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quinta-feira, 3 de outubro de 2019

DE VOLTA À EVOLUÇÃO DO MOTOR À COMBUSTÃO (CICLO OTTO)


TEM GENTE QUE NÃO CONSEGUE ASSOAR O PRÓPRIO NARIZ SEM UM MANUAL DE INSTRUÇÕES.

Pelas razões citadas anteriormente, o número de capítulos desta novela me leva a entremear postagens relacionadas à informática, sob pena de o leitor esquecer que a tecnologia da informação é o carro-chefe deste Blog. Aos recém-chegados e a quem interessar possa, sugiro clicar aqui para ler o post de abertura desta sequência ou aqui para aceder ao capítulo que antecedeu ao último intervalo. Dito isso, vamos adiante.

Da mesma forma como o corpo humano se divide em cabeça, tronco e membros, o motor à combustão do Ciclo Otto divide-se basicamente em cabeçote, bloco e cárter. O bloco (vide figura) é o principal componente, já que abriga os cilindros dentro dos quais pistões ligados por bielas ao virabrequim (ou eixo de manivelas) percorrem seu curso (ou seja, sobem e descem) milhares de vezes por minuto. Em marcha-lenta, o virabrequim gira cerca de 800 vezes por minuto, mas as RPM (rotações por minuto) podem chegar a algo entre 5000 e 7000 no regime de potência máxima — e isso nos veículos de passeio; motores de carros de Fórmula 1 chegam a 18.000 RPM.

Os cilindros podem ser dispostos no bloco de várias maneiras, sendo mais comum ficarem em linha — como nos velhos Chevettes e Opalas da GM —, em "V" — como nos Mavericks e Galaxies da Ford —, ou contrapostos — como nos Fuscas, Brasílias e Kombis e Gols refrigerados a ar (os veículos citados neste exemplo o foram por mero saudosismo deste blogueiro e talvez você nem se lembre deles, mas enfim...). Quanto ao número de cilindros, os Chevettes tinham 4 em linha; os Opalas, 4 ou 6, também em linha; os Mavericks, 4 ou 6 em linha ou 8 em V; os Galaxies, sempre 8 em V; e os modelos da VW retrocitados, 4 cilindros contrapostos (boxer). Há ainda outras tecnologias, como o propulsor Wenkel de pistão rotativo, mas aí já não se trata do Ciclo Otto, que é o espoco desta abordagem.

No interior das "paredes" do bloco, uma "camisa hidráulica" (rede de dutos de lubrificação e arrefecimento) permite a circulação do óleo lubrificante e do líquido de arrefecimento. Note que nos motores modernos, com sistema de refrigeração selada, não se deve usar água (muito menos da torneira, como os frentistas de postos de combustível costumam oferecer para completar o nível do expansor), e sim um líquido de arrefecimento à base de água desmineralizada e etilenoglicol (produto que que não só eleva o ponto de ebulição da água como evita que ela congele em países onde o inverno é rigoroso — mais detalhes nesta postagem).

Note que essa camisa hidráulica se estende também pelo cabeçote, já que o funcionamento do eixo-comando e das válvulas também gera calor. Assim, a junta responsável pelo "casamento perfeito" entre o cabeçote e o bloco é provida de orifícios através dos quais tanto o óleo lubrificante quanto o líquido de arrefecimento, acionados pela bomba de óleo e pela bomba d'água, respectivamente, circulam livremente (mas separadamente) pelas partes altas e baixas do motor.

Por último, mas não menos importante, o cárter (vide imagem à direita), que fica localizado na parte inferior do bloco e funciona como um reservatório de óleo lubrificante . O sistema "úmido", cárter seco, que não fica acoplado ao bloco, mas isso já é outra conversa), facilita a lubrificação do virabrequim e das bielas, já que esses componentes mergulham no óleo a cada giro do motor. Para que o lubrificante alcance as partes altas, uma bomba de óleo acionada mecanicamente conta com um "pescador" que suga o lubrificante e o leva até o cabeçote. Depois de lubrificar o eixo-comando de válvulas e outros componentes da parte alta do motor, o óleo volta ao cárter por gravidade — uma solução simples, mas muito eficaz. Aliás, é por isso que se deve checar o nível do óleo com o motor frio, e também por isso que as medições feitas pelos frentistas sempre acusam falta — o lubrificante está lá, só que não deve tempo de escoar de volta para o cárter.
utilizado na esmagadora maioria dos carros de passeio (alguns modelos de alta performance utilizam 

