sábado, 13 de maio de 2023

OBSERVE E APRENDA


A excentricidade da crise do bolsonarismo é a transgressão acéfala, a máfia sem "capo". Trêmulo de humildade, seu antilíder reivindica o papel de cego abobalhado — não viu, não soube e nem pediu nada. Nada muito diferente do egum mal despachado que, descondenado e reabilitado politicamente, voltou a nos assombrar. 

 

O Estado brasileiro comprova cotidianamente que o inferno existe, mas não funciona (*). Quando uma empresa encrencada com o garimpo ilegal é contratada pelo Exército e pelo Ministério da Saúde para furar poços artesianos no território indígena que ajudou a violar, de duas, uma: ou os contratantes não sabiam da suspeição, ou sabiam, mas simplesmente deram de ombros para a informação. 


Qualquer estagiário perscrutaria o prontuário do empresário Rodrigo Martins de Mello — bolsonarista de vitrine filiado ao PL — antes de fazer negócios com ele. Mas o Exército e a pasta da Saúde não tiveram o discernimento de consultar a PF e o Ibama.

 

(*) Um brasileiro morreu e foi para o inferno, onde o capeta-recepcionista disse que ele poderia ficar na ala administrada por seu país de origem ou escolher outra, pois os castigos eram os mesmos, variando apenas no tocante à severidade com que eram aplicados. Na sucursal brasileira, por exemplo, o penitente teria de comer 20 latas de merda por dia e levar 100 chibatadas de hora em hora, ao passo que na dos EUA eram 5 latas de merda e 10 chibatadas duas vezes ao dia. Ao fazer um “tour” pelas embaixadas

antes de escolher onde passaria o resto da eternidade, o brasileiro reparou que a fila diante da sucursal brasileira se estendida por vários quarteirões, enquanto nas demais havia uns poucos gatos pingados. Curioso, ele perguntou o motivo de tamanha discrepância e ouviu do último da fila: "Entra aí e fecha o bico. Nosso carrasco bate o ponto e vai para casa, e no dia em que não falta merda não tem lata. 

 

O semideus togado fez declarações polêmicas sobre Sergio Moro, mas está longe de ser o melhor crítico da Lava-Jato. O ex-juiz pode ter cometido erros — o mais grave, na minha desvaliosa opinião, foi trocar a magistratura por um ministério no governo abjeto do mau militar e parlamentar medíocre que passou a vida pendurado no Erário, mas quem nunca? Gilmar foi entusiasta das práticas de Curitiba, mas mudou de ideia no decurso das ações da Lava-Jato contra o crime organizado, traçando  um curioso ziguezague enquanto o plenário do STF discutia a prisão em segunda instância.

Por mal dos nossos pecados (e graças à imprestabilidade gritante da escumalha que atende por eleitorado tupiniquim), a distribuição de verbas do Orçamento por meio de emendas de parlamentares não só sobreviveu à troca de comando como se consolidou como um novo ramo do crime organizado. A dinheiramas continua saindo pelo ladrão, e os ladrões continuam entrando no Orçamento (pior: alguns nem saíram; muito pior: certos padrinhos dos desvios ganharam poltronas na Esplanada).

 

A ladroagem que infesta o noticiário é parte da herança de Bolsonaro, mas os escândalos da gestão Lula 3.0 já estão contratados. Prova disso é a direção da Codevasf não ter mudado e o o apetite dos congressistas ter aumentado: nos dois primeiros mandatos de Lula, cada parlamentar brigava por R$ 12 milhões em emendas orçamentárias; hoje, o butim pode chegar a R$ 50 milhõesR$ 30 milhões em emendas individuais e até R$ 20 milhões em emendas de bancada.

 

Falando nessa caterva, no instante em que o "mito" dos apatetados finge que ainda tem futuro e o babalorixá do PT faz de conta que não tem passado, o inesquecível caçador de marajás de fancaria, que simboliza a inconsequência de todas as ideologias, será julgado no STF por corrupção e lavagem de dinheiro num caso que envolve o desvio de mais de R$ 30 milhões da BR Distribuidora. A Procuradoria pede que o rei-sol seja condenado a 22 anos e oito meses de cadeia. 


No ano passado, apoiado por Bolsonaro e Arthur Lira, Collor disputou o governo de Alagoas como se fosse o obelisco da probidade (e perdeu a eleição). Agora, será finalmente julgado por um escândalo que nasceu no segundo mandato do demiurgo de Garanhuns, começou a ser investigado sob a Estocadora de Vento e virou ação penal no STF durante a gestão do Vampiro do Jaburu. A encrenca chega ao plenário na bica da prescrição de todos os crimes — como o réu tem mais de 70 anos, o prazo prescricional é reduzido à metade. Penas inferiores a quatro anos prescreveram em 2021, e as demais caducam em agosto p.f.

 

Observação: Durante o movimento que resultou no impeachment de Collor, o xamã do PT chamou o adversário de "ladrão". Guindado ao Planalto, incorporou o larápio à sua base de apoiadores — em 2009, Lula premiou o então neocomparsa com duas diretorias da subsidiária da Petrobras. E deu no que está dando: Collor ressurge na pauta do Supremo para lembrar ao petista e a seus acólitos que o petrolão nunca foi uma ficção.

 

Para concluir: Dois amigos — um, político, e o outro, ladrão — que não se viam havia muito tempo se esbarram num shopping e entram numa loja da Kopenhagen para tomar um café e pôr os assuntos em dia. Quando eles saem da loja, o ladrão tira do bolso três barras de chocolate e se jacta: "Eu sou mesmo muito bom. Nem você nem o balconista perceberam". O político diz ao amigo que vai mostrar como age um verdadeiro profissional, e os dois voltam à loja. O político pergunta ao balconista se ele quer ver um truque de mágica. O balconista diz que sim. O político pede três barras de chocolate iguais às que o ladrão furtou. Quando termina de comer o doce, ele pergunta ao balconista: "Viu?" E o balconista: "Vi o quê? Onde está o truque de mágica?" E o político responde: "Procure no bolso do meu amigo e você vai encontrar as três barras de chocolate".

Com Josias de Souza