Napoleão de hospício que se preza come merda e rasga dinheiro. Não é o caso dos idiotas úteis que depredaram as sedes dos Poderes, nem dos autores e executores palacianos da tentativa malsucedida de golpe de Estado.
Mesmo que essa choldra viva num universo paralelo, surtos coletivos de demência não explicam tudo, e rompantes não duram tanto tempo nem atingem igualmente pessoas com etnias, gêneros, idades e profissões diferentes.
O argumento da trama fornecido por Bolsonaro em sua trajetória pavimentou o caminho para o golpe de Estado que, por amadorismo ou excesso de confiança dos artífices, não levou em conta a possibilidade do fracasso nem os ensinamentos do Conselheiro Acácio sobre consequências.
O intentona não prosperou porque os comandantes do Exército e da Aeronáutica se recusaram a participar, mas o ataque orquestrado contra as instituições da República e o Estado Democrático de Direito pode render ao ex-presidente 28 anos de prisão e outros 30 de inelegibilidade (sem falar nos inquéritos sobre as joias sauditas e os cartões de vacinação fraudados).
Em entrevista a jornalistas bolsonaristas da revista Oeste, Bolsonaro se referiu ao relatório de 884 páginas da PF como "peça de ficção da PF" e fez um patético apelo ao STF: "Vamos pacificar, zera o jogo daqui para frente".
Se vivêssemos num país sério, o então presidente teria sido apeado por um dos 145 pedidos de impeachment — que Arthur Lira engavetou — ou pelos crimes apontados no relatório da CPI da Covid — que Augusto Aras se escusou de denunciar. Como vivemos numa republiqueta de bananas, a pergunta que não quer calar só será respondida objetivamente pelo STF, dono da palavra final (ou do direito de errar por último, como fez ao anular as condenações de Lula com base numa duvidosa incompetência territorial).
A Lei da Anistia sancionada pelo presidente-general Joao Batista Figueiredo em 1979 passou uma borracha nos crimes políticos e conexos cometidos durante a ditadura militar, mas não apagou a memória do período, e a desconfiança sobre a submissão das Forças Armadas ao poder civil revelou-se justificada na conspiração bolsonarista, cujos detalhes mais estarrecedores foram revelados recentemente pela Operação Contragolpe.
Num pais sério, o Judiciário faria serão para denunciar, processar e julgar Bolsonaro e outros 36 indiciados. Como vivemos numa republiqueta de bandanas, a denuncia só deve acontecer depois do recesso de final de ano, e, se for aceita, a sentença deve sair somente no segundo semestre (para não "contaminar" as eleições de 2026).
Mas o escárnio não para aí: enquanto o plano para assassinar Lula, Alckmin e Moraes era revelado pela PF, o Congresso debatia a anistia dos presos do 8 de janeiro (e, por antecipação, de Bolsonaro e seus comparsas), sob o pretexto de que o Brasil só será pacificado com a soltura dos "presos políticos" e a concessão de perdão aos demais.
Classificar criminosos como "presos políticos" não é apenas distorcer os fatos, mas alimentar uma realidade paralela que serve de base psicológica para os envolvidos nos atentados contra o Estado Democrático de Direito. Transformar em vítimas criminosos que atentaram contra a democracia e depredaram o patrimônio público, histórico e artístico do país é inconcebível.
A articulação que adiou temporariamente a votação do projeto de anistia deveu-se ao fato de o imperador da Câmara ver a proposta como uma moeda de troca para barganhar vantagens junto ao Executivo. Enfim, considerando que o golpe, se bem-sucedido, ensejaria a criação de um Estado de Exceção onde as funções republicanas do Congresso não seriam respeitadas torna a defesa da anistia por deputados e senadores totalmente incompreensível.
Segundo o pai da psicanálise, as massas não distinguem verdades de ilusões. No caso em tela, o fanatismo coletivo limita a capacidade cognitiva individual, levando cada "convertido" a agir em grupo como jamais agiria sozinho — cantando o hino nacional para pneu ou pedindo ajuda a ETs, por exemplo — e chegando ao cúmulo de acreditar que está engajados numa batalha divina do bem contra o mal.
Francisco Wanderley Luiz, autor do atentado com bombas na Esplanada dos Ministérios, associava a esquerda ao satanismo em suas redes sociais. Para o policial e os quatro kids pretos presos pela PF, morrer em nome de um "bem maior" era aceitável. Com o raciocínio embotado pelo proselitismo fanático, esses lunáticos se veem como "patriotas e cristãos" e enxergam as instituições republicanas como uma ameaça à ordem democrática e aos pilares da verdadeira fé. Não fosse trágico, seria cômico.
A preservação do império da legalidade recomenda enfaticamente a superação do ambiente polarizado sob o qual vivemos há anos. Enquanto a vontade retórica que frequenta discursos não se materializar em ações efetivas, os adversários continuarão se vendo como inimigos a serem aniquilados. Pacificar o país é fundamental, mas dizer que isso só é possível mediante uma anistia ampla, geral e irrestrita aos golpistas e assemelhados é um escárnio.