Observação: Meça o nível do óleo você mesmo, semanalmente, num local plano, de preferência pela manhã, antes de ligar o motor. Na impossibilidade, faça-o somente depois de deixar o motor esfriar por uns 15 minutos (tempo necessário para o óleo escoe das partes altas e retorne ao cárter). O nível deve estar entre as marcas de mínimo e máximo na vareta. Nem mais nem menos. Não invente de colocar mais por “segurança”  além de ser um gasto desnecessário, lubrificante em excesso pode causar vazamentos se os retentores não suportarem o aumento da pressão interna. Além disso, o excesso de óleo pode ir para a câmara de combustão, danificando o catalisador, que é o componente mais caro do sistema de escapamento, ou então sujar as velas, provocando falhas na combustão e prejudicando o funcionamento global do motor. Tenha em mente que os frentistas são comissionados pela venda de óleo, palhetas, aditivos e outros badulaques, daí seu empenho em nos empurrar essas coisas.

Para não encompridar ainda mais esta postagem, o cabeçote fica para o próximo capítulo.

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

SUTILEZAS DO MOTOR — TAXA ESTEQUIOMÉTRICA — ETANOL X METANOL


O RESSENTIDO É UM ETERNO REFÉM DO PASSADO.

Nos motores de ciclo Otto, o movimento do pistão é descendente nas fases de admissão e de combustão e ascendente nas de compressão e de descarga.

Durante a fase de admissão, a mistura ar-combustível é sugada para o interior do cilindro; na de compressão, ela é "espremida" no interior da câmara de explosão; na de combustão, ela é inflamada pela centelha gerada pela vela de ignição; na de descarga, os gases remanescentes da combustão são expulsos pelo movimento novamente ascendente do pistão, que prepara o cilindro para uma nova fase de admissão.

Observação: Somente o ciclo de combustão é considerado "útil" (no sentido de realizar trabalho, ou seja, gerar energia), mas isso não significa que as demais fases não sejam igualmente importantes, pois cada qual cumpre seu papel.

No capítulo anterior, vimos o que é taxa de compressão e que não se deve confundi-la com taxa estequiométrica. Mas faltou explicar que esta última remete à proporção entre o ar e o combustível que compõem a mistura ar-combustível queimada fase de combustão.

Quem não cabulou as aulas de física no colégio deve estar lembrado de que não há combustão sem oxigênio, daí porque o que é vaporizado, comprimido e inflamado no interior da câmara não é o combustível, mas uma mistura dele com o oxigênio presente na atmosfera.

Tanto nos motores carburados quanto nos equipados com injeção eletrônica (vide ilustração), a proporção entre a gasolina e o ar gira em torno de 12:1 — ou seja, 12 partes de ar para uma de combustível. No álcool, que tem poder calorífico inferior ao da gasolina, a mistura precisa ser mais rica — em torno de 8:1, ou seja, 8 partes de ar para uma parte de combustível —, daí a razão pela qual os veículos flex tendem a fazer menos quilômetros por litro com álcool do que com gasolina.

No tempo dos jurássicos carburadores, a taxa estequiométrica era definida por gargulantes (ou giclês), o que tornava impossível alterá-la em tempo real. Assim, veículos projetados para rodar com gasolina não podiam ser abastecidos com etanol (ou até podiam, mas funcionavam mal e bebiam mais que o Lula), e vice-versa.

Essa limitação foi superada com a adoção da injeção eletrônica de combustível — que também propiciou o desenvolvimento dos motores bicombustível que equipam nossos veículos "flex", nos quais o módulo da injeção (centralina) recebe informações em tempo real de sensores estrategicamente posicionados e a partir delas ajusta a mistura às exigências do combustível (gasolina, etanol ou ambos em qualquer proporção) e às necessidades do motor em cada situação específica.

Abro um parêntese para tratar (ainda que em rápidas pinceladas) das principais diferenças entre o etanol e o metanol, começando por dizer que tanto um quanto o outro podem ser usados como combustível em veículos automotores. No entanto, o primeiro — também chamado de álcool etílico (C2H5OH), é obtido através da fermentação do amido e de outros açúcares presentes em vegetais como a cana-de-açúcar, o milho e a beterraba, e além de ser usado como combustível para veículos como alternativa à gasolina, está presente também em bebidas, produtos de limpeza etc.

metanol (CH3OH), por sua vez, não provém da cana ou de outros vegetais; sua obtenção se dá a partir do carvão ou da oxidação do gás metano, o que o torna venenoso e corrosivo — em contato com a pele, ele provoca irritação; a inalação de seus vapores causa náusea e vômitos, e sua a ingestão pode levar à morte.

