segunda-feira, 10 de junho de 2019

LAVA-JATO — O FURDUNÇO



No último domingo, o site The Intercept Brasil divulgou o conteúdo de mensagens supostamente trocadas entre o ex-juiz federal Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol. O site afirmou que o material lhe foi enviado por uma fonte anônima e que contém conversas escritas e gravadas nas quais o então juiz da Lava-Jato em Curitiba teria sugerido mudanças na ordem de fases da operação, além de dar conselhos, fornecer pistas e antecipar uma decisão a Dallagnol. Um investigador que conversou reservadamente com o Estado disse que somente as vítimas do ataque hacker poderão confirmar se o conteúdo é verdadeiro, já que é comum a inclusão de passagens falsas no meio de conversas “roubadas” das vítimas.

Em nota divulgada na noite do último domingo, a força-tarefa afirmou desconhecer a extensão da invasão, que possivelmente foram copiados documentos e dados sobre estratégias e investigações em andamento e sobre rotinas pessoais e de segurança dos integrantes do grupo e de suas famílias, mas reafirma que suas atividades foram desenvolvidas com pleno respeito à legalidade e de forma técnica e imparcial, e que não irão “se dobrar à invasão imoral e ilegal, à extorsão ou à tentativa de expor e deturpar suas vidas pessoais e profissionais”. Também por meio de nota, o hoje ministro Sérgio Moro disse que é normal juízes conversarem com procuradores e lamentou a falta de indicação de fonte de pessoa responsável pela invasão criminosa de celulares de procuradores e o sensacionalismo das matérias, além de reiterar que, nas mensagens em que é citado, “não se vislumbra qualquer anormalidade ou direcionamento da atuação enquanto magistrado” (sugiro assistir a este vídeo).

Os ataques de hackers vêm sendo recorrentes e já eram motivo de preocupação dentro do MPF. Em maio, Raquel Dodge, determinou instauração de procedimento administrativo para acompanhar a apuração de tentativas de ataques cibernéticos a membros do órgão e determinou ainda à Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação da PGR a adoção de providências para diagnosticar eventuais ataques e resolver o problema. No final de abril, o ex-procurador-geral Rodrigo Janot também informou que seu celular havia sido “clonado ou hackeado”, a exemplo do relator do processo da Lava-Jato no TRF-2, Abel Gomes.

É evidente que o PT, os defensores do Lula-Livre e os advogados do petralha irão explorar ad nauseam esse vazamento. Na sua avaliação deturpada e tendenciosa, as conversas revelavam tramas nada republicanas contra o partido. A patuleia vai fazer muito barulho, mas ninguém ficará surpreso em saber que essa caterva mente, ou ao menos distorce os fatos de maneira a amoldá-los a seus propósitos — esses, sim, nada republicanos. Sobre a prerrogativa da imprensa de preservar suas fontes, não se trata o caso em tela de jornalismo, mas de ativismo ideológico — o próprio fundador do Intercept Brasil já deixou claro que sua missão é destruir Bolsonaro, o que faz dele um aliado de Lula e, consequentemente, uma fonte nada imparcial (vale a pena ler esta matéria).

Como bem frisou Rodrigo Constantino, de nada adianta atirar no mensageiro e ignorar a mensagem, mas antes de chegar a ela é preciso criticar o clima persecutório instalado no país. Há quem aprove ou condene coisas como Wikileaks e vazamentos seletivos dependendo de quem é o alvo — se expõe um adversário, é maravilhoso, mas torna-se terrível e criminoso quando expõe um aliado. Isso é tribalismo amoral, e é por isso que alguns, chamados de “isentões”, condenam ou aprovam com base no método. Os meios importam, e ao passarmos pano em meios obscuros quando os alvos são nossos inimigos estamos alimentando o monstro que amanhã poderá se voltar contra nós.

