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sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

PONTOS A PONDERAR...

DE PENSAR MORREU UM BURRO.

Quem leu O Príncipe sabe que o bem deve ser feito aos poucos e mal, de uma só vez. Mas a récua de muares que atende por "eleitorado" certamente não leu, e repete a cada dois anos o que Pandora fez uma única vez.
 
Churchill ensinou que a democracia é a pior forma de governo, exceto por todas as outras já tentadas, mas ressaltou que o melhor argumento contra ela é uma conversa de cinco minutos com um eleitor mediano. Se tivesse conhecido o eleitor brasileiro, o estadista britânico certamente reduziria esse tempo para 30 segundos.

CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA

Em entrevista publicada pelo The New York Times, Bolsonaro disse que estava tão animado com o convite do Trump que nem ia mais tomar Viagra. Mas tomou na tarraqueta: horas depois, alegando que em diversas ocasiões o indiciado manifestou-se favoravelmente à fuga de condenados no caso do 8 de janeiro e admitiu em entrevista a UOL a hipótese de ele próprio "evadir-se e solicitar asilo político para evitar eventual responsabilização penal no Brasil", Moraes indeferiu o pedido de liberação de seu passaporte
O ministro anotou ainda que Zero Três, intermediário do convite da família Trump ao pai, também endossou a defesa da fuga de condenados. Na véspera, a PGR havia se manifestado contra a ida do capetão à posse de seu ídolo, sustentando que a viagem serve ao "interesse privado" do ex-presidente, em contraposição ao "interesse público", que "se opõe à saída do requerente do país". A defesa de Bolsonaro recorreu, mas Moraes manteve sua decisão
A manifestação de Gonet e as decisões de Xandão são prenúncios do que vem pela frente na excursão do refugo da escória da humanidade pelos nove círculos do inferno. Em outras palavras, o que o PGR e o supremo togado disseram foi que não convém fornecer material para a fuga de um ex-presidente da República que frequenta o inquérito do golpe como uma condenação criminal esperando na fila par acontecer. Nesse entretempoBolsonaro escalou Celso Vilardi, um dos criminalistas mais experientes do país, reforçar o time de defensores do indefensável.
 
Em momentos distintos da ditadura, Pelé Figueiredo alertaram para o risco de misturar brasileiros e urnas em eleições presidenciais. Ambos foram muito criticados, mas como contestá-los se lutamos tanto pelo direito de votar para Presidente e elegemos gente como Lula, Dilma, Bolsonaro?
 
Não se sabe como o Brasil estaria hoje se golpe de Estado de 1889 não acontecesse, Ou se a renúncia de Jânio Quadros não levasse ao golpe de 64 e subsequentes 21 anos de ditadura militar. Ou se Tancredo Neves não fosse internado horas antes de tomar posse e batesse as botas 38 dias e 7 cirurgias depois, levando para a sepultura a esperança de milhões de brasileiros e deixando de herança um neto que envergonharia o país e um vice que promoveu a anarquia econômica e administrativa que levou à vitória de um pseudo caçador de marajás sobre um desempregado que deu certo na eleição solteira de 1989.
 
Usamos o tempo verbal "futuro do pretérito" (chamado de "condicional" até 1959) para falar de eventos cuja concretização depende de uma condição ou para fazer pedidos de forma educada. Embora usemos as palavras "pretérito" e "passado" de forma intercambiável no dia a dia, elas possuem nuances diferentes. Assim, o futuro do pretérito é um futuro que poderia ter acontecido, mas não aconteceu porque estava condicionado a algo que não se concretizou. 
 
No imaginário nacional, Tancredo foi o melhor de todos os presidentes, já que, a exemplo da Viúva Porcina no folhetim Roque Santeiro, "foi sem nunca ter sido" — mutatis mutandis, é como nos discursos fúnebres, onde virtudes que o falecido nunca teve são exaltadas. Conta-se que um padre recém-ordenado assumiu sua paróquia um dia antes da morte do prefeito, que era corrupto, rabugento e malquisto pelos locais. Sem elementos para embasar a homília fúnebre, o batina exortou os presentes a relembrar as qualidades do "nosso querido alcaide". Como ninguém se manifestou, a viúva, constrangida, ponderou: "O pai dele era ainda pior."
 
Muita coisa podia dar errado no capítulo final da novela da ditadura. Em 1984, numa conversa com Henry Kissinger, o ainda presidente João Figueiredo confidenciou que uma parte das Forças Armadas apoiava a volta do governo civil e a outra parte estava disposta a tudo para evitar que "os esquerdistas tomassem o país". Figueiredo considerava Tancredo uma pessoa capaz e moderada, mas cercada e apoiada por muitos radicais de esquerda que talvez não conseguisse controlar. 
 
Como estaríamos hoje se Tancredo tivesse presidido o Brasil? The answer, my friends, is blowing in the wind. De 15 de janeiro de 1985 — quando a raposa mineira derrotou o turco lalau, que era apoiado pelos militares, por 480 a 180 votos de um Colégio Eleitoral composto por deputados federais, senadores e delegados das Assembleias Legislativas dos Estados — até 14 de março, quando baixou ao hospital, ecoaram rumores de que os militares não deixariam o presidente eleito tomar posse, e os boatos ganharam força depois o general Newton Cruz revelou que, a três meses da votação, Maluf o havia procurado para propor um golpe 
 
Alguns conspirólogos alardearam que Tancredo havia sido baleado enquanto assistia a uma missa na Catedral de Brasília (faltou luz durante a cerimônia, e alguns presentes disseram ter ouvido um tiro), outros, que ele havia sido envenenado por militares apoiados pela CIA (por uma estranha coincidência, seu mordomo morreu dias depois, vítima de complicações gastrointestinais). A alteração da causa mortis de "infecção generalizada" para "síndrome da resposta inflamatória sistêmica" deixou muita gente com a pulga atrás da orelha — lembrando que alguns anos antes o papa João Paulo I, com apenas 33 dias de pontificado, foi encontrado morto em seus aposentos (após tomar uma mui suspeita xícara de chá0.
 
Observação: No livro "In God's Name", David Yallop popularizou a tese de envenenamento, mas as evidências em que ele se escorou não foram confirmadas pelas investigações, que apontaram "infarto fulminante" como causa mortis. Outras teorias sugerem que o assassinato foi orquestrado por grupos maçônicos ou resultou de uma conspiração envolvendo cardeais que se opunham a suas ideias e às reformas que ele pretendia implementar no Banco do Vaticano. A falta de autópsia e de uma investigação transparente alimentou as teorias conspiratórias, mas a maioria delas se baseia em especulações, rumores e testemunhos duvidosos.
 
A posse de Sarney ecoou como a "gargalhada do diabo" nos estertores da ditadura — que só terminou três anos depois, com a promulgação da Constituição Cidadã, que distribuiu diretos a rodo sem apontar de onde viriam os recursos para bancá-los (e que foi remendada mais de uma centena de vezes em 136 anos, enquanto a constituição norte-americana, que tem apenas 7 artigos, recebeu 27 emendas em 237 anos).
 