O metanol costuma ser usado como insumo na produção de solventes de vernizes e tintas, mas, por ser incolor e apresentar odor e sabor semelhantes ao do etanol, também serve de matéria prima para a falsificação de bebidas (como uísque, vodca e assemelhados). Em pequenas quantidades, sua toxicidade é até baixa, mas seu processo metabólico, oxidado pela enzima catalase, transforma-o em aldeído fórmico (HCOH) e ácido fórmico (HCOOH), e é aí que a porca torce o rabo.

No Brasil, o metanol já serviu para suprir a falta de etanol no mercado, mas de uns tempos a esta parte seu uso como combustível para carros comuns foi proibido, embora ele continue sendo empregado em conpetições automobilísticas, já que propicia uma combustão mais rápida, que implica em maior potência do motor. Por outro lado sua queima gera uma espécie de "chama invisível", que já provocou acidentes sérios em um sem-número de competições.

Como a carga tributária que incide sobre o metanol o torna atraente para os vigaristas de plantão, donos de postos de combustível o adicionam à gasolina para aumentar seus lucros. Segundo os órgãos fiscalizadores, há registros de gasolina batizada com 27% álcool e 23% de metanol, e de casos em que a proporção deste último chega a 50%.

Com isso eu fecho o parêntese e encerro mais este capítulo.

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

AINDA A EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA FOCADA NO SEGMENTO AUTOMOTIVO - O MOTOR DE COMBUSTÃO DO CICLO OTTO


OS GUERREIROS MAIS PODEROSOS SÃO A PACIÊNCIA E O TEMPO.

Para facilitar a compreensão do que será explicado a seguir, sugiro clicar aqui, para ler o post de abertura desta sequência, ou aqui para aceder ao capítulo que antecedeu o intervalo. Sem embargo, dedico algumas linhas a uma rápida recapitulação dos pontos essenciais, que servirá também como introdução para o que está por vir. Acompanhe.

Grosso modo, o motor se divide em cabeçote, bloco e cárter (detalhes nesta postagem). No bloco ficam os cilindros. Dentro de cada cilindro, um pistão, ligado ao eixo de manivelas (ou virabrequim) por uma biela, realiza sucessivos movimentos retilíneos verticais (de sobre e desce), que se repetem milhares de vezes por minuto, conforme o regime de giros do motor.

Sobre o bloco, e firmemente preso a ele, fica o cabeçote do motor. Nos projetos mais antigos, ele não passava de uma "tampa" que abrigava as velas de ignição; nos atuais, nele abriga também as válvulas de admissão e de escapamento, o eixo-comando que as aciona e outros componentes, tais como guias, sedes, chavetas, molas de retorno, hastes, tuchos, retentores e balancins. Para reduzir o peso e melhorar a refrigeração, veículos esportivos e de alto rendimento têm cabeçotes de alumínio (nos demais, ele é feito de ferro fundido).

No ciclo Otto, as velas produzem a centelha que inflama a mistura ar-combustível, dando início à fase de combustão, também chamada de ciclo de força ou ciclo útil por ser a única das quatro fases que gera energia (as demais, de admissão, compressão e descarga, são meramente preparatórias).

Observação: No ciclo Diesel é o ar, e não a mistura, que é aspirado para o interior da câmara pelo movimento descendente do pistão e comprimido quando o êmbolo retorna ao PMS (ponto morto superior). O óleo é injetado somente no final do ciclo de compressão, quando a pressão chega a ser 60 vezes superior à inicial e a temperatura atinge patamares elevadíssimos. Como a combustão ocorre por auto ignição, essa tecnologia dispensa velas, bobinas, platinado, condensador, distribuidor e outros penduricalhos que tais.

A maioria dos motores conta com uma vela para cada cilindro, e cada vela tem dois eletrodos (um central e outro lateral). Do correto espaçamento entre eles depende a eficácia da centelha, daí a importância de se ajustar essa "folga" às especificações do fabricante com um calibrador de folga (figura à direita), em vez de confiar "no olhômetro" ou usar uma lâmina de serra, como é de praxe entre os mexânicos de plantão.