Voltando às mensagens, não nada de mais até agora. Moro pode não ser perfeito — e ninguém o é —, mas foi um juiz que procurou se manter bastante dentro dos limites éticos e legais de sua função. E as mensagens vazadas não derrubam esta imagem, além de serem imprestáveis como prova à luz do melhor Direito, uma vez que foram obtidas de forma totalmente ilegal. Do ponto de vista político, porém, elas deram munição para a defesa reforçar a ideia de que a condenação de Lula (que responde a 10 processos e já foi sentenciado em dois, num dos quais nada menos que 19 juízes em três instâncias da Justiça reconheceram sua culpa) foi injusta, que houve trama, conluio e o diabo a quatro, e que, portanto, os processos devem ser anulados. Note o leitor que nada há nas gravações que indique a inocência de Lula — ou que, parafraseando Josias de Souza, “sirva de borracha para apagar a corrupção que devastou o Brasil”.

A roubalheira que a Lava-Jato retirou debaixo do tapete da República é colossal. Nunca antes na história deste país se investigou, puniu e enjaulou tantos personagens da elite política e empresarial. Foram em cana, entre outros: o mito Lula, o príncipe dos empreiteiros Marcelo Odebrecht, o ex-governador Sergio Cabral, dois ex-ministros do porte de José Dirceu e Antonio Palocci, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, o ex-vice-presidente da Câmara André Vargas, os ex-gestores de arcas partidárias João Vaccari e Delúbio Soares. Noves fora José Sarney, cuja idade avançada levou à prescrição dos crimes que lhe foram imputados, há três ex-presidentes encrencados. Michel Temer já passou pela cadeia. Aguarda julgamento. Fernando Collor é réu. Dilma Rousseff sofreu o impeachment e virou alvo do inquérito sobre o "quadrilhão do PT".

Mesmo fora de contexto e sem valor como prova perante a Justiça, as conversas entre Moro, Dallagnol, por mais bombásticas que pareçam à primeira vista (ou primeira oitiva), não apontam, repito, qualquer ilegalidade. O próprio Intercept Brasil reconhece isso, conquanto tache de “imoral” o comportamento dos envolvidos, mesmo sendo público e notório que, no Brasil, conversas entre juízes, procuradores e advogados são consideradas normais, e que a Lava-Jato é uma força-tarefa tocada a muitas mãos. Mas não há como negar que o vazamento foi um presente para a oligarquia corrupta, que ganhou o tecido, a linha e a agulha para a confecção do figurino de vítima. Daí a evidência do dano político. E mais está por vir, pois o que se divulgou até agora corresponde a uma pequena parcela do material, que conta com centenas ou milhares de horas de gravações ilegais.

Como o prego que mais se destaca é o que leva a martelada, Moro deve ser o mais afetado pelo caso, que não teria grandes consequências para o governo Bolsonaro, embora perdesse sua principal âncora de prestígio moral com uma eventual saída do ministro de Justiça — o que não se espera, mas se admite por amor à argumentação. Isso sem mencionar que uma eventual renúncia do ministro poderia aumentar os danos políticos vindos de novas denúncias de corrução envolvendo outros ministros, assessores e até mesmo familiares do presidente. Economistas não esperam grandes prejuízos no andamento da reforma da Previdência, cujo relatório deve ser entregue na próxima quinta-feira (13), nem na aprovação de créditos suplementares para contornar a regra de ouro e garantir o pagamento de benefícios assistenciais.

Todos os filhos do presidente que atuam na política vieram a público defender Moro, assim como o vice-presidente, General Hamilton Mourão. Por outro lado, membros da oposição anteciparam seu retorno à Brasília para coordenar a melhor forma de convocar Moro a prestar esclarecimentos ao Congresso (parece que agora isso está na moda). A greve geral marcada para o próximo dia 14 contra a reforma da Previdência deve ter o mote do Lula-Livre fortalecido, e já se fala na possibilidade de a tramitação do projeto anticrime e anticorrupção do ministro da Justiça ser prejudicada.

