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segunda-feira, 30 de agosto de 2021

COISAS QUE SÓ ACONTECEM NO BRASIL


Dizem que a jabuticaba (fruta) e a saudade (palavra) são exclusividades tupiniquins, mas não é verdade. Apesar de ser nativa da Mata Atlântica, a jabuticabeira está presente em outros países da américa latina, como México e Argentina. E o vocábulo "saudade" tem similares em espanhol (soledad), no catalão (soledat) e em várias outras línguas neolatinas.

A originalidade portuguesa foi a extensão do termo a situações que não a "solidão devida à falta do lar". Para nós, "saudade" é algo como "a dor de uma ausência que temos prazer em sentir" — ou, na definição dos dicionaristas, um "sentimento melancólico devido ao afastamento de uma pessoa, uma coisa ou um lugar, ou à ausência de experiências prazerosas já vividas". Aliás, quem tem prazer em sentir dor é masoquista.

Não restam dúvidas de que o Brasil está longe de ser um país sério. A propósito, quem proferiu a célebre frase "le Brésil n’est pas un pays serieux", frequentemente atribuída ao general francês Charles de Gaulle, foi na verdade o diplomata brasileiro Carlos Alves de Souza Filho, genro do presidente Artur Bernardes. E quem disse que "O Brasil não é para principiantes" (ou para "amadores", conforme a versão dessa história) foi mesmo o saudoso maestro Tom Jobim (brasileiro até no nome).

Saudosistas não raro idolatram um passado que nunca existiu. No Brasil, alguns vão mais além: gente que nem sequer era nascida quando a eleição de Tancredo Neves pôs termo à ditadura militar diz "sentir saudades dos anos de chumbo" e (pasmem!) apoia o desgoverno do inquilino de turno do Planalto — uma aberração que apoiamos para evitar a volta do lulopetismo corrupto, sem imaginar, àquela altura, que estávamos removendo o pino de uma granada de efeito retardado, desarrolhando a garrafa que prendia um efrite (ou ifrit) megalômano, abrindo a caixa de Pandora, enfim, deixo por conta do freguês a escolha da melhor analogia.

Desde a posse, esse mau militar e parlamentar medíocre nada fez senão articular sua reeleição. Quanto aos inúmeros problemas que o país enfrenta (em parte pela incompetência chapada de seu mandatário de fancaria), sua excelência vem fazendo o que continuará a fazer se não for impedido — ou seja, o que ele disse ter feito para a CPI do Genocídio. E assim, de cagada em cagada, o cagão vai esmerdeando o lema chauvinista e enjoadinho que associou à sua campanha: "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos".

Conhecimentos não-empíricos, de segunda-mão, obtidos através de inexatos livros de História não autorizam quem quer que seja a pleitear volta dos fardados ao poder. A ditadura militar, instituída em março de 1964 com a deposição do então presidente João Goulart e a posse do marechal Humberto de Alencar Castello Branco se estendeu por intermináveis 21 anos, ao longo dos quais ocuparam o Palácio do Planalto os generais Costa e SilvaMédici, Geisel e Figueiredo, nessa ordem. 

Em 1968, o “linha-dura” Costa e Silva decretou o AI-5, produzindo um elenco de ações arbitrárias de efeitos duradouros que prevaleceram durante o período mais repressivo do governo militar. Em 1974, Geisel deu início ao lento processo de abertura que poria fim, 11 anos depois, ao regime de exceção com a eleição (indireta) de Tancredo Neves — o primeiro presidente civil em mais de duas décadas (que baixou ao hospital 12 horas antes da cerimônia de posse e morreu 38 dias e 7 cirurgias depois).

O fim da ditadura não foi uma “consequência natural do espírito democrático” de Geisel e Figueiredo nem tampouco transcorreu sem turbulências e acidentes de percurso. Aliás, o processo de abertura só foi concluído devido a manifestações populares pró-diretas que reuniram, em 1983, cerca de 1,5 milhão de pessoas na Candelária (na Cidade Maravilhosa) e 1 milhão no vale do Anhangabaú (em Sampa). A mais emblemática delas lotou a Praça da Sé (também na capital paulista), em janeiro de 1984, com 300 mil pessoas carregando faixas e vestindo camisetas onde se lia a inscrição “EU QUERO VOTAR PARA PRESIDENTE”.

Observação: Os manifestantes apareceram espontaneamente para ouvir e aplaudir líderes como Ulysses Guimarães, Tancredo NevesLeonel Brizola, Fernando Henrique Cardoso, Lula e outros políticos, além de artistas e intelectuais que se revezavam ao microfone. Em meados dos anos 1980, a Internet ainda era uma ilustre desconhecida e as redes sociais só surgiriam e se popularizariam quase duas décadas depois.

A “Revolução de 1964” — cuja data comemorativa é 31 de março — foi um golpe de Estado desfechado na madrugada de 1º de abril, quando líderes civis e militares conservadores derrubaram Jango — a pretexto de afastar do poder um grupo político que supostamente flertava com o comunismo. Nos movimentos pró “Diretas Já”, pugnava-se pela aprovação da emenda constitucional Dante de Oliveira, que visava restaurar o direito às eleições diretas, que havia sido suspenso pelos militares. No dia da votação, exatos 20 anos depois do golpe, uma manobra de bastidores tirou da Câmara 112 deputados. A despeito do clamor das ruas, a emenda foi rejeitada — em outras palavras, o povo foi traído (mais uma vez) pela classe política, o câncer social que, infelizmente, é um mal necessário.

O desgaste do governo propiciou a eleição (indireta) de Tancredo Neves, que venceu Paulo Maluf no Colégio Eleitoral (por 480 votos a 180), depois de unir o PMDB à chamada Frente Liberal, formada por dissidentes do PDS, que dava sustentação ao governo militar. Em janeiro de 1985, o então deputado federal Ulysses Guimarães — que chegou a ser cogitado para disputar a presidência da República pelo PMDB contra o pedessista Maluf, mas acabou sendo preterido pela chapa “mista” formada com o PFL de Sarney — entregou a Tancredo o programa denominado Nova República, que previa eleições diretas em todos os níveis, educação gratuita, congelamento de preços da cesta básica e dos transportes, entre outras benesses.

Com esperança e ânimos redobrados, os brasileiros ansiavam pela chegada do dia 15 de março, data prevista para a posse do primeiro presidente civil depois de 21 anos e, consequentemente, a volta dos militares às casernas. Mas o que deveria ser a festa da democracia se transformou em luto nacional: Tancredo foi internado 12 horas antes da cerimônia de posse morreu 38 dias e 7 cirurgias depois. O sepultamento do político — em São João Del Rey (MG) — produziu um dos maiores cortejos fúnebres já vistos no país: o féretro foi seguido por mais de 2 milhões de pessoas por São Paulo, Brasília e Belo Horizonte, a caminho da cidade natal daquele que foi, sem jamais ter sido, o maior presidente do Brasil.

Após algumas discussões jurídicas sobre a possibilidade de o então presidente da Câmara dos Deputados (Ulysses Guimarães) ser guindado ao Palácio do Planalto, prevaleceu o entendimento de que o rebotalho do coronelismo nordestino José Sarney, vice na chapa de Tancredo, deveria assumir a Presidência. E foi o que aconteceu, para o bem e para o mal.

Sem embargo, há por estas bandas gente que — repito — sequer era nascida quando a eleição de Tancredo marcou o fim da ditadura, mas se diz saudosa dos "anos de chumbo". E tudo indica que essa escumalha comparecerá em peso às manifestações pró-governo marcadas para o próximo dia 7. Quem viver verá que haverá, então, mais jovens rinchando bestagens do que sessentões — que cresceram e adolesceram em meio à ditadura — defendendo o fechamento do Congresso e a prisão dos ministros do STF, entre outras sandices.