Velas inapropriadas ou com a folga mal ajustada podem causar problemas: um tamanho de rosca menor que o especificado, por exemplo, compromete a queima da mistura e gera sedimentação na parte final da rosca; em casos extremos, a vela pode superaquecer e até perder o eletrodo-massa. Já uma rosca longa demais pode alterar a compressão da mistura dentro da câmara, gerar resíduos e até ser atingida pela cabeça do pistão, ao passo que uma vela mal assentada (isto é, que não tenha sido adequadamente rosqueada) pode provocar perda de compressão e ser expelida do cabeçote.

Como toda regra tem exceção, há velas com múltiplos eletrodos e motores que utilizam duas velas por cilindro. Os mais conhecidos são os dos primeiros Honda Fit 1.4, dos Alfa Romeo 164 Twin Spark, da Mercedes M-112 V6 e das primeiras Ford Ranger. Essa solução visava intensificar a faísca e otimizar a queima da mistura, mas foi substituída por amplificadores de centelha, velas com tecnologia Iridium, cabos de menor resistência, bobinas individuais (uma para cada cilindro) e até mesmo ciclos mais modernos — como o Atkinson —, que custam menos e dão melhores resultados. Mesmo assim, motores aeronáuticos de pistão continuam utilizando duas velas por cilindro, até porque lá em cima não tem acostamento.

Continua no próximo capítulo.

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

DE VOLTA À EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA FOCADA NO SEGMENTO AUTOMOTIVO


SE DEUS ESTÁ EM TODO LUGAR, POR QUE AS PESSOAS OLHAM PRA CIMA QUANTO QUEREM FALAR COM ELE?

Um belo dia, talvez para não ficar com as vastas mãos abanando, o Senhor das Esferas criou o mundo e escalou Adão para povoá-lo. Tempos mais tarde, um dos muitos "filhos de Adão" — no caso, o engenheiro alemão Karl Friedrich Benz —, talvez cansado de andar a pé ou se locomover a passo de mula em veículos de tração animal, criou o "automóvel" (auto = de per si; móvel = que se movimenta).

Assim surgiu o Benz Patent-Motorwagen, tido e havido como o primeiro veículo capaz de se locomover por conta própria — falo de veículos com motor de combustão interna, já que, antes, houve protótipos movidos a vapor e a energia elétrica, mas isso foge ao escopo desta abordagem. Embora não passasse de uma pequena carruagem de 3 rodas, que alcançava a velocidade máxima de 16 km/h — sendo, portanto, mais lento que um cavalo —, a geringonça vendeu 25 unidades em 1886.

Em 1913, Henry Ford revolucionou a ainda incipiente indústria automotiva com sua primeira “linha de montagem" — considerada um divisor de águas no âmbito da produção em série. A inovação foi o primeiro passo para motorizar o público em geral. Até então, os carros eram montados individualmente, um de cada vez. Com a linha de montagem, a Ford Motor Company conseguiu produzir muito mais veículos em menos tempo e com menor custo. 

O Modelo "T" atingiu o recorde de dois milhões de veículos por ano, e era vendido a US$ 260 a unidade. O salário pago aos funcionários da empresa era de US$ 5/dia, e ainda que a comparação seja despropositada, posto que esse valor corresponde, atualmente, a US$ 140, vale lembrar que na Venezuela de Maduro, cantada em verso e prosa por esquerdistas lunáticos como a maravilhas das maravilhas, o salário mínimo atual é de míseros US$ 2,76/mês.

Observação: Falando em gente que não presta, talvez o procurador Leonardo Azeredo dos Santos devesse passar longas férias na Venezuela, já que reclamou dos baixos salários da categoria — R$ 35.462,22 mensais, valor bruto que cai para cerca de  R$ 24 mil. Vale lembrar que esse "mizerê", como se referiu esse imbecil a seus estipêndios, chega a R$ 80 mil, em média, com o acréscimo de indenizações, remunerações temporárias e retroativas e outras vantagens.

Dito isso, convido meus caríssimos leitores a acompanhar a segunda etapa da nossa sequência sobre evolução tecnológica focada no segmento automotivo.

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

AINDA SOBRE A EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA -- O CABEÇOTE DO MOTOR

NÃO GRITE A SUA FELICIDADE, POIS A INVEJA TEM SONO LEVE.

