O quebra-quebra de 8 de janeiro mostrou que a inteligência da Abin é como fenômeno paranormal: dizem que existe, mas ver mesmo ninguém viu. Num esforço para manter o mistério, o ex-diretor-adjunto Saulo Moura da Cunha queria que seu depoimento à CPMI ocorresse a portas fechadas. O pedido foi um flerte com o ridículo, e atendê-lo seria uma afronta à plateia.
Nomeado sob Lula, o depoente chefiava a Abin no dia do quebra-quebra, e abastecia de informações o general GDias. Entre 2 de janeiro e o fatídico dia 8, a Abin produziu "33 alertas de inteligência". Não se sabe se o general não leu os alertas ou se deu de ombros para eles, mas sabe-se que não ostentou o comportamento que se esperava de um ministro que tinha a responsabilidade de zelar pela segurança do Planalto.
No início da manhã dia 8, informou-se a GDias sobre a chegada a Brasília de mais de cem ônibus apinhados de encrenqueiros. Profético, o general escreveu: "Vamos ter problemas". Mas absteve-se de requisitar reforços e impulsionou com sua inação a realização da profecia. Por volta de 13h30, Saulo repassou-lhe por telefone a convicção de que a violência que descia do QG do Exército resultaria em invasão. Deu no que está dando.
Dois relatórios produzidos pela agência foram enviados ao Congresso, um em janeiro e o outro em abril. O primeiro omitia o nome do GDias. "O ministro determinou que fosse retirado o nome dele dali, porque ele não era o destinatário oficial daquelas mensagens", afirmou Saulo à comissão. Quando passou pelo GSI, com a missão de "desbolsonarizar" o órgão, o interventor Ricardo Cappelli, número 2 do Ministério da Justiça, disse que nada tisnaria a "lisura da conduta" de GDias. Engano. O general já estava com a imagem maltrapilha. Com seu depoimento, Saulo deixou-o nu.
Quando o PT e o PMDB ainda eram parceiros, os chefes dos 3 Poderes uniram forças numa ofensiva para enterrar o petrolão, arquivar o impeachment da nefelibata da mandioca e preservar o mandato de Cunha. Dilma se reuniu com Ricardo Lewandowski (então presidente do Supremo) em Portugal. Zavascki foi convidado a participar da maracutaia, mas declinou do convite e, com a discrição que lhe era peculiar, salvou a Lava-Jato de um dos cercos mais ousados tramados contra ela até aquele momento. O acidente que resultou na morte de Zavascki (e dos demais ocupantes do Beechcraft que caiu a poucos quilômetros de Paraty em janeiro de 2017) ensejou um sem-número de teorias conspiratórias.
Aviões caem com frequência — ou são derrubados, como diz quem é do ramo (a propósito, sugiro a leitura desta matéria), mas as chances de alguém morrer num desastre aéreo são ínfimas se comparadas com as de um acidente de transito, por exemplo. Estudos apontam que a probabilidade de uma aeronave sofrer um acidente é de 1 em 1,2 milhão, e que, quando isso acontece, 95,7% dos passageiros sobreviverem. Isso significa que a probabilidade de alguém morrer num acidente de avião é de 1 em 11 milhões — contra 1 em 5 mil em colisões de automóveis, atropelamentos, etc.; 1 em 6 em decorrência de doenças cardíacas; e 1 em 7 por câncer. Em última análise, os mortais comuns têm mais chances de acertar a Mega-Sena do que de morrer num desastre aéreo
Conspirações existem, e cada qual tem sua origem e seu propósito. Já as teorias conspiratórias, quando não são fruto de má-fé, são criadas porque nosso cérebro é vocacionado a dar sentido a situações que parecem carecer dele. Uma vez que a suspeita começa a se espalhar, mais pessoas aderem, e o viés da confirmação tende a ser estimado, e não verificado. O resultado pode ser um surto de delírio coletivo — que não deixa de ser um alento provisório para quem tem dificuldade em aceitar a existência do acaso e o fato de certas coisas na vida simplesmente não fazem sentido. Embora seja a única certeza que temos na vida, a morte constrange, intimida e atemoriza. Sobretudo porque não sabemos o que vem depois. Para quem fica, a vida segue seu curso.
Vale relembrar uma passagem interessante: em 1755, após o terremoto de Lisboa, o rei Dom José perguntou ao general Pedro D’Almeida o que se havia de fazer, e a resposta foi: "Sepultar os mortos, cuidar dos vivos e fechar os portos".