Longe de mim passar a impressão de que, em minha desvaliosa opinião, nossos parlamentares façam jus a rasgados elogios. E o mesmo se aplica a atual composição da mais alta corte de Justiça tupiniquim. Como instituições, tanto a Presidência da República quanto o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal merecem nosso mais profundo respeito. Mas daí a dizer que o atual chefe do Executivo (assim como os que o precederam desde a "redemocratização"), os 513 deputados federais, os 81 senadores e os 10 togados supremos (seriam 11 se alguém já tivesse ocupado a vaga aberta com a aposentadoria do primo de Collor) merecem o mesmo tratamento é confundir alhos com bugalhos.

Observação: Confundir alhos com bugalhos é o mesmo que trocar as bolas, ou, por extensão, meter os pés pelas mãos. O que muita gente não sabe é que bugalhos são bulbos comestíveis de textura semelhante à do alho, cujo formato de pênis inspirou um fado que os marujos lusitanos cantavam nos tempos de Cabral: “Não confundas alhos com bugalhos / Nem tampouco bugalhos com caralhos”.

Retomando o fio da meada, ou melhor, remetendo ao título desta postagem — que tomei emprestado do artigo publicado por Ricardo Rangel em Veja — e que transcrevo mais adiante —, há coisa que parecem acontecer somente no Brasil (e ainda dizem que Deus é brasileiro!).

Ao contrário do que escreveu Karl Marx, a história nem sempre se repete como tragédia ou farsa. Às vezes — para o bem ou para o mal — ela reproduz fielmente o passado.

A julgar pelo exercício de futurologia que institutos como Datafolha, Ibope, Vox Populi, Paraná Pesquisas e assemelhados chamam de pesquisas de intenções de voto, o ex-presidiário travestido de "ex-corrupto" e o maníaco que (ainda) ocupa o Palácio do Planalto abrilhantarão o segundo turno do pleito presidencial de 2022. E a menos que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, o picareta dos picaretas fará picadinho do capitão despirocado. Ao que parece, tudo depende do que acontecer no próximo dia 7 (vide postagem anterior). Enfim, quem viver verá. Enquanto isso, passo a palavra a Rangel.  

O presidente da República declarou que o Supremo não tem direito de abrir inquérito de ofício. O governo federal entrou com ação no Supremo pedindo ao Supremo que revogue o artigo do regimento interno do Supremo que permite ao Supremo que abra inquérito de ofício.

O advogado do presidente da República cantou uma mulher casada e fugiu correndo quando o marido da mulher o perseguiu com uma faca.

O presidente da República convocou para o golpe (que ele chama de “contragolpe”). Quando a convocação vazou, irritou-se.

Um cantor convocou para o golpe. Quando a convocação vazou, declarou-se magoado, triste, depressivo e chorou em entrevista. Ao sofrer busca e apreensão, declarou que não tem medo de ir para a cadeia, que não é frouxo, não é mulher. E novamente pediu desculpas em nova entrevista, desta vez na cama.

Um deputado aventou a hipótese de que o cantor tenha usado dinheiro público para comprar uma prótese peniana. O líder da associação dos produtores de soja desmentiu o cantor, que havia citado seu nome como participante do golpe, e deu como explicação a hipótese de ele ter “tomado umas pingas”. Após sofrer busca e apreensão, o líder desfilou com tratores na porta da Polícia Federal.

O presidente da República entrou com ação de impeachment contra ministro do Supremo.

Um comediante fez ameaças aos ministros do Supremo e pediu o fechamento do tribunal e do Congresso.

Vários coronéis da PM, inclusive um da ativa, comandante de cinco mil homens, convocaram para o golpe — que tem data, hora e local marcados com um mês de antecedência e conhecidas pelo público.

Os militares avisaram que não vão poder comparecer.

EM TEMPO: Na manhã do último sábado, durante o 1° Encontro Fraternal de Líderes Evangélicos de Goiás, nosso indômito capitão compartilhou com a récua de muares que vão ao Nirvana com suas bolsonarices a seguinte profecia: "Eu tenho três alternativas para o meu futuro: estar preso, estar morto ou a vitória. Pode ter certeza de que a primeira alternativa não existe. Estou fazendo a coisa certa e não devo nada a ninguém. Sempre onde o povo esteve, eu estive". Esqueceu-se sua excelência de uma quarta possibilidade, que, pelo andar da carruagem, tende a ser a mais provável: a derrota.

No âmbito judicial, Bolsonaro é investigado em cinco inquéritos. O assim chamado inquérito das fake news, que tramita no STF, investiga um esquema de disseminação sistemática e organizada de informações falsas com o objetivo de fragilizar as instituições e a democracia. Outro inquérito, no TSE, investiga o mandatário por ataques sem provas às urnas eletrônicas e tentativa de deslegitimar o sistema eleitoral brasileiro. Além disso, nos últimos dias, aliados do presidente foram alvo de operações contra atos ofensivos à democracia e às instituições do Estado.

Bolsonaro também enfrenta desgaste nos campos político e econômico, com inflação, desemprego e pobreza em alta, e o risco de apagão no fornecimento de energia elétrica, diante do baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas. Em Goiânia, ao lado de líderes evangélicos, o presidente discursou por cerca de 20 minutos. No fim, disse: "Deus me colocou aqui, e somente Deus me tira daqui", repetindo uma frase já comum em declarações do presidente. Já do lado de fora da igreja, tirou fotos com apoiadores e tomou caldo de cana. Depois de falar com o público, ele se encontrou com políticos e empresários de Goiás em um local onde foram colocadas tendas e montado um palco. 

Alea jacta est.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

RETROSPECTIVA — TERCEIRA PARTE

Conhecimentos não-empíricos, como os obtidos através de inexatos livros de História, não autorizam ninguém a pleitear volta dos fardados ao poder. 

A ditadura instituída pela assim chamada Revolução de 1964 foi um golpe militar desfechado na madrugada de 1º de abril, quando líderes civis e militares conservadores depuseram o então presidente João Goulart e empossaram o marechal Humberto de Alencar Castello Branco, a pretexto de afastar do poder um grupo político que supostamente flertava com o comunismo. 

Em 1968, o “linha-dura” Costa e Silva decretou o AI-5, produzindo um elenco de ações arbitrárias que prevaleceram durante o período mais repressivo do regime. Em 1974, Geisel deu início ao lento processo de abertura que poria fim, dali a 11 longos anos, à malfadada ditadura — que se estendeu por intermináveis 21 anos, durante os quais, além de Castello, outros quatro generais presidiram o país, a saber: Costa e SilvaMédiciGeisel Figueiredo

O desgaste do governo militar propiciou a eleição (indireta) de Tancredo Neves, que derrotou Paulo Maluf no Colégio Eleitoral (por 480 votos a 180), em 15 de janeiro de 1985, graças à união do PMDB com a chamada Frente Liberal (formada por dissidentes do partido que dava sustentação ao militares). 

O fim da ditadura não foi uma “consequência natural do espírito democrático” dos generais Geisel e Figueiredo, e tampouco transcorreu sem turbulências e acidentes de percurso. O processo só foi concluído graças a manifestações populares pró-diretas que reuniram cerca de 1,5 milhão de pessoas na Candelária e 1 milhão no Vale do Anhangabaú. A mais emblemática delas lotou a Praça da Sé, em janeiro de 1984, com 300 mil pessoas carregando faixas e vestindo camisetas onde se lia a inscrição “EU QUERO VOTAR PARA PRESIDENTE”.

ObservaçãoOs movimentos pró “Diretas Já” pugnavam pela aprovação da emenda constitucional Dante de Oliveira, que visava restaurar o direito às eleições diretas. Os manifestantes apareceram espontaneamente para ouvir e aplaudir líderes políticos do quilate de Ulysses GuimarãesTancredo NevesLeonel BrizolaFernando Henrique Cardoso e Lula, além de artistas e intelectuais que se revezavam ao microfone. Em meados dos anos 1980, a Internet ainda era uma ilustre desconhecida, e as redes sociais só surgiriam e se popularizariam quase duas décadas depois.

O deputado Ulysses Guimarães, então presidente da Câmara, entregou a Tancredo o programa denominado Nova República, que previa eleições diretas em todos os níveis, educação gratuita, congelamento de preços da cesta básica e dos transportes, entre outras benesses.