Vimos que, entre o cabeçote e o bloco do motor, uma junta assegura a perfeita vedação das câmaras de combustão e a continuidade dos circuitos de refrigeração e lubrificação do motor.

Na parte superior do cabeçote, ficam os mancais de apoio do comando de válvulas de admissão e de escapamento, as molas de retorno de abertura, as chavetas, os tuchos, os balancins e os retentores; na parte inferior, a câmara de combustão, as sedes de válvulas e, rosqueada na câmara, a vela de ignição, que é responsável por produzir a centelha que inflama a mistura no ciclo de combustão.

Nas "paredes" do cabeçote, dutos funcionam como "galerias" por onde circulam (separadamente) o líquido de arrefecimento e o óleo lubrificante

Observação: A título de cultura inútil — já que os graxeiros de garagem são uma categoria em extinção —, a folga entre os eletrodos da vela deve ser ajustada de acordo com as especificações do fabricante. Para tanto, utiliza-se um calibre de folga, não o olhômetro ou uma folha de serra. Alguns motores são projetados para usar velas com múltiplos eletrodos, e também há cabeçotes de fluxo simples e de fluxo cruzado — nestes últimos, a admissão da mistura ar-combustível entra por um lado e os gases resultantes da combustão saem pelo outro, porém as vantagens se resumem basicamente ao aproveitamento de espaço —, mas isso é outra conversa.

Além de facilitar a manutenção do motor, o cabeçote é essencial para seu bom desempenho, pois determina o formato e o volume da câmara de combustão, a passagem dos gases de admissão e escape, o funcionamento das válvulas e seu comando. Alterando esse o projeto (ou simplesmente rebaixando o cabeçote), é possível alterar significativamente o desempenho do motor, mas isso também é outra conversa.

A figura que ilustra esta postagem mostra a parte inferior do cabeçote de um motor de 4 cilindros e 16 válvulas (quatro válvulas por cilindro, sendo duas de admissão e duas de escapamento). Modelos de 8 válvulas continuam sendo largamente utilizados, e também existem configurações com 3 ou 5 válvulas, mas isso é assunto para o próximo capítulo.

Nos antigos motores "flat head" (cabeça chata, em tradução literal), esse componente, que era basicamente uma simples "tampa" da câmara de combustão", abrigava somente a vela de ignição; as válvulas de admissão e escapamento ficavam no bloco do motor. Hoje em dia, praticamente todos os motores de quatro tempos (ciclo Otto) são do tipo OHV (sigla em inglês para "válvulas sobre o cabeçote"), que otimiza significativamente os fluxos de admissão da mistura ar-combustível e do escape dos gases resultantes da combustão em relação à arcaica configuração com válvulas no bloco do motor.

A tecnologia SOHC reposicionou o eixo-comando de válvulas no cabeçote, garantindo melhor acionamento com menos partes móveis e maior durabilidade do conjunto, além de permitir que o motor trabalhe em regimes de giro mais elevados. Mais adiante, os DOHC — com duas árvores de comando de válvulas no cabeçote (vide ilustração à direita) — e os comandos variáveis otimizaram o funcionamento do propulsor, aprimorando seu desempenho e reduzindo o consumo de combustível.

Numa visão simplista, mas adequada aos propósitos desta postagem, o comando de válvulas é um eixo com cames (ressaltos excêntricos) ligado ao virabrequim (eixo de manivelas que, com o auxílio das bielas, movimenta os pistões dentro dos cilindros) por engrenagens ou polias acionadas por correias ou correntes, de maneira a garantir que as válvulas de admissão e escapamento trabalhem sincronizadas com o sobe e desce dos pistões. Como existe uma relação direta entre o formato dos cames e o funcionamento do motor nas diversas faixas de rotação, os comandos variáveis permitem alterar o curso e tempo de abertura das válvulas conforme a faixa de rotação, de maneira a privilegiar o desempenho ou a economia de combustível (o comando comum, não variável, abre as válvulas sempre do mesmo jeito, independentemente da rotação do motor).

Continua no próximo capítulo

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

AINDA SOBRE A EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E OS MOTORES DE COMBUSTÃO INTERNA DO CICLO OTTO — SISTEMA DE ARREFECIMENTO, CABEÇOTE E JUNTA

A POLÍTICA É UMA ARMA; FAZER POLÍTICA É SABER QUANDO APERTAR O GATILHO. 

