Não está fácil acompanhar pari passu a política tupiniquim, tamanha a rapidez com que fatos
novos desatualizam notícias publicadas horas (ou até minutos) antes, mudando o
cenário político como mudam as figuras num caleidoscópio.
Daí eu ter inserido um aditamento na minha postagem de ontem e publicado uma
atualização de status na minha comunidade de política ― que não reproduzi aqui no Blog ― a
partir de informações d’O Antagonista
e da coluna de Eliane Cantanhêde no ESTADÃO. Segue a transcrição do texto
da jornalista, já que o link é de acesso restrito a assinantes do jornal:
“O nível de tensão no Supremo
deve disparar ao grau máximo nesta terça-feira, durante uma reunião da ministra
Cármen Lúcia com um grupo de
colegas, sem pauta, sem horário pré-marcado e sem confirmação de presentes,
deixando no ar a pesada e desagradável sensação de que será uma tentativa de emparedar a presidente da
Corte, firmemente decidida a não facilitar a revisão da prisão após
condenação em segunda instância.
Quem pediu a reunião (ou teria sido destacado pelos demais
para pedi-la?) foi Celso de Mello,
que não tem apenas o status de decano como é efetivamente um dos ministros mais
técnicos e apartidários do Supremo ― além de ser próximo de Cármen Lúcia. O pedido, seu autor e o
momento já dizem muito sobre o tema que deverá estar na mesa nesse encontro,
com muitas especulações.
Daqui e dali, surgem notícias sobre o isolamento da
presidente e isso começou numa data específica: a da condenação de Lula pelo TRF-4, abrindo a contagem de tempo para sua prisão. Quanto mais o
cerco se fecha em torno do petralha, mais as pressões e as divergências
internas aumentam no Supremo, em
meio a intenso tiroteio entre o mundo petista, de um lado, e a opinião pública,
do outro.
No teatro de operações, Cármen
Lúcia se tornou personagem-chave, por deter uma arma poderosa: a pauta do
plenário. É ela quem pode pôr em pauta a revisão da prisão em segunda
instância, mas avisou que não poria, não pôs mesmo e já adianta que não porá. O
ministro que quiser que ponha “em mesa”. Mas nenhum deles foi para a linha de
frente.
O ministro relator da Lava-Jato, Edson Fachin, não concedeu nem negou o habeas corpus preventivo de Lula
e não assumiu colocar “em mesa” para o plenário julgar. O que ele fez? Deu
declarações incisivas contra a revisão da prisão em segunda instância, decidida
em três julgamentos recentes do Supremo, enquanto jogava a decisão no colo de Cármen Lúcia, para que ela decidisse se
punha ou não em pauta a questão. Ontem, Gilmar
Mendes deu mais uma lambada nos colegas, inclusive em Cármen Lúcia, declarando que HC é urgente por definição, tem de ser
levado a plenário e o resultado, a favor ou contra, é uma outra história. Mas é
aí que a porca torce o rabo.
Até a torcida do Corinthians sabe qual será a conclusão, se
colocados em pauta o HC de Lula, o
de um preso qualquer pela segunda instância, uma Ação Direta de Constitucionalidade ou, ainda, uma liminar em ADC: Gilmar muda o voto, inverte o
resultado e não apenas Lula fica
solto, mas centenas de outros atuais e futuros presos, da Lava-Jato ou não, também.
Em seu despacho ontem sobre a prisão do ex-executivo Gérson Almada, da Engevix, o juiz Sérgio Moro
se referiu a “rumores” sobre o fim da prisão em segunda instância e fez uma
defesa contundente dessa jurisprudência, destacando que uma revisão seria “desastrosa”. Segundo ele, o Brasil voltaria à
época dos “processos sem fim e, na
prática, da impunidade”, pois a previsão de que o condenado possa ser preso
após decisão de um tribunal “acaba com o
faz de conta das ações penais que nunca terminam, nas quais o trânsito em
julgado é somente uma miragem e nas quais a prescrição e a impunidade são a
realidade”.