Com esperança e ânimos redobrados, os brasileiros ansiavam pela chegada do dia 15 de março — data prevista para a posse do primeiro civil na Presidência em 21 anos. Mas o que deveria ser a festa da democracia se transformou em luto nacional: Tancredo foi internado 12 horas antes da cerimônia e morreu 38 dias e 7 cirurgias depois, levando para o túmulo a esperança de milhões de brasileiros.

O sepultamento do político em São João Del Rey (MG) produziu um dos maiores cortejos fúnebres já vistos no país: o féretro foi seguido por mais de 2 milhões de pessoas por São Paulo, Brasília e Belo Horizonte, a caminho da cidade natal daquele que foi, sem jamais ter sido, o maior presidente do Brasil.

Após algumas discussões jurídicas sobre a possibilidade de o então presidente da Câmara ser guindado ao Palácio do Planalto, prevaleceu o entendimento de que o rebotalho do coronelismo nordestino José Sarney, vice na chapa vencedora, deveria assumir a Presidência. E foi o que aconteceu, para o bem e para o mal.

É no mínimo curioso o fato de que muita gente que nem era nascida quando a eleição de Tancredo marcou o fim da ditadura se diz saudosa dos "anos de chumbo". Essa caterva compareceu em peso nas manifestações de 7 de Setembro último, para beber as palavras golpistas de seu despirocado “mito”.

Enquanto os brasileiros não se conscientizarem de que voto é coisa séria — e não perceberam a força que têm —, continuaremos amargando agentes públicos fisiologistas, vendilhões e ladrões. E, guardadas as devidas proporções, o mesmo raciocínio vale para o Poder Judiciário.

Como instituição, tanto a Presidência da República quanto o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal merecem nosso mais profundo respeito. Mas daí a dizer que o atual chefe do Executivo (bem como os que o precederam desde a "redemocratização"), os 513 deputados federais, os 81 senadores e os 11 togados supremos merecem o mesmo tratamento é confundir alhos com bugalhos.

ObservaçãoConfundir alhos com bugalhos é o mesmo que trocar as bolas, ou, por extensão, meter os pés pelas mãos. O que muita gente não sabe é que bugalhos são bulbos comestíveis de textura semelhante à do alho, cujo formato de pênis inspirou um fado que os marujos lusitanos cantavam nos tempos de Cabral: “Não confundas alhos com bugalhos / Nem tampouco bugalhos com caralhos”.

Continua...

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

NÃO PODE DAR CERTO — SEXTA PARTE


O fim da ditadura militar não foi uma “consequência natural do espírito democrático” dos generais Ernesto Geisel e João Figueiredo, nem tampouco transcorreu sem turbulências e acidentes de percurso. Aliás, o processo de abertura só foi concluído devido a manifestações populares pró-diretas que, em 1983, reuniram cerca de 1,5 milhão de pessoas na Candelária (na Cidade Maravilhosa) e 1 milhão no vale do Anhangabaú (em Sampa). A mais emblemática delas lotou a Praça da Sé (também na capital paulista), em janeiro de 1984, com 300 mil pessoas carregando faixas e vestindo camisetas onde se lia a inscrição “EU QUERO VOTAR PARA PRESIDENTE”.

ObservaçãoOs manifestantes apareceram espontaneamente para ouvir e aplaudir líderes como Ulysses Guimarães, Tancredo NevesLeonel Brizola, Fernando Henrique Cardoso, Lula e outros políticos, além de artistas e intelectuais que se revezavam ao microfone. Em meados dos anos 1980, a Internet ainda era uma ilustre desconhecida e as redes sociais só surgiriam e se popularizariam quase duas décadas depois.

Os movimentos pelas “Diretas Já” pugnavam pela aprovação da Emenda Constitucional Dante de Oliveira, que visava restabelecer as eleições diretas suspensas pelos militares desde 1964. No dia da votação, exatos 20 anos após o golpe, uma manobra de bastidores tirou da Câmara 112 deputados. A despeito do clamor das ruas, a emenda foi rejeitada, ou por outra, o povo foi traído (mais uma vez) pela classe política, o câncer social que consideramos um mal necessário.

O desgaste dos militares propiciou a vitória de Tancredo Neves sobre Paulo Maluf  em 15 de janeiro de 1985. A raposa mineira derrotou o turco lalau por 480 votos a 180 num colégio eleitoral formado por deputados federais, senadores e delegados das Assembleias Legislativas dos Estados. O então presidente da Câmara, Ulysses Guimarães, que chegou a ser cogitado para disputar a presidência da República pelo PMDB, mas acabou preterido pela chapa “mista” formada com o PFL de Sarney, entregou a Tancredo o programa "Nova República", que previa eleições diretas em todos os níveis, educação gratuita, congelamento de preços da cesta básica e dos transportes, entre outras benesses.

Com esperança e ânimos redobrados, os brasileiros aguardavam ansiosamente o dia 15 de março, data prevista para a posse do primeiro presidente civil depois de 21 anos, mas o que deveria ser a festa da democracia transformou-se em luto nacional: Tancredo foi hospitalizado horas antes da cerimônia e dado como morto 38 dias e 7 cirurgias depois. Seu sepultamento em São João Del Rey (MG) produziu um dos maiores cortejos fúnebres já vistos no país: o féretro foi seguido por mais de 2 milhões de pessoas por São Paulo, Brasília e Belo Horizonte, a caminho da cidade natal daquele que foi, sem jamais ter sido, o maior presidente de toda a história republicana do Brasil.

Após embates jurídicos acerca da possibilidade de Ulysses ser guindado ao Palácio do Planalto, prevaleceu o entendimento de que o José Sarney, vice na chapa de Tancredo e expoente do coronelismo nordestino de cabresto, deveria assumir a Presidência, e foi o que aconteceu, para o bem e para o mal.

Oficialmente, o verdugo do Planalto é o 38º presidente desta desditosa banânia, que, também oficialmente (segundo dados da plataforma de monitoramento do ministério da Saúde) está prestes a superar 600 mil vítimas fatais da Covid — segundo diversos infectologistas, imunologistas e outros "istas", cerca de ¾ dessas mortes poderiam ter sido evitadas se o luminar do negacionismo que ainda ocupa a Presidência tivesse agido com um mínimo de competência no gerenciamento da pandemia, em vez de dar ouvidos a um bando de lunáticos desvairados, membros eméritos de um desprezível "gabinete paralelo", segundo o qual o mandatário de fancaria deveria apostar na imunidade de rebanho, cagar e andar para máscaras, isolamento e vacinas, como isso bastasse para a economia voltar a crescer e o projeto "reeleitoreiro" do rascunho do mapa do inferno se concretizar.

Antes de focar esse despresidente bizarro e sua desprezível caterva de apoiadores despirocados, há que dedicar alguns parágrafos à súcia de imprestáveis que presidiram esta banânia desde a redemocratização. Antes, porém, destaco algumas curiosidades:

A cidade de Salvador (BA) foi a capital deste arremedo de banânia entre 1549 e 1763. No Rio, o Palácio do Itamaraty sediou o Executivo Federal até 1897, quando Prudente de Moraes e seu staff passaram a ocupar o Palácio do Catete. A ideia de transferir o DF para o interior era antiga; em 1761, o Marques de Pombal fez essa sugestão, que José Bonifácio ressuscitou em 1823. Mas foi no final dos anos 1950, durante o governo de Juscelino Kubitschek, que Brasília foi construída do nada, no meio do nada, para ser o novo Distrito Federal, e o Palácio do Planalto, inaugurado em 21 de abril de 1960, a nova sede do governo federal.