Vimos que um motor de combustão interna (ciclo Otto) divide-se basicamente em cabeçote, bloco e cárter, que cilindros, pistões, bielas, virabrequim etc. ficam no bloco e que, nas configurações atuais, válvulas e respectivo eixo-comando ficam no cabeçote, que é responsável por controlar a entrada da mistura ar-combustível que preenche os cilindros e, após ela ser comprimida e inflamada na câmara de explosão, expulsar os gases remanescentes. Vimos também que o movimento de sobe e desce dos pistões precisa ocorrer de maneira sincronizada com a abertura e o fechamento das válvulas, e que essa sincronização é feita por engrenagens (ou polias dentadas) presas ao virabrequim e ao eixo-comando de válvulas e ligadas entre si por uma correia (ou corrente) de distribuição. Dito isso, vamos em frente.

Para o motor funcionar adequadamente, sua temperatura precisa ser mantida em torno de 90ºC. Assim, uma mistura de água desmineralizada e etileno glicol circula constantemente por uma "galeria" de dutos existentes nas paredes do bloco e do cabeçote (sem entrar em contato com os componentes internos do motor, tais como válvulas, pistões, bielas etc.), passando de tempos em tempos pelo radiador, onde um fluxo de ar promove a troca de calor com o ambiente.

Nos veículos antigos, o assim chamado sistema de arrefecimento era formado por um radiador — que acumulava as funções de reservatório de água e dissipador de calor —, uma bomba d'água acionada mecanicamente — responsável pela circulação forçada da água e uma hélice, também acionada mecanicamente, que sugava ar "frio" do ambiente e o "empurrava" através das aletas do radiador, de modo a manter a temperatura da água sob controle. Como esse sistema não era selado, a perda de água por evaporação exigia que se checasse o nível regularmente, sob pena de "o motor ferver" — sobretudo em dias de muito calor e/ou em percursos congestionados (em regimes de baixa rotação do motor, a hélice não produzia ventilação suficiente para impedir o superaquecimento do sistema).

Mais adiante, passou-se a utilizar um sistema selado, no qual um líquido de arrefecimento com etilenoglicol (que tanto eleva o ponto de ebulição da água quanto evita que ela congele em situações de baixas temperaturas). A ventoinha, por ser elétrica, não rouba potência do motor; por ser controlada por um sensor de temperatura, ela só é acionada quando isso realmente é necessário. A hélice gira sempre em alta velocidade, independentemente da rotação do virabrequim, e uma válvula termostática posicionada entre o radiador e o bloco dosa a passagem do líquido de arrefecimento, fazendo com que que a temperatura ideal seja atingida em poucos minutos, mesmo em dias frios. Por fim, um vaso expansor translúcido permite verificar o nível do líquido (que é colorido, conforme se vê na imagem acima) sem que seja preciso remover o tampão. 

Observação: O ideal é fazer essa checagem com o motor frio e o carro parado numa superfície plana, e que o nível do líquido deve ficar entre as marcar de "mínimo" e "máximo" — e se for preciso completá-lo, usar o produto adequado, já que abastecer o reservatório com água pura irá alterar a proporção do etilenoglicol.  

O cabeçote é afixado ao bloco do motor por parafusos que devem ser apertados de forma alternada e com o auxílio de um torquímetro. Uma junta de metal elastômero (ou de metal multicamadas combinado comum componente líquido, semelhante a uma cola) garante o perfeito assentamento das peças, o que é fundamental para impedir o vazamento da compressão e evitar que o líquido de arrefecimento contamine o óleo lubrificante, além de proteger as partes metálicas de corrosão e empenamento. 

Neste ponto, abro um parêntese para dizer que a "câmara de explosão" — mencionada de passagem nas postagens anteriores — consiste no espaço remanescente, no interior do cilindro, entre a cabeça do pistão no PMS (ponto morto superior) e um "rebaixo" no cabeçote, que tem o mesmo diâmetro do cilindro e funciona como uma pequena "extensão" deste (repare na figura ao lado). É para dentro desse espaço que a mistura ar-combustível é "empurrada" pelo movimento ascendente do êmbolo no ciclo de compressão (você encontrará mais detalhes no capítulo anterior, embora essa questão vá ser revista mais adiante), para, então, ser inflamada pela centelha produzida pela vela de ignição, que dá início ao ciclo de combustão (ou explosão), que corresponde à única fase do ciclo Otto que realiza trabalho, ou seja, que gera energia. 

Continua no próximo capítulo.