Observação: A palavra "direito" é mencionada 76 vezes na Carta, enquanto "dever" aparece apenas quatro e "produtividade" e "eficiência". duas e uma vez, respectivamente. O que esperar de um país que tem 76 direitos, 4 deveres, 2 produtividades e 1 eficiência? Na melhor das hipóteses, uma política pública de produção de leis, regras e regulamentos que quase nunca guardam relação com o mundo real.
 
O último dos 5 generais-presidentes da ditadura — que dizia preferir o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo e que daria um tiro no coco se fosse criança e seu pai ganhasse salário-mínimo — se recusou a transferir a faixa para Sarney (faixa a gente transfere para presidente, não para vice, e esse é um impostor), lembrando que o obelisco da política de cabresto nordestina trocou a ARENA pelo MDB para integrar a chapa de oposição.

Sarney nem imaginava o tamanho da encrenca que seria assumir a presidência sem ter indicado os ministros nem participado da elaboração do plano de governo, mas herdado dos militares uma inflação de 220% a.a. Durante sua aziaga gestão, ele enfrentou mais de 12 mil greves e foi vítima de pelo menos um atentado. Em março de 1990, além da faixa presidencial, ele entregou a Collor uma superinflação de 1.800% a.a. e mudou seu domicílio eleitoral do Maranhão para o recém-criado estado do Amapá, onde conseguiu se eleger senador. Em 2014, aos 83 anos, deixou a vida pública para se dedicar à literatura em tempo integral — conta-se que um belo dia a governadora Roseana Sarney telefonou para informar que um dilúvio havia deixado metade do Maranhão debaixo d’água, e ouviu do pai a singela pergunta: "Sua metade ou a minha?
 
Tancredo, Ulysses e Covas lideraram a campanha pelas "Diretas Já", que reuniu mais de 1 milhão de pessoas no Anhangabaú em 1984. O movimento fracassou, mas o político mineiro foi escolhido pelo Colégio Eleitoral. Se ele, e não Sarney, tivesse presidido o Brasil de abril de 1985 a março de 1990, talvez a estabilidade econômica alcançada em 1994 com o Plano Real (conquista que Lula 3 vem tentando reverter) tivesse chegado mais cedo, livrando-nos dos nefastos planos Cruzado, Bresser, Verão e Collor.

Talvez Collor não se elegesse presidente e Lula assistisse à visita de Obama ao Brasil pela TV — sem à oposição ao "Rei-Sol", é possível que xamã da petralhada continuasse como deputado federal (cargo para o qual ele foi eleito em 1986) ou se aboletasse no Senado. Sem Collor, sem Zélia nem sequestro dos ativos financeiros e o congelamento da poupança, que derrubou quase à metade a venda de imóveis residenciais. 
Sem essas medidas heterodoxas e a sucessão de planos econômicos escorados no congelamento de preços e salários, a redução da miséria brasileira poderia ter começado muito antes, e hoje mais gente teria casa para morar.

Nada garante que seria assim, mas poderia ter sido. Só que não foi. 

Triste Brasil.

quinta-feira, 20 de julho de 2023

TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO — CONTINUAÇÃO


O grupo que agrediu o ministro Alexandre de Moraes e seu filho no aeroporto de Roma tropeçou na tênue linha que separa audácia de estupidez e caiu no Código Penal. A despeito da crescente exposição dos pés de barro do mito, a raiva difundida por ele continua inspirando uma base eleitoral de fanáticos. Ao migrar das redes sociais para o mundo real, a insensatez bolsonarista aumenta na proporção direta do potencial econômico dos agressores, enquanto a valentia dos agressores diminui à medida quando a polícia chega.

O Ministério da Justiça requisitou as imagens do circuito de câmeras do aeroporto, e elas devem chegar ao Brasil antes do final de semana. Confirmando-se a agressão, é imperioso punir os agressores. Paralelamente, Moraes precisa acender a luz dos processos estrelados por Bolsonaro. A impunidade do capitão estimula em seus seguidores o comportamento de vale-tudo.

A consistência das conclusões da PF sobre o episódio crescerá na proporção direta da nitidez das imagens captadas pelas câmeras do aeroporto da capital italiana. No estágio atual, porém, os indícios não favorecem os suspeitos. O casal Roberto Mantovani Filho e Andréia Mantovani disse que foi ofendido pelo filho do ministro (que também se chama Alexandre). 

A mulher admite que criticou Moraes por ter entrado numa sala VIP na qual eles não puderam entrar, mas diz que só o fez quando ele já não estava no local. O marido reconheceu ter "afastado com o braço" o filho do ministro, mas apenas para defender a esposa. O genro do casal teria se juntado à sogra nos xingamentos, mas nega qualquer participação nas agressões. Em suma, os três apresentaram alegações com o mesmo selo de qualidade das versões de Bolsonaro e dos seus milicianos digitais.

Moraes relatou à PF que a confusão começou quando Andreia o chamou de "bandido, comunista e comprado"; que Mantovani deu um tapa nos óculos de seu filho; que os agressores os seguiram até a sala VIP, onde a discussão continuou; e que alertou o grupo de que tiraria fotos de todos eles e representaria à PF. Até onde se sabe, o ministro não tem motivo para trocar sua reputação por um enredo mentiroso.

Sempre que Bolsonaro e seus devotos se apropriam de uma notícia, os fatos costumam se perder para sempre. No caso do incidente em Roma, a versão dos acusados é gelatinosa como o próprio Bolsonarismo.

***

O deputado Luís Eduardo Magalhães — filho de Toninho Malvadeza e forte candidato para a sucessão de Fernando Henrique em 2002 — morreu de enfarte aos 43 anos, em 1998. Para os conspirólogos, o político tinha um "estilo de vida saudável", e foi vítima de sua declarada disposição de desbaratar esquemas de corrupção quando e se fosse eleito presidente. Na verdade, ele era hipertenso, fumava dois maços de Charm por dia e havia trocado o uísque — que alterava sua pressão — pelo vinho branco, este pela vodca sueca, e esta por champanhe. Mas bastou o fato de sua morte ter ocorrido no feriado de Tiradentes — como a de Tancredo Neves, 13 anos antes — para ambos terem sido (supostamente) eliminados pelas mesmas pessoas e da mesma forma. 

Ulysses Guimarães morreu em 12 de outubro de 1992 — a menos de três meses do julgamento final do impeachment de Fernando Collor. O helicóptero em que ele e o senador Severo Gomes viajavam com as respectivas esposas caiu no mar, próximo à Costa Verde fluminense. Todos morreram, incluindo o piloto, mas somente os restos mortais do Sr. Diretas não foram encontrados.
 