O que pouca gente sabe é que Curitiba foi capital da República por três dias — de 24 e 27 de março de 1969 — e que, desde e o golpe militar que substituiu a monarquia parlamentarista pela república presidencialista, em 1899, o Brasil teve nove presidentes eleitos de forma direta dos quais apenas quatro completaram seus mandatos: Eurico Gaspar Dutra, vencedor daquela que é considerada a primeira eleição verdadeiramente democrática do Brasil, em 1945; Juscelino Kubitschek, eleito em 1955; Fernando Henrique Cardoso, eleito no primeiro turno dos pleitos de 1994 e 1998; e o "ex-corrupto" Lula, que se elegeu no segundo turno em 2002 e 2006. Dos outros cinco, Getúlio Vargas “foi suicidado” com um tiro no peito, digo, foi encontrado morto com um tiro no peito em 24 de agosto de 1954, após ser acusado de tramar um atentado contra o jornalista Carlos Lacerda e de 27 generais (sempre eles!) exigirem publicamente sua renúncia (sua "carta-testamento" se notabilizou pelas palavras finais: "saio da vida para entrar na História").

Em outubro de 1955, quando JK foi eleito, a ala conservadora, os militares, Café Filho — que passou de vice a titular com o “suicídio” de Vargas — e o presidente da Câmara Carlos Luz — que assumiu interinamente a Presidência com o afastamento de Café — urdiram um golpe de Estado para impedir a posse do presidente eleito. Assim que subiu de posto, Luz substituiu o general Henrique Lott pelo também general Álvaro Fiúza de Castro no comando do Ministério da Guerra. Sentindo o cheiro do golpe, Lott depôs Luz (que foi impichado em 11 de novembro, 4 dias após a posse) e alçou ao cargo o então presidente do Senado, Nereu Ramos. Assim, pela primeira vez na história, o Brasil teve três presidentes da República numa única semana.

 Continua...

sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

PONTOS A PONDERAR...

DE PENSAR MORREU UM BURRO.

Quem leu O Príncipe sabe que o bem deve ser feito aos poucos e mal, de uma só vez. Mas a récua de muares que atende por "eleitorado" certamente não leu, e repete a cada dois anos o que Pandora fez uma única vez.
 
Churchill ensinou que a democracia é a pior forma de governo, exceto por todas as outras já tentadas, mas ressaltou que o melhor argumento contra ela é uma conversa de cinco minutos com um eleitor mediano. Se tivesse conhecido o eleitor brasileiro, o estadista britânico certamente reduziria esse tempo para 30 segundos.

CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA

Em entrevista publicada pelo The New York Times, Bolsonaro disse que estava tão animado com o convite do Trump que nem ia mais tomar Viagra. Mas tomou na tarraqueta: horas depois, alegando que em diversas ocasiões o indiciado manifestou-se favoravelmente à fuga de condenados no caso do 8 de janeiro e admitiu em entrevista a UOL a hipótese de ele próprio "evadir-se e solicitar asilo político para evitar eventual responsabilização penal no Brasil", Moraes indeferiu o pedido de liberação de seu passaporte
O ministro anotou ainda que Zero Três, intermediário do convite da família Trump ao pai, também endossou a defesa da fuga de condenados. Na véspera, a PGR havia se manifestado contra a ida do capetão à posse de seu ídolo, sustentando que a viagem serve ao "interesse privado" do ex-presidente, em contraposição ao "interesse público", que "se opõe à saída do requerente do país". A defesa de Bolsonaro recorreu, mas Moraes manteve sua decisão
A manifestação de Gonet e as decisões de Xandão são prenúncios do que vem pela frente na excursão do refugo da escória da humanidade pelos nove círculos do inferno. Em outras palavras, o que o PGR e o supremo togado disseram foi que não convém fornecer material para a fuga de um ex-presidente da República que frequenta o inquérito do golpe como uma condenação criminal esperando na fila par acontecer. Nesse entretempoBolsonaro escalou Celso Vilardi, um dos criminalistas mais experientes do país, reforçar o time de defensores do indefensável.
 
Em momentos distintos da ditadura, Pelé Figueiredo alertaram para o risco de misturar brasileiros e urnas em eleições presidenciais. Ambos foram muito criticados, mas como contestá-los se lutamos tanto pelo direito de votar para Presidente e elegemos gente como Lula, Dilma, Bolsonaro?
 
Não se sabe como o Brasil estaria hoje se golpe de Estado de 1889 não acontecesse, Ou se a renúncia de Jânio Quadros não levasse ao golpe de 64 e subsequentes 21 anos de ditadura militar. Ou se Tancredo Neves não fosse internado horas antes de tomar posse e batesse as botas 38 dias e 7 cirurgias depois, levando para a sepultura a esperança de milhões de brasileiros e deixando de herança um neto que envergonharia o país e um vice que promoveu a anarquia econômica e administrativa que levou à vitória de um pseudo caçador de marajás sobre um desempregado que deu certo na eleição solteira de 1989.
 
Usamos o tempo verbal "futuro do pretérito" (chamado de "condicional" até 1959) para falar de eventos cuja concretização depende de uma condição ou para fazer pedidos de forma educada. Embora usemos as palavras "pretérito" e "passado" de forma intercambiável no dia a dia, elas possuem nuances diferentes. Assim, o futuro do pretérito é um futuro que poderia ter acontecido, mas não aconteceu porque estava condicionado a algo que não se concretizou. 
 
No imaginário nacional, Tancredo foi o melhor de todos os presidentes, já que, a exemplo da Viúva Porcina no folhetim Roque Santeiro, "foi sem nunca ter sido" — mutatis mutandis, é como nos discursos fúnebres, onde virtudes que o falecido nunca teve são exaltadas. Conta-se que um padre recém-ordenado assumiu sua paróquia um dia antes da morte do prefeito, que era corrupto, rabugento e malquisto pelos locais. Sem elementos para embasar a homília fúnebre, o batina exortou os presentes a relembrar as qualidades do "nosso querido alcaide". Como ninguém se manifestou, a viúva, constrangida, ponderou: "O pai dele era ainda pior."
 
Muita coisa podia dar errado no capítulo final da novela da ditadura. Em 1984, numa conversa com Henry Kissinger, o ainda presidente João Figueiredo confidenciou que uma parte das Forças Armadas apoiava a volta do governo civil e a outra parte estava disposta a tudo para evitar que "os esquerdistas tomassem o país". Figueiredo considerava Tancredo uma pessoa capaz e moderada, mas cercada e apoiada por muitos radicais de esquerda que talvez não conseguisse controlar. 
 
Como estaríamos hoje se Tancredo tivesse presidido o Brasil? The answer, my friends, is blowing in the wind. De 15 de janeiro de 1985 — quando a raposa mineira derrotou o turco lalau, que era apoiado pelos militares, por 480 a 180 votos de um Colégio Eleitoral composto por deputados federais, senadores e delegados das Assembleias Legislativas dos Estados — até 14 de março, quando baixou ao hospital, ecoaram rumores de que os militares não deixariam o presidente eleito tomar posse, e os boatos ganharam força depois o general Newton Cruz revelou que, a três meses da votação, Maluf o havia procurado para propor um golpe 
 
Alguns conspirólogos alardearam que Tancredo havia sido baleado enquanto assistia a uma missa na Catedral de Brasília (faltou luz durante a cerimônia, e alguns presentes disseram ter ouvido um tiro), outros, que ele havia sido envenenado por militares apoiados pela CIA (por uma estranha coincidência, seu mordomo morreu dias depois, vítima de complicações gastrointestinais). A alteração da causa mortis de "infecção generalizada" para "síndrome da resposta inflamatória sistêmica" deixou muita gente com a pulga atrás da orelha — lembrando que alguns anos antes o papa João Paulo I, com apenas 33 dias de pontificado, foi encontrado morto em seus aposentos (após tomar uma mui suspeita xícara de chá0.
 
Observação: No livro "In God's Name", David Yallop popularizou a tese de envenenamento, mas as evidências em que ele se escorou não foram confirmadas pelas investigações, que apontaram "infarto fulminante" como causa mortis. Outras teorias sugerem que o assassinato foi orquestrado por grupos maçônicos ou resultou de uma conspiração envolvendo cardeais que se opunham a suas ideias e às reformas que ele pretendia implementar no Banco do Vaticano. A falta de autópsia e de uma investigação transparente alimentou as teorias conspiratórias, mas a maioria delas se baseia em especulações, rumores e testemunhos duvidosos.
 
