Por mais que estejamos desencantados com a política, com os
políticos e, sobretudo, com os candidatos, as eleições estão aí. E para deixar o
cenário ainda mais sombrio, uma parcela significativa do nosso qualificadíssimo eleitorado parece continuar dividida
entre um criminoso condenado e um extremista de direita — candidatos em quem pessoas minimamente racionais não votariam sequer para presidir
uma simples assembleia de condomínio.
A despeito de serem diametralmente opostas, essas duas
correntes se equivalem em fidelidade canina e fanatismo desbragado, em vista de como se deixam levar facilmente pelas mentiras repetidas ad
nauseam pelos líderes partidários. O presidiário Lula, comandante do maior assalto da história republicana e
heptarréu na Justiça Penal, ainda consegue vender seu ramerrão de “perseguido
político”, de “condenado sem provas”, de “vítima de uma conspiração para
impedi-lo de disputar o pleito presidencial”. Todo conversa mole, naturalmente,
mas não faltam idiotas dispostos a rezar pelo seu catecismo.
São milhões os desvairados que acreditam nas fake news sopradas todos os dias pela
mídia “cumpanhêra” e replicadas massivamente nas mídias sociais, incapazes de perceber que foram dominados por um sistema doutrinário que hipnotiza,
entorpece e deforma, e daí continuarem defendendo esse descalabro com unhas e dentes.
Votar em Lula ou
em Bolsonaro é o mesmo que dar a Herodes as chaves do berçário. As
notórias “virtudes” do primeiro já foram cantadas em prosa e verso neste Blog, mas do segundo não havia por que eu falar até que ele despontasse como candidato à Presidência. Para preencher essa lacuna, começo por salientar que seu maior trunfo são as redes sociais, onde ele conta com milhões de
seguidores (1/3 dos quais seriam fake)
e promove debates acalorados sobre questões de gênero, sexualidade, direitos
humanos, armas, e por aí afora.
Há quase trinta anos na Câmara, Bolsonaro atendia
inicialmente aos interesses dos militares, sua primeira base eleitoral. Mais
adiante, passou a mirar na questão da segurança pública — uma das mais
vulneráveis do país e de maior apelo nas urnas. No entanto, dos mais de 170
projetos que apresentou em toda a sua trajetória política, apenas 2 viraram
leis.
Militar de carreira, o capitão aposentado do Exército não
esconde sua admiração pela ditadura e pelo torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou DOI-CODI
de 1970 a 1974. Nos anos 90, o deputado votou e militou contra o Plano Real — considerado um dos mais
bem-sucedidos na área econômica —, contra a quebra dos monopólios do petróleo e
das telecomunicações e contra as reformas administrativa e da Previdência.
Durante a estabilização econômica, sempre se posicionou contrário à abertura do
mercado brasileiro. Em maio de 1994, votou contra a conversão da moeda, a
exemplo do que fizeram PT, PCdoB e PDT; em 1995, já filiado ao PPB,
desfilou pela Câmara exibindo uma moeda falsa de real, avisando que pediria
investigação da PF sobre o caso; em 1996, foi um dos deputados que
votaram contra a reforma proposta por FHC;
em 1999, foi contrário a proposta que instituía a cobrança previdenciária de
servidores públicos inativos e aumentava a contribuição dos servidores em
atividade (a medida fazia parte de um pacote de ajuste fiscal do governo FHC, que tentava também demonstrar ao FMI seu compromisso com as contas
públicas).
Em entrevista concedida nos anos 1990, Bolsonaro defendeu o
fuzilamento de FHC o fechamento do Congresso. Mais recentemente,
fez apologia
ao estupro, afirmou que ter filho gay
é falta de porrada, além de ser pródigo em comentários de cunho racista. Para seus correligionários menos fanáticos, ele teria dito isso “da boca pra fora”, mas é impossível não reconhecer que o ora candidato não tem um plano de
governo (aliás, não é só ele; a maioria dos postulantes ao Planalto também não
tem) nem qualquer familiaridade com questões inerentes à Economia. Como se já não
bastasse, suas opiniões mudam como o vento: o deputado já sustentou, por exemplo, que
o Banco Central atua em favor do
sistema financeiro e deveria ser alvo de uma intervenção; logo em seguida,
disse achar fundamental manter a instituição independente para definir metas,
diminuir juros, reduzir inflação e obter previsibilidade econômica.
Alvo recente de críticas por apresentar posições pouco
aprofundadas na área econômica, Bolsonaro
publicou um manifesto similar à Carta
ao Povo Brasileiro redigida por Palocci
e assinada por Lula em 2002. Na sua versão, ele afirma estar montando uma equipe repleta de “professores de algumas
das melhores universidades do Brasil e da Europa” e que nenhum de seus membros
defende “ideias heterodoxas ou apreço por regimes totalitários”. Mas o apoio
dos demais partidos é pífio, e neste malfadado
presidencialismo de coalizão o chefe do Executivo não consegue governar sem o
suporte do Legislativo — não ter conseguido esse apoio foi um dos grandes erros
de Dilma em seu segundo mandato; depois
de várias decisões erradas politicamente, como não apoiar Eduardo Cunha para presidente da Câmara e ter o desarticulado Aloizio Mercadante como articulador
político por muito tempo, ela perdeu o apoio do Congresso e acabou penabundada
do Planalto.