Diversos fatos ocorridos durante e depois do impeachment de Collor permanecem envoltos em brumas misteriosas, mas é mais apropriado falar "maldição" (mais detalhes na sequência "Collor lá..."). Elma Farias, mulher de PC, morreu em julho de 1994; Pedro Collor morreu no final 1994; Leda Collor (a matriarca do clã) morreu no início do ano seguinte (depois de passar 29 meses em coma); PC Farias e a namorada, Suzana Marcolino, foram assassinados em junho de 1996; e por aí segue o cortejo fúnebre.
 
Na noite de 16 setembro de 1992, a duas semanas de seu afastamento, Collor reuniu num jantar regado a leitão assado e uísque nada menos que 60 deputados e quatro senadores da base governista. Em seu discurso para a claque, chamou oposicionistas de "cagões" e "bundões", classificou Ulysses Guimarães de "senil, esclerosado e bonifrate de interesses de grupos econômicos de São Paulo", e o presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro, de "canalha, escroque e golpista imoral". Disse ainda que José Sarney e a filha, Roseana, eram "ladrões da história." Sobrou até para a imprensa: "Essa imprensa de merda. Esses cagalhões vão engolir pela boca e pelo outro buraco o que estão falando contra mim." Ulysses reagiu: "Quando acaba a razão começa o grito. É a insânia".
 
A história do Brasil elenca diversas mortes misteriosas, que instigam o imaginário popular. Tem gente que aposta que JK foi assassinado a mando dos militares (detalhes na postagem do último dia 6), a exemplo de outros políticos de destaque malvistos pelos fardados, como Tancredo NevesJoão "Jango" Goulart e Carlos Lacerda.  Mas chama a atenção o fato de essas três mortes terem ocorrido no espaço de poucos meses. 

Exilado no Uruguai desde a deposição, Jango morreu de ataque cardíaco em dezembro de 1976, quatro meses depois do acidente que matou JK — conspirólogos sustentam que o vice de Jânio teria sido envenenado para evitar que ressurgisse o cenário político e causasse embaraço aos militares. Cinco meses depois, foi a vez de Lacerda, vitimado por uma infecção generalizada cuja origem nunca foi descoberta. Tancredo que baixou ao hospital horas antes da cerimônia de posse e morreu 38 dias e 7 cirurgias depois (para os teóricos da conspiração, a causa mortis foi envenenamento, e não diverticulite).
 
Esses episódios foram esmiuçados no romance-reportagem O beijo da morte, de Carlos Heitor Cony e Anna Lee, lançado em 2003 pela Editora Objetiva. "Apesar das provas existentes, que dão como natural a morte dos três líderes, sempre duvidei das conclusões oficiais, e não apenas nesse assunto, mas na história em geral, que é uma sucessão de casos obscuros e mal resolvidos", disse Cony, um dos mais respeitados escritores brasileiros, à época do lançamento do livro.
 
Fato é que nem todas essas teorias são falsas. Chegamos a um ponto em que as verdades que nos são apresentadas não são confiáveis — talvez jamais tenham sido. A questão que se coloca é: onde encontrar a verdade?
 
Continua... 

sexta-feira, 24 de abril de 2020

SOBRE A RENÚNCIA DE MORO E DE VOLTA À RENÚNCIA DE JÂNIO, SUAS CONSEQUÊNCIAS E OUTRAS CURIOSIDADES — PARTE IV


Ontem, após ficar bastante volátil com notícias envolvendo o remédio Remdesivir, o Ibovespa passou a cair mais de 2% com a informação divulgada pela FOLHA, no meio da tarde, de que o ministro Sergio Moro havia pedido demissão após ser informado por Bolsonaro da iminente troca da diretoria-geral da Polícia Federal, atualmente ocupada por Maurício Valeixo. Ainda segundo a notícia, Bolsonaro estaria tentando reverter a situação e os ministros Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) foram escalados para convencer Moro a recuar da decisão.  Cerca de uma hora depois, a GloboNews noticiou que Moro não chegou a pedir demissão, mas ameaçou deixar o cargo caso o presidente realizasse a troca na PF. Oficialmente, o ministério da Justiça disse que o ministro não se demitiu.

ATUALIZAÇÃO: Bolsonaro demitiu Valeixo em plena madrugada. A exoneração foi publicada na manhã desta sexta-feira no D.O.U. Nela, consta que a demissão se deu "a pedido", mas não foi decisão de Valeixo deixar o cargo neste momento. Nos bastidores, comenta-se que dessa forma a demissão evitaria ainda mais desgastes a Sergio Moro, que deve se pronunciar sobre sua permanência ou não no cargo ainda nesta manhã (as 11h desta manhã). Especula-se que Moro tenha ficado extremamente incomodado com a ida de Bolsonaro à manifestação do último domingo e de o presidente abrir as portas de seu gabinete aos líderes do Centrão. A ingerência do capitão na PF foi apenas a gota que fez transbordar o copo. Especula-se também que o ministro ficará no governo caso possa escolher o substituto do agora ex-diretor-geral da PF.

Pelo visto (e pelos filhos), Bolsonaro é capaz de tudo. Até de pôr seu próprio governo em xeque (para o bem do Brasil, tomara que seja xeque-mate). Mas o presidente não terá vida fácil diante da PF depois de demitir seu diretor-geral. Sobretudo porque o verdadeiro motivo, como é público e notória, foi a PF cumprir seu trabalho em vez de proteger a família do presidente de investigações incômodas. A intenção do capitão é nomear um lambe-botas sob medida para seus objetivos. O problema é que, pela tradição da PF, o diretor-geral que sai indica uma série de nomes (em geral seus assessores mais próximos, superintendentes regionais ou adidos no exterior) ao ministro da Justiça, que leva o seu escolhido ao presidente da República, que chancela a indicação. A ideia de subverter esse jogo e a nomeação vir diretamente de Bolsonaro não é só uma humilhação (mais uma) que Moro não parece disposto a aceitar — mas é também algo que a corporação deve rejeitar com vigor.

Internamente, os delegados mais graduados lembram o desastre de uma tentativa recente de mudar a tradição na nomeação do diretor-geral. No início de 2018, Fernando Segóvia foi demitido do comando da PF, pelo recém empossado ministro Raul Jungmann, depois de apenas 99 dias no cargo. Segóvia fora escolhido por Michel Temer, atendendo à indicação de emedebistas enrolados na Lava-Jato e passando por cima da opinião do então ministro da Justiça, Torquato Jardim. Já na cerimônia de posse disse a que veio: botou em dúvida fatos das investigações sobre Rodrigo Rocha Loures, aquele assessor de Temer que foi filmado recebendo uma mala com R$ 500 mil das mãos de um diretor da JBS. A partir daí, foi crise em cima de crise. Segóvia tentou, mas nunca conseguiu liderar a PF nos três meses que esteve à frente dela. Durante o seu tempo como diretor-geral, não conseguiu controlar a PF do jeito que Temer e parte do MDB queriam.

Vamos aguardar para ver que bicho dá.

