quinta-feira, 27 de outubro de 2022

CESSE TUDO O QUE A ANTIGA MUSA CANTA...


O título desta postagem é parte de um verso de OS LUSÍADAS, escrito por Luiz Vaz de Camões. O texto a seguir é do jornalista Mario Sabino, que trocou recentemente o Antagonista (fundado por ele e Diogo Mainardi em 2015) pelo portal Metrópoles:

 

Sergio Moro é o assunto deste artigo. Sinto-me bem à vontade para falar sobre ele, porque fui um dos jornalistas que mais defenderam a Lava-Jato e o ex-juiz. Não me arrependo: entre os capítulos mais vergonhosos da história recente do país, está o da perseguição a Sergio Moro — primeiramente pelos petistas, por causa da condenação de Lula, e depois pelos bolsonaristas, por ele ter saído do governo acusando o atual presidente da República de interferência política na PF e no Coaf, a fim de salvar Flávio Bolsonaro, acusado de fazer rachadinhas quando era deputado estadual no Rio de Janeiro.

 

Estive com Sergio Moro quatro vezes, sempre como jornalista, porque dele não sou nem nunca fui amigo. Na primeira, ele ainda era juiz. Fui à 13ª Vara Federal de Curitiba, pouco antes da prisão de Lula, para conhecê-lo. Quem nos apresentou foi um colega meu. Nas duas seguintes, também acompanhado de jornalistas, jantei com o então ministro da Justiça e Segurança Pública em Brasília. A quarta e última vez foi em São Paulo, em dezembro de 2021, quando ele visitou, a convite meu, a redação do site e da revista digital que fundei. Houve uma quinta conversa, mas telefônica — no primeiro semestre deste ano, Sergio Moro ligou para mim, depois que publiquei um artigo no qual criticava a sua entrada na União Brasil, partido de Luciano Bivar. Ele deu lá as suas explicações, embora explicações não me devesse.

 

A esta altura do campeonato, não tenho mais a arrogância de dizer o que uma pessoa deve ou não fazer da sua própria vida. Mas acho que ainda posso concordar ou não com as escolhas dela, especialmente se a figura é pública. A entrada de Sergio Moro na campanha de Jair Bolsonaro, coroada pela sua presença no debate de domingo 16, quando ele serviu de coach para o atual presidente, é um dos episódios mais constrangedores a que assisti. Depois de todas as acusações que Sergio Moro fez a Jair Bolsonaro, como é que pode?

 

Pois é, pode. Não sou ingênuo. Sei que políticos não amam nem odeiam. Mas esse preceito (alguns chamariam de um tipo de psicopatia) atinge um grau surpreendente no Brasil, e não é de hoje. Em 1945, o líder comunista Luís Carlos Prestes entrou na campanha queremista, para manter Getúlio Vargas no poder. Obedeceu à ordem de Moscou, ainda que, como ditador, Vargas o tenha encarcerado durante nove anos, além de ter entregado a mulher de Prestes, Olga Benário, à Alemanha nazista. Mulher e filho, visto que ela estava grávida. Outro exemplo: em 1984, José Sarney, expoente da ditadura militar, pulou sem vergonha de ser feliz para o barco democrático que pedia eleições diretas — e acabou virando presidente da República, no lugar de Tancredo Neves, com o auxílio daquela velha senhora sem hora marcada para nos visitar.

 

Avancemos a máquina do tempo para os dias que correm. Nesta campanha, já vimos o ex-tucano Geraldo Alckmin, que foi próximo da Opus Dei e se vendia como adversário figadal de Lula, tornar-se o vice na chapa do petista, com a cara mais limpa do mundo. Candidato a vice de Lula, enfatize-se, pelo Partido Socialista Brasileiro, que ainda toca a Internacional nos seus encontros, cruz credo. Para completar o quadro, temos Sergio Moro batalhando pela reeleição de Jair Bolsonaro. Ele, o grande nome da Terceira Via, aquela que foi sem nunca ter sido.

 

Sergio Moro não fez, portanto, nada de diferente do que se vem fazendo desde há muito. O choque é porque, até ontem, ele se vendia como o oposto de tudo isso que está aí, com a dimensão de uma Lava-Jato no currículo. Adaptou o seu lema — faça a coisa certa — para a opção por Jair Bolsonaro, a quem acusou de cometer crime. Publicou no Twitter que "fazer a coisa certa agora é derrotar o Lula e o projeto de poder do PT e depois, como senador independente, trabalhar pelo Brasil".

 

O senador eleito pelo Paraná tem o direito de achar que Jair Bolsonaro é o melhor candidato para o Brasil. Mas esse advérbio no Twitter"agora" — dá conta de um, digamos, pragmatismo que não parecia pautar o comportamento de Sergio Moro. Na última vez em que nos vimos, ele me presenteou com o seu livro, Contra o Sistema da Corrupção. No último capítulo, ele reproduz os quatro conselhos que deu na cerimônia de formatura da Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos. Disse Sergio Moro:

 

"Primeiro, nunca desista de lutar por uma boa causa. Mesmo se você perder, o que realmente importa é o que você defende. Segundo, sempre se lembre de que, mesmo nos momentos mais difíceis, quando parece que os desafios à frente são insuperáveis, você nunca estará sozinho se estiver lutando por uma causa justa ou por justiça. Terceiro, lembre-se de que o seu comportamento pode inspirar outros. Você irá se surpreender ao ver como outras pessoas podem ajudar se elas tiverem bons exemplos e receberem os incentivos corretos. Quarto, nunca se renda aos males da corrupção ou do desespero. Acima de tudo, não há vitória se, ao longo do caminho, você perder a sua alma."

 

Esqueça-se do que Sergio Moro disse. Revogam-se as disposições em contrário. Cumpra-se.

 

PS: O senador eleito pelo Paraná deixou de me seguir no Twitter, mas, se não for bloqueado, continuarei a segui-lo. Desejo boa sorte a ele.