A posse de Sarney ecoou como a "gargalhada do diabo" nos estertores da ditadura — que só terminou três anos depois, com a promulgação da Constituição Cidadã, que distribuiu diretos a rodo sem apontar de onde viriam os recursos para bancá-los (e que foi remendada mais de uma centena de vezes em 136 anos, enquanto a constituição norte-americana, que tem apenas 7 artigos, recebeu 27 emendas em 237 anos).
 
Observação: A palavra "direito" é mencionada 76 vezes na Carta, enquanto "dever" aparece apenas quatro e "produtividade" e "eficiência". duas e uma vez, respectivamente. O que esperar de um país que tem 76 direitos, 4 deveres, 2 produtividades e 1 eficiência? Na melhor das hipóteses, uma política pública de produção de leis, regras e regulamentos que quase nunca guardam relação com o mundo real.
 
O último dos 5 generais-presidentes da ditadura — que dizia preferir o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo e que daria um tiro no coco se fosse criança e seu pai ganhasse salário-mínimo — se recusou a transferir a faixa para Sarney (faixa a gente transfere para presidente, não para vice, e esse é um impostor), lembrando que o obelisco da política de cabresto nordestina trocou a ARENA pelo MDB para integrar a chapa de oposição.

Sarney nem imaginava o tamanho da encrenca que seria assumir a presidência sem ter indicado os ministros nem participado da elaboração do plano de governo, mas herdado dos militares uma inflação de 220% a.a. Durante sua aziaga gestão, ele enfrentou mais de 12 mil greves e foi vítima de pelo menos um atentado. Em março de 1990, além da faixa presidencial, ele entregou a Collor uma superinflação de 1.800% a.a. e mudou seu domicílio eleitoral do Maranhão para o recém-criado estado do Amapá, onde conseguiu se eleger senador. Em 2014, aos 83 anos, deixou a vida pública para se dedicar à literatura em tempo integral — conta-se que um belo dia a governadora Roseana Sarney telefonou para informar que um dilúvio havia deixado metade do Maranhão debaixo d’água, e ouviu do pai a singela pergunta: "Sua metade ou a minha?
 
Tancredo, Ulysses e Covas lideraram a campanha pelas "Diretas Já", que reuniu mais de 1 milhão de pessoas no Anhangabaú em 1984. O movimento fracassou, mas o político mineiro foi escolhido pelo Colégio Eleitoral. Se ele, e não Sarney, tivesse presidido o Brasil de abril de 1985 a março de 1990, talvez a estabilidade econômica alcançada em 1994 com o Plano Real (conquista que Lula 3 vem tentando reverter) tivesse chegado mais cedo, livrando-nos dos nefastos planos Cruzado, Bresser, Verão e Collor.

Talvez Collor não se elegesse presidente e Lula assistisse à visita de Obama ao Brasil pela TV — sem à oposição ao "Rei-Sol", é possível que xamã da petralhada continuasse como deputado federal (cargo para o qual ele foi eleito em 1986) ou se aboletasse no Senado. Sem Collor, sem Zélia nem sequestro dos ativos financeiros e o congelamento da poupança, que derrubou quase à metade a venda de imóveis residenciais. 
Sem essas medidas heterodoxas e a sucessão de planos econômicos escorados no congelamento de preços e salários, a redução da miséria brasileira poderia ter começado muito antes, e hoje mais gente teria casa para morar.

Nada garante que seria assim, mas poderia ter sido. Só que não foi. 

Triste Brasil.

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

NÃO PODE DAR CERTO — QUINTA PARTE



Com o golpe de 1964, o AI-1 e Castello Branco no Planalto, iniciou-se a ditadura militar que só terminaria com a eleição indireta de Tancredo Neves (que foi hospitalizado horas antes da cerimônia de posse e declarado morto 38 dias e 7 cirurgias depois) e a posse do "coroné" José Sarney (a quem o general Figueiredo se recusou a transferir a faixa presidencial). Os 21 anos sob o comando dos fardados dividiram-se em três fase distintas: 1) O Disfarce Legalista para a ditadura (1964-1968), os Anos de Terror de Estado (1969-1978) e a Reabertura Política (1979-1985).

Vale destacar que o mundo vivia um clima de animosidade política devido à Guerra Fria, e que os EUA contribuíram sobremaneira para a deposição de Jango (tido e havido como comunista) e o término do curto período democrático (de 1946 a 1964) que o Brasil viveu com o fim do Estado Novo de Getúlio Vargas. Com a consolidação do golpe e a assunção do governo provisório, o presidente deposto se exilou no Uruguai. Sob a égide dos fardados, intensificam-se as perseguições políticas, a censura, as torturas e o desaparecimento de uma miríade de pessoas — assassinadas a mando dos milicos. 

O Ato Institucional nº 5, decretado em dezembro de 1968, deu início aos chamados "anos de chumbo" — período mais repressivo da ditadura militar, que se estendeu até o final do governo Médici, em março de 1974, durante o qual era comum jornalistas serem demitidos por criticarem o governo (alguns, como Vladimir Herzog, foram covardemente assassinados).

Observação: Limitados pela Constituição de 1946, os militares precisavam de instrumentos legais para aplicação de suas ações políticas, e assim surgiram os Atos Institucionais, que "pairavam" acima da própria Constituição. Entre os anos de 1964 e 1969, foram decretados nada menos que 17 atos institucionais. O AI-2 instituiu a eleição indireta para presidente e o AI-4 convocou o Congresso para a construção de uma nova Constituição, afinada com os ideais dos militares no poder, mas foi o AI-5 que conferiu ao presidente de turno o poder de suspender direitos políticos, cassar mandatos, fechar o Congresso, e por aí afora. Não à toa, o AI-5 foi considerado um “golpe dentro do golpe”, já que foi gestado e parido por segmentos específicos dentro das FFAA.

Uma parcela substantiva da imprensa apoiou o golpe de 1964, mas esse apoio foi se desvanecendo à medida em que o regime foi endurecendo. A Constituição de 1967, promulgada às vésperas da decretação do AI-5, instituiu o Ministério Público — o que poderia ser considerado um avanço não fosse o fato de o órgão ser subordinado ao Executivo Federal. Já a Constituição Cidadã, de 1988, mudou essa história, mas a dupla Bolsonaro/Aras reverteu-a ao status quo ante, ainda que de modo informal.

Durante a "longa noite de 21 anos" (de 1964 a 1985), governaram o Brasil cinco presidentes-generais. Humberto de Alencar Castello Branco, "eleito" no dia 11 de abril de 1965 e empossado no dia 15; Costa e Silva, que governou de 1967 a 1969; Médici, de 1969 a 1974; Geisel, de 1974 a 1979; e Figueiredo, de 1979 a 1985. Por ocasião da cassação de Jango, em 2 de abril de 1964, Ranieri Mazzilli foi reconduzido ao cargo, mas sua segunda passagem pela presidência durou míseros 13 dias.

Em 31 de agosto de 1969, Costa e Silva se afastou da presidência devido a uma trombose, mas os ministros militares impediram a posse do vice, Pedro Aleixo, que havia se posicionado contra a edição do AI-5 e elaborado uma revisão da Constituição de 1967 — seu mandato foi extinto pelo AI-16, decretado em 14 de outubro de 1969.

O descontentamento com a ditadura se intensificou em meados dos anos 1970, quando começaram a pipocar os primeiros movimentos pelo fim do regime de exceção (cito as greves operárias no ABC Paulista, de 1978 a 1980, e o movimento das Diretas Já, em 1983). Coube a Geisel dar início ao processo de reabertura política lenta, gradual e segura, que se consumou com a eleição indireta de Tancredo, em 1985, e a promulgação da Constituição Cidadã, em 1988.

