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quarta-feira, 4 de maio de 2022

O BRASIL E A QUINTESSÊNCIA DA IMPRESTABILIDADE

  

A ditadura militar que Bolsonaro tanto admira foi um período nebuloso da história do país do futuro que nunca chega. Ao longo de 21 anos, o obscurantismo e a estupidez provocaram um apagão na cultura e geraram hiperinflação e arrocho salarial, mas jamais produziram um presidente com personalidade mais autoritária do que o que ora pugna pela reeleiçãoNenhum outro mandatário tupiniquim flertou tanto e tão abertamente com o golpe quanto o atual, e golpes já não se dão com tanques, mas pelo desmonte das instituições. Dá medo imaginar o que Bolsonaro faria se tivesse o poder de um Geisel. Se isso lhe parece surreal, saiba que não é de todo impossível. Haja vista os últimos acontecimentos. Se ganhar mais um mandato, o "mito" dos atoleimados pode destruir a democracia por completo.

 

Atribui-se a Martin Luther King uma frase de valor inquestionável e que calça como uma luva a conjuntura atual: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”. É preocupante que os maiores interessados na preservação da democracia não se mobilizem. Metade do Congresso Nacional — incluindo boa parte da oposição — segue Artur Lira e Ciro Nogueira e se vende a Bolsonaro pelos bilhões do orçamento secreto. Parafraseando Churchill, alimentam o crocodilo na esperança de serem devorados por último. 


Mais grave ainda são as idas e vindas dos aspirantes a candidato da terceira viva. Se não puser o ego de lado e apoiar “de verdade” o membro que tiver chances reais de furar a polarização, essa seleta confraria jamais conseguirá enterrar Lula e Bolsonaro em outubro. 


Eduardo Leite não sobreviveu às prévias tucanas e ameaçou abandonar o ninho. Mas voltou atrás, tornou a voltar atrás e, se nada mudar, disputará novamente ao governo do Rio Grande do Sul). Ciro Gomes dificilmente abdicará de sua candidatura (parece que o boquirroto faz questão de ser derrotado pela quarta vez). Doria já se desentendeu com AlckminLeiteJereissatiAníbal etc. Se não consegue unir o próprio partido, como pretende unir a oposição? 

 

Alckmin migrou para o PSB para ser vice de Lula (e protagonizou um espetáculo vergonhoso numa tentativa patética e nada convincente de demonstrar a admiração que dedica a seu mais novo amigo de infância), esperando caminhar próximo do petista nas articulações de alianças. Mas o ex-presidiário, como o petismo bem sabe, viaja sozinho. Além de não ser chamado a ajudar na estratégia, o ex-tucano tem ficado em silêncio justamente por não ter propostas claras definidas pela campanha para defender. Sa esperança, segundo interlocutores, é que o lançamento da pré-candidatura o ajude a ter mais espaço para dar entrevistas e participar mais do jogo eleitoral. 


Moro não encontrou no Podemos o apoio que desejava. Migrou para o União Brasil e teve as asas podadas pelo neto de Toninho Malvadeza. Depois que o UB lançou a candidatura de Bivar (que tem tantas chances de se eleger presidente quanto eu tenho de ser ungido papa), o “soldado da democracia” periga ter de esperar 2024 para se candidatar a vereador. 

 

O PT de Lula continua sendo Lula e Lula continua sendo o PT. E assim será até o egum mal despachado ser finalmente exorcizado. Em 1985, na eleição indireta entre Paulo Maluf, homem da ditadura e corrupto notório, e Tancredo Neves, democrata indiscutível e de caráter ilibado, o PT impôs o voto nulo e expulsou quem votou no político mineiro, que acabou sendo eleito, mas morreu sem tomar posse. 

 

Estadistas como Tancredo sacrificam os interesses pessoais, e até a vida, pelo país. Os políticos de hoje parecem dispostos a sacrificar o país por seus interesses pessoais (se arriscam a sacrificar os dois).

 

Com Ricardo Rangel

quinta-feira, 20 de julho de 2023

TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO — CONTINUAÇÃO


O grupo que agrediu o ministro Alexandre de Moraes e seu filho no aeroporto de Roma tropeçou na tênue linha que separa audácia de estupidez e caiu no Código Penal. A despeito da crescente exposição dos pés de barro do mito, a raiva difundida por ele continua inspirando uma base eleitoral de fanáticos. Ao migrar das redes sociais para o mundo real, a insensatez bolsonarista aumenta na proporção direta do potencial econômico dos agressores, enquanto a valentia dos agressores diminui à medida quando a polícia chega.

O Ministério da Justiça requisitou as imagens do circuito de câmeras do aeroporto, e elas devem chegar ao Brasil antes do final de semana. Confirmando-se a agressão, é imperioso punir os agressores. Paralelamente, Moraes precisa acender a luz dos processos estrelados por Bolsonaro. A impunidade do capitão estimula em seus seguidores o comportamento de vale-tudo.

A consistência das conclusões da PF sobre o episódio crescerá na proporção direta da nitidez das imagens captadas pelas câmeras do aeroporto da capital italiana. No estágio atual, porém, os indícios não favorecem os suspeitos. O casal Roberto Mantovani Filho e Andréia Mantovani disse que foi ofendido pelo filho do ministro (que também se chama Alexandre). 

