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segunda-feira, 10 de junho de 2019

LAVA-JATO — O FURDUNÇO



No último domingo, o site The Intercept Brasil divulgou o conteúdo de mensagens supostamente trocadas entre o ex-juiz federal Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol. O site afirmou que o material lhe foi enviado por uma fonte anônima e que contém conversas escritas e gravadas nas quais o então juiz da Lava-Jato em Curitiba teria sugerido mudanças na ordem de fases da operação, além de dar conselhos, fornecer pistas e antecipar uma decisão a Dallagnol. Um investigador que conversou reservadamente com o Estado disse que somente as vítimas do ataque hacker poderão confirmar se o conteúdo é verdadeiro, já que é comum a inclusão de passagens falsas no meio de conversas “roubadas” das vítimas.

Em nota divulgada na noite do último domingo, a força-tarefa afirmou desconhecer a extensão da invasão, que possivelmente foram copiados documentos e dados sobre estratégias e investigações em andamento e sobre rotinas pessoais e de segurança dos integrantes do grupo e de suas famílias, mas reafirma que suas atividades foram desenvolvidas com pleno respeito à legalidade e de forma técnica e imparcial, e que não irão “se dobrar à invasão imoral e ilegal, à extorsão ou à tentativa de expor e deturpar suas vidas pessoais e profissionais”. Também por meio de nota, o hoje ministro Sérgio Moro disse que é normal juízes conversarem com procuradores e lamentou a falta de indicação de fonte de pessoa responsável pela invasão criminosa de celulares de procuradores e o sensacionalismo das matérias, além de reiterar que, nas mensagens em que é citado, “não se vislumbra qualquer anormalidade ou direcionamento da atuação enquanto magistrado” (sugiro assistir a este vídeo).

Os ataques de hackers vêm sendo recorrentes e já eram motivo de preocupação dentro do MPF. Em maio, Raquel Dodge, determinou instauração de procedimento administrativo para acompanhar a apuração de tentativas de ataques cibernéticos a membros do órgão e determinou ainda à Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação da PGR a adoção de providências para diagnosticar eventuais ataques e resolver o problema. No final de abril, o ex-procurador-geral Rodrigo Janot também informou que seu celular havia sido “clonado ou hackeado”, a exemplo do relator do processo da Lava-Jato no TRF-2, Abel Gomes.

É evidente que o PT, os defensores do Lula-Livre e os advogados do petralha irão explorar ad nauseam esse vazamento. Na sua avaliação deturpada e tendenciosa, as conversas revelavam tramas nada republicanas contra o partido. A patuleia vai fazer muito barulho, mas ninguém ficará surpreso em saber que essa caterva mente, ou ao menos distorce os fatos de maneira a amoldá-los a seus propósitos — esses, sim, nada republicanos. Sobre a prerrogativa da imprensa de preservar suas fontes, não se trata o caso em tela de jornalismo, mas de ativismo ideológico — o próprio fundador do Intercept Brasil já deixou claro que sua missão é destruir Bolsonaro, o que faz dele um aliado de Lula e, consequentemente, uma fonte nada imparcial (vale a pena ler esta matéria).

Como bem frisou Rodrigo Constantino, de nada adianta atirar no mensageiro e ignorar a mensagem, mas antes de chegar a ela é preciso criticar o clima persecutório instalado no país. Há quem aprove ou condene coisas como Wikileaks e vazamentos seletivos dependendo de quem é o alvo — se expõe um adversário, é maravilhoso, mas torna-se terrível e criminoso quando expõe um aliado. Isso é tribalismo amoral, e é por isso que alguns, chamados de “isentões”, condenam ou aprovam com base no método. Os meios importam, e ao passarmos pano em meios obscuros quando os alvos são nossos inimigos estamos alimentando o monstro que amanhã poderá se voltar contra nós.

Voltando às mensagens, não nada de mais até agora. Moro pode não ser perfeito — e ninguém o é —, mas foi um juiz que procurou se manter bastante dentro dos limites éticos e legais de sua função. E as mensagens vazadas não derrubam esta imagem, além de serem imprestáveis como prova à luz do melhor Direito, uma vez que foram obtidas de forma totalmente ilegal. Do ponto de vista político, porém, elas deram munição para a defesa reforçar a ideia de que a condenação de Lula (que responde a 10 processos e já foi sentenciado em dois, num dos quais nada menos que 19 juízes em três instâncias da Justiça reconheceram sua culpa) foi injusta, que houve trama, conluio e o diabo a quatro, e que, portanto, os processos devem ser anulados. Note o leitor que nada há nas gravações que indique a inocência de Lula — ou que, parafraseando Josias de Souza, “sirva de borracha para apagar a corrupção que devastou o Brasil”.

A roubalheira que a Lava-Jato retirou debaixo do tapete da República é colossal. Nunca antes na história deste país se investigou, puniu e enjaulou tantos personagens da elite política e empresarial. Foram em cana, entre outros: o mito Lula, o príncipe dos empreiteiros Marcelo Odebrecht, o ex-governador Sergio Cabral, dois ex-ministros do porte de José Dirceu e Antonio Palocci, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, o ex-vice-presidente da Câmara André Vargas, os ex-gestores de arcas partidárias João Vaccari e Delúbio Soares. Noves fora José Sarney, cuja idade avançada levou à prescrição dos crimes que lhe foram imputados, há três ex-presidentes encrencados. Michel Temer já passou pela cadeia. Aguarda julgamento. Fernando Collor é réu. Dilma Rousseff sofreu o impeachment e virou alvo do inquérito sobre o "quadrilhão do PT".

Mesmo fora de contexto e sem valor como prova perante a Justiça, as conversas entre Moro, Dallagnol, por mais bombásticas que pareçam à primeira vista (ou primeira oitiva), não apontam, repito, qualquer ilegalidade. O próprio Intercept Brasil reconhece isso, conquanto tache de “imoral” o comportamento dos envolvidos, mesmo sendo público e notório que, no Brasil, conversas entre juízes, procuradores e advogados são consideradas normais, e que a Lava-Jato é uma força-tarefa tocada a muitas mãos. Mas não há como negar que o vazamento foi um presente para a oligarquia corrupta, que ganhou o tecido, a linha e a agulha para a confecção do figurino de vítima. Daí a evidência do dano político. E mais está por vir, pois o que se divulgou até agora corresponde a uma pequena parcela do material, que conta com centenas ou milhares de horas de gravações ilegais.

