No final da tarde de ontem, a 6ª Turma do TRF-2 concedeu uma liminar (decisão provisória) para que Michel Miguel Elias Temer Lulia e seu
operador financeiro, coronel João Batista Lima Filho, fossem soltos. Ainda não me debrucei sobre os detalhes e não posso dizer que foi (ou que não foi) mais um desserviço prestado pela banda
podre do nosso Judiciário. Saliento apenas que na decisão ficou estabelecido que os réus não podem mudar de
endereço, ter contato com outras pessoas físicas ou jurídicas investigadas ou
deixar o país. Temer foi proibido, ainda, de exercer cargos políticos ou de direção partidária. Para quem chegou
de Marte recentemente, relembro que o vampiro emedebista e o coronel laranja-lima já
haviam sido presos em março e soltos dias depois, graças a uma decisão
monocrática de um magistrado que
ficou afastado do cargo durante sete
anos devido a uma ação no STJ por estelionato e formação de quadrilha (em 2004). Dito isso, passemos à postagem do dia.
Você sabe o que é um “garantista”? É muito provável que já tenha ouvido falar, pois a Justiça, as leis e o Código Penal passaram a ser conversa de botequim no Brasil desde que a Lava-Jato começou a incomodar a sério um tipo de gente que jamais tinha sido incomodado na vida. Cinco minutos depois de ficar claro que o camburão da polícia podia, sim senhor, levar para o xadrez empreiteiros de obras públicas, gigantes da alta ou baixa política e milionários viciados em construir fortunas com o uso do Tesouro Nacional, já estava formada uma esquadra completa de cidadãos subitamente preocupados com a aplicação da lei nos seus detalhes mais extremos — ou melhor, a aplicação daquelas partes da lei que tratam dos direitos dos acusados da prática de crimes. É essa turma, justamente, que passou a se apresentar como “garantista”. Sua missão, segundo dizem, é trabalhar para que seja garantido o direito de defesa dos réus até os últimos milímetros. Seu princípio essencial é o seguinte: todo réu é inocente enquanto negar que é culpado.
Essa paixão pela soberania da lei, que chegou ao seu
esplendor máximo com os processos e as condenações do ex-presidente Lula, provavelmente nunca teria
aparecido se o direito de defesa a ser garantido fosse o dos residentes no
presídio de Pedrinhas, ou em outros resorts do nosso sistema penitenciário.
Esses aí podem ir, como sempre foram, para o diabo que os carregue. Mas a
criminalidade no Brasil subiu dramaticamente de classe social quando a Justiça
Federal, a partir da 13ª Vara Criminal do Paraná, resolveu que corrupto também
estava sujeito às punições do Código Penal. O código dizia que corrupção era
crime, claro, mas só dizia — o importante, mesmo, era o que não estava dito. Você
sabe muito bem o que não estava dito: que corrupção é crime privativo da classe
“A” para cima, e, como gente que vive nessas alturas nunca pode ir para a
cadeia, ficavam liberadas na vida real as mil e uma modalidades de roubar o
Erário que a imaginação criadora dos nossos magnatas vem desenvolvendo desde
que Tomé de Souza entrou em seu
gabinete de trabalho, em 1549.
Outra classe, outra lei. Descobriu-se, desde que o Japonês da Federal apareceu para levar
o primeiro ladrão top de linha da Petrobras, que no Brasil o direito de defesa
deveria estar acima de qualquer outra consideração. Quem defende um corrupto,
na visão do “garantismo”, deve ter mais direitos do que quem o acusa. Não se
trata, é óbvio, de ficar dizendo que a acusação é obrigada a provar que o réu
cometeu o crime. Ou que todo mundo é inocente “até prova em contrário”. Ou que
ninguém é culpado enquanto estiver recorrendo da sentença. Ou que é proibido
linchar o réu, ou dar à opinião pública o direito de condenar pessoas — e
outras coisas que vêm sendo repetidas há mais de 200 anos. Nada disso está em
dúvida. O que se discute, no atual combate à corrupção, é outra coisa: é a
ideia automática, em nome do direito de defesa, de usar a lei para desrespeitar
a lei. É compreensível que os criminosos se sirvam das leis para adquirir o
direito de praticar crimes sem punição? Quando fica assim, não se pode
conseguir nada melhor, realmente, em matéria de tornar a lei uma ficção inútil.
Existe, naturalmente, muita gente que tem uma argumentação
honesta, inteligente e sensata em favor do direito de defesa — uma garantia
essencial para proteger o cidadão da injustiça e das violências da autoridade
pública. Mas é claro que o problema não está aí. O problema começa quando essas
garantias da lei passam a ser usadas como incentivo ao crime. O mandamento
supremo dos “garantistas” determina que é indispensável fazer a “defesa
absoluta da lei”. Não importa quais venham a ser as consequências de sua
aplicação; o que está escrito tem de ser obedecido. Mas quem realmente ameaça a
lei, em primeiro lugar, é o crime, e não quem quer punir o criminoso. Quando a
lei, na realidade prática, existe para proteger o crime, pois foi escrita com
esse objetivo, defender a lei passa a ser defender o criminoso. Vêm daí, e de
nenhum outro lugar, a quantidade abusiva de recursos em favor do acusado, a
litigância de má-fé e a elevação da chicana, ou seja, da sacanagem aberta, ao
nível de “advocacia”.
“Garantista” em guerra contra a Lava-Jato, em português claro, é quem joga esse jogo. Seu foco mais
ativo são os escritórios de advocacia milionários que se especializam na defesa
de corruptos. Seus anjos preferidos são os tribunais superiores. O mais valioso
deles é a banda podre do STF.
Texto de J.R. Guzzo