Quando cursava o primário — como eram denominados os primeiros quatro anos do que hoje se chama ensino fundamental —, aprendi uma forma verbal chamada "condicional", que mais adiante seria rebatizada de "futuro do pretérito", já que expressa tanto uma situação quanto uma condição. Um exemplo do primeiro caso é: “eu compraria aquele carro, se o preço fosse mais baixo”; e do segundo: “anos atrás eu não tinha certeza se compraria o carro que tenho hoje”.

Em ambos os casos o verbo se comporta da mesma forma, mas com sentidos diversos, o que não deixa dúvidas acerca da exatidão das duas designações. Ainda assim, há quem entenda que o condicional não indica uma condição

No primeiro exemplo, temos duas orações, e a condicional não é a primeira, onde está o verbo no modo condicional, mas a segunda, indicada pela conjunção subordinativa condicional ou causal “se”. Na esteira desse raciocínio, parece-me realmente mais apropriado chamar o tempo verbal em questão de “futuro do pretérito”.

Embora o termo pretérito seja usado como sinônimo de passado, ele não remete ao presente em que vivemos, mas a um presente em que viveríamos se, por exemplo, numa encruzilhada do passado, tivéssemos virado à esquerda em vez de à direita, ou retrocedido até a encruzilhada anterior. 

Nessa linha de raciocínio, a pergunta que se impõe é: como seria o Brasil de hoje se Tancredo tivesse tomado posse, governado pelos cinco anos que a Constituição de então lhe garantia e, ao final, passado a faixa para (aí, sim) o primeiro presidente escolhido pelo voto popular desde a eleição de Jânio em 1960 (que seria... ???). The answer, my friends, is blowing in the wind.

Muita coisa poderia dar errado no capítulo final da novela da transição da ditadura militar para a democracia. Em 1984, em conversa com o ex-secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger, o então presidente-general Figueiredo teria dito que, naquele momento, “as Forças Armadas estavam divididas em dois grupos: um que apoiava fortemente a volta do governo civil e outro que estava disposto a impedir o que via como um avanço da esquerda”. Kissinger questionou se algo poderia acontecer antes ou depois das eleições, em janeiro de 1985. Figueiredo respondeu: “Sim, dependendo do desenrolar dos acontecimentos”, e salientou que “as Forças Armadas não falhariam ao compromisso de impedir, nas palavras dele, que esquerdistas tomassem o país, e que, se os militares tivessem que intervir, o país poderia ser levado a uma guerra civil”. Figueiredo via Tancredo como “uma pessoa capaz e moderada”, mas “cercada e apoiada por muitos radicais de esquerda”, e tinha receio de que, quando assumisse o poder, se eleito fosse, o político mineiro “não conseguisse controlá-los”.

Muito se cogitou da hipótese de Tancredo ser assassinado, mas — eis aí a gargalhada do capeta —, pelo menos até onde eu sei, ninguém previu que ele seria internado 12 horas antes da cerimônia de posse e morresse 38 dias (e sete cirurgias) depois. Mesmo assim, essa ironia do destino deu margem a um sem-número de teorias conspiratórias, a exemplo do ocorrido com o Papa João Paulo I em 1978 — 33 dias depois de ser nomeado papa, o cardeal Albino Luciani foi encontrado morto em seus aposentos, na manhã do dia 28 de setembro daquele ano, depois de ter tomado uma inocente chávena de chá na noite anterior.

A posse de Sarney soou como a “gargalhada do diabo” nos estertores da ditadura militar (na prática, a Nova República só teria início três anos depois, com a promulgação da Constituição Cidadã — criada durante a ressaca dos 21 anos de ditadura; portanto, compreensivelmente apinhada de direitos em seus 250 artigos que são não apenas o obelisco da prolixidade, mas uma colcha de retalhos.

A Carta Magna promulgada em 1988 foi remendada mais de uma centena de vezes (a título de comparação, a constituição norte-americana, promulgada em 1787, tem apenas 7 artigos e recebeu 27 emendas nos últimos 220 anos), e distribuiu diretos a rodo, mas sem apontar de onde viriam os recursos para bancá-los. A propósito: a palavra “Direito” é mencionada 76 vezes, enquanto "Dever" surge apenas 4 oportunidades e "Produtividade” e “Eficiência” aparecem duas e uma vez, respectivamente. Daí a pergunta: o que esperar de um país que tem 76 direitos, quatro deveres, duas produtividades e uma eficiência? A resposta: na melhor das hipóteses, uma política pública de produção de leis, regras e regulamentos que quase nunca guardam relação com o mundo real.

Com a morte de Tancredo, o vice José Sarney — que estava no lugar certo na hora certa — assumiu a presidência, a despeito de Figueiredo se recusar a lhe passar a faixa (por considerar traição ele ter abandonado a ARENA e se filiado ao MDB para integrar a chapa de Tancredo). Como se vê, a mosca azul não perdoa ninguém. Mas o político maranhense jamais imaginou o tamanho da encrenca em que se metera ao assumir a presidência sem ter indicado os ministros ou tido qualquer tipo de ingerência no plano de governo, sem contar com o apoio do Congresso, e (a cereja do bolo) com o país amargando uma inflação galopante de 200% ao ano.

Cinco anos e quatro planos econômicos mais adiante, Sarney passou o cetro e a coroa ao caçador de marajás de araque, juntamente com uma inflação 80% ao mês (quase 1.800% ao ano, considerando os doze meses finais do seu governo). Durante sua desditosa gestão, enfrentou mais de 12 mil greves, foi vítima de pelo menos um atentado e, certa vez, um sequestrador tentou jogar um Boeing sobre o palácio. Mas teve jogo de cintura e sempre manteve diálogo com os militares, o Congresso e a oposição. Em recente entrevista a Veja, declarou: Na história do Brasil, muitos presidentes foram eleitos para ser depostos — e eu não podia ser mais um”.

Tivesse feito essa profecia durante seu governo, Sarney teria se revelado um profeta, pois seu vaticínio se materializaria dali a poucos anos, com impeachment de seu sucessor, Fernando Collor de Mello. Mas isso já é conversa para o próximo capítulo.

domingo, 17 de novembro de 2019

PRA QUEM GOSTA É UM PRATO CHEIO (CONTINUAÇÃO)


Falando em crimes, criminosos e em quem deveria inibi-los e combatê-los (mas faz exatamente o contrário, como bem salientou o juiz federal Marcelo Bretas, responsável pelo braço da Lava-Jato que atua no Rio de Janeiro), parlamentares do grupo Muda, Senado prometem intensificar a pressão sobre Davi Alcolumbre pela instalação da CPI da Lava-Toga e pela abertura de processos de impeachment contra ministros do STF.