A mulher admite que criticou Moraes por ter entrado numa sala VIP na qual eles não puderam entrar, mas diz que só o fez quando ele já não estava no local. O marido reconheceu ter "afastado com o braço" o filho do ministro, mas apenas para defender a esposa. O genro do casal teria se juntado à sogra nos xingamentos, mas nega qualquer participação nas agressões. Em suma, os três apresentaram alegações com o mesmo selo de qualidade das versões de Bolsonaro e dos seus milicianos digitais.

Moraes relatou à PF que a confusão começou quando Andreia o chamou de "bandido, comunista e comprado"; que Mantovani deu um tapa nos óculos de seu filho; que os agressores os seguiram até a sala VIP, onde a discussão continuou; e que alertou o grupo de que tiraria fotos de todos eles e representaria à PF. Até onde se sabe, o ministro não tem motivo para trocar sua reputação por um enredo mentiroso.

Sempre que Bolsonaro e seus devotos se apropriam de uma notícia, os fatos costumam se perder para sempre. No caso do incidente em Roma, a versão dos acusados é gelatinosa como o próprio Bolsonarismo.

***

O deputado Luís Eduardo Magalhães — filho de Toninho Malvadeza e forte candidato para a sucessão de Fernando Henrique em 2002 — morreu de enfarte aos 43 anos, em 1998. Para os conspirólogos, o político tinha um "estilo de vida saudável", e foi vítima de sua declarada disposição de desbaratar esquemas de corrupção quando e se fosse eleito presidente. Na verdade, ele era hipertenso, fumava dois maços de Charm por dia e havia trocado o uísque — que alterava sua pressão — pelo vinho branco, este pela vodca sueca, e esta por champanhe. Mas bastou o fato de sua morte ter ocorrido no feriado de Tiradentes — como a de Tancredo Neves, 13 anos antes — para ambos terem sido (supostamente) eliminados pelas mesmas pessoas e da mesma forma. 

Ulysses Guimarães morreu em 12 de outubro de 1992 — a menos de três meses do julgamento final do impeachment de Fernando Collor. O helicóptero em que ele e o senador Severo Gomes viajavam com as respectivas esposas caiu no mar, próximo à Costa Verde fluminense. Todos morreram, incluindo o piloto, mas somente os restos mortais do Sr. Diretas não foram encontrados.
 
Diversos fatos ocorridos durante e depois do impeachment de Collor permanecem envoltos em brumas misteriosas, mas é mais apropriado falar "maldição" (mais detalhes na sequência "Collor lá..."). Elma Farias, mulher de PC, morreu em julho de 1994; Pedro Collor morreu no final 1994; Leda Collor (a matriarca do clã) morreu no início do ano seguinte (depois de passar 29 meses em coma); PC Farias e a namorada, Suzana Marcolino, foram assassinados em junho de 1996; e por aí segue o cortejo fúnebre.
 
Na noite de 16 setembro de 1992, a duas semanas de seu afastamento, Collor reuniu num jantar regado a leitão assado e uísque nada menos que 60 deputados e quatro senadores da base governista. Em seu discurso para a claque, chamou oposicionistas de "cagões" e "bundões", classificou Ulysses Guimarães de "senil, esclerosado e bonifrate de interesses de grupos econômicos de São Paulo", e o presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro, de "canalha, escroque e golpista imoral". Disse ainda que José Sarney e a filha, Roseana, eram "ladrões da história." Sobrou até para a imprensa: "Essa imprensa de merda. Esses cagalhões vão engolir pela boca e pelo outro buraco o que estão falando contra mim." Ulysses reagiu: "Quando acaba a razão começa o grito. É a insânia".
 
A história do Brasil elenca diversas mortes misteriosas, que instigam o imaginário popular. Tem gente que aposta que JK foi assassinado a mando dos militares (detalhes na postagem do último dia 6), a exemplo de outros políticos de destaque malvistos pelos fardados, como Tancredo NevesJoão "Jango" Goulart e Carlos Lacerda.  Mas chama a atenção o fato de essas três mortes terem ocorrido no espaço de poucos meses. 

Exilado no Uruguai desde a deposição, Jango morreu de ataque cardíaco em dezembro de 1976, quatro meses depois do acidente que matou JK — conspirólogos sustentam que o vice de Jânio teria sido envenenado para evitar que ressurgisse o cenário político e causasse embaraço aos militares. Cinco meses depois, foi a vez de Lacerda, vitimado por uma infecção generalizada cuja origem nunca foi descoberta. Tancredo que baixou ao hospital horas antes da cerimônia de posse e morreu 38 dias e 7 cirurgias depois (para os teóricos da conspiração, a causa mortis foi envenenamento, e não diverticulite).
 
