O fim da ditadura militar não foi uma “consequência natural do espírito democrático” dos generais Ernesto Geisel e João Figueiredo, nem tampouco transcorreu sem turbulências e acidentes de percurso. Aliás, o processo de abertura só foi concluído devido a manifestações populares pró-diretas que, em 1983, reuniram cerca de 1,5 milhão de pessoas na Candelária (na Cidade Maravilhosa) e 1 milhão no vale do Anhangabaú (em Sampa). A mais emblemática delas lotou a Praça da Sé (também na capital paulista), em janeiro de 1984, com 300 mil pessoas carregando faixas e vestindo camisetas onde se lia a inscrição “EU QUERO VOTAR PARA PRESIDENTE”.
Observação: Os manifestantes
apareceram espontaneamente para ouvir e aplaudir líderes como Ulysses
Guimarães, Tancredo Neves, Leonel Brizola, Fernando
Henrique Cardoso, Lula e outros políticos, além de
artistas e intelectuais que se revezavam ao microfone. Em meados dos anos 1980,
a Internet ainda era uma ilustre desconhecida e as redes sociais só surgiriam e
se popularizariam quase duas décadas depois.
Os movimentos pelas “Diretas Já” pugnavam pela
aprovação da Emenda
Constitucional Dante de Oliveira, que visava restabelecer as eleições
diretas suspensas pelos militares desde 1964. No dia da votação, exatos 20 anos
após o golpe, uma manobra de bastidores tirou da Câmara 112 deputados. A
despeito do clamor das ruas, a emenda foi rejeitada, ou por outra, o povo foi
traído (mais uma vez) pela classe política, o câncer social que
consideramos um mal necessário.
O desgaste dos militares propiciou a vitória de Tancredo
Neves sobre Paulo
Maluf em 15 de janeiro de
1985. A raposa mineira derrotou o turco lalau por 480 votos a 180 num colégio
eleitoral formado por deputados federais, senadores e delegados das Assembleias
Legislativas dos Estados. O então presidente da Câmara, Ulysses Guimarães,
que chegou a ser cogitado para disputar a presidência da República pelo PMDB,
mas acabou preterido pela chapa “mista” formada com o PFL de Sarney,
entregou a Tancredo o programa "Nova República",
que previa eleições diretas em todos os níveis, educação gratuita, congelamento
de preços da cesta básica e dos transportes, entre outras benesses.
Com esperança e ânimos redobrados, os brasileiros aguardavam
ansiosamente o dia 15 de março, data prevista para a posse do primeiro
presidente civil depois de 21 anos, mas o que deveria ser a festa da
democracia transformou-se em luto nacional: Tancredo foi hospitalizado
horas antes da cerimônia e dado como morto 38 dias e 7 cirurgias depois. Seu sepultamento
em São João Del Rey (MG) produziu um dos maiores cortejos fúnebres já vistos no
país: o féretro foi seguido por mais de 2 milhões de pessoas por São Paulo,
Brasília e Belo Horizonte, a caminho da cidade natal daquele que foi, sem
jamais ter sido, o maior presidente de toda a história republicana do Brasil.
Após embates jurídicos acerca da possibilidade de Ulysses
ser guindado ao Palácio do Planalto, prevaleceu o entendimento de que o José Sarney, vice
na chapa de Tancredo e expoente do coronelismo nordestino de cabresto,
deveria assumir a Presidência, e foi o que aconteceu, para o bem e para o mal.
Oficialmente, o verdugo do Planalto é o 38º presidente
desta desditosa banânia, que, também oficialmente (segundo dados da plataforma
de monitoramento do ministério da Saúde) está prestes a superar 600 mil vítimas
fatais da Covid — segundo diversos infectologistas, imunologistas e
outros "istas", cerca de ¾ dessas mortes poderiam ter sido evitadas
se o luminar do negacionismo que ainda ocupa a Presidência tivesse agido com um
mínimo de competência no gerenciamento da pandemia, em vez de dar ouvidos a um
bando de lunáticos desvairados, membros eméritos de um desprezível
"gabinete paralelo", segundo o qual o mandatário de fancaria deveria
apostar na imunidade de rebanho, cagar e andar para máscaras, isolamento e vacinas,
como isso bastasse para a economia voltar a crescer e o projeto "reeleitoreiro"
do rascunho do mapa do inferno se concretizar.
Antes de focar esse despresidente bizarro e sua desprezível
caterva de apoiadores despirocados, há que dedicar alguns parágrafos à súcia de
imprestáveis que presidiram esta banânia desde a redemocratização. Antes,
porém, destaco algumas curiosidades:
A cidade de Salvador (BA) foi a capital deste arremedo
de banânia entre 1549 e 1763. No Rio, o Palácio do Itamaraty sediou
o Executivo Federal até 1897, quando Prudente de Moraes e seu
staff passaram a ocupar o Palácio do Catete. A ideia de transferir
o DF para o interior era antiga; em 1761, o Marques de Pombal fez
essa sugestão, que José Bonifácio ressuscitou em 1823. Mas foi
no final dos anos 1950, durante o governo de Juscelino Kubitschek,
que Brasília foi construída do nada, no meio do nada, para ser o novo
Distrito Federal, e o Palácio do Planalto, inaugurado em 21 de
abril de 1960, a nova sede do governo federal.
O que pouca gente sabe é que Curitiba
foi capital da República por três dias — de 24 e 27 de março de 1969 —
e que, desde e o golpe militar que substituiu a monarquia parlamentarista pela
república presidencialista, em 1899, o Brasil teve nove presidentes eleitos
de forma direta dos quais apenas quatro completaram seus mandatos: Eurico
Gaspar Dutra, vencedor daquela que é considerada a primeira
eleição verdadeiramente democrática do Brasil, em 1945; Juscelino Kubitschek,
eleito em 1955; Fernando
Henrique Cardoso, eleito no primeiro turno dos pleitos de 1994 e 1998;
e o "ex-corrupto" Lula,
que se elegeu no segundo turno em 2002 e 2006. Dos outros cinco, Getúlio
Vargas “foi suicidado” com um tiro no peito, digo, foi encontrado
morto com um tiro no peito em 24 de agosto de 1954, após ser acusado de tramar
um atentado contra o jornalista Carlos Lacerda e de 27
generais (sempre eles!) exigirem publicamente sua renúncia (sua "carta-testamento"
se notabilizou pelas palavras finais: "saio da vida para entrar na
História").
Em outubro de 1955, quando JK foi eleito, a ala
conservadora, os militares, Café Filho — que passou de
vice a titular com o “suicídio” de Vargas — e o
presidente da Câmara Carlos Luz —
que assumiu interinamente a Presidência com o afastamento de Café — urdiram
um golpe de Estado para impedir a posse do presidente eleito. Assim que
subiu de posto, Luz substituiu o general Henrique Lott pelo
também general Álvaro Fiúza de Castro no comando do Ministério
da Guerra. Sentindo o cheiro do golpe, Lott depôs Luz (que foi
impichado em 11 de novembro, 4 dias após a posse) e alçou ao cargo o então
presidente do Senado, Nereu Ramos. Assim,
pela primeira vez na história, o Brasil teve três
presidentes da República numa única semana.