"Nada será como ontem amanhã" — título de uma série da Rede Globo baseada no romance "O Mundo Inimigo", de Luiz Ruffato, e verso da canção homônima composta por Milton Nascimento e Ronaldo Bastos — é um brocardo que não se aplica ao "país do futuro" que nunca chega e que tem um imenso passado sombrio pela frente. Para o Brasil começar a mudar (para melhor), o povo precisa aprender a votar (é mais fácil galinhas criarem dentes) e a fervura no caldeirão da polarização, baixar (é mais fácil porcos criarem asas).
Em pleno século 21, a despeito da dissolução da União Soviética e da queda do Muro de Berlim, ainda se fala em "esquerda e direita" como se falava durante a Guerra Fria. Essa divisão político-ideológica surgiu na França, durante a Assembleia Nacional Constituinte de 1789, quando os revolucionários que apoiavam mudanças radicais e igualdade social sentavam-se à esquerda no parlamento, e os conservadores que defendiam a monarquia e a ordem tradicional, à direita.
O ministro Luís Roberto Barroso, presidente de turno do STF, disse recentemente que "as instituições funcionam na mais plena normalidade, com convivência harmoniosa e pacífica de todos". Sua excelência pode dizer o que quiser e acreditar no que lhe aprouver, naturalmente. Em o ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA, o escritor português José Saramago (que foi laureado com o Nobel de Literatura em 1998) anotou que "a cegueira é uma questão privada entre as pessoas e os olhos com que nasceram", e que "a pior cegueira é a mental, que faz com que não reconheçamos o que temos pela frente".
Nossa democracia lembra aquelas fotografias de antigos reis africanos, que copiavam os trajes e os trejeitos dos governantes de nações mais evoluídas, mas não aprendiam suas virtudes. Na foto, o que se tem no Brasil parece coisa de primeiro mundo, mas, na vida real, não passa de uma cópia barata e malsucedida do artigo legítimo. Temos uma Constituição, uma Câmara de Deputados, um Senado e até um presidente do Congresso.
Temos uma Corte Suprema, onde os juízes são chamados de ministros, usam togas pretas como os reis africanos usavam cartolas, e às vezes escrevem até uma frase inteira em latim). Temos eleições a cada dois anos, e mais de 30 partidos políticos — que custam bilhões de reais aos contribuintes. Temos até uma Justiça Eleitoral — um exemplo único no mundo, na avaliação do eminente ministro Dias Toffoli). Temos políticos que, salvo raríssimas exceções, se elegem para roubar e roubam para se reeleger. Temos um Parlamento onde as leis são criadas para favorecer criminosos, e parlamentares que são a favor de tudo e contra qualquer outra coisa, desde que sua impunidade não seja comprometida. Enfim, não falta nada, exceto a democracia.
Temos muitas leis, mas pouca vergonha na cara. Dias atrás, a "direita bolsonarista" e a "esquerda lulopetista" se uniram para aprovar a admissibilidade da PEC da blindagem. Com o apoio do Centrão de Arthur Lira, a admissibilidade da proposta indecente foi aprovada com 304 votos a favor, 154 contra e duas abstenções. Se conseguir o apoio de pelo menos 3/5 dos 513 deputados em dois turnos de votação na Câmara e 49 votos favoráveis dos 81 senadores (também em 2 turnos de votação), a aberração será promulgada pelas Mesas das duas Casas Legislativas — lembrando que propostas de emenda à Constituição são elaboradas pelo Legislativo sem qualquer ingerência do Executivo.
Atual presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo Pacheco disse que a PEC é inconstitucional e que a mandará para o "porão do esquecimento" do Congresso se ela for aprovada na Câmara. Em resposta, o imperador da Câmara e condestável do Centrão afirmou que ainda não existe uma proposta de medidas para blindar parlamentares de operações da PF; o que se tem é apenas uma "discussão sobre procedimentos". A boa notícia é que caberá ao STF decidir se esse desatino parlamentar contraria ou não os ditames da Constituição; a má é que os ministros são rápidos como o raio quando se trata de conceder habeas corpus a bandidos de estimação, aumentar os próprios salários e autorizar despesas com mordomias, mas lerdos como lesmas ao julgar corruptos de alto coturno.