Como o lobo, que perde o pelo mas não larga o vício, Jânio se candidatou ao governo de São Paulo no ano seguinte ao da sua renúncia, mas foi derrotado por Adhemar de Barros e teve seus direitos políticos cassados pela ditadura militar. Em 1978, já apto a disputar eleições, o ex-presidente manifestou a intenção de concorrer à sucessão de Paulo Maluf — gatuno de marca maior, que passou uma temporada na Papuda, mas foi despachado para casa graças ao bom coração do ministro Dias Toffoli — ao governo de São Paulo.

Jânio se filiou ao PTB, que deixou 7 meses depois, para ingressar no PMDB. Como sua filiação foi recusada pela executiva nacional da sigla, ele votou ao PTB e tornou a disputar o governo de São Paulo em 1982, quando foi derrotado por André Franco Montoro. Com o fim da ditadura, o manguaceiro declarou apoio a Tancredo Neves e venceu Fernando Henrique Cardoso e Eduardo Suplicy na disputa pela prefeitura de Sampa, contrariando os prognósticos dos institutos de pesquisa. FHC, na condição de primeiro colocado nas sondagens, chegou a tirar uma foto sentado na cadeira de prefeito (que foi publicada pela Revista Veja). Na cerimônia de posse, Jânio fez questão de ser fotografado com um tubo de inseticida nas mãos para, segundo ele, desinfetar a poltrona porque nádegas indevidas a usaram".

Em sua derradeira empreitada político-administrativa, Jânio repetiu seus lances populistas habituais: pendurou uma chuteira em seu gabinete (para ilustrar o suposto desinteresse em prosseguir na política), proibiu o uso de sunga e de biquini fio-dental no Parque do Ibirapuera (onde ficava a sede da prefeitura), obrigou a direção da Escola de Balé do Teatro Municipal a expulsar alunos tidos como homossexuais, mandou publicar no Diário Oficial do Município os “bilhetinhos” que enviava a seus assessores, aplicou multas de trânsito pessoalmente, posou para a imprensa com a camisa do Corinthians e fechou os oito cinemas que iriam exibir o filme A Última Tentação de Cristo, de Martin Scorsese, por considerar a obra desrespeitosa à fé cristã.

Jânio adotou posturas autoritárias em diversas situações. Seu governo foi marcado por insatisfações de vários setores do funcionalismo público, materializadas através de greves e protestos nas proximidades de seu gabinete, aos quais quase sempre respondia com demissões em massa. Também se mostrou inflexível diante de manifestações de movimentos sociais (como o MST). Por outro lado, ele criou a Guarda Civil Metropolitana — para reforçar o policiamento na cidade, embora seus adversários o acusassem de utilizá-la como mais um de seus instrumentos de repressão.

Jânio se afastou diversas vezes do cargo para cuidar tanto da própria saúde quanto da saúde da mulher, Dona Eloá (falecida em 1990). Ao fim de sua gestão, quando já se encontrava desgastado perante a opinião pública (apenas 30% dos paulistanos aprovaram sua administração), foi acusado pelo então vereador Walter Feldmann de manter uma conta bancária na Suíça. Nas eleições de 1988, apoiou João Leiva, embora Mellão Neto e Mastrobuono, integrantes de seu secretariado, disputassem a sucessão. Dada a vitória da então petista Luíza Erundina, ele deixou o cargo dias antes do final do mandato para passar o réveillon em Londres (cidade pela qual era apaixonado), mas não sem antes incumbir seu Secretário dos Negócios Jurídicos, Cláudio Lembo, de transferir o bastão para a maior calamidade travestida de alcaide paulistano que esta cidade já viu (noves fora Fernando Haddad).

Com a saúde debilitada — em parte devido à manguaça, da qual era fã incondicional —, Jânio declinou do convite do PSD para disputar a presidência da República em 1989, preferindo apoiar o pseudo caçador de marajás — um populista como ele, como viríamos a descobrir mais adiante, da pior forma possível. Naquele mesmo ano, Jânio anunciou sua aposentadoria definitiva da política. A morte de Dona Eloá, no ano seguinte, contribuiu para agravar ainda mais seu estado de saúde do velhote, que passou os últimos meses de vida entre casas de repouso e quartos de hospitais e acabou falecendo no Hospital Israelita Albert Einstein, em 16 de fevereiro de 1992, em estado vegetativo decorrente de três derrames cerebrais.

Jânio deixou de herança para a filha cerca de 70 imóveis. Ironicamente, Dirce “Tutu” Quadros chegou o pai por corrupção — e ela parecia saber das coisas: durante a Operação Castelo de Areia, a PF revelou que Jânio tinha US$ 20 milhões em uma conta secreta na Suíça. Em agosto de 1991, exatos 30 anos após abrir mão da Presidência, Jânio confidenciou ao neto (no mesmo leito do hospital onde viria a falecer dali a menos de 6 meses) os verdadeiros motivos de sua renúncia — não sem antes definir a presidência como “a suprema ironia, pois por um lado era um inferno, mas por outro era melhor que um orgasmo”). Em entrevista concedida ao Fantástico em 1999, Jânio Quadros Neto revelou o "segredo de Polichinelo". 

Continua...

terça-feira, 21 de setembro de 2021

COISAS DO BRASIL (PARTE II)

 

Albert Einstein dizia que o universo e a estupidez humana são infinitos (mas, no tocante ao universo, ele não estava 100% convencido) e Karl Marx, que a história sempre se repete como tragédia ou farsa. Diante de tanta estupidez, fica mais difícil a cada dia distinguir tragédia de farsa num país em que o passado se harmoniza em toda a sua mediocridade.

Se há um elemento que não se pode subestimar, atualmente, é o limite da estupidez humana. Vivesse no Brasil de hoje e não na França do século XVII, Descartes teria dito “penso, logo desisto” em vez de “penso, logo existo”. Como não há nada mais frustrante do que tentar ver a realidade sob o prisma da lógica, o pensamento cartesiano foi descartado. 

Nas manifestações do último dia sete (e em outros protestos antidemocráticos que aconteceram antes delas), bolsonaristas boçais pugnavam pela volta dos "anos de chumbo" — um passado que a maioria deles jamais conheceu e, portanto, não sabe (ou sabe apenas pelos livros de história) o que foi a ditadura militar implementada pelo golpe de Estado de 1964. Em atenção a essa récua, relembro que a renúncia de Jânio Quadros (em 25 de agosto de 1961) deu azo à malsucedida experiência parlamentarista que resultou na deposição do vice de Jânio,  João Goulart e guindou ao Planalto o marechal Humberto de Alencar Castello Branco

Ao longo dos 21 anos seguintes, outros quatro estrelados presidiram esta banânia — Artur da Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici, Ernesto Beckmann Geisel e João Baptista de Oliveira Figueiredo, nessa ordem. Em 1974, porém, Geisel deu início a um lento processo de reabertura que propiciou a eleição (indireta) de Tancredo Neves (em 1995). Mas o fim da ditadura não foi uma “consequência natural do espírito democrático” do "alemão" e de seu sucessor, nem tampouco transcorreu sem turbulências e acidentes de percurso.

Em janeiro de 1985, o então deputado federal Ulysses Guimarães — que chegou a ser cogitado para disputar a Presidência pelo PMDB, mas acabou sendo preterido pela chapa “mista” formada com o PFL de Sarney — entregou a Tancredo um programa denominado Nova República, que previa eleições diretas em todos os níveis, educação gratuita, congelamento de preços da cesta básica e dos transportes, entre outras benesses.

Com esperança e ânimos redobrados, os brasileiros ansiavam pelo dia 15 de março — data prevista para a posse do primeiro presidente civil da "Nova República". Mas o que deveria ser uma festa da democracia transformou-se em luto nacional: Tancredo foi internado na véspera da cerimônia e faleceu 38 dias e 7 cirurgias depois — em 21 de abril, que, ironicamente, homenageia Tiradentes, o "Mártir da Independência".  

Depois de algumas discussões jurídicas sobre a possibilidade de o então presidente da Câmara Federal (Ulysses Guimarães) assumir o posto, foi acertado que José Sarney — vice na chapa de Tancredo — seria empossado. E foi o que aconteceu, conforme eu também já comentei em outras oportunidades.

