sexta-feira, 14 de abril de 2023

O PAI E OS FILHOS DO PAI

 

De 1990 até os dias atuais, Jair Bolsonaro, seus familiares e agregados negociaram 107 imóveis, dos quais pelo menos 51 foram pagos total ou parcialmente em dinheiro vivoAs compras registradas nos cartórios como pagas "em moeda corrente nacional" totalizaram R$ 25,6 milhões. Não foi possível saber como foram pagos 26 imóveis, já que a informação não constava nos documentos de compra e venda. Transações por meio de cheque ou transferência bancária somaram R$ 17,9 milhões (os valores aqui mencionados foram corrigidos pelo IPCA para agosto de 2022).
 
A um mês das eleições do ano passado, questionado sobre acusações de corrupção após o levantamento patrimonial realizado pelo UOL, o então presidente defendeu sua família. Durante uma entrevista à Jovem Pan, a jornalista Amanda Klein relembrou os casos das rachadinha nos gabinete de Flávio e Carlos, comentou que o próprio mandatário era suspeito de manter funcionários fantasmas em seu gabinete na Câmara Federal, que Zero Um havia negociado 20 imóveis nos últimos 16 anos — entre os quais uma mansão de R$ 6 milhões —, que a mãe de 04 morava com o filho em outra mansão, avaliada em R$ 3 milhões
O entrevistado classificou as acusações de "levianas" e disse não saber da vida econômica de suas ex-mulheres. Sobre o primogênito, disse que o menino de ouro comprou os imóveis na planta "por uma micharia por mês" e os vendeu com lucro logo depois.
 
No livro O NEGÓCIO DO JAIR, a jornalista Juliana Dal Piva descreve passagens bastantes sugestivas. Segundo ela, às vésperas da sabatina do "desembargador tubaína" para a vaga do decano Celso de Mello no STF, Bolsonaro tomou conhecimento da denúncia criminal protocolada no TJ-RJ contra seu filho Flávio, acusado de desviar R$ 6,1 milhões dos cofres públicos do estado, e que tentou de todas as maneiras evitar que o rebento fosse denunciado. Ainda segundo a jornalista, 811 dias se passaram até que os procuradores concluíssem a investigação e acusassem o pimpolho de reter 90% dos salários de seus funcionários — dinheiro que Fabrício Queiroz (de quem já não se ouve mais falar) usava para pagar despesas pessoais do então deputado, comprar imóveis e "lavar" o que sobrava através de uma franquia da Kopenhagen. 
 
Ao longo de mais de dois anos de investigações, as provas se avolumaram a tal ponto que tinham de ser deslocadas pelos corredores do MP-RJ em um carrinho. A prerrogativa de investigar um presidente em exercício compete exclusivamente à PGR (e Augusto Aras jamais demonstrou tal intenção), mas as investigações evidenciaram sobejamente o papel de Bolsonaro no esquema, e que, para além do mandato do filho, estava em jogo a revelação de uma face pouco conhecida do clã presidencial. Em meio à papelada sobe Flávio Bolsonaro, afloraram indícios que conectavam o esquema aos três casamentos do pai, a outros três filhos, a dezenas de parentes, ao patrimônio da Famiglia e a proximidade de todos eles com o ex-capitão do Bope e miliciano Adriano da Nóbrega. 
 
Ainda segundo Dal Piva, todas as pessoas próximas ao clã estavam associadas, de um jeito ou de outro, a um esquema que os próprios participantes chamavam de "O Negócio do Jair", e que lhes permitiu forjar um estilo de vida e uma imagem pública que levariam o pater famílias — um mau militar e parlamentar medíocre — ao Palácio do Planalto. A jornalista relembra que o escrutínio da imprensa em relação a candidatos — uma tarefa básica da imprensa — desagradava o capitão. 
 
A Folha publicou uma série de reportagens mostrando que Bolsonaro e filhos construíram um patrimônio de R$ 15 milhões; que o então deputado recebia "auxílio-moradia" (embora fosse dono de um apartamento em Brasília); que mantinha entre seus assessores uma tal de "Wal do Açaí́", que cuidava de sua casa de praia e de seus cachorros em Angra dos Reis (RJ). Um exame mais acurado levou Dal Piva à conclusão de que Wal não era a única assessora parlamentar em situação irregular, e que os "filhos do pai" reproduziam seu modus operandi, empregando parentes de Ana Cristina Valle, segunda ex-mulher do capitão, mãe de Zero Quatro e personagem essencial e complexa dessa tragicomédia.