A pressão aumentou depois que Dias Toffoli, que usurpou o poder de D. Bozo I, instituiu a ditadura da toga e sagrou-se tiranete (a coroação se deu quando ele ordenou que o Coaf lhe desse acesso a relatórios com dados sigilosos de cerca de 600 mil pessoas físicas e jurídicas), passando a presidir "de fato" esta republiqueta de bananas enquanto o "mito-late-mas-não-morde" cuida de interesse próprios, de seus filhos e da 33ª agremiação política que resolveu criar para si.


A política tupiniquim sempre foi um esgoto a céu aberto. Da feita que os candidatos se elegem para roubar e roubam para se reeleger, como nos sentirmos representados por essa caterva? No Executivo, perdemos a fé (se é que ainda nos restava alguma) antes mesmo de a renúncia de Jânio Vassoura Quadros abrir espaço para o golpe de Estado que resultaria em duas décadas de ditadura militar (aquela de que dizem sentir saudades saudades os que nasceram depois de 1985). E a morte de Tancredo Neves — eleito indiretamente, mas que representava a esperança dos brasileiros num futuro melhor — foi a gargalhada do diabo, pois promoveu de vice a titular o eterno donatário da capitania do Maranhão, um dos mais notórios ícones da abominável política coronelista tupiniquim.

As esperanças se renovaram em 1989, quando o autodeclarado Caçador de Marajás frustrou (ou retardou) a ascensão do eterno "presidente de honra" do partido dos trabalhadores que não trabalham, estudantes que não estudam e intelectuais que não pensam. Mas logo se viu que o santo de colhões roxos era de pau oco, tinha pés de barro e não passava de um populista tão desprezível quanto seu adversário, só que ocupava o outro extremo do espectro político-ideológico-partidário (e qualquer semelhança com o atual inquilino do Palácio do Planalto não é mera coincidência).

Daí veio Itamar, que, além de recriar o Fusca e posar para fotos ao lado da modelo sem calcinha Lilian Ramos, promulgou o Plano Real, cujo sucesso levou Fernando Henrique Cardoso a se eleger presidente, recriar a reeleição e se reeleger presidente desta republiqueta de Bananas, embora o número de coelhos que seria capaz de tirar da cartola tivesse se esgotado já em sua primeira gestão.

Depois vieram Lula e o mensalão do PT (edição revista, atualizada e aprimorada do mensalão tucano), que transformaram Judiciário, aos olhos dos desalentados cidadãos de bem deste desalentador país de merda, no último bastião das esperanças. Mas aí Lula, o podre, e Dilma, a quintessência da incompetência, nomearam os oito togados supremos que, somados aos ministros que ainda não haviam pedido o boné e pegado a bengala — Celso de Mello, que seus pares têm na condição de sapientíssimo e o ex-ministro Saulo Ramos, de um juiz de merdaMarco Aurélio, indicado por ninguém menos que seu primo Fernando Collor; e Gilmar Mendes, cuja indicação foi a obra prima ao contrário do grão duque tucano —, resultaram na pior composição de toda a história do tribunal (ainda pior depois que o dono da careca mais luzidia do planeta foi indicado pelo vampiro do jaburu para ocupara a vaga aberta com a morte de Teori Zavascki num mal explicado acidente aéreo).

O impeachment de Dilmanta, a inolvidável, e os avanços da Lava-Jato refrearam (em alguma medida e por um custo espaço de tempo) o apetite pantagruélico dos petralhas e companhia pelo dinheiro do Erário, mas as recentes investidas da fação pró-crime do STF em prol de seus bandidos favoritos ameaçam pôr a perder quase tudo que foi conquistado no último lustro.

Para Josias de Souza, a quem muito admiro e com cujas opiniões quase sempre concordo, foi constrangedora e triste a passagem por Brasília do grupo de trabalho da comissão antissuborno da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. A missão da OCDE constrange porque os representantes da entidade percorreram gabinetes dos três Poderes para manifestar preocupação com os retrocessos que observam no Brasil em relação ao combate à corrupção. A visita entristece porque representa, na prática, uma espécie de atestado de óbito da Operação Lava-Jato e suas congêneres.

A morte é anterior a si mesma. Ela começa muito antes da abertura da cova. Percorre um lento processo. No caso da Lava-Jato, a operação morreu e não sabe. Ninguém disse ainda, talvez por pena, mas aquela operação em que, pela primeira vez desde a chegada das caravelas, o braço do Estado investigou, enjaulou e puniu poderosos da oligarquia política e econômica do Brasil, essa operação não existe mais. Foi boa enquanto durou.

A missão da OCDE acabou se transformando num cortejo fúnebre. Os visitantes foram de autoridade em autoridade para lamentar iniciativas recentes patrocinadas pela turma do abafa. Coisas como a lei de abuso de autoridades, o fim da prisão na segunda instância e o congelamento das investigações municiadas com dados do antigo Coaf. A atmosfera é de velório.

O velório reúne gente importante. Seguram a alça do caixão Jair Bolsonaro, o Centrão, o PT… O Supremo envia uma sequência de coroas de flores enquanto prepara a última pá de cal. Ela virá na forma da anulação de sentenças.

A morte às vezes funciona como um grande despertar. Mas a sociedade brasileira emite sinais de cansaço. Um cansaço que se parece com saudade de quem não teve a oportunidade de dizer adeus.

domingo, 19 de setembro de 2021

COISAS DO BRASIL



O habito não faz o monge nem a faixa, o presidente. Há que haver conteúdo sob ou por detrás desses adereços indumentários. Notadamente o enfeite tiracolar transferido pelo ex-presidente a seu sucessor na cerimônia de posse — que, desde os idos de 1972, acontece sempre no dia 1º de janeiro do ano subsequente ao da eleição e tem início na Catedral de Brasília, a despeito do inciso VI do artigo 5º da Constituição. Coisas do Brasil.

Depois de desfilar no Rolls Royce Presidencial até o prédio do Congresso Nacional, Bolsonaro assinou o termo de posse, jurou "manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil" e recebeu de Michel Temer a faixa presidencial.

Bolsonaro jamais leu a Constituição que jurou defender e, como o escorpião da fábula, é incapaz de contrariar a própria natureza. Apesar de reconhecer que não nasceu para ser presidente, mas para ser militar, foi expelido da Escola de Oficiais do Exército por indisciplina e insubordinação (mas acabou sendo absolvido das acusações pelo STM). No ano seguinte, elegeu-se vereador e depois deputado federal por sete mandatos consecutivos, ao longo dos quais aprovou dois míseros projetos e colecionou mais de trinta ações criminais. Em 2018, foi alçado à Presidência por uma esdrúxula conjunção de fatores, entre os quais um mal explicado atentado que sofreu durante um ato de campanha em Juiz de Fora (MG). 

Bolsonaro disputa com Dilma — o poste com que Lula empalou os brasileiros em 2010 — o título de pior mandatário desde a redemocratização (e não por falta de concorrentes de peso). Com a autoridade de quem sabe das coisas, o general Ernesto Beckmann Geisel — penúltimo presidente da ditadura e mentor intelectual da reabertura política lenta, gradual e segura — definiu o então capitão da ativa comoum caso completamente fora do normal, inclusive mau militar”.