O Brasil polarizado pelo execrável discurso lulista do "nós contra eles" vem reproduzindo uma frase que estava na boca de alguns saudosistas de tempos em que notícias sobre violência e economia em marcha lenta pareciam raras: “Na época dos militares era melhor”, dizem os que sequer tinham nascido e, portanto, ignoram a repressão e a filtragem de notícias negativas à ditadura.

Por alguma razão que escapa ao meu limitado entendimento, jovens apoiadores da tragédia em forma de gente que (ainda) ocupa o Palácio do Planalto parecem acreditar que no tempo do regime militar o Brasil era mais alentador — ideia que seu "mito" alimenta tecendo elogios aos anos de chumbo. Entre os argumentos mais utilizados por essa ospália está a conquista do "milagre econômico", que teria ocorrido entre 1968 e 1973.

De fato, naquela época o Brasil conseguiu crescer exponencialmente — cerca de 10% ao ano — e atingir, em 1973, uma marca recorde do PIB, que aumentou 14%. O avanço veio acompanhado de uma forte queda de inflação — a taxa medida na época pelo Índice Geral de Preço (IGP) caiu de 25,5% para 15,6% no período.

O que não se explica diante desse número, entretanto, é o fato de o crescimento ter sido muito bom para banqueiros e empresários, mas ruim para os trabalhadores. Para que o plano de crescimento funcionasse, os militares mudaram a fórmula que previa o reajuste da remuneração pela inflação, levando a perdas reais para a população em geral.

A melhora na atividade econômica se explica pela conjuntura mundial mais favorável, que oferecia crédito externo farto e barato e favorecia a criação de novos postos de emprego no mercado formal e a expansão do consumo interno. Mas o "milagre" se deveu principalmente ao dinheiro proveniente de multinacionais — que encontraram no Brasil um terreno propício para a expansão sob a tutela dos militares — e de empréstimos advindos de fundos internacionais.

Por outro lado, a concentração de renda também aumentou muito naquele período, fazendo com que a desigualdade social conhecesse atingisse patamares nunca antes alcançados, e os altos índices de crescimento do PIB não produziram uma melhora nos indicadores sociais — o índice Gini quase quadruplicou entre 1964 e 1977. E o investimento maciço dos governos militares na industrialização resultou no êxodo rural — segundo o IBGE, apenas 16% da população morava no interior do país em 2010).

Para equilibrar as contas públicas, controlar a inflação e desenvolver o mercado de créditos, a gestão de Castello Branco adotou um ambicioso programa de reformas (Plano de Ação Econômica do Governo) que criou diversos mecanismos de incentivo às exportações, mas foi no governo Médici, com Antonio Delfim Netto à frente do ministério da Fazenda, que o projeto econômico mirou o crescimento rápido, com destaque para indústria automobilística e grandes obras de infraestrutura, como a construção da Ponte Rio-Niterói (que começou em 1969 e foi inaugurada em 1974) e a nunca terminada Rodovia Transamazônica.

No início dos anos 1970, a crise do petróleo, resultante de conflitos entre países membros Opep, elevou o preço do barril de US$ 3 para US$ 11,60, castigando drasticamente países importadores, como era o caso do Brasil, e quebrando o modelo econômico baseado no alto endividamento externo. Como a estabilidade econômica era um argumento essencial para a manutenção do governo militar, os economistas chapa-branca decidiram que o país deveria continuar crescendo a qualquer custo, ainda que se endividando cada vez mais.

Foi nesse cenário que o Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (IIPND), mais ousado que o primeiro, investiu especialmente na criação e expansão de empresas estatais. A Petrobrás, por exemplo, ganhou subsidiárias, e a usina hidrelétrica de Itaipu foi construída, visando tornar o país independente da importação de energia, gerar renda através da produção própria e se valer de parte dessa renda para quitar a dívida externa.

Como o imprevisível costuma ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, a crise se prolongou além do previsto e a conta do crescimento baseado em um alto grau de endividamento ficou para a redemocratização. Quando os fardados voltaram para a caserna, em 1984, a dívida externa tupiniquim representava 54% do PIB — vinte anos antes, por ocasião do golpe militar, esse percentual correspondia a 15,7% do PIB. Como não poderia deixar de ser, a inflação disparou, chegando a 223% em 1985 e a 1782% durante o malfadado governo Sarney.

Outro falácia tão escabrosa quanto a de ter acabado com a Lava-Jato porque não existe mais corrupção no governo é a de que não havia corrupção durante a gestão dos militares. No mundo real atual, o sem-número de fatos que estão apurados por investigações que miram Bolsonaro e quatro de seus cinco filhos, as relações promíscuas do clã-presidencial com milicianos e toda sorte de cambalachos descobertos pela CPI do Genocídio falam por si. 

No mundo real dos tempos de antanho, foi durante a ditadura militar que as relações espúrias entre órgãos públicos e interesses privados mais floresceram, tanto porque não havia investigação quanto porque os censores chapa-branca não permitiam a publicação de notícias desfavoráveis ao governo. 

Mas isso é conversa para a próxima postagem. 

terça-feira, 8 de setembro de 2020

TRISTE É A NAÇÃO QUE PERDEU A CAPACIDADE DE SE INDIGNAR

NÃO HÁ ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL. O BRASIL É UMA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA.

Não sei se a frase de abertura está mais para sinédoque ou para metonímia, pois há quem considere a sinédoque uma variedade de metonímia em que ora se toma a parte pelo todo, ora o todo pela parte. Mas essa dúvida se torna uma questão de relevância menor diante de nossa incapacidade de reagir com indignação à triste constatação que a frase em questão expressa.

Observação: Sinédoque é uma figura de linguagem similar à metonímia e, às vezes, considerada apenas uma variação desta. A palavra “sinédoque” se origina do termo grego συνεκδοχή, que significa "entendimento simultâneo" e consiste na atribuição da parte pelo todo ou do todo pela parte. Trata-se, em suma, de empregar uma palavra fora de seu contexto semântico normal, dada a sua contiguidade (e não a similaridade) material ou conceitual com outra palavra, ou seja, de uma substituição lógica de um termo por outro, mas mantendo-se uma proximidade entre os sentidos de ambos. Na metonímia, um termo substitui outro não porque nossa sensibilidade estabelece uma relação de semelhança entre eles (que é o caso da metáfora), mas porque existe uma relação de contiguidade entre o sentido de um termo e o daquele que o substitui.

Hoje é 7 de setembro (o "hoje" a que me refiro é "o quando" estou escrevendo este texto), data em que comemoramos a independência do Brasil — proclamada pelo então príncipe regente Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, quando, acometido de poderosa caganeira, esvaziava os intestinos atrás de uma moita, às margens do córrego do Ipiranga. Assim, em meio a uma pandemia que impediu a tradicional parada militar comemorativa, lá em Brasilha da Fantasia, mas não evitou que Bolsonaro desfilasse no Rolls, sem essa desagradável focinheira (cujo uso é compulsório, tanto lá quanto cá), e acompanhado de um magote de crianças, muitas delas também sem a focinheira, colho o ensejo para lamentar o cenário que se descortina diante de nossos olhos toda vez que assistimos ao noticiário.

A coisa não vem de hoje, mas de priscas eras, quiçá de quando Cabral (falo do Pedro Álvares, não do Sérgio) aportou no litoral da terra de Caymmi e João Gilberto — e do atual passador-de-pano-geral da República, pois nada é perfeito. Até porque a ideia que nos foi imposta pelos compêndios didáticos sobre os silvícolas que habitavam estas paragem à época do descobrimento não passa de uma versão romanceada da verdade — como quase tudo mais que nos foi ensinado nas aulas de História do Brasil. Duvida? Então dê uma olhada neste clipe:


Outros argumentos que sustentam minha tese recheiam a sequência que batizei como “DA PRAGA DA CASERNA AO CAPITÃO CAVERNA” e publiquei em 12 capítulos, entre os dias 6 de julho e 14 de agosto passados. Nela, eu faço um breve resumo dos excrementos que espalharam seu bodum pelos palácios do Itamaraty, do Catete e do Planalto desde a Proclamação da República — o primeiro dos muitos golpes de Estado que ocorreriam entre 1889 e 1964 (petistas apedeutas e descerebrados acrescentariam à lista o “golpe” que depôs a anta sacripanta em 2016, mas isso é assunto para outra hora).

