Ainda convalescendo dos efeitos da “síndrome do macaco”, venho
enfrentando alguma dificuldade para desenvolver postagens sobre o atual cenário
político. Assim, ainda de ressaca da análise circunstanciada que apresentei nas
duas últimas postagens sobre o presidente eleito e sobre o estapafúrdio pedido da defesa de Lula para anular o julgamento do processo em que o molusco foi condenado, resolvi, na postagem de hoje, apenas transcrever mais um texto brilhante de Dora Kramer e uma tirada do igualmente
impagável Augusto Nunes. Começando
pelo último:
Manuela d'Ávila corre
o risco de levar um triplo puxão de orelhas de Haddad, de Gleisi e do
chefão presidiário. A deputada do PCdoB
— eterno satélite do PT —, vice do
poste que Lula fabricou e Jair Bolsonaro pulverizou, saiu-se,
numa entrevista à Globo, com a
seguinte pérola:
“O Ciro teve uma participação brilhante no primeiro
turno e ele foi quem viabilizou também, com seu elevado percentual de votos, o
segundo turno. Ciro não contribuiu para nossa derrota. Ele contribuiu para a
existência do segundo turno com a campanha que fez até o último dia em alta
intensidade. Ele cometeu um equívoco em não se envolver no segundo turno”.
Agora o texto de Dora
Kramer:
Ainda
sob os efeitos do azedume geral, pode ser difícil pensar em produzir limonadas
a partir da colossal quantidade de limões encruados nas almas e entalados nas
gargantas país afora. Não falo de pacificações ao molde de conversões forçadas
por um bom-mocismo de ocasião. Tampouco me refiro a pregações por união
nacional mediante a interferência da figura de um pacificador, dada a
semelhança com o anseio por um salvador.
Tudo
isso é mito. Civilizatório, realista e institucionalmente pedagógico é o
aprendizado do exercício do contraditório dentro das balizas do bom-senso. A
eleição de Jair Bolsonaro, do jeito
e pelas razões (ainda a ser completamente desvendadas e catalogadas) que
ocorreu, põe o Brasil diante de uma preciosa oportunidade de subir de patamar
na qualidade das relações entre governantes e governados.
Por
paradoxal que soe, esse caminho foi aberto pelo ambiente de acirramento extremo
que vem tomando conta do país já há algum tempo e que chegou aos píncaros durante
a campanha eleitoral. Tivemos um processo inédito do qual resultou uma situação
também sem precedentes. Nenhuma das eleições anteriores, desde a retomada do
voto direto para presidente, produziu uma vitória que aborrecesse com tanta
estridência tal volume de eleitores. O mesmo teria ocorrido caso o vencedor
fosse o oponente, diga-se.
Somados
os votos dados ao derrotado com a manifestação dos que preferiram não se
posicionar (já expressando aí uma posição), grosso modo tivemos um contingente
de praticamente metade do eleitorado habilitado. Isso significa que o eleito já
inicia sua trajetória sob intenso mau humor social. Ruim? Depende da
perspectiva. Se a ideia é que governos novos precisam ter aceitação unânime
para se legitimar e conseguir trabalhar, a resposta é sim, bem ruim.
Podemos,
contudo, adotar outro ponto de vista, aquele segundo o qual a existência de uma
substanciosa massa crítica no país melhora a sociedade, aumenta o grau de
consciência de cidadania e alimenta a noção de que governos existem para servir
à coletividade, e não para servir-se dela com apropriação indevida do dinheiro
de todos e da captura de consciências. Nesse caso, a existência de uma oposição
social vigorosa é benéfica. Já vimos o que a subserviência a mitologias da
propaganda oficial fez nos governos do PT.
Estabeleceu-se
a lógica da criminalização da crítica, e, com isso, os então locatários do
poder sentiram-se desobrigados de qualquer autocrítica. Quando tentaram voltar,
depararam com uma força antagônica cujas fundações foram fincadas no pecado
original do elogio à unanimidade. Não fosse isso, talvez as coisas tivessem
tomado outro rumo em decorrência da vigilância e das exigências rigorosas da
sociedade.
Jair Bolsonaro não terá a vida boa de Luiz Inácio da Silva no tocante à
aceitação impune por longo período. E querem saber, senhoras e senhores? É
ótimo que assim seja.