terça-feira, 10 de janeiro de 2023

ASSUSTADOR, AINDA QUE NÃO SURPREENDENTE

 

Quando se imaginava que a insanidade voltaria para casa, o bolsonarismo de sarjeta voltou a rugir. Em estado de alerta, o ministro da Justiça, Flávio Dino, informou aos órfãos do capitão que existe um governo em Brasília, e lembrou-os de que o caminho para derrubá-lo é a urna. 
 
Na sexta-feira 6, baderneiros bloquearam a principal via de acesso ao aeroporto de Congonhas, na capital paulista; no sábado, o ministro Alexandre de Moraes ordenou a desobstrução de área ocupada por bolsonaristas em frente ao batalhão do Exército em BH e aplicou multas de R$ 100 mil. No mesmo dia, órgãos federais de informação alertaram sobre o plano dos bolsonaristas de trancar vias de acesso a refinarias em São Paulo e no Rio de Janeiro, enquanto cerca de 80 ônibus despejaram hordas de bolsonaristas de "manifestantes" nas cercanias do QG do Exército em Brasília. 
 
Flávio Dino acionou a Força Nacional de Segurança Pública e conversou com governadores, inclusive de oposição. Disse esperar que não ocorressem atos violentos e que a polícia não precisasse atuar, mas uma chusma de vândalos invadiu e depredou os prédios do STF, do Congresso e do Palácio do Planalto, depois que agentes da Polícia Militar mais bem paga do Brasil abriram a barreira que bloqueava o acesso à Esplanada dos Ministérios.
 
Enquanto Bolsonaro observa os efeitos do seu legado caótico desde a terra do Mickey Mouse, a paralisia da banda muda da direita fornecia combustível para os golpistas, que, frustrados em seu desejo de melar a posse de Lula, agora tentam agora impedir que ele governe. O petista decretou intervenção federal — o que permite o uso de forças de segurança nacional em Brasília, mas o ministro Alexandre de Moraes foi mais além, afastando o governador bolsonarista Ibaneis Rocha e determinando o desmonte de todos os acampamentos em frente dos quartéis. 
 
O secretário de Segurança do DF, Anderson Torres, que viajou para a Flórida no começo do mês, foi demitido se tornou alvo de um mandado de prisão. Nos EUA, deputados pediram a extradição de Bolsonaro; no Brasil, os governadores se comprometeram a coibir quaisquer atos em seus estados, mas os apoiadores do ex-presidente chegaram a bloquear uma pista da Marginal Tietê, em São Paulo (que a CET e o Corpo de Bombeiros liberaram em seguida). Além disso, quatro refinarias da Petrobras estariam na mira dos golpistas.
 
O pressuposto da alternância no poder é a preservação das regras e da civilidade democrática. Opositores criarem embaraços para o governo de turno faz parte do jogo, mas desde que isso seja feito apontando erros e propondo ideias alternativas. Os episódios ocorridos no último domingo foram estarrecedores, ainda que não tenham surpreendido, pois foram gestados a céu aberto por uma choldra golpista que vem atentando contra o Estado Democrático de Direito desde 2019. A má notícia é que as instituições não conseguiram impedir a versão tabajara da invasão do Capitólio; a boa notícia é que as falanges bolsonaristas passaram a ser chamadas pelo nome adequado: terroristas. 
 
O dia 8 de janeiro de 2023 entrará para a história como ápice do maior atentado contra a democracia desde o fim da ditadura. Impedir a ação dos terrorista vai bem além de emitir notas de repúdio e punir meia dúzia de "patriotas de acampamento". A faxina precisa alcançar o chorume que escorreu covardemente para a Disneylândia e incluir a punição do líder, dos financiadores e dos cúmplices, tanto civis quanto fardados. Não se pode mais confundir pacificação com impunidade.
 
O mercado financeiro vinha negando que a tentativa de golpe fosse um risco ao país. Quando questionados sobre o pouco apreço que Bolsonaro e seus acólitos tinham pelo Estado Democrático, analistas e gestores minimizavam o risco de ataques concretos. O terrorismo explícito do último domingo mostrou que a Faria Lima falhou em uma de suas tarefas, que é antecipar riscos.
 
Bolsonaro passou de líder da direita brasileira a chefe de golpistas financiados por interesses privados. Essa não foi a primeira tentativa de golpe; outras aconteceram nos últimos quatro anos, sempre à espera de que os militares aderissem e que algum pronunciamento resultasse numa revolta generalizada — o que felizmente ainda não aconteceu. Se realmente voltar para o país que destruiu, o "mito", que sempre se mostrou despreparado para exercer o cargo que lhe caiu no colo, terá lidar com processos e eventuais condenações.
 
Na campanha de 2018, Bolsonaro convenceu lideranças militares de que sua eleição seria uma saída para as Forças Armadas voltarem ao poder democraticamente, a despeito do histórico de terrorismo que resultou em sua "expulsão branca" da caserna. Mas o capítulo final dessa tragédia não foi a chegada do capitão ao Planalto nem sua retirada estratégica para os EUA, pois ainda não se sabe onde isso vai parar.

Para piorar, a conta do golpismo gestado nos últimos quatro anos está caindo no colo de quem não contratou essa dívida.