêm o monopólio dos discursos ditos de direita e de esquerda. Repetem-se
e fazem isso porque os supostos concorrentes não os obrigaram a se mexer para
além da área de conforto.
Cada qual à sua maneira, Lula e Bolsonaro tocam corações. Apresentam-se em cores fortes, enquanto seus opositores se vestem em tom pastel na pregação genérica da pacificação política, da desigualdade social e do crescimento econômico. Bons temas, mas por ora carentes de abordagem vigorosa, original e, sobretudo, factível. Quanto a terceira via...
A entrada de Moro em campo chacoalhou a já tumultuada campanha de prévias do tucanato, que vê a candidatura do ex-juiz com apreensão. pré-candidatura é vista com atenção. Moro já aparece em terceiro na pesquisa eleitoral divulgada pela Genial Investimentos e Quaest Consultoria no último dia 10, com 8% das intenções de voto, atrás apenas do ex-presidiário ex-corrupto, com 57%, e do capetão-negação, com 27%, e tecnicamente empatado com o cearense de Pindamonhangaba — que disputou a Presidência em 1998, 2002 e 2018 (e foi derrotado todas as vezes).
Ciro afirma que "o Brasil não pode eleger um juiz ladrão". Eu, particularmente, não discuto com especialistas e respeito a competência do ex-ministro de Lula como candidato — ele compete, compete, compete, mas nunca vence.
Observação: Em entrevista à rádio O POVO CBN, o senador Eduardo Girão (que apresentou voto em separado pela "extinção melancólica da CPI do Genocídio") elogiou a pré-candidatura de Moro à Presidência. Segundo o parlamentar cearense, o ex-ministro "personifica" a Operação Lava-Jato e entra no xadrez político em uma ação "espetacular", além de "partir de outro patamar na terceira via", com potencial de quebrar a polarização entre nhô-ruim e nhô-pior (vade retro!). É a prova provada de que até um burro cego consegue eventualmente encontrar a cenoura.
Os números chamaram atenção de muitos tucanos — em especial em Minas Gerais e no Sul —, que veem uma chance de o partido conseguir compor uma chapa forte, sem ser o nome principal, e reforçando a chamada terceira via. Segundo o UOL, Moro, Doria e Mandetta se reuniram em São Paulo, no fim de setembro, para debater um plano visando viabilizar a terceira via. Na proposta defendida pelos dois ex-ministros de Bolsonaro, os quase presidenciáveis de centro-direita se uniriam em torno de quem estiver melhor posicionado nas pesquisas em abril de 2022 — os demais desistiriam de sua candidatura, declarando apoio.
Infelizmente, o plano foi rejeitado por Doria, que já foi próximo de Moro e chegou a sondá-lo para ir ao PSDB, mas tem se afastado (na avaliação de pessoas próximas a Doria, o tucano não deve se vincular à imagem de Moro, e participar de sua cerimônia de filiação ao Podemos, que nada tem a ver com o PSDB, poderia colocar azeitona na empada do ex-juiz. Pelo visto, no RS e em SP venceu a batalha de egos. O discurso de desistência da candidatura está descartado. As campanhas de Leite e Doria dizem não ter conhecimento deste movimento e garantem que, caso ganhem as prévias, concorrerão ao pleito principal. Nenhuma surpresa. Burros velhos dificilmente aprendem truques novos.
Bolsonaro sempre se borrou de medo da candidatura de Moro,
que pode tomar uma parte de seu eleitorado. Segundo O Globo, até na alta
cúpula do governo há apoiadores do ex-juiz. Entre alguns ministros, há
entusiasmo com pesquisas que o mostram largando com dois dígitos de
intenção de votos e com a dedicação que ele teria para resgatar políticas de
combate à corrupção abandonadas por Bolsonaro. Outro ponto visto como
positivo é que Moro seria mais resistente ao controle que partidos do Centrão
exercem hoje sobre o governo. Há, no entanto, a avaliação de que, para sua
candidatura andar, ele terá que aprender a ser mais maleável e político
em suas conversas.
Moro não deixou passar sem resposta a tentativa de atribuir à Lava-Jato a alta recente dos combustíveis, feita pelo PT. Segundo O ANTAGONISTA, o ex-juiz precisa ficar de prontidão, porque a investida petista não vai parar por aí. O documentira lançado pela ORCRIM no começo do mês atribui todos os males econômicos do país à operação. Logo no começo, o filme pergunta: “Sabe aquele Brasil que você acreditava que estava indo rumo ao futuro?” A resposta vem num bordão: “Foi a Lava-Jato que tirou de você.” O bordão é repetido ao longo de dez minutos: os empregos, a Petrobras que crescia, o pré-sal, os recursos da saúde e da educação, as grandes obras – foi tudo “a Lava-Jato que tirou de você”.
A patuleia abjeta tentará confundir a cabeça dos simplórios, dizendo que pouco mais de seis anos de combate bem-sucedido à corrupção fizeram mal ao país, mais que o conluio de décadas entre empreiteiras e política — no qual o PT se aconchegou — que desviou bilhões de reais não só da Petrobras, além de bloquear a livre concorrência e causar outras distorções na economia nacional. O PT vai tentar deslocar a conversa para o campo das mentiras e teorias da conspiração porque sabe que no campo da realidade não tem como vencer.
O partido foi corrupto e corrompeu, não importa o que digam seus próceres ou os processos contra Lula que o STF anulou – sem declarar sua inocência. A história do departamento de propinas da Odebrecht continua existindo, não importa o que digam Gleisi Hoffman ou o ministro Ricardo Lewandowski, que também é petista de quatro costados e acha que a Lava-Jato foi malvada, malvada, malvada por expor empreiteiras corruptas.
Essa vai ser a tônica da campanha do PT. Um teatro em que farão de conta que o governo petista de Dilma não causou uma recessão brutal nem deixou desempregados 13 milhões de brasileiros. Reciclarão os mais decrépitos chavões da esquerda, dizendo que a Lava-Jato se locupletou com misteriosos “interesses estrangeiros” para saquear o Brasil. Triste Brasil.
Quando mais não fosse, a presença de Sergio Moro nas
eleições já valeria só por isso: rebater as mentiras da ORCRIM e lembrar
de tudo que o PT tirou de você.