Como as revelações não implicam (pelo menos até agora) os atuais responsáveis pela Lava-Jato em Curitiba, as investigações devem seguir normalmente, mas oponentes da operação e até mesmo membros do Judiciário que já se mostravam desconfortáveis com os métodos da força-tarefa, inclusive dentro do STF, terão mais munição para seus questionamentos. Mas nunca é demais relembrar que o conteúdo revelado pelo The Intercept Brasil foi obtido de forma ilegal, o que inviabiliza seu uso pela Justiça.

Para concluir, segue trecho do texto publicado por Alon Feuerwerker no site Poder360:

Política é guerra, inclusive de narrativas. E a do PT faz um gol importante com a revelação (que surpresa!) das relações íntimas, e talvez promíscuas, entre a Lava-Jato e o então juiz Sérgio Moro
Deve se dar um desconto no “uh! oh!”, pois não apenas Moro e a Lava-Jato sempre foram tratados pela opinião pública como uma coisa só: Moro sempre recebeu da mesma opinião pública o tratamento de chefe da força-tarefa. Mas o cinismo e a hipocrisia também fazem parte.

A dúvida agora é outra. Quando exatamente Moro ministro deixará de ser um ativo para o presidente Jair Bolsonaro e se transformará em passivo? E livrar-se de Moro, numa eventualidade, será um problema ou uma solução para o presidente? O ministro da Justiça até agora injetava prestígio nos cofres políticos do governo. Mas, como Elio Gaspari comentou neste domingo, talvez o chefe esteja desconfiado de que o chefiado quer seu lugar.

É baixa por enquanto a probabilidade de as revelações do Intercept sobre os detalhes das relações Moro/Lava-Jato baterem na porta do gabinete presidencial. Mas o site diz ter muito material, e uma tática jornalística legítima é deixar o alvo de acusações afundar-se nos próprios desmentidos, enrolar-se na própria língua. O fato: Moro e a Lava-Jato estão sendo empurrados para o modo de defensiva. Sabe-se que jogam bem no ataque. Agora veremos se sabem também jogar na defesa.

É um chavão, mas será mesmo o caso de aguardar os próximos capítulos. O mais relevante para a política real: ver se a dinâmica agora favorável no Congresso será afetada. Na teoria, o Legislativo ganha se mostrar disposição de tocar a pauta do mercado enquanto Moro e a Lava-Jato tentam não afundar. Mas nem sempre a política se move por decisões racionais. E Moro e a Lava-Jato fizeram um número não prudente de inimigos nos últimos anos.

ATUALIZAÇÃOUm recurso de Lula, negado monocraticamente por Fachin e encaminhado ao plenário virtual da 2ª Turma do STF em abril, teve o julgamento interrompido por um pedido de vista do supremo-laxante Gilmar Mendes, mas voltou à pauta a toque-de-caixa e deve ser julgado nesta terça, 11, na última sessão da Turma sob a presidência de Ricardo Lewandowski (que será sucedido por Cármen Lúcia a partir da semana posterior à do feriado de Corpus Christi). Como o pedido de vista se deu antes de o STJ confirmar a condenação de Lula, existe a possibilidade de o recurso ter “perdido o objeto” — tecnicamente, a decisão monocrática do ministro Felix Fischer, contestada pela defesa do petralha no Supremo, não existe mais. Integrantes do Supremo ouvidos reservadamente pelo ESTADÃO disseram a sessão pode servir para ministros “darem recados” a Moro, a Dallagnol e à Lava-Jato, à luz conteúdo vazado de supostas mensagens trocadas entre o ex-juiz e e o coordenador da força-tarefa — conteúdo esse, nunca é demais ressaltar, obtido e divulgado ilicitamente. 

Pelo visto, as vítimas já foram julgadas e condenadas pela banda podre na nossa mais alta corte. Depois, falam do “tribunal da Internet”.