Esses episódios foram esmiuçados no romance-reportagem O beijo da morte, de Carlos Heitor Cony e Anna Lee, lançado em 2003 pela Editora Objetiva. "Apesar das provas existentes, que dão como natural a morte dos três líderes, sempre duvidei das conclusões oficiais, e não apenas nesse assunto, mas na história em geral, que é uma sucessão de casos obscuros e mal resolvidos", disse Cony, um dos mais respeitados escritores brasileiros, à época do lançamento do livro.
 
Fato é que nem todas essas teorias são falsas. Chegamos a um ponto em que as verdades que nos são apresentadas não são confiáveis — talvez jamais tenham sido. A questão que se coloca é: onde encontrar a verdade?
 
Continua... 

quinta-feira, 7 de abril de 2022

MAIS SOBRE O SALSEIRO DA TERCEIRA VIA E O GOVERNO IMPOLUTO DO CAPITÃO (PARTE II)



A filiação de Sergio Moro ao União Brasil não agradou à ala comandada pelo neto de "Toninho Malvadeza", que liderou um movimento por sua impugnação. ACM Neto afirmava que o ex-juiz combinou com o partido que concorreria a deputado estadual, federal e, "eventualmente", senador, mas nem bem assinou a ficha de filiação e já disse que não desistiu de nada e que não descartava disputar a Presidência. Descartou. Ou foi descartado, tanto faz. Se nada mudar, ele não concorrerá.

Eduardo Leite, mesmo derrotado nas prévias tucanas, continua tentando desbancar João Doria. O presidente nacional do PSDB deve se reunir esta semana com os presidentes do MDBUnião Brasil e Cidadania para dar início às negociações pelo nome da terceira via.

Na análise de Bolsonaro, o recuo de seu ex-ministro da Justiça não tem volta, e os novos correligionários de Moro reforçam essa percepção. O mandatário acha que herdará a maioria dos 8% de votos que o Datafolha ao ex-juiz, e que a possibilidade de surgir um candidato alternativo capaz de retirá-lo do segundo turno “é zero”. Compartilham dessa opinião o filho Flávio Rachadinha, coordenado da campanha do pai à reeleição, bem como Valdemar Costa Neto, dono do PL, e Ciro Nogueira, chefe da Casa Civil. Tutti buona gente.

Melhor faria o capitão se olhasse para a própria cozinha. Ao confirmar em depoimento à PF que foi a pedido do presidente que as portas do MEC se abriram para pastores que trocavam verbas por propinas, o ex-ministro Milton Ribeiro reforçou uma obviedade: o único órgão que funciona em Brasília é o Departamento de Blindagem de Bolsonaro

O inquérito só daria frutos se os investigadores fizessem duas perguntas a si mesmos: 1) Por que Augusto Aras excluiu Bolsonaro do rol de suspeitos? 2) Para que serve a moralidade que o presidente da República e o ex-ministro da Educação dizem cultuar?

Na versão contada por Milton Ribeiro à polícia, Bolsonaro pediu que o pastor Gilmar Santos, parceiro de traficâncias do irmão Arilton Moura, fosse recebido, mas jamais perguntou sobre o resultado da visita. Os dois papa-dízimos estiveram quatro vezes com o próprio presidente e participaram de inúmeras reuniões do então ministro com prefeitos. Mas Ribeiro jura que os pastores não dispunham de "tratamento privilegiado" no MEC

Prefeitos relataram que os pastores pediam dinheiro e ouro em troca de acesso aos cofres do MEC, mas o então ministro — que também é pastor evangélico — disse que “não tinha conhecimento” do pastoreio dos irmãos, e que se considera um cristão honesto.

Bolsonaro não se cansa de dizer que preside um governo sem corrupção (pausa para as gargalhadas). Qualquer um pode prestar testemunho sobre o conceito extraordinário que faz de si mesmo. O diabo é que, abstraindo-se os autoelogios, o que sobra são os fatos. E os fatos transformam a moralidade presumida de pessoas como Ribeiro e Bolsonaro numa inutilidade que ajuda a entender como o Brasil virou uma cleptocracia comandada por almas presunçosas.

Ao determinar a abertura do inquérito sobre o MEC, a ministra Cármen Lúcia deu prazo para o PGR refletir sobre a inclusão de Bolsonaro na fogueira. Os fatos intimam Aras a procurar. O depoimento do ministro-pastor manteve as labaredas do escândalo na cara do presidente, mas o procurador-vassalo costuma colocar as conveniências do presidente-suserano acima dos fatos.

Com Josias de Souza.

segunda-feira, 25 de abril de 2022

A VIDA É FEITA DE ESCOLHAS... (PARTE 3)

Ainda sobre a tensão entre o chefe do Executivo e a cúpula do Judiciário, o "mito" dos apatetados havia dito que não "assistiria calado” à condenação de seu apaniguado, daí o perdão ter sido um ato premeditado de provocação. Questionamentos jurídicos estão em andamento, mas o efeito político da afronta que ultrapassou o STF e atingiu o instituto sagrado da independência e do equilíbrio entre os Poderes.


Há quem veja no gesto de Bolsonaro uma vitória política qualquer que seja o desfecho jurídico da questão, mas nada garante que a maioria da sociedade vá apoiar uma atitude com a qual o presidente se associou ao cometimento de crimes claramente apontados pela Corte SupremaPara além disso, o intrujão deu um recado inequívoco sobre suas pretensões ditatoriais — que não se coadunam com as demandas de um Brasil perfeitamente adaptado ao regime de liberdades e garantias chamado democracia. 


