quarta-feira, 3 de agosto de 2022

O DESEMPREGADO QUE DEU CERTO (UNDÉCIMA PARTE)

 

O Brasil nunca foi sério, mas a polarização político-ideológica o transformou num país surreal, eivado de fanáticos, apedeutas, fanáticos apedeutas e apedeutas fanáticos. 

Cada povo tem o governo que merece, mas nem uma banânia como a nossa merece o povo que tem — vale lembrar que maus políticos não brotam nos gabinetes por geração espontânea.; se estão lá, é graças à péssima qualidade do eleitorado tupiniquim. Aliás, é constrangedor ver um povo que lutou tanto para reconquistar o direito de voto exercê-lo tão irresponsavelmente. 
 
Da caterva que ocupou o Planalto desde a redemocratização não escapa um. Nem o grão-duque tucano, que, fazendo pose de lorde inglês, foi eleito e reeleito em primeiro turno, concluiu os dois mandatos sem ser impichado (ao contrário de Collor e Dilma) e não foi  preso após deixar o cargo (ao contrário de Lula e Temer). O diabo é que sua "herança maldita" incluiu, entre outras mazelas, a PEC da Reeleição e o ministro Gilmar Mendes.  
 
Num país assim, excrescências como a "graça presidencial" concedida a Daniel Silveira, a anulação das condenações de Lula, a subserviência vomitativa do PGR e a cumplicidade asquerosa do presidente da Câmara não chegam a espantar. Tampouco causa estranheza o fato de os "queridinhos" da escumalha que  escolherá o próximo chefe do Executivo serem um ex-presidiário convertido em ex-corrupto e um ex-capitão que se tornou o pior mandatário desde Tomé de Souza.
 
Quando o Mensalão veio a público em 2005, Lula pediu desculpas aos brasileiros, que não só o perdoaram como reelegeram no ano seguinte, em meio à podridão que ainda estalava nas manchetes. A partir daí, o capo di tutti capi se tornou sócio do Petrolão, mas ventos frios sopraram de Curitiba e o levaram à condição de réu (pela primeira vez em 2016; ao todo, o picareta dos picaretas respondeu a 20 processos e foi condenado em dois). 
 
No dia 5 de abril de 2017, o TRF-4 determinou a prisão de Lula. Por determinação do tribunal, o então juiz Sergio Moro mandou expedir o competente mandato de prisão. Por liberalidade, permitiu ao réu que se apresentasse voluntariamente em até 24 horas. O prazo terminou às 17h de sexta-feira e o meliante só foi levado do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC no final do sábado, depois de uma série de discursos e uma missa campal em homenagem à ex-primeira-dama (morta em fevereiro daquele ano).
 
O heroísmo da “resistência” acabou limitado à agressão de um infeliz que despertou a ira dos petistas e foi surrado até acabar no hospital com traumatismo craniano. Ou à depredação do prédio onde fica o apartamento da ministra Cármen Lúcia na capital mineira. Quanto ao próprio Lula, o que deu para verificar é que a soma total de suas ações no momento de ir para a cadeia resumiu-se a empurrar as coisas com a barriga até a hora de entregar os pontos — depois de fingir que "não estava conseguindo" se render por causa de um tumulto barato, encenado por militontos que cercavam o sindicato. 
Só quando não deu para continuar fazendo a polícia de idiota, como fez durante dois dias seguidos, que o picareta embarcou no camburão que o levou ao aeroporto de Congonhas, de onde voou rumo à Curitiba. 

Num discurso entremeado de frases mal copiadas de Martin Luther King, o petralha chegou a se dizer "a favor da Lava-Jato" (isso depois de ter passado os últimos dois anos desfechando ataques enfurecidos contra a força-tarefa). Quando finalmente foi levado para a cadeia, afirmou que era contra a roubalheira e que só estava sendo preso "por causa da imprensa" — o que, além de falso, foi mais uma demonstração de que ele estava cuspindo no prato no qual vinha comendo havia anos.
 
Lula acabou entrando na cadeia como um homem pequeno. Foi ajudado pela gentileza extrema da PF e demais autoridades encarregadas de cumprir a ordem judicial, que lhe deram todo o tempo do mundo para  se apresentar com um pouco mais de compostura. Foi tratado com uma paciência que não está à disposição de nenhum outro brasileiro. Teve o privilégio de uma "negociação" sem pé nem cabeça para se entregar, como se o cumprimento da ordem dependesse da sua concordância. Mas acabou tornando ainda pior uma biografia que já era pra lá de ruim.
 
PT, a esquerda em geral e  Lula em especial almejavam uma despedida com mais cara de cinema, mas esses planos bonitos exigem coragem para ser colocados em prática. E onde encontrar coragem na hora de enfrentar a dureza? O Lula que se viu nos noticiários durante as vinte e tantas horas de tumulto era um homem confuso tentando pequenas espertezas — nada que lembrasse um líder em modo de "resistência". 
O sindicato que lhe serviu de trincheira não era uma trincheira de verdade, pois lá entravam engradados de cerveja, sacos de carvão e carne para churrasco enquanto o refugiado fingia que queria briga. Seu único gesto foi aproveitar a moleza da polícia encarregada de levá-lo para dar a impressão de que ele se "recusava" a ser preso. Mas só ficou entocado no prédio porque os agentes não foram buscá-lo. Que valentia existe nisso? 

As últimas horas que Lula passou em seu esconderijo  deixaram claro que nem ele nem toda a estrutura do seu partido tinham a menor noção do que estavam fazendo. Não tinham um plano, A, B ou C. Não tinham uma única ideia a respeito do que fazer. Não tinham nada. Até a última hora, na verdade, não imaginavam que fosse expedida uma ordem de prisão contra o petralha; não conseguiam acreditar, simplesmente, no que estava acontecendo. 
 
Lula e o PT contavam com os escritórios de advocacia milionários que iriam salvá-lo no STF. Contavam com um Lewandowski ou um Gilmar Mendes para dar um golpe de última hora no tapetão. Contavam com qualquer coisa, menos com o mandado de prisão que acabou por levá-lo ao xadrez da Laja-Jato. Quando a realidade finalmente teve de ser encarada, o final da comédia foi uma tristeza. 

Durante um dia inteiro e a maior parte do dia seguinte, um bolinho de gente ficou em volta do sindicato — era o apoio popular que foi possível juntar. Às vezes, nas imagens aéreas da televisão, parecia uma concentração mais encorpada, mas assim que o helicóptero se afastava um pouco ficava claro que a mobilização para defender o petista era só aquele bolinho mesmo – em Mauá, por exemplo, a quinze minutos dali, não havia um único manifestante à vista. E o mesmo se via em Santo André, São Caetano e no resto do Brasil. 
 
No carro de som, falando para si próprios, dinossauros velhos e novos, de Luísa Erundina a Manoela D’Ávila, gritaram coisas desconexas. Dentro do prédio, Lula , cercado por um cardume de puxa-sacos e mediocridades, limitava-se a deixar o tempo passar. Não havia ninguém de valor, mérito ou boa reputação em torno dele, só os serviçais de sempre, gente que sabe sacudir bandeira vermelha e atrapalhar o trânsito, mas não é incapaz de ter uma única ideia ou fazer uma sugestão que preste. Muita coisa deu muito errado... Mas não há nada como o tempo para passar.
 
Continua...