O último general-presidente, João Baptista de Oliveira Figueiredo que preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo (povo que, segundo ele, "não sabe nem escovar os dentes, quanto mais votar para presidente"), negou-se a passar a faixa presidencial a José Sarney (faixa a gente transfere para presidente, não para vice, e esse é um impostor). Coisas do Brasil.

A título de contextualização, vale lembrar que a Revolução de 1964 — cuja data “comemorativa” é 31 de março — foi um golpe de Estado desfechado na madrugada de 1º de abril, por líderes civis e militares conservadores, a pretexto de afastar do poder um grupo político que supostamente flertava com o comunismo.

Nos movimentos pró “Diretas Já”, pugnava-se pela aprovação da emenda constitucional Dante de Oliveira, que visava restaurar o direito às eleições diretas suspenso pelos militares. No dia da votação, exatos 20 anos depois do golpe, uma manobra de bastidores tirou da Câmara 112 deputados. A despeito do clamor das ruas, a emenda foi rejeitada — em outras palavras, o povo foi traído (mais uma vez) pela classe política, o câncer social que, infelizmente, é um mal necessário. Coisas do Brasil.

O desgaste do governo propiciou a vitória de Tancredo Neves em um colégio eleitoral — por 480 votos contra 180, a raposa mineira derrotou Paulo Maluf (que era apoiado pelos militares) depois de unir o PMDB à chamada Frente Liberal — formada por dissidentes do PDS, que dava sustentação ao governo militar. 

Em janeiro de 1985, o deputado federal Ulysses Guimarães — que chegou a ser cogitado para disputar a presidência da República pelo PMDB contra Maluf, mas acabou sendo preterido pela chapa “mista” formada com o PFL de Sarney — entregou a Tancredo o programa denominado Nova República, que previa eleições diretas em todos os níveis, educação gratuita, congelamento de preços da cesta básica e dos transportes, entre outras benesses.

Com esperança e ânimos redobrados, os brasileiros ansiavam pela chegada do dia 15 de março, data prevista para a posse do primeiro presidente civil após 21 anos de ditadura militar. Mas Tancredo foi hospitalizado 12 horas antes da cerimônia e teve o óbito declarado 38 dias e sete cirurgias depois — ironicamente, no feriado de 21 de abril, data em que o Brasil homenageia Tiradentes, o mártir da independência. Coisas do destino.

Tancredo levou para o túmulo a esperança de milhões de brasileiros, mas deixou de herança um neto que  envergonharia o país e um mix de oligarca maranhense, escritor, poeta e acadêmico chamado José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, mais conhecido como “Zé do Sarney”. A possibilidade de Ulysses Guimarães, então presidente da Câmara, ser guindado ao Palácio do Planalto chegou a ser cogitada, mas prevaleceu o entendimento de que caberia a José Sarney, vice na chapa de Tancredo e rebotalho do coronelismo nordestino, assumir a Presidência. E foi o que aconteceu, para o bem e para o mal.

Observação: A origem da alcunha — que o político maranhense usava para fins eleitorais desde 1958 e acabou incorporando oficialmente em 1964 — é atribuída ao fato de seu pai ter sido batizado Sarney de Araújo Costa em homenagem a um inglês de conhecido como Sir Ney, em cuja fazenda José Ribamar nasceu. Coisas do Maranhão.

Fisiologista como poucos e puxa-saco de carteirinha dos poderosos de plantão, Sarney (o filho) sobreviveu à ditadura, mas sua infausta gestão à frente da Presidência foi marcada pela hiperinflação. Tanto o Plano Cruzado quanto os "pacotes econômicos" que se lhe sucederam foram baseados no congelamento de preços e salários, e da feita que repetir o mesmo erro várias vezes esperando produzir um acerto é a melhor definição de idiotice que eu conheço, não causou estranheza o fato de todos fazerem água em questão de meses. 

Em 20 de fevereiro de 1987, pressionado pela queda nas reservas cambiais, Sarney fez um pronunciamento em rede nacional anunciando a suspensão, por tempo indeterminado, do pagamento dos juros da dívida externa — evitando usar a palavra "moratória", como se isso produzisse algum resultado positivo (ou menos negativo) na medida adotada. Coisas do Brasil.

Sarney deixou a Presidência com a popularidade em patamares abissais, tanto que transferiu seu domicílio eleitoral para o recém-criado Estado do Amapá, pelo qual teria chances de conseguir uma vaga no Senado. Como era esperado, seus adversários impugnaram se insurgiram contra o cambalacho, mas o STF o avalizou. Conta-se que o ministro Celso de Mello, que teve os ombros recobertos pela suprema toga graças ao oligarca maranhense, votou pela impugnação da candidatura do benfeitor. 

O ex-ministro da Justiça Saulo Ramos quis saber por quê. Mello respondeu que a Folha havia publicado que Sarney tinha os votos certos de vários ministros e citara seu nome como um deles. "E você votou contra porque a Folha noticiou que votaria a favor?", perguntou Saulo. "Exatamente", respondeu Mello. E Saulo: "Então você é um juiz de merda!"

Sarney deixou a vida pública em 2014, aos 83 anos, a pretexto de se dedicar à literatura em tempo integral. Conta-se que, após um dilúvio assolar o Maranhão, a então governadora Roseana Sarney — filha do macróbio — telefonou ao pai para informar que metade do Estado estava debaixo d’água. Sarney perguntou-lhe candidamente: "A sua metade ou a minha?

Nas eleições gerais de 2018, os pimpolhos do velho cacique maranhense foram penalizados na urnas: nem Zequinha se reelegeu deputado, nem Roseana — que governou o Maranhão por quatro legislaturas desde 1995 — conseguiu desbancar o pecedebista Flavio Dino — que se reelegeu governador com 59,29% dos votos válidos.

Como dito parágrafos acima, Figueiredo se recusou a transferir a faixa presidencial a Sarney. Não foi o primeiro nem o único caso na história republicana do Brasil. Coisa de país de terceiro mundo? Não necessariamente. Nos EUA, o ex-presidente Donald Trump, ídolo e muso inspirador do capitão-cloroquina, não só deu trabalho para ser desencalacrado do cargo como não compareceu à cerimônia de posse de Joe Biden, o que representa uma quebra de protocolo na tradição democrática americana, mas, como dito, encontra apoio na ala conservadora da política brasileira.

Na história do Brasil, o exemplo mais recente de um chefe do Executivo que se recusou a comparecer à posse de seu sucessor foi Figueiredo, conforme já foi dito nesta postagem. Sobre Sarney, o general disse à revista IstoÉ, pouco antes de sua morte, em 1999: "Sempre foi um fraco, um carreirista. De puxa-saco passou a traidor. Por isso não passei a faixa presidencial para aquele pulha. Não cabia a ele assumir a Presidência".