Bolsonaro e compostura jamais frequentaram os mesmos saraus, mas até a aleivosia tem limite. Se não houve uma trama golpista, como ele afirmou na entrevista, basta-lhe uma boa defesa. Se houve, o caso é de cadeia, não de anistia preventiva. Pedir clemência àqueles que seus cúmplices planejaram assassinar é o cúmulo do cinismo, e insinuar que a pacificação nacional depende da ressurreição de um messiânico com pés de barro é levar o descaramento às fronteiras do paroxismo.
Acometida de cegueira mental, a récua bolsonarista continua enxergando o santarrão de pau oco, sujo com poleiro de galinheiro, como um "guia dos patriotas", conquanto as evidencias revelem que seu "messias" não serve sequer para guia de cego. Mas não há como aceitar que a culpa é da loucura alheia. Se doidos há, por trás deles estão os dirigentes do hospício, delinquentes muito conscientes de sua orientação à guerra.
A atmosfera radicalizada é terreno fértil para defensores de rupturas, e aqueles que pretendem combatê-los com o uso das mesmas armas, ainda que retóricas, fomentam a dinâmica do atrito. A política é a arte de construir convergências preservando as divergências das visões de mundo. Hegemonias absolutas não ornam com democracia, mas alcançá-las parece ser o intuito dos extremistas, que pretendem prevalecer sobre as demais correntes de pensamento.
Uma filosófica anedota sobre a criação do mundo explica por que Bolsonaro e Lula são as figuras politicas que mais despertam emoções — tanto positivas quanto negativas —, a despeito de suas visões de mundo — que cada qual deturpa a sua maneira — afrontarem os "não-convertidos" (também chamados de "isentões"). O primeiro está inelegível até 2030, e pode estar cumprindo pena por ocasião das próximas eleições. O segundo, se ainda caminhar entre os vivos em 2026, estará com 82 anos, e ainda mais caquético do que se mostra atualmente.
Com a aprovação em queda, a inflação em alta e o dólar na casa dos R$ 6 (pela primeira vez na história). Nem mesmo o pronunciamento do futuro presidente do BC (indicado por Lula para substituir Campos Neto a partir de 1º de janeiro de 2025) ensejou uma correção de baixa.
A aversão do xamã petista ao corte de gastos deu azo à procrastinação do anuncio das medidas econômicas que o mercado financeiro esperava havia semanas, e o desconforto dos investidores cresceu ainda mais com o aumento da faixa de isenção do IR: o Ibovespa encerrou novembro aos 125,667,83 pontos, projetando uma baixa acumulada de 3,93% no mês e de 7,14 no ano.
Como se nada mais importante houvesse para noticiar, a mídia reverbera pesquisas eleitoreiras prematuras, que exploram hipotéticas disputa entre Lula, Bolsonaro, Tarcísio de Freitas, Michelle Bolsonaro, Ronaldo Caiado, Ciro Gomes e Simone Tebet — não sei como excluíram Marçal e Datena desse abominável exercício de futurologia. Embora o capital eleitoral do ex-verdugo do Planalto permaneça relevante a despeito de sua inelegibilidade, os parlamentares do Centrão são conhecidos por carregar o caixão, não por pular na cova com o defunto.
Bolsonaro tentou se lançar como ditador, mas o golpe deu errado, e pode sepultar sua carreira política. Além disso, os inquéritos que tratam das joias sauditas e da fraude nos cartões de vacina têm potencial para jogar a derradeira pá de cal sobre o esquife. Embora ele se compare aos perseguidos políticos na Venezuela, Nicarágua e Bolívia, porém os contextos são totalmente diferentes.
Como se nada mais importante houvesse para noticiar, a mídia reverbera pesquisas eleitoreiras prematuras, que exploram hipotéticas disputa entre Lula, Bolsonaro, Tarcísio de Freitas, Michelle Bolsonaro, Ronaldo Caiado, Ciro Gomes e Simone Tebet — não sei como excluíram Marçal e Datena desse abominável exercício de futurologia. Embora o capital eleitoral do ex-verdugo do Planalto permaneça relevante a despeito de sua inelegibilidade, os parlamentares do Centrão são conhecidos por carregar o caixão, não por pular na cova com o defunto.
Bolsonaro tentou se lançar como ditador, mas o golpe deu errado, e pode sepultar sua carreira política. Além disso, os inquéritos que tratam das joias sauditas e da fraude nos cartões de vacina têm potencial para jogar a derradeira pá de cal sobre o esquife. Embora ele se compare aos perseguidos políticos na Venezuela, Nicarágua e Bolívia, porém os contextos são totalmente diferentes.
As investigações da PF promoveram o achismo a convicção, com fatura de provas de crimes variados. Durante sua gestão, Bolsonaro foi blindado pelo antiprocurador-geral e pelo soberano da Câmara, mas a blindagem terminou quando as urnas lhe negaram um segundo mandato e a PF comprovou sua participação na tentativa de subversão do Estado Democrático de Direito.
O que se espera não é achismo nem um paralelo com o que acontece fora do Brasil, mas a pura e simples aplicação da lei penal brasileira a quem cometeu crimes. É isso que Bolsonaro merece, e é isso que ele deve obter se não fugir do Brasil.