Antes do texto de Guzzo, uma notícia importante:
Morreu na tarde de ontem Arthur Araújo
Lula da Silva, filho de Sandro Luiz
Lula da Silva e neto do criminoso de Garanhuns. Um helicóptero da Polícia Civil transportou Lula da sede da PF em Curitiba para o aeroporto de Bacacheri, também na capital paranaense. Em seguida, o ex-presidente se deslocou para São Paulo em uma avião do governo do Paraná. O avião pousou na capital paulista às 8h30. Arthur morreu aos 7 anos de idade,
vítima de meningite bacteriana. Lula,
que foi condenado a 12 anos e 1 mês de prisão pelo TRF-4 no caso do tríplex,
a 12 anos e 11 meses pela 13ª Vara Federal do Paraná no caso do sítio, e ainda responde
a outras seis ou sete ações penais distribuídas pela JF do Paraná, de São Paulo
e do DF, continua vivo, custando aos cofres públicos cerca de R$ 10 mil por
dia para ser mantido numa sala VIP da Superintendência da PF em Curitiba. Pois
é, meus caros, a vida nem sempre é justa.
Com a palavra, J.R. Guzzo:
O Brasil dos nossos dias realmente elevou ao estado de arte, como se diz, a capacidade que as classes superiores desenvolveram nesses últimos tempos para transformar questões de desimportância ilimitada em motivo para discussões de altíssima tensão, nas quais se debate, desesperadamente, o destino final de tudo o que pode existir de essencial na existência humana. A mulher do empresário Nizan Guanaes, por exemplo, cometeu ou não crime de racismo ao utilizar os serviços profissionais de negras vestidas com o traje clássico de baianas, em sua recente festa de aniversário em Salvador? Quais os segredos de vida e morte que o ex-ministro Gustavo Bebianno, do qual nenhum cidadão comum jamais tinha ouvido falar até hoje, vai enfim “contar para todo mundo” — e provocar com isso a autodestruição imediata do governo? O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, já está marcando reuniões secretas com a CUT, a Conferência Nacional dos Bispos e o ex-presidente Fernando Henrique para acertar os detalhes finais do golpe de Estado que vai derrubar, a qualquer horinha dessas, o presidente Jair Bolsonaro? Viram o que saiu publicado na coluna do colunista A? E o que saiu publicado na coluna do colunista Z? Com a crise cada vez mais grave, quantos meses ainda pode durar este governo? E por aí se vai.
Nenhum desses portentos tem a mais remota possibilidade de
resultar em qualquer tipo de coisa relevante, é claro, mas cada um deles faz um
barulho danado até evaporar do noticiário, para dar lugar a outros vendavais da
mesma qualidade. Aguarde a qualquer momento, portanto, mais uma crise fatal em
Brasília — ou melhor, mais um “desdobramento” da crise que se instalou no
governo desde o dia 1º de janeiro deste ano e até agora não foi embora. Já
ouvimos, entre outras desgraças garantidas, que o presidente jamais conseguiria
montar o seu ministério sem entregar a alma e o erário aos “políticos”. Anular
o convite para o ditador da Venezuela vir à cerimônia de posse de Bolsonaro foi
uma atitude “de altíssimo risco” do novo governo — o Brasil, com essa decisão tresloucada, estava se
isolando do resto do mundo. Renan
Calheiros iria ser eleito para a presidência do Senado e, a partir dali,
formaria um vigoroso polo de “poder alternativo” ao governo; a “Resistência”
encontraria nele o seu novo comandante. Outros terremotos, além desses? É só
escolher no Google.
Fica a impressão, no meio de toda essa calamidade
permanente, que a vida política brasileira está tentando, em pleno século XXI,
operar num sistema de moto-contínuo — os fatos, aí, se criariam através da reutilização infinita da energia gerada pelo movimento desses
próprios fatos. É a
fantasia da máquina que funciona sozinha. O moto-contínuo, como se ensinava na
escola, é um fenômeno cientificamente impossível, por violar as leis da
termodinâmica. Mas isso aqui é o Brasil, e no Brasil todo mundo sabe que há uma
porção de leis que não pegam — talvez seja o caso, justamente, da “crise política” que é apresentada todos os
dias ao público. Um
acontecimento ganha vida, prospera, desaparece e se reproduz num outro, o tempo
todo; o mesmo processo se repete com esse outro acontecimento, e assim a coisa
não para nunca. Não tem a menor importância a força real dos fatos apresentados
à população, nem a constatação de que nunca resultam em nada de prático; eles
existem porque são anunciados, e pronto.
A próxima catástrofe é a reforma da previdência que o
governo acaba de apresentar à Câmara dos Deputados. Tanto faz o que vai
realmente acontecer. Mesmo que as mudanças sejam aprovadas, você ouvirá que o
governo sofreu mais uma derrota —
ou porque tal ou qual item não
passou, ou porque “o
custo foi alto demais”, ou porque o ministro Zé falou uma coisa e o ministro
Mané falou outra, e assim por diante. As verdadeiras questões que têm de ser
resolvidas, enquanto isso, ficam voando no espaço sideral, inalcançáveis por um
debate neurastênico, rasteiro e sem lógica.