Ainda segundo Moro,
o fim da prisão em segunda instância não favoreceria apenas um condenado, mas
todos os poderosos já presos e os que ainda receberão sentença por corrupção e
lavagem de dinheiro em todo o território nacional ― pela Lava-Jato e não só por
ela. Mais ou menos assim: os que estão
presos saem, os que seriam não serão mais. Um paraíso para os condenados em
segunda instância, mas um inferno para a sociedade brasileira, que defende o
combate à corrupção e que a Justiça, enfim, seja igual para todos.”
Pois bem, por volta da hora do almoço eu ouvi no “Momento da Política” (participação
diária do jornalista Merval Pereira no
CBN BRASIL) que a tal reunião não
iria mais acontecer, o que me levou a publicar a informação (e o link para o
áudio) nesta
postagem. No início do programa, o âncora Carlos Alberto Sardenberg já ponderava que, até 1973, réus em ações
penais eram presos assim que a sentença condenatória era proferida, mas, para
livrar o rabo do delegado Sérgio
Paranhos Fleury, do DOPS, a Lei nº 5.941 alterou o Código de Processo Penal e garantiu ao
réu primário e com bons antecedentes o direito de responder ao processo em
liberdade (e não por acaso ficou conhecida como Lei Fleury).
Observação: Até a conclusão deste texto (às 16h30 de ontem), Cármen Lúcia ainda não havia convidado seus pares para a tal reunião, mas estamos no Brasil, onde nem mesmo o passado é previsível.
Observação: Até a conclusão deste texto (às 16h30 de ontem), Cármen Lúcia ainda não havia convidado seus pares para a tal reunião, mas estamos no Brasil, onde nem mesmo o passado é previsível.
Em sua coluna de ontem em O GLOBO, Merval
Pereira escreveu que o estranho caso das ADCs (Ações Declaratórias de Constitucionalidade) 43 e 44 ― que querem rever a decisão do STF sobre a possibilidade de
prisão após decisão da segunda instância judicial ― revela bem as manobras de
bastidores que objetivam realmente impedir que o ex-presidente Lula vá preso. O histórico da decisão
mostra nitidamente os caminhos tortuosos trilhados dentro do STF e, sobretudo, a falta de urgência da matéria. O julgamento do habeas corpus que gerou, por maioria, a
volta à jurisprudência que permite a prisão após condenação em segunda
instância ocorreu em fevereiro de 2016, e em outubro as liminares das ADCs impetradas pelo PEN e pela OAB foram julgadas em plenário, quando se confirmou a decisão
original. O relator foi o ministro Marco
Aurélio Mello, que as colocou à disposição da pauta para votação do
mérito mais de um ano depois (caso haja interesse e tempo, leia o
voto do ministro Luiz Roberto Barroso).
No entanto, descobriu-se, mais de um após a decisão, que o acórdão daquele julgamento ainda não havia sido publicado, e, portanto, o ministro Marco Aurélio não poderia ter liberado o caso para julgamento. Todavia, a descoberta extemporânea propiciou ao Instituto Ibero Americano de Direito Público, amicus curiae na ação, entrar com embargos de declaração com efeitos infringentes para tentar modificar a decisão da Corte.
Paralelamente, também do nada, uma associação de advogados do Ceará entrou com um habeas corpus coletivo “contra ato omissivo da ministra Cármen Lúcia, por não pautar para julgamento o mérito das tais ADCs. O ministro Gilmar Mendes, sorteado para relatar esse HC, entende que a decisão do STF apenas aceita a prisão em segunda instância, mas não a torna obrigatória, mas rejeitou o pedido mesmo assim, por achar descabida interposição de um habeas corpus coletivo para um tema que tem que ser decidido caso a caso.
No entanto, descobriu-se, mais de um após a decisão, que o acórdão daquele julgamento ainda não havia sido publicado, e, portanto, o ministro Marco Aurélio não poderia ter liberado o caso para julgamento. Todavia, a descoberta extemporânea propiciou ao Instituto Ibero Americano de Direito Público, amicus curiae na ação, entrar com embargos de declaração com efeitos infringentes para tentar modificar a decisão da Corte.
Paralelamente, também do nada, uma associação de advogados do Ceará entrou com um habeas corpus coletivo “contra ato omissivo da ministra Cármen Lúcia, por não pautar para julgamento o mérito das tais ADCs. O ministro Gilmar Mendes, sorteado para relatar esse HC, entende que a decisão do STF apenas aceita a prisão em segunda instância, mas não a torna obrigatória, mas rejeitou o pedido mesmo assim, por achar descabida interposição de um habeas corpus coletivo para um tema que tem que ser decidido caso a caso.
