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sexta-feira, 26 de abril de 2019

DE VOLTA À SUPREMA INFÂMIA



Lá do mundo da Lua, onde o som não se propaga e as críticas não ecoam, Dias Toffoli, encantado com a ausência de redes sociais, de procuradores e de jornalistas, abriu de ofício um inquérito sigiloso para transportar o STF para esse cenário idílico, mas errou o caminho e acabou levando a corte à suprema auto desmoralização. 

Agora, a prioridade dos demais ministros é trazer seu presidente de volta do espaço. Toffoli está brigado com a Constituição, mas espera-se que volte a respeitar pelo menos a lei da gravidade, reaprendendo que as encrencas sempre caem na cabeça de quem se coloca embaixo delas. Mas as declarações daquele que o empreiteiro-presidiário Marcelo Odebrecht revelou ser “o amigo do amigo de meu pai” (pai dele) indicam que não será fácil recolocar os pés supremos de sua excelência na Terra, já que seu alheamento atingiu um grau que beira o delírio.

Toffoli cultivava a ilusão de que preside e a fantasia de que a censura teria o respaldo da maioria dos seus pares. "Sou presidente do Supremo", declarou. "Eu sei exatamente a correlação de forças que tem lá, porque todo colegiado é plural. […] As decisões tomadas pelo ministro Alexandre de Moraes têm respaldo da maioria." Àquela altura, faltava-lhe o respaldo do próprio Moraes, relator do inquérito secreto aberto para conduzir o Supremo a um mundo isento de críticas, e que suspenderia a censura horas depois. Além das críticas de Marco Aurélio, caiu-lhe sobre a calva uma nota do decano Celso de Mello pró-liberdade de imprensa. O texto continha o peso do endosso de mais da metade da Corte.

Noutra evidência de que está fora da órbita da Terra, Toffoli passou a esgrimir nos últimos dias a teoria segundo a qual a Lava-Jato é obra do Supremo. Nessa versão, a maior operação anticorrupção já realizada na história só existe porque a suprema corte firmou dois "pactos republicanos" — um sob a presidência de Nelson Jobim, em 2004; outro sob o comando de Gilmar Mendes, em 2009.

Jobim não é propriamente um entusiasta da Lava-Jato, que encrencou muitos dos seus amigos. Gilmar tornou-se, ao lado de Toffoli, um adepto da política de celas abertas. Refere-se aos procuradores como "gentalha", "gente desqualificada", "despreparada", "covarde", "gangsteres", "cretinos", "infelizes" e "reles". Acha que eles "integram máfias, organizações criminosas". Considera que "força-tarefa é sinônimo de patifaria".

No mundo da fantasia de Toffoli, "todos nós somos a favor do combate à corrupção, de passar o Brasil a limpo, todos nós somos a favor de que quem desvia dinheiro público seja investigado e condenado. E cumpra a sua pena". No mundo real, gente como José Dirceu, corrupto reincidente, está em liberdade graças a uma decisão 2ª Turma, com os votos favoráveis de Toffoli e Gilmar. Guindado à presidência do Supremo graças a um sistema de rodízio que não leva em conta a qualificação, Toffoli permanecerá no posto até setembro de 2020. Se não for contido, é tempo suficiente para consolidar o suicídio institucional.

As decisões mais recentes de Toffoli indicam que ele tomou gosto pelo comportamento de alto risco. Muita gente está empenhada em chamar a sua atenção — dentro e fora da corte. Mas quanto mais o criticam, mais desmoralizado ele se empenha em ficar. Toffoli ama o desastre. E é plenamente correspondido. Mas não é recomendável dizer isso em voz alta. Aí mesmo é que o hipotético comandante do supremo e seu relator predileto podem atear fogo às próprias togas, chamuscando ainda mais a corte.

Resta confiar na sobriedade e na responsabilidade da maioria do Supremo. Não há tempo a perder. Ou fica claro, nos próximos dias, que o inquérito secreto viajará do mundo da Lua para o arquivo, ou o delírio supremo de Toffoli será convertido num processo de autocombustão do próprio STF.

Com Josias de Souza