Como o prego que mais se destaca é o que leva a martelada, Moro deve ser o mais afetado pelo caso, que não teria grandes consequências para o governo Bolsonaro, embora perdesse sua principal âncora de prestígio moral com uma eventual saída do ministro de Justiça — o que não se espera, mas se admite por amor à argumentação. Isso sem mencionar que uma eventual renúncia do ministro poderia aumentar os danos políticos vindos de novas denúncias de corrução envolvendo outros ministros, assessores e até mesmo familiares do presidente. Economistas não esperam grandes prejuízos no andamento da reforma da Previdência, cujo relatório deve ser entregue na próxima quinta-feira (13), nem na aprovação de créditos suplementares para contornar a regra de ouro e garantir o pagamento de benefícios assistenciais.

Todos os filhos do presidente que atuam na política vieram a público defender Moro, assim como o vice-presidente, General Hamilton Mourão. Por outro lado, membros da oposição anteciparam seu retorno à Brasília para coordenar a melhor forma de convocar Moro a prestar esclarecimentos ao Congresso (parece que agora isso está na moda). A greve geral marcada para o próximo dia 14 contra a reforma da Previdência deve ter o mote do Lula-Livre fortalecido, e já se fala na possibilidade de a tramitação do projeto anticrime e anticorrupção do ministro da Justiça ser prejudicada.

Como as revelações não implicam (pelo menos até agora) os atuais responsáveis pela Lava-Jato em Curitiba, as investigações devem seguir normalmente, mas oponentes da operação e até mesmo membros do Judiciário que já se mostravam desconfortáveis com os métodos da força-tarefa, inclusive dentro do STF, terão mais munição para seus questionamentos. Mas nunca é demais relembrar que o conteúdo revelado pelo The Intercept Brasil foi obtido de forma ilegal, o que inviabiliza seu uso pela Justiça.

Para concluir, segue trecho do texto publicado por Alon Feuerwerker no site Poder360:

Política é guerra, inclusive de narrativas. E a do PT faz um gol importante com a revelação (que surpresa!) das relações íntimas, e talvez promíscuas, entre a Lava-Jato e o então juiz Sérgio Moro
Deve se dar um desconto no “uh! oh!”, pois não apenas Moro e a Lava-Jato sempre foram tratados pela opinião pública como uma coisa só: Moro sempre recebeu da mesma opinião pública o tratamento de chefe da força-tarefa. Mas o cinismo e a hipocrisia também fazem parte.

A dúvida agora é outra. Quando exatamente Moro ministro deixará de ser um ativo para o presidente Jair Bolsonaro e se transformará em passivo? E livrar-se de Moro, numa eventualidade, será um problema ou uma solução para o presidente? O ministro da Justiça até agora injetava prestígio nos cofres políticos do governo. Mas, como Elio Gaspari comentou neste domingo, talvez o chefe esteja desconfiado de que o chefiado quer seu lugar.

É baixa por enquanto a probabilidade de as revelações do Intercept sobre os detalhes das relações Moro/Lava-Jato baterem na porta do gabinete presidencial. Mas o site diz ter muito material, e uma tática jornalística legítima é deixar o alvo de acusações afundar-se nos próprios desmentidos, enrolar-se na própria língua. O fato: Moro e a Lava-Jato estão sendo empurrados para o modo de defensiva. Sabe-se que jogam bem no ataque. Agora veremos se sabem também jogar na defesa.

É um chavão, mas será mesmo o caso de aguardar os próximos capítulos. O mais relevante para a política real: ver se a dinâmica agora favorável no Congresso será afetada. Na teoria, o Legislativo ganha se mostrar disposição de tocar a pauta do mercado enquanto Moro e a Lava-Jato tentam não afundar. Mas nem sempre a política se move por decisões racionais. E Moro e a Lava-Jato fizeram um número não prudente de inimigos nos últimos anos.

ATUALIZAÇÃOUm recurso de Lula, negado monocraticamente por Fachin e encaminhado ao plenário virtual da 2ª Turma do STF em abril, teve o julgamento interrompido por um pedido de vista do supremo-laxante Gilmar Mendes, mas voltou à pauta a toque-de-caixa e deve ser julgado nesta terça, 11, na última sessão da Turma sob a presidência de Ricardo Lewandowski (que será sucedido por Cármen Lúcia a partir da semana posterior à do feriado de Corpus Christi). Como o pedido de vista se deu antes de o STJ confirmar a condenação de Lula, existe a possibilidade de o recurso ter “perdido o objeto” — tecnicamente, a decisão monocrática do ministro Felix Fischer, contestada pela defesa do petralha no Supremo, não existe mais. Integrantes do Supremo ouvidos reservadamente pelo ESTADÃO disseram a sessão pode servir para ministros “darem recados” a Moro, a Dallagnol e à Lava-Jato, à luz conteúdo vazado de supostas mensagens trocadas entre o ex-juiz e e o coordenador da força-tarefa — conteúdo esse, nunca é demais ressaltar, obtido e divulgado ilicitamente. 

Pelo visto, as vítimas já foram julgadas e condenadas pela banda podre na nossa mais alta corte. Depois, falam do “tribunal da Internet”.

domingo, 9 de junho de 2019

FESTIVAL DE DESPISTES OU BARAFUNDA DE UM GOVERNO SEM RUMO?


O STF decidiu que o governo pode vender subsidiárias de empresas estatais ou mistas sem a autorização do Congresso. A venda das estatais propriamente ditas, no entanto, continua exigindo o aval Legislativo. Há quase 418 estatais no Brasil, enquanto países como Suíça, Japão e Áustria, têm, respectivamente, 4, 8 e 10. Em sua esmagadora maioria, as estatais tupiniquins não passam de cabides de emprego.