Bolsonaro já está em maus-lençóis por disputar a eleição por um partido-nanico, que não lhe
garantirá maioria no Congresso. Mas não é só. Conforme sua popularidade cresce, mais o seu nome
fica em destaque, e mais acusações de desvio ético surgem contra ele. Não serei
eu a dizer que ele foi ou é corrupto, mas salta aos olhos que fez o mesmo que
seus pares na Câmara, e que agora acusa de corrupção. Um de muitos exemplos é o
financiamento de sua campanha de 2014 com dinheiro doado pela JBS ao PP (partido ao qual o
deputado era filado naquela época), que lhe repassou imediatamente a mesma
quantia. Outro exemplo — que você pode conferir em detalhes nesta matéria da Folha — é o fato de tanto ele quanto seus filhos, que
também exercem mandato, receberem auxílio-moradia, embora residam em imóveis próprios
em Brasília.
A lista é longa, mas eu vou abreviar a conversa porque
não faltam canastrões postulando a Presidência. Claro que a maioria vai ficar
pelo caminho — como já ficaram Luciano
Huck, João Doria, Joaquim Barbosa, Flávio Rocha e Rodrigo Maia,
por exemplo — e daqueles que restarem, apenas uns três ou quatro têm chances reais
de passar para o segundo turno. Um deses é ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, também conhecido pelo
maldoso apelido de picolé de chuchu,
dada sua notória insipidez. Vamos a ele.
Como bem salientou o jornalista J.R. Guzzo em mais um brilhante artigo, Alckmin é o candidato mais
natural, lógico e viável para se contrapor às forças do ex-presidente Lula, solto ou preso, e da turma toda
que tenta copiá-lo. No entanto, por uma destas esquisitices comuns à política
brasileira, até agora o seu nome foi o menos falado entre os 1.500 candidatos à
Presidência, reais ou imaginários, sobreviventes ou já sepultados,
que apareceram até o presente momento na campanha.
Neste meio tempo, muito já
se discutiu, com toda a seriedade do mundo, a “candidatura” do ex-ministro
Joaquim Barbosa. Alguém ainda se lembra da “candidatura” do apresentador de
televisão Luciano Huck? Discute-se
diariamente, até hoje, cada sílaba dita por Marina Silva, que consegue desfilar há meses sua candidatura
presidencial na mídia sem ter um único deputado na sua “base de apoio”. Até o
próprio Michel Temer, imaginem se é
possível, foi tido como candidato à sua própria sucessão. Só não se falava do
único candidato de verdade para disputar a eleição em nome dos brasileiros que
não querem Lula e os seus etcs. Ou,
nas raras vezes em que se dizia alguma coisa a respeito, era para informar que
sua candidatura estava para se desfazer, em meio a mais uma crise terminal.
Passa o tempo e, como seria inevitável acontecer, Alckmin enfim aparece com o tamanho que
sempre teve, ao se constatar as realidades de uma eleição presidencial
brasileira: a possibilidade, para ele, de ter cerca de 50% do tempo de
propaganda obrigatória na TV, o apoio da caldeirada de partidos que existem
unicamente para entrar no governo e a força de gravidade dos que só pulam na
disputa depois de calcularem com cuidado quem tem mais chance de ganhar.
Pronto: Geraldo Alckmin, que não
existia, passou a existir como “o homem do segundo turno” e, como tal, começará
a ter vida no noticiário. Breve aqui, portanto, um novo alvo para a artilharia
da esquerda nacional — até agora concentrada no deputado Jair Bolsonaro, o inimigo mais evidente e, pelo que dizem, mais
duro de roer. Mais: aguardem o fogo cerrado dos “liberais civilizados”, modelo
tucano de luxo. Já começaram as conversas de que Alckmin não é “anti-Lula” o suficiente; que pode trazer de volta o imposto sindical; que gosta da Petrobras mais do que deveria, etc.
Ficam todos escandalizados, de repente, pelo fato de Alckmin ter aceitado o apoio de
partidos “não-éticos”. Que horror, não é mesmo? Quem jamais ouviu falar que uma
coisa dessas tenha acontecido algum dia na política brasileira? Há outros
crimes, além desses. Alckmin não tem
ideias brilhantes. Não tem posições firmes. Não tem uma “visão do Brasil e do
mundo”. Não dá murro na mesa. Não é engraçado. Não grita. É como se os outros
candidatos fossem gigantes da política; é como se a sucessão de Michel Temer estivesse sendo disputada
entre Winston Churchill, Franklin Roosevelt e Santo Antonio de Pádua. Votar em Alckmin equivaleria a votar contra
algum desses portentos — e não contra os que estão aí na vida real, incluindo o
Homem do Aerotrem.
Lula, o PT e a sua coleção de minions,
mais os antilulistas que se imaginam europeus, avançados e fiéis à uma “agenda
social”, apostaram tudo, até agora, no combate à Jair Bolsonaro — na sua maneira de ver as coisas, um adversário
“pronto”, odiado pelos comentaristas políticos, por toda a mídia e por quem se
considera “contra os militares”, seja isso lá o que for. De tanto falar nele,
construíram o fantasma Bolsonaro.
Esqueceram que Alckmin existia.
Agora terão de vencer os dois.
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