quarta-feira, 13 de julho de 2022

SERGIO MORO DE VOLTA ÀS ORIGENS (PARTE 6)

 

Em diversas oportunidades, o senhor da vontade dos supremos togados e maior adversário da Lava-Jato no STF fez menção a um tal “Código Penal soviético” ao tratar das conversas vazadas do celular de Deltan Dallagnol. Isso porque o apelido do ex-juiz Sergio Moro era “Russo” (devido à “frieza” com que ele tratava os investigadores no início da operação). 


A intenção do eminente ministro era insinuar que o então magistrado seguia regras próprias para julgar e condenar os corruptos do petrolão, embora seja público e notório que a prática de subordinar a lei aos desejos do julgador, como era praxe nos processos teatrais da antiga União Soviética, é cortesia não de Moro, mas dos ministros de nossas cortes superiores.

 

Num democracia que se desse minimamente ao respeito, o ex-coordenador da Lava-Jato no Paraná jamais seria condenado a indenizar Lula pela apresentação do folclórico PowerPoint exibido em 2016, por ocasião da denúncia formal contra o petralha no caso do tríplex. Quando mais não seja porque, de acordo com o princípio do non bis in idem, ninguém pode responder mais de uma vez pelo mesmo ato — e muito menos quatro vezes. 


Tanto a Corregedoria do MPF quanto a Corregedoria Nacional do Conselho Nacional do Ministério Público não viram problema algum na apresentação em questão, e o CNMP decidiu arquivar a representação contra Dallagnol. Demais disso, a defesa do petralha processou o ex-procurador diretamente, quando deveria ter processado a União (já que Dallagnol agia na qualidade de membro do MPF), além de iniciar a ação na Justiça estadual paulista, embora a coletiva em que se deu a exibição dos slides tenha ocorrido em Curitiba. 

 

Nas duas primeiras instâncias, os magistrados que analisaram o caso negaram a indenização. Mesmo tendo certo grau de ineditismo, a apresentação não violou os direitos ou a honra de Lula nem dos demais alvos da Lava-Jato (as entrevistas coletivas eram um hábito da operação, não se resumindo à denúncia contra o ex-presidente). Ainda assim, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça condenou Dallagnol a indenizar Lula em R$ 75 mil. 

 

A exposição de Dallagnol foi clara, acessível aos cidadãos e fundamentada em evidências acumuladas em mais de dois anos de trabalho. Só houve “espetacularização do evento”, como alega a defesa, para quem rechaça ou rechaçava a Lava-Jato como um todo, recusando-se a acreditar nas inúmeras revelações que a operação fez ao longo de sua atividade e preferindo crer que tudo não passava de invenção, a despeito das evidências. Para os brasileiros comuns, dotados de bom senso, houve apenas uma explicação clara do que os procuradores haviam encontrado; algo objetivo, eficiente e simples em sua forma.

 

O preconceito contra a Lava-Jato ficou claro em expressões como “juízo de exceção” e “funcionamento anômalo”, usadas por Raul Araújo, um dos quatro ministros que votaram pela condenação. Quando Dallagnol recorreu ao STF para reverter a decisão, Ricardo Lewandowski (cotado para ser ministro da Justiça se Lula ganhar a eleição) tornou-se o responsável pelo mais recente absurdo judicial cometido contra a Lava-Jato, ao permitir que a defesa de Lula usasse no processo as supostas conversas de Dallagnol com outros membros da força-tarefa e com Moro — que, como dito em outras postagens, foram obtidas criminosamente, mediante a invasão dos telefones celulares das autoridades.

 

Em mais de cinco anos de operação, a Lava-Jato não só expôs as entranhas putrefatas do sistema político como recuperou bilhões de reais que foram desviados durante os governos petistas. A despeito disso, a operação sofreu derrotas sucessivas nos planos políticos e institucional. Figuras influentes que foram condenadas têm obtido vitórias espantosas nas instâncias superiores da Justiça, não raro graças a julgamentos baseados em convenientes mudanças de jurisprudência, na morosidade do sistema de justiça criminal ou em provas obtidas de maneira fraudulenta. 


Em 2021, a operação foi encerrada de forma melancólica e, ao que parece, agora os corruptos partem para a desforra.

 

Observação: Nunca é demais ressaltar a participação de Bolsonaro no sepultamento da força-tarefa. Como todos devem estar lembrados, o presidente disse com todas as letras que “acabou com a Lava-Jato porque não tem mais corrupção no governo”.

 

O que parece estar em curso é não só uma retaliação contra os ex-integrantes da Lava-Jato, mas também a criação de um escudo de proteção dos poderosos. Doravante, agentes públicos envolvidos em investigações de corrupção terão que avaliar bem as probabilidades de vingança por parte daqueles que hoje estão sendo presos, pois há grandes chances de as instâncias superiores os absolverem, independentemente da consistência das evidências. Isso transforma o combate ao crime numa espécie de arena reservada somente aos poucos que ainda têm disposição para o martírio, com incentivos explícitos para que não se faça nada contra quem possui recursos e poder. 

 

Diante dessa infame caçada, quando aparecerão novamente agentes públicos dotados da coragem e do senso de missão que Dallagnol sempre teve? Quantos estarão dispostos a trocar a comodidade de uma atuação meramente burocrática por um desempenho motivado pelo desejo de fazer o que deve ser feito e o que o país precisa? 


Esse escárnio representa um golpe não apenas na Lava-Jato, mas em todos os brasileiros que comemoram quando políticos poderosos enfim foram julgados com o mesmo rigor que os cidadãos comuns. Em seu auge, os procuradores da força-tarefa e o então juiz Sergio Moro conquistaram amplo apoio popular porque seu trabalho representava o avanço concretizado do combate à corrupção sonhado por gerações, mas que lamentavelmente perdurou por tempo curto demais. 

 

Com Gazeta do Povo e Folha de S.Paulo