Os Correios, por exemplo, são hoje a mais completa tradução da ineficiência, do apadrinhamento político e da falta de seriedade em lidar com a coisa pública. Entre 2013 e 2018 foram mais de 3 bilhões de reais de prejuízo (e o número só não foi pior porque o governo de Michel Temer tomou algumas medidas saneadoras). O mesmo resultado negativo ocorre com seu fundo de pensão, o Postalis, que apresenta um rombo atuarial de 11,5 bilhões de reais. No total, essa estrutura paquidérmica custa nada menos que 18 bilhões de reais por ano ao combalido caixa da União. Sem conseguir acompanhar a concorrência, a empresa terá seu valor de mercado brutalmente reduzido em cinco anos. Ou seja: o ideal seria privatizá-la o quanto antes, enquanto ela ainda oferece alguma atratividade aos potenciais compradores.

Observação: Manter estatais sob o guarda-chuva do Estado interessa àqueles que querem utilizar a política em proveito próprio, dado o manancial de cargos e, consequentemente, de verbas que elas representam. Não por acaso existe uma frente parlamentar com mais de 200 deputados e senadores em defesa da manutenção da estatal. Vale lembrar que todo o processo do mensalão nasceu a partir da CPI dos Correios, depois que um de seus diretores, Maurício Marinho (uma indicação do PTB), foi filmado recebendo um maço de notas para direcionar a compra de serviços de determinada companhia. 

Seja como for, a decisão do Supremo representou uma vitória para o Palácio do Planalto, que, sem articulação política que se preze e com as torneiras do “toma-lá-dá-cá” pingando, e não mais jorrando como nos governos anteriores, tem sofrido uma caudalosa sucessão de derrotas no Congresso.

Mudando de pato para ganso, Lula se tornou réu mais uma vez na Justiça Federal do DF, onde já respondia a outros quatro processos. Na última quinta-feira, o juiz federal Vallisney de Souza Oliveira aceitou nova denúncia do MPF (por corrupção passiva e lavagem de dinheiro) contra ele e seus ex-ministros Antonio Palocci e Paulo Bernardo, além do empresário Marcelo Odebrecht. Gleisi Hoffmann, mulher de Bernardo, também entrou na dança, mas, como tem direito a foro privilegiado, ela foi denunciada pela PGR, cabendo ao Supremo aceitar ou não a denúncia.

Observação: É a décima vez que Lula se torna réu. São sete ações penais  sub judice na primeira instância da JF em Brasília, Paraná e São Paulo. No processo sobre o tríplex no Guarujá, o petralha foi condenado em primeira, segunda e terceira instâncias; no da cobertura em SBC e do terreno onde seria erguida a nova sede do Instituto Lula, os autos estão conclusos, aguardando a decisão do juiz Luiz Antônio Bonat, que substituiu Sérgio Moro na 13ª Vara Federal do Paraná, em Curitiba; no do sítio em Atibaia, ele foi condenado pela juíza substituta Gabriela Hardt no início deste ano, e o TRF-4 deve julgar a qualquer momento o recurso interposto pela defesa.

A morosidade da Justiça brasileira é desalentadora. Para piorar, mesmo condenado em dois processos e respondendo a outros oito, Lula é considerado réu primário até que pelo uma das sentenças condenatórias transite em julgado. No Brasil, a primariedade é ligada ao processo, e não à realidade, à reiteração criminosa. Para alguns togados supremos isso é homenagear a Constituição, mas na verdade esse entendimento estapafúrdio favorece a impunidade e permite que políticos e empresários corruptos paguem milhões em honorários a criminalistas estrelados (com o dinheiro da corrupção, o que só agrava o quadro) para ter direito a apelos, recursos, embargos e toda sorte de chicanas protelatórias visando eternizar a tramitação dos processos. E Lula pode acabar cumprindo a pena em prisão domiciliar, já que, por questões de logística e de segurança, o regime semiaberto não é uma opção.



Mudando agora de ganso para marreco, o presidente Bolsonaro passou no teste da Avenida Paulista vista de cima. Talvez não houvesse tanta gente quanto na manifestação dos estudantes, mas havia o suficiente para reafirmar o bolsonarismo como força de rua. E eis-nos conduzidos, de manifestação a manifestação, ao vestíbulo do modo venezuelano de fazer política. Bolsonaro até cogitou de comparecer a um dos eventos, o que o enquadraria como perfeita réplica, pela direita, ao modelo consagrado por Maduro pela esquerda. Arrependeu-se a tempo. As bandeiras empunhadas pelos manifestantes, nas diversas cidades, traíam equívocos e contradições na superfície e um segredo mal escondido nas profundezas. O segredo é o desejo, acalentado pela franja lunática do bolsonarismo, de virar a mesa.

O ministro Paulo Guedes ficou animado. "Nunca vimos isso antes, o povo apoiando a reforma da Previdência", disse. Alguns objetariam à qualificação de "povo" para o segmento visto nas ruas, de extração diferente da do Brasil trigueiro e inzoneiro, mas, vá lá, o ministro tem razão  deu-se o inimaginável de gente abalar-se a gritar por uma reforma carimbada na folha de rosto como impopular. Resta que, se os manifestantes eram a favor da reforma, por que escolheram como alvo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, amaldiçoado em todas as praças e premiado, em Copacabana, com um pixuleco? Maia é, entre os políticos, o mais insistente e articulado defensor da reforma da Previdência. Quem é contra é Bolsonaro, cujo último torpedo, no afã de inviabilizá-la, foi a revelação, com um sorriso alvar, como se descobrisse a pólvora, de um plano de cobrar taxas para atualizar o valor dos imóveis e com isso arrecadar o trilhão de reais sonhado por Guedes com a reforma.

