No faroeste à brasileira, só os fora da lei têm direito a final feliz, como atestam os mais recentes episódios da série “Só os perversos condenam”, nos quais soltar criminosos, perseguir defensores da lei e castigar juízes, procuradores e policiais envolvidos na Lava-Jato tornou-se tão rotineiro quanto os duelos em que, nos minutos finais dos bangue-bangues macarrônicos, o mocinho baleava o bandido e saía cavalgando em direção ao sol poente.
Até as pedras portuguesas da Praça dos Três Poderes sabem que a soltura e a conversão de Lula a "ex-corrupto" fazem parte da mesma conspirata que converteu Sérgio Moro e Deltan Dallagnol em personae non gratae. Sobrou até para Rodrigo Janot — o ex-PGR que adentrou armado ao STF para dar um "tiro na cara" do ministro Gilmar Mendes e se suicidar, mas foi impedido por uma "intervenção divina", conforme ele mesmo detalhou em seu livro Nada Menos que Tudo.
Em ano eleitoral, os mesmos de sempre alguns se juntam a recém-chegados para canonizar canalhas, louvar larápios, venerar vigaristas e estreitar relações com o que há de mais sórdido para infernizar a vida de quem se atreveu a provar que a lei pode valer igualmente para todos, inclusive para delinquentes estrelados e presidentes da República que asseguraram um capítulo de bom tamanho na História Nacional da Infâmia.
Mentem em louvor do farsante sem remédio os devotos da seita que aboliu o pecado, juristas para os quais não existem crimes nem criminosos do lado de baixo do Equador, togados que prendem inocentes e soltam ladrões da classe executiva e chefões do PCC, candidatos a vice que aposentam a honradez por sonharem com a antecipação da visita da ceifadora de almas ao gabinete que cobiçam, e tantos outros viventes que mentem por Lula para fazer bonito no faroeste à brasileira.
A Lava-Jato destruiu as grandes empreiteiras, recita essa caterva. Se o dinheiro já foi roubado, de que adianta prender os gatunos? Se a propina já foi paga, por que engaiolar corruptores e corrompidos? Caso o Código Penal prescrevesse uma hora de cadeia para cada erupção de cinismo sórdido, nenhum integrante do bando que prospera com o faroeste tupiniquim escaparia da prisão perpétua.
Moro, Dallagnol e Janot buscam se eleger — para, segundo eles, reverter no Congresso retrocessos impostos recentemente ao combate à corrupção. Mas no faroeste à brasileira o poste que mija nos cachorros, os bandidos são libertados e os xerifes, retaliados.
No governo, Moro foi traído pelo presidente. Na política, filiou-se ao Podemos, migrou para o União Brasil, foi sabotado e teve a pré-candidatura à Presidência sepultada por Luciano Bivar, que fingiu interesse em concorrer ao Planalto para tirá-lo do jogo depois de o ter tirado do Podemos.
Moro conseguiu desagradar a gregos e troianos: a patuleia ignara o tem na conta de "algoz" do sumo pontífice da seita do inferno; os bolsomínions (um bando de anormais travestidos de militantes que louvam um anormal travestido de presidente) acusam-no de trair seu "mito"; e os políticos, em sua maioria corruptos, o veem como chave de cadeia.
Em mais uma comprovação cabal de que esta banânia está do avesso, o TRE-SP acolheu um pedido de desafetos do ex-magistrado e cancelou sua transferência de domicilio eleitoral. Como se não bastasse, ele ainda corre o risco ter a candidatura barrada pelo TRE-PR.
O inferno zodiacal de Deltan e Janot começou no ano passado, quando ambos se filiaram ao Podemos para disputar uma vaga de deputado federal — pelo Paraná e pelo DF, respectivamente. No último dia 9, a Segunda Câmara do TCU, capitaneada pelo ministro Bruno Dantas e em desacordo com o parecer da área técnica do tribunal, condenou-os a ressarcir R$ 2,8 milhões aos cofres públicos (em razão de despesas com passagens aéreas e diárias da operação Lava-Jato).
A ação teve como origem uma representação assinada pelos senadores petistas Paulo Rocha, Humberto Costa, Jaques Wagner, Jean Paul Prates e Rogério Carvalho), que se embasaram numa reportagem publicada pelo site Poder 360 em 2021. Dantas, relator do caso, é próximo do senador Renan Calheiros, que é investigado em vários inquéritos da Lava-Jato. No final do ano passado, os dois participaram de um jantar em homenagem a... Lula.
A Gazeta do Povo relembra que, antes do processo no TCU, os ministros Luís Felipe Salomão, Raul Araújo, Antônio Carlos Ferreira e Marco Buzzi Dallagnol, do STJ, reverteram decisões da primeira e segunda instâncias da Justiça de São Paulo e condenaram-no a pagar indenização de R$ 75 mil a Lula por "danos morais" (em razão da exibição, em 2016, de um Power Point em que o molusco aparecia no centro de uma organização criminosa).
Dallagnol foi alvo de vários processos disciplinares no Conselho Nacional do Ministério Público. A maioria, apresentada por parlamentares do PT, acabou arquivada. Prosperaram apenas dois, baseados em acusações do ministro Dias Toffoli, do STF, e de Renan Calheiros. No primeiro, resultante de uma entrevista em que o ex-procurador disse que os ministros formavam uma “panelinha” e mandavam uma mensagem “muito forte de leniência a favor da corrupção”, o CNMP puniu o insurreto com uma advertência; no segundo, ele foi punido em razão de postagens no Twitter contra a eleição de Calheiros para a presidência do Senado (em 2019).
Observação: O relator da primeira condenação, Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, foi secretário-geral do Senado quando Calheiros presidiu a Casa, em 2016. O relator do segundo processo foi Otávio Rodrigues Jr., ex-assessor de Toffoli no Supremo.
Voltando a Moro, a ação que levou o TRE-SP a negar sua transferência de domicílio eleitoral para São Paulo foi apresentada pelo diretório municipal do PT na capital paulista e pelo deputado federal petista Alexandre Padilha. A defesa contestou, juntando ao processo honrarias que o ex-juiz recebeu do governo estadual e de prefeituras, bem como suas ações em favor do estado — como a transferência de lideranças do PCC de presídios estaduais para penitenciárias federais, em 2019, quando ainda era ministro da Justiça. Não adiantou: em junho, os juízes Maurício Fiorito, Marcio Kayatt e Marcelo Vieira, do TRE-SP, e o desembargador Silmar Fernandes, negaram a transferência, alegando que as provas de vínculo com São Paulo eram insuficientes.
No último dia 11, o candidato a deputado estadual Luiz do PT, de Foz do Iguaçu, acionou o TER-PR para impugnar o registro de candidatura de Moro ao Senado. Ao tentar se transferir para São Paulo em abril e lá permanecer até o início de junho, argumentou o parlamentar, o ex-juiz deixou de cumprir o requisito de domicílio eleitoral de pelo menos seis meses no Paraná para poder disputar a eleição no estado. A defesa alegou que a transferência para São Paulo não foi efetivada e, por isso, Moro permaneceu com o domicílio no Paraná. O caso está sub judice.
Quanto a Deltan e Janot, um recurso ao próprio TCU pode suspender a condenação e permitir o registro de suas candidaturas. A ver.