A pergunta que se impõe é: o que os demais poderes estão esperando para tomar uma atitude mais assertiva? Cachorro louco não se prende na coleira — sacrifica-se. Pelo andar da carruagem, ou não teremos eleições, ou ao eleito não lhe será permitido presidir. Triste Brasil.


***

Como juiz, Sergio Moro enquadrou poderosos; no governo, foi traído por Bolsonaro; na política, filiou-se ao Podemos de Renata Abreu, migrou para o União Brasil de Luciano Bivar, foi sabotado pelo neto de Toninho Malvadeza e teve a pré-candidatura à Presidência sepultada quando o UB decidiu lançar Bivar como representante da sigla na disputa presidencial. Rebaixado por seu novo partido, o ex-juiz declarou que não quer ser deputado, contrariando mais uma vez seus “correligionários” a participação das legendas nos fundos partidário e eleitoral é diretamente proporcional ao tamanho de suas bancadas, e o sistema proporcional transformaria Moro em puxador de votos.

Ao ser boicotado pelo Podemos e enredado no União Brasil, o quase candidato perdeu a chance de participar dos debates e emparedar Lula com todas as provas que foram anuladas pelo STF e, por tabela, desconstruir a narrativa de que não existe corrupção no governo Bolsonaro (vale lembrar que o PP de Ciro Nogueira e Arthur Lira e o PL de Valdemar Costa Neto, que ora apoiam a reeleição do capitão, foram aliados do PT no escândalo do Mensalão).

Nada é mais perigoso em Brasília do que assumir um “superministério”. Dos dois superministros que havia em 2019, um, carbonizado, deixou a pasta da Justiça pela saída de incêndio; do outro, que atendia por “Posto Ipiranga”, sobrou apenas uma lojinha de conveniências eleitorais que desvirtuam as prioridades econômicas. Depois que Bolsonaro escolheu entregar o governo e a chave do cofre ao Centrão, passou a haver dois tipos de ministro: Ciro Nogueira e os demais. O cacique do PP ainda não desembarcou do governo, mas a maldição do superministério desembarcou na Casa Civil.

Segundo relatório enviado pela PF ao STF no último dia 8, Nogueira, que despacha a um lanço de escadas do gabinete presidencial, teria embolsado R$ 5 milhões do grupo J&S em troca de apoio à reeleição de Dilma e outros R$ 8 milhões para adiar uma reunião do PP que decidiria se o partido continuaria ou não a apoiar o governo da petista. Mesmo com Augusto Aras na PGR e o aparelhamento de parte da PF, a notícia causou constrangimento no Planalto. E o mal-estar aumentou com o depoimento de Marcelo Ponte, que admitiu ter ouvido insinuações desabonadoras de Arilton Moura, um dos pastores acusados de cobrar propina de prefeitos para apressar a liberação de verbas de um cofre de R$ 55 bi situado no organograma do Ministério da Educação. 

A proliferação de denúncias expondo a digital do chefe da Casa Civil não só transformou o FNDE no epicentro do incêndio que arde no MEC como atrai as chamas para o gabinete presidencial. Ciro deixou de lado a aparente fidalguia com que costumava desfilar nos salões palacianos e já se comporta como a bola da vez. Nas redes sociais, tem postado fotos ao lado de Bolsonaro.

Nada mais flagrantemente explícito do que um político que se sente na corda bamba do que ter de mostrar que tem o presidente como seu fiel aliado. Vale lembrar que Abraham Weintraub, de tanto defender a ala ultraconservadora da gestão Bolsonaro, acabou expelido porque o figurino que exibia não servia mais à conjuntura do governo que se amancebou com o Centrão.

O superministro da vez vem adotando a postura de um “Cirinho do estilingue”. Ao mirar em Lula, ele joga pedra no inimigo que já foi seu próprio aliado — uma heresia nas hostes do Centrão, que um dia pode ser petista de coração e, no outro, bolsonarista desde criancinha. Ao dizer que a corrupção no governo é virtual, tentar sufocar a instalação da CPI do MEC e mandar apagar fotos de uma reunião com o pastor Arilton Moura ocorrida em setembro do ano passado, o bambambã do Centrão atrai as chamas para o gabinete presidencial.

Para quem foi nomeado ministro-chefe da Casa Civil com o propósito de funcionar como um “amortecedor de crises”, Ciro Nogueira tem causado muita trepidação.

domingo, 18 de novembro de 2018

SOBRE BOLSONARO, O FIM DA REELEIÇÃO E A EXONERAÇÃO DE SÉRGIO MORO



Para o jornalista J.R. Guzzo, diretor editorial do grupo EXAME e membro do Conselho Editorial da Abril, o reajuste reivindicado pelos ministros do STF e avalizado pelo Senado “é uma coisa de submundo, uma expressão de tudo o que existe de pior nesse Brasil velho, subdesenvolvido, concentrador de renda, corrompido até o fundo da alma, trapaceiro, parasita, que faz a nossa desgraça de todos os dias. Bolsonaro estaria começando muito mal, realmente, se não tivesse falado nada. Os 58 milhões de votos que recebeu foram contra isso, não a favor”.