A franja lunática passou os últimos dias em silêncio. Seu mentor, o bruxo Olavo de Carvalho, disse que não mais se manifestaria sobre a política brasileira. Os filhos do presidente se contiveram. Os ministros da Educação e das Relações Exteriores nos pouparam das intervenções, belicosas ou cômicas, que os distinguem. Pode ser um recuo, pode ser uma retirada tática. Bolsonaro postou, às vésperas das manifestações, texto que denunciava as instituições como empecilhos a suas sãs intenções e um vídeo em que um pastor congolês o aclamava como escolhido de Deus. Depois das manifestações, amigável, convocou os chefes dos demais poderes a um café da manhã no Alvorada e lhes propôs um "pacto pelo Brasil". Tudo somado, estamos diante de um festival de despistes, de acobertamentos de secretas intenções, das calmarias que antecedem as tempestades  ou da barafunda característica de uma Presidência sem rumo?

Estamos diante de um festival de despistes ou da barafunda de uma Presidência sem rumo?

A luta contra a corrupção expressou-se, nas manifestações, pelo protesto contra a retirada do Coaf das mãos do ministro Sergio Moro. Haveria, no noticiário recente, outros casos contra os quais protestar. Por exemplo, a revelação de que Fabrício Queiroz, o desaparecido faz-tudo da família Bolsonaro, pagou em dinheiro vivo os R$ 133 600 que lhe custou a cirurgia de câncer no hospital Albert Einstein. Ou as transações imobiliárias em série  seriam 37, segundo as últimas contas do MP-RJ  que propiciaram lucros expressivos ao senador Flávio Bolsonaro.

O "pacto pelo Brasil" discutido no Alvorada selaria o apoio conjunto dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário a causas prioritárias como a reforma previdenciária e o combate à criminalidade. Impossível acreditar que as assinaturas dos presidentes da Câmara e do Senado decretariam o alinhamento automático de casas caracterizadas, por natureza, pelo debate e pelo conflito. Ilógico imaginar que a assinatura do presidente do Supremo arraste o conjunto dos ministros a endossar de antemão matérias passíveis de vir a ser levadas a julgamento. De duas uma: ou o Planalto tenta atrair Congresso e STF a uma missão impossível, para depois acusá-los de boicotar seus esforços para salvar o Brasil, ou o tal pacto não passaria daquilo que o elegante inglês cunhado no Brasil apelidou de "embromation".

Consta ter sido o ministro Toffoli o primeiro a aventar a ideia de um pacto. O ministro erra de alvo ao não dirigi-­lo ao interior do próprio tribunal. Está mais do que na hora de o STF, tão acossado quanto o Congresso pela sanha do bolsonarismo, proteger seus flancos. Um pacto que incluísse itens como restringir as decisões monocráticas, impedir pedidos de vista que se eternizam e apressar os julgamentos de políticos seria um primeiro passo. Mas como pactuar numa casa em que as brigas atingiram tal nível que uns não falam com outros?

Texto de Roberto Pompeu de Toledo publicado em VEJA # 2637

terça-feira, 28 de maio de 2019

AINDA SOBRE AS MANIFESTAÇÕES


Se não houve consenso sobre o número de municípios em que o povo saiu às ruas no último domingo, seria esperar demais que as opiniões dos analistas fossem convergentes em relação ao resultado. Para alguns, o governo saiu fortalecido; para outros, a adesão ficou abaixo do esperado. Como na velha história do copo pela metade, pode-se dizer que ele está meio cheio ou meio vazio, a critério de cada um. Há quem diga que os protestos fariam mal de qualquer jeito, fossem volumosos, fossem pífios.

Particularmente, concordo com José Nêumanne, para quem a impressão que elas deixaram, não tendo sido espetaculares como os bolsonaristas esperavam nem mínimas como previam seus adversários, é que a cidadania em marcha traz sempre bons resultados para a democracia e produzem um equilíbrio maior entre os Poderes da República. Os que são contra o governo recorrem a soluções estapafúrdias e covardes, como o recall planejado no Senado à sombra de Davi Alcolumbre, que ainda não deu conhecimento ao público da fraude transmitida para todo o País em sua escolha para o lugar antes ocupado por Renan Calheiros. Os atos trouxeram como novidade para os dois lados da dicotomia política brasileira nomes de ministros apoiados aos berros nas concentrações populares numa advertência de que o povo sabe mesmo o que quer. O presidente deveria aprender a governar para todos e os mandachuvas do Congresso, a ficarem no espaço restrito de suas cumbucas.