A “Nova República” — como ficou conhecida a “era” iniciada com o fim da ditadura militar —, que deveria ser motivo de orgulho, tornou-se uma vergonha nacional, dada a sucessão de incompetências, roubalheiras e ironias do destino ocorridas os últimos 35 anos. A começar pela desditosa trajetória de Tancredo Neves, nosso primeiro presidente civil (eleito indiretamente, mas enfim...) depois que os militares voltaram para os quartéis.

Eleito em janeiro de 1985, o político mineiro baixou ao hospital em 14 março — horas antes da cerimônia de posse — e foi declarado morto 38 dias e 7 cirurgias depois (ironicamente, no feriado de Tiradentes, o “Mártir da Independência”). Assim, Tancredo levou para a tumba a esperança dos brasileiros, mas deixou de herança o donatário ad aeternum da capitania do Maranhão. Depois de uma execrável atuação à frente do Executivo tupiniquim, esse obelisco da velha política de cabresto maranhense (que perdura até hoje nas oligarquias nordestinas) foi sucedido pelo primeiro presidente eleito pelo voto direto desde 1960, quando o esclarecidíssmo eleitorado tupiniquim guindou ao recém-inaugurado Palácio do Planalto um populista manguaceiro, que renunciou uma semana antes de completar 7 meses no cargo.

À desventurada gestão do decrépito maranhense emendou-se a de um populista megalômano de direita que, travestido de caçador de marajás, derrotou o populista megalômano de esquerda que disputaria o Planalto outras 3 vezes até finalmente se eleger e, ato contínuo, cuspir — ou melhor, cagar — no prato em que comeu. O engomadinho emproado, que não passa de um reles aprendiz de batedor de carteiras quando comparado com o que revelariam mais adiante, sob a égide do demiurgo de Garanhuns e seus comparsas, os escândalos do mensalão e do petrolão, teve o desditoso mandato abreviado por um processo de impeachment (embasado nas denúncias de seu próprio irmão).

Às vésperas de completar 3 anos na Presidência, o caça-marajás fajuto foi condenado à perda do cargo (ao qual ele já havia renunciado para evitar a condenação, mas o Senado o condenou mesmo assim) e inabilitado para disputar eleições pelo período de oito anos. Graças à memória curta, à imensurável ignorância e à acachapante incompatibilidade do populacho tupiniquim com as urnas, esse anfisbena se elegeu senador e, a despeito de ser alvo de diversas investigações e réu no âmbito da ora agonizante Operação Lava-Jato, dificilmente será julgado antes de a prescrição fulminar novamente a pretensão punitiva do Estado ou de o Tinhoso chamá-lo para o devido acerto de contas.

Deixando de lado essas “edificantes” passagens da nossa história recente (sob pena de esta postagem ficar maior que apêndice nasal de político), cabe lamentar que a maioria dos quase 150 milhões de eleitores não passe de uma récua de muares, uma patética agremiação de idiotas incapazes de diferenciar o penico em que defecam da panela onde cozinham a macaxeira. 

Devido à desinformação, à ignorância e ao fanatismo dessa confraria de lorpas, a minoria pensante do eleitorado não teve opção, no pleito de 2018, senão apoiar o atual mandatário ou engrossar a respeitável ala dos 42 milhões que anularam o voto, votaram em branco ou se abstiveram de comparecer às urnas. E o pior que, a menos que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, esse mesmo cenário pode se repetir em 2022. Termos de votar em quem não queremos para impedir a vitória de quem queremos menos ainda é regra do jogo, mas apenas quando ocorre em caráter eventual. Quando essa mesma situação se repete a cada eleição, aí já é praga de madrinha, sina de quem cuspiu na Cruz e limpou o rabo com o Santo Sudário.

Ao capitão-cloroquina, que prometeu acabar com a reeleição, mas lançou-se candidato ao segundo mandato dias assim que embarcou no primeiro, contrapõe-se o criminoso de Garanhuns, que era ex-presidiário em Curitiba durante o pleito anterior, mas cuja canonização em vida alguns integrantes das nossas mais altas cortes de injustiça vêm defendendo com inacreditável obstinação. 

Há de aparecer uma terceira via, alguém que valha ao menos a merda que caga e que aglutine os cidadãos de bem, que hoje votariam no próprio Demo para se livrarem do clã Bolsonaro e, se possível, verem Lula marchar de volta para a cadeia — ou para o buraco imundo, no meio do nada, no fiofó do sertão de Pernambuco, de onde ele jamais deveria ter saído (com todo o respeito aos demais pernambucanos, que não têm culpa de nada, mas quem pariu Mateus que embale).

Tanto o pater familias do clã dos Bolsonaro quanto a pimpolhada com mandato parlamentar (01, 02 e 03) estão sob investigação da Justiça. A despeito de suas vergonhosas chicanas e maracutaias, não se descarta a possibilidade de algum deles vir a ser preso. Mesmo assim, os "bolsopetistas" enchem o peito para dizer que "em 20 meses deste governo ainda não surgiu uma única denúncia de corrupção". De que sanatório escapou essa cáfila de alienados?

A situação criminal de Flávio Bolsonaro mudou de patamar, escreveu o jornalista e comentarista político Josias de Souza em sua coluna. Até aqui, o primogênito do presidente vivia um processo de desnudamento progressivo, em camadas, e de repente ficou com as “vergonhas” totalmente expostas ao obter na Justiça a censura à TV Globo.

A pedido dos seus advogados, a juíza Cristina Serra Feijó, da 33ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro proibiu a emissora de veicular notícias sobre o inquérito sigiloso que tornou o Zero Um impróprio para menores de 99 anos. A título de justificativa, disse douta julgadora que tomou sua decisão para evitar que a “imagem de homem público” do parlamentar fosse afetada. Em que mundo vive essa gente?

"Acabo de ganhar liminar impedindo a #globolixo de publicar qualquer documento do meu procedimento sigiloso", celebrou Flávio nas redes sociais. Como disse Josias, alguém que chama de ‘meu procedimento’ uma investigação em que é acusado de peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e organização criminosa ou é um cínico ou é um tolo. "Não tenho nada a esconder e expliquei tudo nos autos", escreveu Flávio, como que decidido a esclarecer que o seu caso é mesmo de cinismo. "...As narrativas que parte da imprensa inventa para desgastar minha imagem e a do presidente Jair Bolsonaro são criminosas." De que buraco saiu essa matula?

Zero Um demora a notar que não precisa do auxílio da imprensa. Desmoraliza-se sozinho. Há vitórias que envergonham os vitoriosos, dignificando os vencidos. O problema não é a capacidade dos jornalistas de obter dados sigilosos. O que complica é a incapacidade do investigado de prover explicações.

A censura à Globo logo será revogada em instâncias superiores do Judiciário. Mas algumas reações oficiais precisam ser censuradas. Dias atrás, Bolsonaro manifestou o desejo de "encher de porrada" a boca de um repórter por causa de uma pergunta incômoda. Agora, Flávio esmurra a democracia recorrendo ao cerceamento da liberdade de imprensa.

"A Juíza entendeu que isso [o noticiário sobre a investigação] é altamente lesivo à minha defesa", trombeteou Flávio, antes de ameaçar: "Querer atribuir a mim conduta ilícita, sem o devido processo legal, configura ofensa passível, inclusive, de reparação." Ironia suprema: na campanha eleitoral, pai e filho surfaram na lama que escorria do petismo. Uma lama que chegava às manchetes graças ao trabalho da imprensa. Agora, queixam-se das trapaças da sorte.

Nos próximos dias, o Zero Um, o impoluto, será denunciado pelo Ministério Público. Ou costura meia dúzia de argumentos ou continuará nu em cena.