Ao contrário de boa parte da mídia, Guzzo não vê quiproquó nenhum na transição do governo moribundo de Temer para a futura gestão de Bolsonaro. Na sua avaliação, o presidente eleito vem se comportando como um presidente eleito que daqui a pouco mais de um mês vai chefiar o governo — a gestão Temer já está tirando as medidas para lhe fazerem o caixão, e não dá para esperar até o enterro para só então começar o trabalho. Ele também concorda com Bolsonaro sobre o país ter direitos demais e empregos de menos: “O presidente eleito está apenas apresentando um fato — que já foi dito por um monte de gente boa, um monte de vezes, e reflete exatamente a palhaçada hipócrita dos nossos 10 milhões de leis, ou sabe lá Deus quantas. Criam direitos para tudo que se possa imaginar, quase sempre pagos com dinheiro do contribuinte — dinheiro que na maioria das vezes simplesmente não existe na vida real. Boa parte não pode ser desfrutada pelos beneficiários, e outra parte é pura safadeza para encher o bolso da casta mais alta do serviço público”.

Sobre Bolsonaro insistir em dizer respeitará a Constituição, o jornalista pondera que não resta alternativa, pois a todo momento o presidente eleito é cobrado a propósito. Aliás, na solenidade de comemoração dos 30 anos da Constituição — que Ulysses Guimarães, líder da resistência civil à ditadura militar, chamava de “cidadã” —, ouviram-se muitas juras hipócritas e muitas loas à Carta Magna, mas o fato é que ela tem de ser respeitada porque está em vigor e não existe outra, cabendo ao novo governo, ou cumprir tudo o que está escrito lá, ou aprovar no Congresso reformas que mudem o seu texto.

Guzzo também critica a medida provisória encaminhada por Michel Temer — e avalizada pelo Senado — que entrega de mão-beijada benesses às montadoras de automóveis. Segundo ele, o Brasil vem sendo governado há décadas com a mentalidade, os métodos e as ações de governantes que ganham a vida por meio do crime, mas, mesmo assim, um Congresso e um resto de governo que estarão sepultados no dia 1.º de janeiro de 2019 jamais deveriam ter o direito de fazer isso — não por estarem criando problemas para “o governo Bolsonaro”, como diz a imprensa, mas porque o contribuinte vai pagar por cada centavo disso tudo nos próximos anos. Se o presidente eleito conseguirá ou não desarmar as bombas de efeito retardado deixadas pelas gestões do PT e do PMDB, só o tempo dirá. Entretanto, estaria de bom tamanho se ele pudesse desarmar metade delas, pois em geral não se desarma nenhuma. 

Quanto ao fim da reeleição (defendido por Bolsonaro), Guzzo diz ser uma excelente notícia para o Brasil e para o próprio Bolsonaro, lembrando que FHC, Lula e Dilma, notórios democratas antifascistas, colocaram seus governos e o erário a serviço permanente da própria reeleição, e o primeiro a adotar uma atitude diferente é justamente o “militar autoritário, totalitário, defensor das ditaduras, etc. Se a ideia prosperar, será um belo cala-boca na oposição, nos intelectuais, nos artistas de novela e no New York Times.

Em atenção a quem não sabe ou não se lembra, abro um parêntese para dizer que a reeleição não foi fruto da tal “Constituição Cidadã”, mas de uma emenda constitucional que deu chance ao então presidente Fernando Henrique de ser o primeiro mandatário a disputar uma reeleição no Brasil — deu para entender ou quer que eu desenhe?

Nossa atual Carta Magna foi promulgada em 1988, durante o (nada saudoso) governo do macróbio maranhense José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, vulgarmente conhecido no mundo do crime, digo, da política, como José Sarney, que se tornou presidente civil desta Banânia pós-ditadura com à morte de Tancredo Neves. O que a Assembleia Nacional Constituinte estabeleceu foi o presidencialismo como forma de governo e o mandato de 5 anos para o presidente da República (daí a razão do infausto governo Sarney ter se estendido até março de 1990), vencida a oposição, que se dividia entre os que propunham quatro anos para todos os presidentes, inclusive o presidente em exercício, e os que desejavam um mandato de cinco anos para o futuro, porém mais curto para Sarney. Pesquisas da época registraram a preferência da população pelo mandato de quatro anos, que passaria a vigorar em 1997.

A PEC da reeleição, aprovada em segundo turno no Senado por 62 votos a favor, 14 contra e 2 abstenções, numa sessão solene que durou apenas 9 minutos, estendeu o “benefício” também a governadores e prefeitos. Depois da promulgação, o então presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães (vulgo “Toninho Malvadeza”), o então presidente da Câmara, Michel Temer, foram ao Palácio do Planalto entregar o texto da emenda ao então presidente Fernando Henrique Cardoso. A certeza de que a aprovação da emenda fortalecia o presidente em exercício foi ratificada pelo então presidente do Senado: “Pela liderança que tem, é um candidato forte à reeleição”, declarou ACM, e afirmou que a tendência era que seu partido, o PFL (que em março de 2007 passou a se chamar Democratas e teve como primeiro presidente da nova sigla Rodrigo Maia, atual presidente da Câmara), mantivesse o apoio a FHC nas eleições de 1998, o que incluía a permanência de Marco Maciel como candidato a vice. Fecho o parêntese. 