Guilherme Fiúza, mais incisivo, publicou o seguinte texto: “E eis que o debate nacional, cada vez mais dominado pela picaretagem intelectual, chega à suprema impostura: em nome da democracia, as novas vozes da resistência cenográfica decretam que uma manifestação de rua — ou, mais precisamente, a ideia de uma manifestação de rua — é autoritária! Nunca se viu nada parecido em tempos democráticos. A rua agora tem dono, que decide quem pode sair de casa. Fascistas são os outros. Nem Lula, que depenou o país e tentou transformá-lo em quintal do PT, ousou atacar a legitimidade de qualquer manifestação no país — fossem meia-dúzia de gatos pingados mandando-o ir para Cuba ou milhões de pessoas pedindo o impeachment de sua sucessora. Você jamais ouviu de Lula uma palavra contra o direito de qualquer pessoa sair à rua para se manifestar sobre o que bem entendesse. Podia dizer que era coisa da elite branca etc., mas ele jamais alegou que um ato de protestar em público era expressão de autoritarismo. Nem Fernando Collor, talvez o governante mais prepotente que o país já teve, vendo um número cada vez maior de pessoas ocupando as ruas pela sua queda, se atreveu a dizer que havia algo de autoritário ou antidemocrático nas manifestações. E olhem que entre os manifestantes havia gente como José Dirceu, Lindbergh Faria e outros famosos impostores — o que não tirava a legitimidade do movimento popular que levou, de forma democrática, ao impeachment dele. Pois bem. Essa democracia que já sobreviveu a prepotentes e larápios tem agora uma novidade quente: personagens que sempre se disseram liberais aparecem dizendo que a manifestação “A” pode, mas a manifestação “B” não pode. Como não têm coragem de dizer que não pode, dizem que um determinado ato público — que eles não poderiam saber o que é antes de acontecer — contém motivação autoritária; que pode ser um golpe contra as instituições; que é mais democrático ficar em casa. Como eles sabem de tudo isso? Nem Dilma, a famosa vidente que previu os tiros contra a caravana de Lula, ousou insinuar que qualquer das inúmeras manifestações de rua contra ela desaguaria num golpe institucional. Sendo que nem mesmo ela — Dilma, a única —, espalhando por aí até hoje que foi vítima de um golpe, se atreveu a sugerir que as manifestações de rua fossem, em si, uma orquestração autoritária. Nem mesmo ela teve a petulância de intervir nas intenções alheias, de decretar qual protesto é legítimo ou não é. Agora o mais grave (sim, é pior ainda): esses novos democratas de butique sabem muito bem que a agenda de reformas — que eles sempre defenderam — está em implantação (da forma que eles sempre pediram) e está também sob risco de sabotagem. Não por divergência de mérito, mas por disputa de poder. E quando surge a iniciativa de pressionar o Congresso contra a sabotagem da agenda que eles sempre pregaram, de que lado eles ficam? Ficam do lado da sabotagem, dizendo que estão lutando contra a ameaça de fechamento do Congresso. A lógica personalizada é boa por isso: se o dono mandar, ela rebola até o chão, na boquinha da garrafa, e não tem que dar satisfação a ninguém. Todo mundo viu o que a imprensa amiga do PT fez na época do impeachment: fotografava faixas de grupinhos pedindo intervenção militar no meio da multidão pedindo a deposição de um governo corrupto e botava na manchete “o viés antidemocrático” do protesto. É horrível isso, não é? Covarde, canalha, etc., certo? Pois é exatamente o que vocês estão fazendo agora, caros liberais arrependidos. Aliás, vocês estão ajudando a esconder a agenda positiva da equipe do Paulo Guedes (que vocês veneravam até anteontem) com a sua chocante indiferença perante ações cruciais como a MP da Liberdade Econômica — engolida e soterrada em meio a esse falatório periférico que vocês travestem todo dia de crise governamental. Parece que tem muita gente querendo protestar contra a sabotagem das reformas (que é um risco) e da informação (que é uma realidade). E, por mais que vocês queiram, essa gente não vai pedir licença a vocês.

Encerro com a avaliação de Ricardo Noblat e um vídeo de Caio Coppola. Começando por Noblat:

Foi uma manifestação fake, a de ontem. Simples de demonstrar. O que disseram a propósito os seus organizadores? E o que disse à noite o presidente Jair Bolsonaro em uma entrevista chapa branca à Rede Record de Televisão? Organizadores e Bolsonaro disseram que milhares de pessoas foram às ruas de mais de 150 cidades para cobrar a aprovação da reforma da Previdência, do pacote anticrimes do ex-juiz Sérgio Moro, e renovar seu apoio ao governo. Fosse verdade, não teria havido espaço para bonecos gigantes que ridicularizaram o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Afinal, ninguém mais do que Maia batalha pela aprovação da reforma. E isso todos reconhecem. Bolsonaro, não, só finge apoiá-la. Faz as declarações de praxe. E vez por outra fraqueja, deixando às claras seu raso compromisso com ela. O ministro Paulo Guedes, autor da proposta de reforma, até ameaçou ir embora porque o presidente mais atrapalha do que ajuda. O mercado financeiro dá por seguro que a reforma passará no Congresso e em tempo razoável. Então, por que milhares de brasileiros trocariam a praia e o descanso do domingo para suarem a sol a pino em defesa de uma reforma que não inspiraria tantos cuidados? De resto, em que lugar do mundo multidões se reuniriam alegres e ruidosas para comemorar a supressão de direitos conquistados e menos dinheiro no bolso? Ora, por toda parte, reforma da Previdência é sinônimo de confusão e de gente zangada nas ruas. É fato que a violência por aqui ultrapassou o limite do tolerável. E que o Congresso faz restrições ao pacote de medidas desembrulhado por Moro. Mas isso está longe de significar que o pacote irá para o lixo. Convenhamos: cabe ao Congresso aperfeiçoá-lo, não o engolir a seco. E aqui mora o busílis: na verdade, Bolsonaro e seus devotos querem que o Congresso apenas referende os projetos para ali enviados pelo governo. E que a Justiça se comporte como um poder amigável, dócil às suas vontades, e garantidor de suas iniciativas. Assim, começa a fazer sentido o que se viu e se ouviu, ontem, nas ruas – os bonecos de Maia, faixas e cartazes com duras críticas aos políticos e aos ministros do Supremo Tribunal Federal, palavras de ordem que exaltavam o Mito, o Messias, o presidente, ou simplesmente Jair. Sem financiamento empresarial, sem incentivo de partidos ou dos movimentos sociais organizados, a estudantada surpreendeu o governo e todo mundo no último dia 15 ocupando as ruas de 220 cidades para protestar contra o corte de verbas para a Educação.
Bolsonaro chamou os jovens de “idiotas úteis”. Pois os “idiotas úteis” obrigaram o governo a devolver parte do dinheiro cortado. Usados por Bolsonaro como massa de manobra contra o Congresso e a Justiça, os “patriotas” do dia 26 não terão o que celebrar. Congresso e Justiça não recuarão um passo de suas posições. Darão um tempo para só depois retaliar o governo. Conforme-se Bolsonaro com as regras da democracia. Ou então peça para sair.

Com a palavra, Caio Coppola:



Que cada um tire suas próprias conclusões.

quarta-feira, 22 de maio de 2019

BOLSONARO DÁ UMA NO CRAVO E DUAS NA FERRADURA — É BOM TOMAR CUIDADO COM O COICE




Depois de compartilhar um texto sobre o Brasil ser um país ingovernável sem conchavos e dizer que o problema é a classe política (o que é uma piada, vindo de quem foi deputado por 28 anos e tem três filhos exercendo diferentes mandatos), Jair Messias Bolsonaro, fiel a seu estilo “morde-e-assopra”, disse que “se o Congresso tem uma proposta melhor de reforma da Previdência, que a ponha em votação”, atribuiu a culpa pelas dificuldades do seu governo à imprensa, incitou sua legião de bolsomínions a convocar a população a sair às ruas  em apoio a ele no próximo domingo e, cereja do bolo, prometeu participar da manifestação. A estratégia é temerária, pois, se não houver adesão popular, pode prejudicar ainda mais a governabilidade.