Observação: O julgamento da AP 1025, que resultou na condenação de Collor a 8 anos e 10 meses de reclusão, demorou quase 8 anos, e mais um ano se passou até que os ministros começassem a apreciar os embargos de declaração impetrados pela defesa. Na véspera do feriadão de Carnaval, assim que Alexandre de Moraes abriu placar pelo indeferimento do recurso, Dias Toffoli vestiu a fantasia de paladino e emperrou o julgamento com um pedido de vista.
Com a vinda da família real portuguesa para o Rio de Janeiro (1808), o príncipe regente criou a Casa da Suplicação do Brasil, que é considerada a versão 1.0 do STF. A função de corte constitucional foi adicionada nas pegadas da Declaração da Independência, com a criação do Supremo Tribunal de Justiça (que foi rebatizado mais adiante como Supremo Tribunal Federal). Passados mais de 200 anos, os paramentos, rapapés, salamaleques, linguagem empolada, votos repletos de citações em latim e outras papagaiadas supremas ainda exalam o bolor dos tempos do Império.
Nas sessões plenárias, os ministros trazem os votos prontos, mas fingem prestar atenção às sustentações orais de procuradores, advogados, amici curiae e quem mais subir à tribuna para fazer solilóquios. Depois que o relator lê seu voto, os demais se pronunciam na ordem inversa ao tempo de casa (ou seja, do novato ao decano). Em havendo empate, cabe ao presidente do Tribunal dar o voto de Minerva. Pelo regimento interno, suas excelências podem usar o tempo que desejarem para expor e fundamentar as decisões. Em vez de dizer simplesmente se acompanha ou não o voto relator e, em caso divergência, expor em poucas palavras os motivos da discordância, a maioria se delicia com cada minuto de protagonismo oferecido pelas câmaras da TV Justiça. Ricardo Lewandowski levou 10 horas e 27 minutos para ler seu voto na ADPF 5; Eros Grau, 8 horas e 45 minutos na ADPF 153; Marco Aurélio, 7 horas e 30 minutos no HC 84.078; e Celso de Mello, 7 horas cravadas no RE 574.706.
Com a vinda da família real portuguesa para o Rio de Janeiro (1808), o príncipe regente criou a Casa da Suplicação do Brasil, que é considerada a versão 1.0 do STF. A função de corte constitucional foi adicionada nas pegadas da Declaração da Independência, com a criação do Supremo Tribunal de Justiça (que foi rebatizado mais adiante como Supremo Tribunal Federal). Passados mais de 200 anos, os paramentos, rapapés, salamaleques, linguagem empolada, votos repletos de citações em latim e outras papagaiadas supremas ainda exalam o bolor dos tempos do Império.
Nas sessões plenárias, os ministros trazem os votos prontos, mas fingem prestar atenção às sustentações orais de procuradores, advogados, amici curiae e quem mais subir à tribuna para fazer solilóquios. Depois que o relator lê seu voto, os demais se pronunciam na ordem inversa ao tempo de casa (ou seja, do novato ao decano). Em havendo empate, cabe ao presidente do Tribunal dar o voto de Minerva. Pelo regimento interno, suas excelências podem usar o tempo que desejarem para expor e fundamentar as decisões. Em vez de dizer simplesmente se acompanha ou não o voto relator e, em caso divergência, expor em poucas palavras os motivos da discordância, a maioria se delicia com cada minuto de protagonismo oferecido pelas câmaras da TV Justiça. Ricardo Lewandowski levou 10 horas e 27 minutos para ler seu voto na ADPF 5; Eros Grau, 8 horas e 45 minutos na ADPF 153; Marco Aurélio, 7 horas e 30 minutos no HC 84.078; e Celso de Mello, 7 horas cravadas no RE 574.706.
Voltando à questão da inconstitucionalidade da PEC da blindagem, o que esperar desse arquipélago de 11 ilhas (na definição do ex-ministro Sepúlveda Pertence) que muda a própria jurisprudência ao sabor dos ventos político-partidários? Ou não foi isso que aconteceu em 2019, com o sepultamento da prisão em segunda instância, ou em 2021, com o "descondenamento" de Lula e sua subsequente reinserção no no tabuleiro da sucessão presidencial? Ou, também em 20121, quando Gilmar Mendes, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski tiram da suprema cartola a suspeição do ex-juiz Sergio Moro?
Continua...