Para concluir, transcrevo trecho do pedido de exoneração do juiz Sérgio Moro, futuro ministro da Justiça e Segurança Pública:

Houve quem reclamasse que eu, mesmo em férias, afastado da jurisdição e sem assumir cargo executivo, não poderia sequer participar do planejamento de ações do futuro governo. Assim, venho, mais uma vez registrando meu pesar por deixar a magistratura, requerer a minha exoneração do honroso cargo de juiz federal da Justiça Federal da 4ª Região, com efeitos a partir de 19/11/2018, para que possa então assumir de imediato um cargo executivo na equipe de transição da Presidência da República e sucessivamente ao cargo de Ministro da Justiça e da Segurança Pública. Destaco meu orgulho pessoal de ter exercido durante 22 anos o cargo de juiz federal e de ter integrado os quadros da Justiça Federal brasileira, verdadeira instituição republicana”.

A juíza substituta Gabriela Hardt assumiu os processos que correm no âmbito da Lava-Jato na primeira instância paranaense, como aquele em que depôs, na última terça-feira, o ex-presidente petralha e hoje hóspede compulsório da carceragem da PF em Curitiba. Gabriela é substituta e ficará encarregada das ações até o TRF-4 nomear o substituto de Moro.

Pelo menos 232 juízes federais titulares poderão se candidatar, aí incluídos todos os titulares que atuam no âmbito do TRF-4 (que abrange os Estados de Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). No topo da lista estão, pela ordem, os juízes federais Luiz Antônio Bonat (Curitiba), Taís Schilling Ferraz (Porto Alegre), Marcelo de Nardi (Porto Alegre), Alexandre Gonçalves Lippel (Porto Alegre), Hermes Siedler da Conceição Júnior (Porto Alegre), Eduardo Vandré Oliveira Lema Garcia (Santa Cruz do Sul), Altair Antônio Gregorio (Porto Alegre) e Loraci Flores de Lima (Santa Maria).Todos ingressaram no TRF-4 no mesmo dia, quatro anos depois de Moro, que ingressou como titular no tribunal em 24 de novembro de 1998.

O processo interno de seleção, denominado remoção, deverá durar um mês. Uma vez publicado o edital, os juízes titulares deverão apresentar suas candidaturas nos dez dias seguintes. O critério de seleção será baseado na antiguidade, ou seja, no tempo de atuação do magistrado como juiz titular e, depois, como juiz substituto. Em caso de empate, será utilizado o critério de colocação no concurso público. Neste critério de classificação, o juiz Luiz Antônio Bonat, da 21.ª Vara Federal de Curitiba, aparece na primeira colocação. Se nenhum juiz titular apresentar candidatura, a vaga será aberta em um edital de promoção aos juízes federais substitutos, que poderão concorrer à cadeira pelos mesmos critérios de antiguidade e colocação no concurso público.

Dito isso, dou a postagem por encerrada. Bom domingo a todos.

sábado, 25 de maio de 2019

AINDA SOBRE AS MANIFESTAÇÕES DE DOMINGO



Sobre as manifestações marcadas para amanhã — assunto que discutimos ad nauseam no post de ontem —, escreveu o jornalista Augusto Nunes:

Nesta segunda-feira (20), publiquei no Twitter a seguinte constatação: “As manifestações do dia 26 terão significado histórico se provarem que os brasileiros aprenderam a mobilizar-se em torno de ideias. As ruas devem exigir do Congresso a votação, sem delongas malandras, do projeto da Nova Previdência, da Lei Anticrime arquitetada por Sergio Moro e da medida provisória da reforma administrativa, que abrandou a farra dos ministérios”. Em resposta, descontado um punhado irrelevante de comentários subscritos por cretinos fundamentais, centenas de brasileiros informaram que são exatamente essas as bandeiras que pretendem desfraldar no próximo domingo. Abstraídos os cretinos de sempre, os manifestantes reiteraram que não pretendem fechar o Congresso, nem exterminar o Supremo, muito menos transformar Jair Bolsonaro num Nicolás Maduro na contramão. O que eles querem é que deputados e senadores façam alterações que não desfigurem o projeto de Paulo Guedes e removam de vez essa pedra gigantesca colocada no caminho que encurta a chegada ao porto seguro.

É fato que declarações infelizes e tuítes desastrados do presidente dificultam o diálogo com o Legislativo. Mas também é fato que não melhoram em nada as relações entre os dois Poderes a estupidez do PT  que aposta no quanto pior, melhor  e a batalha travada pelo Centrão pela captura de cargos, verbas e cofres públicos. Não existe democracia sem Poder Legislativo. Mas a democracia será sempre uma caricatura com um Congresso infestado de delinquentes decididos a anular a revogação de privilégios contida na nova Previdência, bloquear o aperfeiçoamento do combate à corrupção e ao crime organizado desenhado pela Lei Anticrime de Sergio Moro e emparedar o Executivo com a recriação de ministérios inúteis extintos pelo atual governo.