A quebra de protocolo em Brasília foi relembrada pelo neto do general, minutos depois de o presidente americano anunciar que não compareceria à posse do sucessor. "Meu avô também não compareceu à posse de seu sucessor, que chegava ao poder de forma ilegítima. Agiu conforme suas convicções. Assim devem fazer os homens de caráter!", postou no Twitter o empresário Paulo Figueiredo Filho. Coisas do Brasil.

Figueiredo não foi o único a se recusar a cumprir os ritos de transição no Brasil. A República ainda engatinhava quando Floriano Peixoto, que governou de 1891 a 1894, decidiu não comparecer à posse de Prudente de Morais porque não via com bons olhos a chegada de um civil ao poder. Afonso Pena também não passou a faixa a seu sucessor, Nilo Peçanha (e nem poderia, porque Nilo era vice de Pena, a quem substituir em virtude de sua morte, em 1909). Em 1954, Café Filho viu-se presidente do dia para a noite e começou a governar o país sem a bênção de seu antecessor, Getúlio Vargas, que "foi suicidado" com um tiro no peito em 24 de agosto de 1954.

Após o impasse entre Figueiredo e Sarney, somente dois presidentes eleitos diretamente (FHC e Lulareceberam e passaram a faixa a seus sucessores. O primeiro presidente eleito diretamente após a ditadura militar — o pseudo caçador de marajás Fernando Collor de Mello — recebeu a faixa de Sarney em março de 1990, mas renunciou ao mandato em dezembro de 1992 (e foi impichado mesmo assim, de modo que não passou a faixa a Itamar Franco).

Itamar, por sua vez, tomou posse em uma cerimônia breve e só usou a faixa presidencial no último de seus dois anos e três dias de governo, quando a colocou sobre os ombros de FHC. O tucano, presidente por dois mandatos, cumpriu o mesmo protocolo na posse de Lula, em 2003. Oito anos depois, foi a vez de Dilma ser destituída em um processo de impeachment — e não comparecer à posse de Michel Temer. Em janeiro de 2019, o vampiro do Jaburú repassou a faixa ao mandatário de fancaria que, por mal de nossos pecados, diz que "só Deus o tira da cadeira presidencial". Coisas do Brasil.

Bolsonaro na presidência era tudo de que o os brasileiros não precisavam, mas tornou-se a única alternativa válida depois que o ilustríssimo eleitorado tupiniquim o escalou para enfrentar o bonifrate do presidiário de Curitiba no segundo turno do pleito de 2018. Voltando à paráfrase de Bolsonaro a uma fala de Figueiredo, “plagiar é, implicitamente, admirar”, como bem disse o intelectual lusitano Júlio Dantas. Mas a pergunta que não quer calar é: se não nasceu para ser presidente, por que Bolsonaro fez da reeleição seu projeto de governo?

"Prometo que, se eleito, vou trabalhar noite e dia, durante os quatro anos do meu mandato… para ser reeleito”. Eis a promessa mais sincera e verdadeira feita pelo então candidato, como salientou o ex-delegado federal Jorge Pontes num artigo publicado em Veja. "Teremos um lapso de quatro anos praticamente jogados fora, destinados apenas à pavimentação de mais um — improvável — mandato presidencial", profetizou o policial, em agosto do ano passado.

Assim, graças à verdadeira herança maldita deixada pelo grão-duque do Tucanistão, assistimos a um mandatário eleito com juras de grandes mudanças e discursos anti-establishment emular Dilma, a inesquecível, e fazer o diabo para se reeleger.

A vitória de Bolsonaro foi um caso clássico de emenda pior que o soneto. Embora seja preferível acender a vela a amaldiçoar a escuridão, unir forças com os sectários do bolsonarismo boçal para evitar a volta da cleptocracia lulopetista foi como libertar da garrafa um gênio malfazejo e não saber como prendê-lo de volta. E urge fazê-lo, pois o Brasil dificilmente sobreviverá a mais cinco anos sob o descomando desse mafarrico.  

Segundo a revista eletrônica Crusoé, o presidente de fato desta banânia (falo do centrista Ciro Nogueira) disse a um empresário que Bolsonaro está "cada vez mais mercurial e incontrolável". O diagnóstico perturbador do ministro recém-empossado com promessas de carta branca jamais cumpridas reflete o estado de ânimo atual de setores do Centrão e de boa parte do Congresso. Embora estejam bem servidos em postos estratégicos e se lambuzando no poder desde que que o chefe do Executivo de festim lhes entregou a chave do cofre, a centralhada já entendeu que a aliança tem prazo de validade, e que esse prazo não é longo. Para as marafonas do parlamento, Bolsonaro é um político fadado ao infortúnio, seja pelo impeachment, pela cassação no TST ou derrota nas urnas. E convenhamos que não é preciso ser nenhum "Nostradamus" para fazer tal previsão.

Ainda segundo a reportagem, depois que o desembarque do governo passou a ser debatido a sério entre os partidos que compõem o Centrão, o presidente pato-manco enviou pelo líder do governo na Câmara — o ilibadíssimo Ricardo Barros, a quem o senador Omar Aziz, relator da CPI do Genocídio, se refere como responsável por um balcão de negócios com o Congresso que está a todo vapor — o recado de que continua em pé o esforço para conter possíveis defecções em sua base de apoio.

Entrementes, a despeito da carestia, a inflação oficial segue acima do esperado. O IPCA, medido pelo IBGE, acelerou para 9,68% no acumulado em 12 meses, levando a uma onda de revisões entre os economistas. Na segunda-feira, 13, o Boletim Focus, do Banco Central, registrou a 23ª alta consecutiva da mediana das projeções para o IPCA no fim de 2021, que agora está em 8%. Mas isso é assunto para uma próxima postagem.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

... E PODE PIORAR AINDA MAIS

 

Desde sempre que os brasileiros são vocacionados a eleger representantes ladrões e mandatários populistas e imprestáveis. Jânio Quadros é um bom exemplo. Sua renúncia levou ao golpe de 64 e aos subsequentes 21 anos de ditadura militar. Senão vejamos.

Eleito em outubro de 1960, no apagar das luzes do governo de Juscelino Kubitschek — que se notabilizou por construir Brasília do nada, no meio do nada, para suceder ao Rio como Distrito Federal —, o advogado, professor de português, político e cachaceiro inveterado “homem da vassoura” assumiu a Presidência em janeiro do ano de 1961, prometendo “varrer” toda a sujeira da vida pública brasileira. Depois de passar 206 dias mandando “bilhetinhos” para auxiliares e se preocupando com questiúnculas — como rinhas de galo, corridas de cavalo, biquinis nas praias e maiôs cavados em concursos de misses —, o demagogo, "movido por forças terríveis", renunciou ao cargo. 