Mas tem mais: Por ser contra uma decisão da presidente do Supremo, esse habeas corpus, segundo o regimento interno da Corte, deveria ser julgado pelo plenário, não pela 2ª Turma, onde a
maioria é contra a prisão em segunda instância ― inclusive o próprio
Gilmar Mendes, que mudou de posição
e hoje tende a apoiar a tese (de Dias Toffoli, o homem de Lula no STF) de que a prisão deve ser autorizada após decisão do Superior Tribunal de Justiça.
Observação: A tese de Toffoli é discutível, pois pretende dar efeito suspensivo ao Recurso Especial, de competência do STJ, mas não ao Recurso Extraordinário, da alçada do STF. Volto a salientar que nem o REsp nem o RE se presta à revisão de matéria fática (como provas); no primeiro, de competência do STJ, discute-se eventual ofensa à legislação federal ou a tratados internacionais, ao passo que no segundo, de competência do STF, debate-se possíveis ofensas ao texto constitucional.
Observação: A tese de Toffoli é discutível, pois pretende dar efeito suspensivo ao Recurso Especial, de competência do STJ, mas não ao Recurso Extraordinário, da alçada do STF. Volto a salientar que nem o REsp nem o RE se presta à revisão de matéria fática (como provas); no primeiro, de competência do STJ, discute-se eventual ofensa à legislação federal ou a tratados internacionais, ao passo que no segundo, de competência do STF, debate-se possíveis ofensas ao texto constitucional.
Uma coisa é certa: não há nenhuma urgência no tratamento da
questão, a não ser a premência de uma solução antes da decretação do início do
cumprimento da pena pelo ex-presidente Lula,
que provavelmente ocorrerá na sessão do
TRF-4 marcada para o próximo dia 26. Para o petralha, do ponto de vista político, seria até melhor ser preso e depois ser solto por um habeas corpus ou decisão em instância superior. Assim ele teria mais um elemento para compôr o discurso de que é uma vítima da Justiça e mobilizar sua tropa em torno da campanha eleitoral petista, seja lá quem venha a ser o candidato. Para o STF, no entanto, não há saída boa. Se a ministra Cármen Lúcia continuar resistindo e a questão não for a plenário, persistirá a incerteza jurídica. Caso aceite pautá-la ou ceda à tentativa de algum outro ministro para que seja colocada “em mesa”, deixará nítida a impressão de que o tribunal se curvou a Lula para “estancar a sangria” da Lava-Jato. Assim, tanto o Supremo quanto Cármen Lúcia estão em xeque.
Por último, mas não menos importante: Gaúchos de Bagé "não festejaram" a chegada da caravana de Lula na cidade (detalhes nesta publicação). Segundo O Globo, “o desanimado início da peregrinação
do molusco criminoso pela Região Sul acendeu um alerta
entre os petistas: o medo de o
abatimento contaminar a militância às vésperas de uma definição do Judiciário
sobre a liberdade do ex-presidente. O petralha foi
confrontado por protestos e um número de seguidores aquém do esperado. Os
organizadores já se pergunta se foi mesmo o melhor momento para passar por uma região
em que o ex-presidente enfrenta forte resistência. Aliás, nem nas redes sociais a
audiência dos atos vingou, mesmo com transmissão dos eventos ao vivo
nas páginas de petistas de todo o país. Nem mesmo o encontro com o
ex-presidente uruguaio José Mujica
empolgou.
Observação: Os petistas apostavam que Lula passaria apenas uma semana preso, mas, segundo a Folha de S. Paulo, eles podem quebrar a
cara: “Dirigentes mais velhos acreditam que a Justiça dificilmente o manteria
na cadeia por muito tempo. Já aqueles mais familiarizados com os humores dos
magistrados acreditam que, se o desgaste já é grande para os que buscam evitar
a prisão, ele seria ainda maior na tentativa de soltá-lo.” O alerta é claro: ou os golpistas do STF arrumam um jeito de libertar imediatamente todos os criminosos
condenados em segundo grau, ou Lula
vai passar um bom tempo na cadeia.