Há poucos dias, manifestações contra quaisquer reformas foram tratadas como outra evidência de que o Brasil é um país democrático. Merecem o mesmo tratamento as manifestações do próximo domingo, desde que se limitem a desfraldar as bandeiras da nova Previdência, da Lei Anticrime e da reforma administrativa. “O Congresso sempre acaba fazendo o que o povo quer”, repetia o gaúcho Ibsen Pinheiro, que presidiu a Câmara durante o processo de impeachment de Collor. Já começou a fazer: nesta terça-feira, o Centrão resolveu desistir da ressurreição de ministérios e aprovar a MP que reformou a administração federal. Uma das três grandes reivindicações já foi atendida. As outras o serão assim que deputados e senadores ouvirem o rugido das ruas.

Na Gazeta do Povo, escreveu Guilherme Fiúza:

Não há novidade alguma na obsessão brasileira pelo fracasso. Você não precisa ler nenhum sociólogo de passeata para constatar o fenômeno. Cada passo à frente corresponde a uns dez para trás e andar de lado é progresso arrojado. Por uma razão miseravelmente simples: tacar pedra, aqui, é salvo-conduto. Por que trabalhar dobrado para construir, num lugar onde destruir é muito mais charmoso e bem mais fácil? Você está cansado de saber que, numa nação infantilizada, fazer cara de nojo para o governo é sucesso garantido. Arregaçar as mangas pelo bem comum e correr o risco de tomar uma chapa branca na testa? Deixa de ser otário.

Esse componente tão dramático quanto corriqueiro do caráter nacional já deu as caras, sem a menor inibição, inúmeras vezes. Uma das mais impressionantes se deu logo após a eleição de Lula, em 2002. Desafiado publicamente por Pedro Malan a esclarecer se sua plataforma era a demagogia dos calotes e bravatas contra a elite malvada ou o cumprimento de contratos e a responsabilidade fiscal, Lula se comprometeu com a segunda opção. E cumpriu. Iniciou seu governo com uma equipe econômica de alto nível, chefiada por Antonio Palocci cuja gestão foi reconhecida por dez entre dez expoentes do setor e Henrique Meirelles no Banco Central. Estavam dadas as condições para um novo ciclo virtuoso, depois das crises de energia (doméstica) e da Rússia (internacional) que travaram na virada do século a linha ascendente do Plano Real. Lula era um líder popular mostrando senso de pragmatismo para unir a estruturação econômica e o resgate social enfim, para unir o país. E o que fez o país? Fez o que faz sempre: sabotou. A fritura de Palocci não demorou a começar e vinha de todos os lados (isso te lembra alguma coisa?). Corneteiros e cassandras brotavam no meio empresarial, na imprensa, nas artes, na política inclusive no PT, o partido governante. Aliás, os tucanos fizeram a mesma coisa com Fernando Henrique e Malan porque, como já foi dito, aqui fazer cara de nojo para governo é investimento. Mesmo se você estiver no governo.

O Plano Real triunfou apesar dos tucanos, que até o apoiaram majoritariamente na decolagem (covardia não é burrice), mas atrapalharam tanto no nascedouro quanto na sustentação. Malan passou oito anos sendo demitido na imprensa e adivinha a origem dessas sementinhas? Uma equipe de abnegados executou o maior plano econômico da história enquanto o presidente era chamado todo dia de elitista, neoliberal (o fascista da época) e reacionário por ter se aliado a Antonio Carlos Magalhães, o Toninho Malvadeza. Identificou o padrão?

Voltando a Lula, aquela configuração que prometia unir o país (haha) logo virou tiro ao alvo: MST querendo mais grana, PT querendo mais cargo, PSOL nascendo para sua vida gloriosa de virgem do puteiro, tucano querendo o poder de volta, empresário “moderno” querendo dinheiro de graça e fritando o ministro da Fazenda que buscava a modernização. O vice-presidente, que era empresário, atacava dia sim, outro também, a política macroeconômica do seu próprio governo. Crise, teu nome é Brasil.

Observação: Direto da cadeia, em entrevista a um site, o demiurgo de Garanhuns explica que os 13 milhões de desempregados, a maior roubalheira da história, a crise econômica e outros desastres que ele próprio produziu em parceria com a anta que o sucedeu ocorreram nos últimos quatro meses: “A verdade é que nos governos petistas as pessoas mais pobres subiram um degrau na escala social começaram a entrar na universidade, frequentar restaurante, frequentar aeroporto e isso começou a incomodar a elite brasileira. Esse legado está sendo destruído. Bolsonaro está há quase cinco meses no governo e ninguém escuta falar em crescimento, desenvolvimento, investimento ou geração de renda. O país está abandonado. Só se fala em cortes orçamentários”.

Pausa para o leitor vomitar e se recompor.