Collor, acuado por denúncias de corrupção dois anos e meio após ter sido empossado, convocou seus apoiadores a ocupar as ruas com camisas verde-amarelas. Não me lembro se ele próprio teve o desplante de participar do protesto, mas todos que têm mais de 30 anos devem se lembrar que as ruas foram tomadas por multidões vestindo camisas pretas e que o caçador de marajás de araque renunciou três meses depois, às vésperas de ser deposto, mas o Congresso cassou seus direitos políticos mesmo assim.

O circo de horrores não para por aí: na segunda-feira 20, o presidente compartilhou um vídeo em que o pastor congolês Steve Kunda o apresenta como um “estabelecido por Deus” para comandar o Brasil, levando Janaína Paschoal a questionar a “plenitude” de suas faculdades mentais (a deputada foi prontamente hostilizada pela também deputada estadual pesselista Alana Passos, que a chamou de desequilibrada).

A ala radicalizada do bolsonarismo, não raro com o aval (ainda que por vezes indireto) do próprio Bolsonaro, vem minando a credibilidade do governo. Convencido pelo filho tuiteiro e por seu guru esotérico de que o protagonismo do vice e dos superministros Guedes e Moro o enfraquece — afinal, quem se arrisca a regar uma sementinha que, plantada no terreno do vizinho, tem tamanho potencial de fazer sombra em seu próprio quintal? —, o capitão atua para conter a ascensão política de seus principais aliados e dos generais que fazem parte do governo. Aliás, para surpresa de quem receava que tantos militares juntos favoreceriam o famoso “autogolpe”,  o que se vê é o contrário: é o justamente o núcleo militar que demonstra mais comedimento e atua como garantidor das liberdades democráticas.

Moro, candidato natural à sucessão presidencial, vem deglutindo batráquios enquanto aguarda uma vaga no STF. Os parlamentares o atacam porque o veem como perseguidor de políticos, e no Planalto há quem não gosta da ideia de que sem ele e Paulo Guedes o governo implodiria. Para a ala radicalizada do bolsonarismo — uma espécie de militância petista com sinal invertido e fadada a terminar falando sozinha —, a liderança política do “mito” dispensa avalistas; o único “super” é o presidente, cujo aval vem das ruas (ou de Deus, a julgar pelo que afirma o candidato a hospício congolês).

Segundo Ricardo Noblat, ou falta inteligência política a Bolsonaro, ou ele é louco, ou — como disse o José Sarney em entrevista no último fim de semana ao Correio Braziliense —, ele está “no olho de um furacão e joga todas as suas cartas no caos”. De Sarney pode-se dizer tudo, menos que lhe falte experiência aos 89 anos de idade, 52 dos quais vividos como deputado e senador, fora os quatro anos como governador do Maranhão e os cinco como presidente da República. O furacão a que ele se refere foi provocado por Bolsonaro, que, em vez de governar, dedica-se a desatar crises (a maioria criada pelos filhos à razão de quase uma por semana).

A um presidente responsável e bem-intencionado, caberia desinflar crises e debelar furacões criados à sua revelia; a um ex-deputado federal alçado ao Palácio do Planalto, caberia demonstrar que aprendeu alguma coisa nos quase 30 anos que passou na Câmara. Mas, eleito por “milagre”, como ele próprio reconhece, Bolsonaro não se preparou para tal e tampouco parece interessado em se preparar. Mas de golpe ele entende: defendeu o golpe de 64; defendeu o governo militar que se arrastou por 21 anos; defendeu a tortura a opositores do regime; lamentou que a ditadura tenha matado menos gente do que deveria e jamais se penitenciou por ter dito tais descalabros.

Mesmo que acabe convencido por seus generais de pijama de que não deve comparecer às manifestações, o fato de o presidente ter cogitado de ir — atitude mais condizente com um tirante de merda como Nicolás Maduro, que marcha à frente do pelotão para constranger a oposição — é uma prova de sua insanidade ou de sua disposição, por enquanto reprimida, de forçar uma ruptura institucional. Só não enxerga o que se desenha no horizonte quem é cego ou se recusa a ver.

EM TEMPO: No instante em que eu concluía este texto, Veja publicou que Bolsonaro desistiu de participar das manifestações e orientou seus ministros a não comparecerem. A grande polêmica está no fato de as primeiras convocações terem tido como principais alvos o Congresso e o STF. O tom beligerante — falou-se até no fechamento das duas instituições — dividiu a direita a ponto de movimentos tradicionais, como o MBL e o Vem para Rua, desistirem de participar.

Os defensores da manifestação popular têm tentado baixar o tom do protesto, que deve agora focar a defesa do governo e da reforma da Previdência e centrar fogo no chamado centrão, apontado como o vilão que tem impedido o governo de avançar. Os “primeiros-filhos” têm defendido as manifestações, mas há divergências dentro do próprio PSL. O presidente do partido afirmou que não vê sentido no movimento, mesmo achando que qualquer ato popular é “válido”; a deputada Joice Hasselmann, líder do governo na Câmara, disse não ser contra, mas defendeu que parlamentares não devem participar do ato, ao passo que o Major Olimpio, líder da bancada no Senado, garantiu que estará na Avenida Paulista no domingo, “como cidadão”. O governador de São Paulo, João Doria, acha o movimento desnecessário, mas um dos principais líderes dos caminhoneiros — Wanderlei Alves, conhecido como Dedécoo apoia enfaticamente.