Na manhã do dia 25 de agosto, após ser acusado por Carlos Lacerda — que viria a ser um dos articuladores civis do Golpe de 1964 e a ganhar o epíteto de “demolidor de presidentes” — de tramar um “golpe de gabinete”, Jânio informou à primeira-dama, dona Eloá, que deixariam Brasília naquela tarde. No Planalto, antecipou aos ministros-chefes das casas Civil e Militar a manchete dos jornais do dia seguinte: “Comunico aos senhores que renuncio, hoje, à Presidência da República. Ajustem o novo Brasil às exigências do Brasil novo. Com esse Congresso, eu não posso governar”.

Findo o desfile do Dia do Soldado, Jânio encarregou o ministro da Justiça de entregar ao presidente do Senado sua carta-renúncia e voou para a Base Aérea de Cumbica, levando consigo a faixa presidencial (que a essa altura não mais lhe pertencia) e a esperança de o pedido não ser aceito — ou de o renunciante de festim ser reconduzido ao cargo por uma manifestação de apoio popular, o que lhe permitira governar sem ser "incomodado pelo Congresso". Mas faltou combinar com os russos.

Mais preocupados em impedir a posse de Jango, os militares esqueceram Jânio, e o povo só poderia ser mobilizado por um partido janista se seu líder tivesse permitido sua existência. 

Assim, enquanto o país mergulhava na crise provocada pelo veto à promoção do vice a titular, o já ex-presidente embarcou com a mulher num cargueiro com destino à Europa, o presidente da Câmara assumiu (decorativamente) a chefia do Executivo e os ministros militares (que governaram de fato nas semanas seguintes) implementaram a toque de caixa o parlamentarismo. 

Com os poderes limitados e tendo Tancredo Neves como primeiro-ministro, o “vice comunista” foi autorizado a assumir a presidência como chefe de Estado. Mas a experiência parlamentarista foi tão conturbada quanto curta: um plebiscito realizado em 6 de janeiro de 1963 restabeleceu o presidencialismo. 

Jango finalmente assumiu o cargo que era seu por direito, mas foi deposto, quinze meses depois, pelo golpe de 1964. Fica evidente, portanto, que a incipiente democracia tupiniquim havia entrado em parafuso em 25 de agosto de 1961, com a renúncia do populista cachaceiro.

Sobre o golpe: Em 1964, partidos de esquerda, grupos comunistas e seus associados discutiam qual a maneira de derrubar o capitalismo burguês e implantar a ditadura do proletariado, se pela luta armada ou pelo caminho reformista. Naquela época, a ampla maioria da esquerda era reformista — pelas chamadas reformas de base, processo que começava com a agrária e incluía um amplo cardápio de estatizações. 

Jango, filiado ao PTB getulista, estava claramente no campo da esquerda. Ainda que houvesse comunistas em seu governo e no entorno, o presidente nada tivesse de comunista, a exemplo de ilustres membros do seu gabinete durante o curto período parlamentarista, como os primeiros-ministros Tancredo Neves e Santiago Dantas, que eram, no máximo, socialdemocratas, trabalhistas ou nacionalistas.

Como o grupo comunista era claramente minoritário, o sucesso de Jango levaria o Brasil a uma economia mais estatizada, com o aumento dos gastos públicos em todos os setores, dos sociais à infraestrutura (mais ou menos como aconteceu no governo ditatorial do general Ernesto Geisel, um nacionalista e estatizante da primeira linha, e no governo Lula, mas isso é outra conversa). 

Em 1964, no auge da “Guerra Fria” o mundo estava dividido entre os EUA e a URSS. As plataformas reformistas — aqui, no Chile, na Argentina etc. — procuravam se aproximar não propriamente da União Soviética, mas do “Bloco do Terceiro Mundo”, que se declarava independente, mas pendia para a esquerda, ou seja, era adversário dos EUA, que, nessa disputa, patrocinavam ditaduras direitistas para, como se dizia na época, evitar a ditadura comunista.

Não havia a menor possibilidade de uma vitória comunista. Nem pela via reformista, nem pela luta armada. A melhor chance de uma guerrilha no Araguaia ou no Vale do Ribeira era a de ser massacrada, como de fato aconteceu. Mas foi nesse quadro que parte da elite brasileira, representada por partidos e associações civis, bateu às portas dos quartéis. 

Os militares atenderam rapidamente, pois a doutrina que aprendiam era simplesmente Ocidente versus Pacto de Varsóvia (a frente militar da URSS). O Congresso chancelou a derrubada de Jango e elegeu presidente o então chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, marechal Humberto de Alencar Castello Branco. Mas só o fez porque a alternativa era o fechamento.

Muitos democratas e liberais apoiaram o golpe, achando que seria um interregno necessário para garantir a eleição presidencial de 1965, que seria disputada entre Juscelino Kubitschek (pelo lado reformista democrático) e Carlos Lacerda (conservador, liberal, democrata). Mas não tardaram a se arrepender, e foram abandonando o governo militar à medida que este radicalizava, transformava-se numa verdadeira ditadura e dava sinais de que tencionava se perpetuar no poder. Lacerda, apoiador do golpe, terminou cassado e se uniu a JK, também cassado, numa frente pela democracia.

O Congresso funcionou durante os 21 anos de ditadura — noves fora os breves momentos em que ousou discordar do regime — e “elegeu” todos os presidentes, mas somente depois que os generais de quatro estrelas decidiam quem seria o mandatário de turno. 

Partidos políticos foram proibidos, a imprensa, censurada, opositores — tanto democratas quanto comunistas —, presos, torturados e mortos. Quando a política econômica finalmente fracassou — com recessão, dívida externa explosiva e inflação —, a ditadura caiu e os militares se retiraram, liderados por colegas de bom senso num processo conduzido por políticos habilidosos.

Em 1985, Tancredo Neves (MDB) derrotou Paulo Maluf (ARENA) por 480 a 180 votos de um colégio eleitoral formado por senadores, deputados federais e membros das assembleias legislativas estaduais. Mas quis o destino o presidente eleito fosse internado 12 horas antes da posse e dado como morto 38 dias e 7 cirurgias depois — ironicamente, no dia 21 de abril, feriado que homenageia Tiradentes, o Mártir da Independência.  

ObservaçãoSegundo a versão oficial, uma diverticulite obrigou Tancredo a ser submetido a uma cirurgia de emergência horas antes da posse. Também oficialmente, sua morte se deu no dia 21 de abril, depois de outras sete cirurgias. O general João Figueiredo se recusou a passar a faixa ao vice, José Sarney — um reles traidor, segundo o fardado, já que o ex-presidente da ARENA e representante do regime militar no Congresso deixara o partido governista e se juntara à oposição. “Faixa a gente transfere para presidente. Não para vice, esse é um impostor”, disse o general, que deixou o Planalto assim que a votação no Congresso foi encerrada. Ainda assim, a mágoa que o último presidente da ditadura guardava do repulsivo oligarca maranhense era menor que a resistência da caserna ao deputado Ulysses Guimarães.

Continua...