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

AINDA SOBRE A EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA — INJEÇÃO ELETRÔNICA DE COMBUSTÍVEL E MOTOR DE COMBUSTÃO INTERNA DO CICLO OTTO


SE A MÔNICA É DO TAMANHO DO CEBOLINHA E DO CASCÃO, POR QUE ELES A CHAMAM DE BAIXINHA?

Uma nova crise do petróleo levou à retomada do uso do etanol como combustível automotivo em 2003, mas então o carburador já era peça de museu e a injeção eletrônica propiciara o desenvolvimento de motores flexíveis (capazes de queimar tanto etanol quanto gasolina ou uma mistura de ambos em qualquer proporção).

O primeiro veículo nacional "descarburado"  foi o VW Gol GTI — uma série esportiva limitada e cara daquele que se tornou o carro nacional mais popular depois que o Fusca deixou de ser fabricado —, e o primeiro "flexível" foi o Gol Total Flex, que a Volkswagen apresentou em 2003, em comemoração a seus 50 anos de operação no Brasil. Houve também modelos "multicombustível", como o Astra Multifuel, lançado pela GM em 2005, e Siena Tetrafuel, lançado em 2006 pela Fiat. Ambos rodavam tanto com gasolina quanto com etanol e GNV, mas só o modelo da Fiat suportava gasolina sem adição de álcool, como a que é vendida na maioria dos países vizinhos. Por razões que agora não vêm ao caso, a produção desses modelos foi descontinuada, mas os veículos "flex" caíram no gosto do consumidor tupiniquim, e hoje representam 80% da frota nacional.

Anos luz de tecnologia separam os veículos a álcool dos anos 1980 dos flexíveis atuais. Dirigir as carroças de antanho era uma tortura. Além do consumo exagerado e da exigência de manutenção constante, fazer o motor "pegar" e aquecer nas manhãs de inverno era uma provação. Havia gente que deixava o carro ligado enquanto tomava banho, café, e se vestia para o trabalho. Já os flexíveis atuais são igualmente eficientes com qualquer um dos dois combustíveis, isoladamente ou misturados, e o motorista não sente a menor diferença, a não ser a potência, o torque e o consumo ligeiramente superiores quando abastece com etanol.

Essa tecnologia só se tornou possível quando a indústria finalmente aposentou o pré-histórico carburador, que dosava a mistura através de gargulantes (também chamados de “giclês), resultando numa taxa estequiométrica imutável, por volta de 14,6:1 nos modelos à gasolina e 8,4:1 nos modelos a álcool. Isso significa 14,6 e 8,4 mais ar, respectivamente, do que combustível, o que deixa claro quão mais "rica" precisa ser a mistura quando se utiliza o etanol

Observação: Por taxa estequiométrica, entenda-se a proporção entre a quantidade de ar e de combustível que chegam até a câmara de combustão, seja através do carburador, seja pelo sistema de injeção eletrônica.

Com a injeção eletrônica, sensores estrategicamente posicionados realizam diversas medições em tempo real e enviam os dados a um módulo, e este promove ajustes na mistura, no ponto de ignição, etc., de maneira a otimizar a queima da mistura. Daí a razão de podermos colocar no tanque dos “flexíveis” gasolina, álcool ou a mistura de ambos em qualquer proporção.

Os principais componentes de um motor atual são basicamente os mesmos usados no início do século passado: cilindroscabeçotecárter (espécie de “depósito” de óleo lubrificante), pistões (ou êmbolos), bielasvirabrequim (ou árvore de manivelas) e válvulas (e respectivo mecanismo de acionamento).

Os cilindros ficam no bloco, entre o cabeçote e o cárter. Sobre cada um deles, duas ou mais válvulas acionadas pelo “eixo-comando” abrem e fecham a comunicação entre a câmara de explosão e os dutos de admissão e escapamento. Abaixo dos cilindros, os mancais (apoios) suportam o virabrequim, que é ligado aos pistões por meio de bielas e acoplado a um “volante” metálico cuidadosamente balanceado. No interior de cada cilindro, um pistão realiza movimentos de vai-e-vem milhares de vezes por minuto (vertical nos motores “em linha”, em ângulo nos modelos “em V” e horizontal nos propulsores “boxer”, como os refrigerados a ar que a VW usava no Fusca, na Brasília e nos primeiros Gol, com quatro pistões são contrapostos e trabalhando horizontalmente).

Amanhã a gente continua.