Merval Pereira compara Bolsonaro a “um Chacrinha da política” — aquele que veio não para explicar, mas para confundir. A algaravia presidencial teve palavras animadoras para os empresários, por exemplo, quando ele os chamou de “heróis” por empreenderem com uma legislação que se torna um fardo. E foi tão crítico sobre as más condições de nossa infraestrutura que deu a esperança de que a privatização será tocada adiante com vigor. Mas, no mesmo discurso na Firjan, o capitão encenou uma reconciliação com a classe política, ao mesmo tempo em que a considerou a causa dos problemas brasileiros. “É nóis”, disse, incluindo-se, como político, entre os responsáveis pelas desditas nacionais. A expressão popular, usada corriqueiramente hoje em dia, significa adesão a um pensamento ou a uma atitude, sendo também uma afirmação de identidade comum. Mas o presidente cometeu um erro, mesmo no português coloquial, pois a expressão tem um sentido positivo, e ele a usou para fazer um diagnóstico negativo da classe política.

Fato é que, na Câmara, até mesmo os líderes do PSL estão evitando uma aproximação, receosos de que as manifestações fracassem ou batam de frente contra as instituições — o que não é nada difícil, a julgar pela maneira como a convocação está sendo feita. Mas o parlamentares tampouco querem perder esse momento se, como garantem alguns, ele estiver em sintonia com o sentimento popular. A maioria quer mesmo dar um toque pessoal à PEC previdenciária — para retirar do governo os louros pela aprovação, caso ela realmente resulte numa retomada do crescimento — e ao mesmo tempo ficar com a responsabilidade de aprovar uma reforma que seja eficaz, pois, do contrário, serão responsabilizados por não darem condições de governabilidade a Bolsonaro. E é isso que o capitão está implantando preventivamente nas redes sociais e em discursos como os de anteontem no Rio. O que ele ganha com esse ambiente conturbado? Motivos para mobilizar o núcleo duro de seu eleitorado, esse mesmo que está organizando as manifestações. O PT sobrevive politicamente há anos com a adesão de cerca de 30% do eleitorado, que se expande eventualmente na disputa eleitoral. Bolsonaro quer mobilizar os seus 30%, suficientes para levá-lo com vantagem a um imaginário terceiro turno.

De novo: a ideia é colocar o verde e amarelo nas ruas. De novo: outro presidente teve a mesma ideia, mas o povo saiu de preto e ele caiu três meses depois. O ambiente político era outro, mais degradado do que o de agora, malgrado os primeiros meses deste governo serem os mais conturbados de quantos já vivemos.         

quinta-feira, 16 de maio de 2019

ATÉ TU, BNDES?



Durante os treze anos e meio dos governos de Lula e Dilma o BNDES funcionou como uma sociedade de ladrões. Ah, não diga e daí? Alguma coisa localizada a menos de 5.000 quilômetros do Palácio do Planalto, da Esplanada dos Ministérios e dos seus puxadinhos deixou de ser roubada por gente do governo durante esse período? Uma ou outra, é verdade, pois não dá para roubar tudo, de todos, em todos os lugares e ao mesmo tempo. É fato provado e contraprovado, em todo caso, que muito pouco escapou do arrastão e, assim sendo, qual a novidade de que o BNDES tenha sido um dos pontos do crime em escala nacional nos governos petistas? (Assim como traficantes de droga têm pontos, ladrões do erário público também contam com os seus; é um fato sabido.) A rigor, não há novidade nenhuma. Mas o BNDES, pelo menos, tinha pose de coisa séria, com o seu “corpo técnico”, suas regras de compliance, suas obras de arte nas paredes da sede etc.; deveria disfarçar melhor a ladroagem desvairada que rolou ali durante mais de dez anos seguidos. Só que, no fim das contas, o que se vê é que o banco de desenvolvimento social sagrado para os economistas de esquerda foi tão grosseiro nas atividades gerais da corrupção quanto a maioria dos seus pares.

Até tu, BNDES? Sim, até tu. No embalo Lula-Dilma, o pessoal esqueceu de prestar atenção às exigências mínimas de decoro na roubalheira algo a se prever, francamente, numa repartição pública de 2.000 funcionários, cheia de gente com mestrado em universidade, elogiada por um Prêmio Nobel de Economia (foi só Joseph Stiglitz, é verdade, mas o homem é Premio Nobel assim mesmo) e produtora regular de monografias incompreensíveis em qualquer língua. Em resumo: o banco a serviço da pátria é apenas a corrupção do PT vestida de gravata, com cartaz na Unicamp e conhecedora de menus em restaurantes de Nova York. Seu alto comando não é diferente de um Antônio Palocci, um Sérgio Cabral, um Geddel Vieira Lima e tantas outras estrelas inesquecíveis que o Brasil deve ao gênio político do ex-presidente Lula. É certo que existe, do ponto de vista legal, uma diferença fundamental entre essa turma e o ex-presidente do BNDES, Luciano Coutinho: ele até agora não foi condenado na Justiça. Está indiciado em diversos inquéritos criminais na Polícia Federal, foi proibido de exercer qualquer cargo público por seis anos e sofre um bloqueio em seus bens pessoais superior a 600 milhões de reais, mas continua livre da cadeia. Fora isso, Coutinho não parece ter nada em seu favor.

Basicamente, o problema de Coutinho é o seguinte: ele emprestou dinheiro público a gente que jamais teve a intenção de pagar um único centavo da dívida assumida, como qualquer criança com 10 anos de idade poderia prever. Só de Cuba, Venezuela e Moçambique, tomou um calote superior a 2,3 bilhões de reais. Deu dinheiro brasileiro, que o BNDES tem obrigação de utilizar em desenvolvimento no Brasil, para governos estrangeiros que estão entre os mais vigaristas do planeta, como os citados acima. Gostava de emprestar, com juros mínimos e prazos máximos, a países com grau 7 de risco, o extremo do extremo. (Pior que isso não fica; não existe o grau 8.) Deu empréstimo a quem Lula mandou que desse segundo o ministro Paulo Guedes, financiou 300.000 caminhões para motoristas sem fretes, sem clientes e sem dinheiro para recauchutar um pneu. Deu dinheiro para Marcelo Odebrecht sim, Marcelo Odebrecht. Precisa dizer mais alguma coisa? Sua coleção também inclui Eike Batista, o Friboi, a incomparável Sete Brasil só ela, sozinha, levou 10 bilhões de reais. Tudo com o aval do Jurídico, é claro.