Segundo vários representantes da intelectualidade nacional, o presidente dos pobres estava vendendo a alma ao diabo. Veríssimo se declarava decepcionado com a adesão de Lula ao superávit primário… (parece piada, e é, mas aconteceu). O país só se acalmou quando conseguiu interromper essa gestão virtuosa e abrir caminho para o maior assalto da história. Aí sobreveio uma década de paz. Em meio à roubalheira e à depravação institucional, não se viu nem passeata cenográfica pela educação. Pega daí, caro leitor: boa equipe, chance de reconstrução, cara de nojo, decepção… Só continua chamando isso aqui de nação quem confunde rima com solução.
Nota antropológica: FHC e vários outros que combateram a praga nacional dos falsos virtuosos hoje estão na orquestra da crise. Que lugar está reservado para esses personagens na história do Brasil? Pergunta no Posto Ipiranga.

Antes de concluir, um texto de Carlos Brickmann e mais algumas ponderações:

Lá vão os olavetes/em louca arrancada/xingando o inimigo/tinindo as espadas. Para que? Para nada”. Mas esta paródia dos Cavaleiros de Granada, de Cervantes, não é exata: em vez de “para nada”, pode ser “para o desastre”. A manifestação deste domingo, parece, é contra os políticos, o Supremo, os manifestantes da semana passada. A marcha pode ser um êxito, pode dar para o gasto, pode fracassar. Se fracassar, será péssimo para o presidente. Se apenas der para o gasto, será ruim para o presidente. Se tiver êxito, hostilizará entidades de que Bolsonaro precisará para que seu Governo siga em frente: do Congresso, por exemplo, depende a reforma da Previdência, depende a aprovação do projeto anticrime de Moro. E depende o crédito extraordinário para que o Governo aguente os gastos até o fim do ano.

Neste momento, boa parte do Governo está desnorteada. Moro funciona, embora mais fraco. Ministros como o da Infraestrutura e a da Agricultura vão bem. E Paulo Guedes é a esperança de que volte o crescimento na economia, gerando algum emprego. No mais, quem cuida da casa é o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (que se articula com Guedes), aliado ao Centrão, dois dos alvos da marcha. Se o Centrão e Maia cruzarem os braços, haverá vácuo de poder, e como o poder abomina o vácuo, a lacuna será logo preenchida por alguém. Bolsonaro, se a manifestação der muito certo? Talvez. Mas Collor tentou e, ao falhar, selou sua queda. Jânio tentou e voltou, mas só como prefeito, quase 30 anos depois (detalhes na minha postagem da última quinta-feira).

Observação: Collor apostou todas as fichas numa manifestação em que todos deveriam vestir verde e amarelo. Quem foi, foi de preto. Itamar era desconhecido, mas a aposta foi nele (e o vice acabou sendo bom presidente). O vice de Jânio era João Goulart, que despertava desconfiança nas Forças Armadas e na classe média. Mesmo assim, Jânio não teve apoio. Já Bolsonaro tem um vice militar, bem visto por seus colegas, e que surpreendeu boa parte da opinião pública por seu bom senso. Os bolsonaristas mais radicais poderiam ouvir companheiros como o presidente do PSL, partido de Bolsonaro, ou Janaína Paschoal, bolsonarista e autora do pedido de impeachment de Dilma. Ambos têm sérias dúvidas sobre o que o presidente pode ganhar com a manifestação.

Jornais, TV, rádio e Internet se referem ao ato como “protesto a favor de Bolsonaro”. Brickmann diz ser do tempo em que protesto só podia ser contra. Relembra a primeira briga de Bolsonaro com seu até então amigo de fé Gustavo Bebianno, que culminou com a demissão do ministro que tinha sido o chefe de sua campanha. Bebianno marcou audiência com o vice-presidente de Relações Institucionais da Globo, e Bolsonaro, furioso por não admitir que inimigos fossem recebidos no palácio, mandou-o suspender a reunião. Pois é: ontem, Bolsonaro recebeu no palácio o vice-presidente de Relações Institucionais da Globo, o mesmo Paulo Tonet Camargo, em companhia do ministro Onyx Lorenzoni e do empresário de comunicações Vicente Jorge Espíndola Rodriguez. Nada como um dia depois do outro (e bons contatos).

Resumo da ópera: Uma parte dos apoiadores de Bolsonaro encara o protesto como um chamado do presidente. O problema é que, qualquer que seja o cenário, os atos embutem risco para o próprio Bolsonaro e para o governo. Mas nada que chegue perto das teorias conspiratórias propaladas nos últimos dias. Na história do Brasil, golpes sempre foram acompanhados de uma conjunção de fatores a sustentá-los. A começar pelo apoio das Forças Armadas, de setores importantes da economia — e de protagonistas do próprio parlamento. O grito das ruas, ou de parte dela, nunca foi suficiente. Ainda que quisesse, o que não parece um dado concreto a ser considerado, não há sinais de que Bolsonaro conte com o mix de fatores pré-golpe que a história não deixa esquecer. Portanto, o risco de ruptura institucional difundido em discursos e análises se mostra um evidente exagero. Assim como parecem exageradas as leituras de que o impeachment é algo que pode estar tão perto quanto a próxima esquina.