Até meados dos anos 1970, escreveu Dora Kramer em sua coluna na edição desta semana da revista Veja, os concursos de fantasia
promovidos por grandes clubes e hotéis, principalmente no Rio de Janeiro, eram
um acontecimento de sucesso absoluto no Carnaval. Havia duas categorias: luxo e
originalidade. Na primeira, valia o esplendor; na segunda, a capacidade de
surpreender. Se houvesse hoje um campeonato mundial entre países no quesito
originalidade, o Brasil seria hors-concours, tal a fertilidade do país em
ineditismos.
De Fernando Henrique
Cardoso costumava-se dizer que era um presidente fora da curva, dado seu
preparo intelectual e sua “vivência de mundo”. Isso depois de o Brasil já ter
se inscrito no campo das primazias com um impeachment presidencial na estrita
regra democrática, sem quebra institucional, a despeito da proximidade do
finado período autoritário e da ainda incipiente cultura democrática nas
esferas pública e privada.
De lá para cá vem sendo produzida uma série de
originalidades, a mais recente delas de novo atinente a um presidente. Jair Bolsonaro poderia também ser
considerado um ponto fora da curva (pelas razões opostas às que assim
enquadravam FHC) se nos últimos anos
o país não tivesse se notabilizado pela transformação da exceção em regra. Era
um governador baiano, Otávio Mangabeira,
quem dizia: “Pense num absurdo, na Bahia tem precedente”.
A constatação, ampliada em âmbito nacional, não poderia ser
mais atual quando se pensa na eleição para presidente de um deputado de atuação
inexpressiva no Parlamento, com posições extremadas, muitas vezes caricatas, e
que até outro dia não influía nem contribuía com coisa alguma para a cena
política do país.
A fim de economizarmos espaço e evitarmos repetições,
deixemos aqui de lado os detalhes da devastação ainda em andamento ocasionada
pela Lava-Jato e derivados
nos grandes, médios e pequenos escalões políticos e empresariais. Vamos direto
ao seu efeito mais vistoso: um ex-presidente da República altamente popular,
tido por muita gente (inclusive pelo próprio) como inimputável, preso e com mais
de meia dúzia de processos nas costas. E o que dizer da prisão dos quatro
últimos governadores do Rio de Janeiro, dois ainda na cadeia?
Um segundo impeachment presidencial em menos de 25 anos
também não é algo corriqueiro, embora o inusitado ainda reservasse outra
surpresa: o governo substituto daquele amplamente rejeitado viria a fazer
história como o mais impopular dos tempos democráticos, apesar de ter estancado
uma trajetória ao inevitável fundo do poço.
É assim, em ambiente de coisa nunca vista, que finalizamos o
ano e mais um período presidencial: com Michel
Temer tendo evitado o desastre maior e, por força de ter virado vidraça na
Presidência, deixando agora o cargo na condição de investigado, denunciado,
processado, todo enrolado com a lei, assim como boa parte dos companheiros que
com ele durante anos foram condôminos do poder.
Tivessem deixado ao PT,
Dilma e Lula as batatas, Temer e
a turma do MDB talvez estivessem
agora em melhores lençóis. Mas o Brasil não saberia da missa a metade.