Seu desempenho na CPI que apura a “caixa preta” do BNDES foi uma coisa triste. Em pânico diante das perguntas, repetia, automaticamente, “não lembro”, “não sei”, “não posso dizer”. Pois é. CPIs, no Brasil, não costumam dar em nada. Caixas-pretas, ao contrário, tem o dom divino de continuar pretas para sempre. Homem de sorte, esse Coutinho.

Texto de J.R. Guzzo.

quarta-feira, 15 de maio de 2019

“GARANTISTAS” E A BANDA PODRE DO STF


No final da tarde de ontem, a 6ª Turma do TRF-2 concedeu uma liminar (decisão provisória) para que Michel Miguel Elias Temer Lulia e seu operador financeiro, coronel João Batista Lima Filho, fossem soltos. Ainda não me debrucei sobre os detalhes e não posso dizer que foi (ou que não foi) mais um desserviço prestado pela banda podre do nosso Judiciário. Saliento apenas que na decisão ficou estabelecido que os réus não podem mudar de endereço, ter contato com outras pessoas físicas ou jurídicas investigadas ou deixar o país. Temer foi proibido, ainda, de exercer cargos políticos ou de direção partidária. Para quem chegou de Marte recentemente, relembro que o vampiro emedebista e o coronel laranja-lima já haviam sido presos em março e soltos dias depois, graças a uma decisão monocrática de um magistrado que ficou afastado do cargo durante sete anos devido a uma ação no STJ por estelionato e formação de quadrilha (em 2004). Dito isso, passemos à postagem do dia.

Você sabe o que é um “garantista”? É muito provável que já tenha ouvido falar, pois a Justiça, as leis e o Código Penal passaram a ser conversa de botequim no Brasil desde que a Lava-Jato começou a incomodar a sério um tipo de gente que jamais tinha sido incomodado na vida. Cinco minutos depois de ficar claro que o camburão da polícia podia, sim senhor, levar para o xadrez empreiteiros de obras públicas, gigantes da alta ou baixa política e milionários viciados em construir fortunas com o uso do Tesouro Nacional, já estava formada uma esquadra completa de cidadãos subitamente preocupados com a aplicação da lei nos seus detalhes mais extremos — ou melhor, a aplicação daquelas partes da lei que tratam dos direitos dos acusados da prática de crimes. É essa turma, justamente, que passou a se apresentar como “garantista”. Sua missão, segundo dizem, é trabalhar para que seja garantido o direito de defesa dos réus até os últimos milímetros. Seu princípio essencial é o seguinte: todo réu é inocente enquanto negar que é culpado.

Essa paixão pela soberania da lei, que chegou ao seu esplendor máximo com os processos e as condenações do ex-presidente Lula, provavelmente nunca teria aparecido se o direito de defesa a ser garantido fosse o dos residentes no presídio de Pedrinhas, ou em outros resorts do nosso sistema penitenciário. Esses aí podem ir, como sempre foram, para o diabo que os carregue. Mas a criminalidade no Brasil subiu dramaticamente de classe social quando a Justiça Federal, a partir da 13ª Vara Criminal do Paraná, resolveu que corrupto também estava sujeito às punições do Código Penal. O código dizia que corrupção era crime, claro, mas só dizia — o importante, mesmo, era o que não estava dito. Você sabe muito bem o que não estava dito: que corrupção é crime privativo da classe “A” para cima, e, como gente que vive nessas alturas nunca pode ir para a cadeia, ficavam liberadas na vida real as mil e uma modalidades de roubar o Erário que a imaginação criadora dos nossos magnatas vem desenvolvendo desde que Tomé de Souza entrou em seu gabinete de trabalho, em 1549.

Outra classe, outra lei. Descobriu-se, desde que o Japonês da Federal apareceu para levar o primeiro ladrão top de linha da Petrobras, que no Brasil o direito de defesa deveria estar acima de qualquer outra consideração. Quem defende um corrupto, na visão do “garantismo”, deve ter mais direitos do que quem o acusa. Não se trata, é óbvio, de ficar dizendo que a acusação é obrigada a provar que o réu cometeu o crime. Ou que todo mundo é inocente “até prova em contrário”. Ou que ninguém é culpado enquanto estiver recorrendo da sentença. Ou que é proibido linchar o réu, ou dar à opinião pública o direito de condenar pessoas — e outras coisas que vêm sendo repetidas há mais de 200 anos. Nada disso está em dúvida. O que se discute, no atual combate à corrupção, é outra coisa: é a ideia automática, em nome do direito de defesa, de usar a lei para desrespeitar a lei. É compreensível que os criminosos se sirvam das leis para adquirir o direito de praticar crimes sem punição? Quando fica assim, não se pode conseguir nada melhor, realmente, em matéria de tornar a lei uma ficção inútil.

Existe, naturalmente, muita gente que tem uma argumentação honesta, inteligente e sensata em favor do direito de defesa — uma garantia essencial para proteger o cidadão da injustiça e das violências da autoridade pública. Mas é claro que o problema não está aí. O problema começa quando essas garantias da lei passam a ser usadas como incentivo ao crime. O mandamento supremo dos “garantistas” determina que é indispensável fazer a “defesa absoluta da lei”. Não importa quais venham a ser as consequências de sua aplicação; o que está escrito tem de ser obedecido. Mas quem realmente ameaça a lei, em primeiro lugar, é o crime, e não quem quer punir o criminoso. Quando a lei, na realidade prática, existe para proteger o crime, pois foi escrita com esse objetivo, defender a lei passa a ser defender o criminoso. Vêm daí, e de nenhum outro lugar, a quantidade abusiva de recursos em favor do acusado, a litigância de má-fé e a elevação da chicana, ou seja, da sacanagem aberta, ao nível de “advocacia”.

“Garantista” em guerra contra a Lava-Jato, em português claro, é quem joga esse jogo. Seu foco mais ativo são os escritórios de advocacia milionários que se especializam na defesa de corruptos. Seus anjos preferidos são os tribunais superiores. O mais valioso deles é a banda podre do STF.

Texto de J.R. Guzzo