Jânio Quadros
implicava com o biquíni; Jair Bolsonaro
implica com os gays. Jânio
distribuía bilhetinhos e Jair posta
tuítes. Jânio não gostava de negociar com o Congresso e Jair também não gosta. Jânio se incomodava com os
constrangimentos institucionais. Certa vez lançou uma provocação a seu ministro
das Relações Exteriores, Afonso Arinos
de Melo Franco: “Creio que a maioria dos ingleses pegaria em armas para
defender o seu Parlamento. E o senhor, ministro, pegaria em armas para defender
o Congresso brasileiro?”. Bolsonaro,
em evento organizado por VEJA na
pré-campanha em 2017, disse: “Se o Kim
Jong-Un lançasse uma bomba H que só atingisse o Parlamento (brasileiro),
você acha que alguém ia chorar aqui?”. Os paralelos entre o efêmero presidente
de 1961 e o atual são numerosos. Mais de meio século depois, o fantasma de Jânio continua a assombrar a política
do país.
Entenda-se por “fantasma
de Jânio” a herança de despreparo, aventureirismo e pouco-caso com as
instituições que com indesejável frequência se tem reencarnado nos ocupantes da
cadeira presidencial. Fernando Collor
foi o primeiro a vestir o modelo. Ao despreparo e ao aventureirismo juntava-se,
nele, a mistificação de apresentar-se como “o caçador de marajás”, tal qual o outro empunhava a vassoura que
varreria a corrupção. Faltava a Collor,
no entanto, o vezo de fiscal de costumes que aproxima o atual presidente de seu
remoto antecessor. Bolsonaro proibiu
anúncio do Banco do Brasil que apresentava jovens de cores da pele, penteados,
trajes e trejeitos diversos, e ainda comentou: “O Brasil não pode ser um país
do mundo gay, do turismo gay”. Antes, havia proibido livro didático que expunha
desenho da genitália feminina e feito circular, a título de alerta, vídeo com
aberração sexual. Jânio, em sete
meses de governo, proibiu, ou tentou proibir: biquínis nas praias; maiôs mais
atrevidos nos desfiles de miss; anúncios na TV de maiôs e peças íntimas
femininas; corridas de cavalo nos dias de semana; brigas de galo; lança-perfume;
e — para culminar — espetáculos “de hipnotismo e letargia, de qualquer tipo ou
forma, em clubes, auditórios, palcos ou estúdios de rádio e de televisão”.
O Jânio de
outrora e o Jair de hoje partilham
as tendências: (1) de ocupar-se de coisas pequenas, mais próprias de delegados
de polícia, juízes ou, no máximo, prefeitos; e (2) de acreditar que uma
canetada muda tendências comportamentais. O biquíni, a despeito de Jânio, prosseguiu sua gloriosa carreira
até o fio-dental, e promete ir além. O turismo de homossexuais, consolidado
graças ao Carnaval e às paradas gay, não há de ser estancado pela bronca do
chefe de governo. Diga-se a favor de Jânio
que nunca foi desatinado como Bolsonaro
ao acrescentar, quando falou sobre o turismo gay: “Quem quiser vir aqui fazer
sexo com mulher, fique à vontade”. Na constrangedora afirmação, o machismo mais
tóxico se punha a serviço do mais predador dos turismos sexuais. Em outro
plano, Jânio nunca cometeu o
despautério de assacar contra o ensino da filosofia e da sociologia, nem a
barbaridade de prometer aos fazendeiros licença para matar os invasores (uma
inspirada reação na internet perguntou: “Índio também vai poder matar o invasor
de suas terras?”).
Jornalistas do período e historiadores registraram as
insuficiências do presidente de 1961. “Era evidente a má vontade de Jânio para com o Legislativo. (…)
Elegera-se sempre ‘contra os políticos’, ainda que fosse um dos maiores”,
escreveu o jornalista Carlos Chagas.
O historiador Thomas Skidmore, no
conhecido Brasil: de Getúlio a Castelo,
afirma que faltavam a Jânio
“discernimento e tenacidade para governar”, e, ao comentar suas dificuldades no
dia a dia da administração, acrescenta: “Talvez estivesse agindo como alguém
que sobe muito depressa e muito alto para sua capacidade”. Um autor de hoje,
encarregado de analisar Bolsonaro,
pode aplicar a semelhantes considerações um simples “copia e cola”. E com mais
razão ainda pode fazê-lo socorrendo-se das brincadeiras que o jornalista Pompeu de Sousa estampava nas páginas
do Diário Carioca. Assim como Jânio
expedia seus bilhetinhos aos assessores, Pompeu
publicava bilhetinhos ao presidente. O do dia 18 de março de 1961 vale para o
Jair sem tirar nem pôr:
“Assim é seu governo, Excelência. Cada dia uma decisão,
uma orientação, uma revogação do dia anterior. Uma revogação de si mesmo.
Governo, Excelência, é exatamente o contrário disso. Por isso é que continuamos
à espera de que Vossa Excelência comece a governar”.
Texto de Roberto
Pompeu de Toledo