O que aconteceria se uma empresa de ônibus passasse a vender
bilhetes para Florianópolis (SC) e despejasse os passageiros em Curitiba (PR),
por exemplo? Pois é. Guardadas as devidas proporções, foi mais ou menos isso que se deu com alguns órgãos de comunicação ao longo deste ano. Desde o momento em
que os pré-candidatos fizeram seus primeiros movimentos no tabuleiro da
sucessão presidencial, alguns jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão, em vez de se aterem aos fatos, preferiram
publicar versões alternativas, porque o jornalista “a” ou o editor “b” é
militante do partido “x” ou simpatizando do candidato “y”.
O que aconteceu nas últimas eleições foi o maior fiasco que os meios
de comunicação brasileiros já viveram em sua história recente. Durante meses a
fio, tentaram provar no noticiário que coisas
trágicas aconteceriam se a campanha de Bolsonaro
prosperasse (mas nunca pensaram na possibilidade de que milhões de brasileiros
estivessem achando que essas coisas trágicas, justamente essas, eram as que
consideravam as mais certas para o país). Convenceram a si mesmos de que não
estavam numa cobertura jornalística, e sim numa luta do bem contra o mal. Em vez
de reportar, passaram a torcer, a distorcer e a trabalhar por um lado na campanha,
convencidos de ter a “superioridade moral”. Resultado: disputaram uma
eleição contra Jair Bolsonaro e
perderam por mais de 10 milhões de votos de diferença.
Não é função da imprensa disputar eleições (nem muito menos perdê-las),
mas alguns órgãos de comunicação se arriscaram a fazê-lo e acabaram surrados
pelo candidato que declararam “inimigo” e por seus quase 58 milhões de
eleitores. Passaram meses fazendo uma operação contínua contra o candidato
menos equipado materialmente e constataram, no dia da apuração, que todo esse
esforço foi em vão, pois o público está pouco se lixando para o que a mídia lhe
diz quando fica como arquibancada em jogo de futebol, xingando o juiz de ladrão
e o técnico de burro, mas não alterando em nada o resultado do placar.
Inventou-se como estratégia, desde o começo, que o presidiário
Lula era não só candidato, mas o candidato favorito para ganhar a
eleição, embora nem sequer pudesse disputá-la, pois estava — e está — cumprindo
a pena de prisão a que foi condenado em duas instâncias da Justiça. Mas os
“institutos de pesquisa” garantiam que ele tinha “40% dos votos”, que havia
“avançado mais X pontos”, que ganhava de todos os outros candidatos... E a
imprensa, em peso, reproduzia essa fábula em suas manchetes, alimentando a
ficção de que “a ONU” iria obrigar o Brasil a aceitar a candidatura. Chegaram
mesmo a convocar o STF para julgar
essa aberração.
Sai Lula, entra Haddad. Sete dias antes do pleito, uma
das “pesquisas”” deu o fantoche do criminoso de Garanhuns com “22%”, numa
“ascensão” que o levaria inexoravelmente à vitória. Para não deixar dúvidas,
todos os meios de comunicação repetiram até o dia da eleição que Bolsonaro perderia de “todos os outros
candidatos” no segundo turno, em “todas as pesquisas”. Pois deu-se exatamente
o contrário.
Às vésperas da eleição, a Folha denunciou uma suposta campanha de notícias falsas bancada por
empresários apoiadores de Bolsonaro
e, em cima disso, pediu-se a “anulação do primeiro turno”, inclusive com
atrizes da Globo exigindo, num vídeo eleitoral especialmente irado, “uma
atitude” do Supremo. Falsa, mesmo,
só a reportagem — reproduzida maciçamente através da imprensa até morrer de
inanição, por ausência de fatos, de pé e de cabeça. Em contra partida, o brutal
atentado contra a vida de Bolsonaro
foi tratado como uma notícia menor, fruto natural do “ódio” trazido à campanha
em grande parte pelo próprio candidato. Até hoje, a maioria dos jornalistas se
refere ao episódio como “a facada”; é jornalisticamente incorreto escrever que
um criminoso quis assassinar Bolsonaro.
Desde o início da campanha, os mais potentes cérebros da
análise política do Brasil deram como fato científico que a candidatura de Bolsonaro iria “desaparecer” assim que
começasse o horário eleitoral obrigatório na TV, no qual ele contava com poucos
segundos. Bolsonaro ganhou a eleição
— e o candidato que tinha o maior tempo de TV não conseguiu nem 5% dos votos.
Mais do que tudo, talvez, a mídia não chegou nem perto de
entender uma realidade evidente: a maioria do público brasileiro pensa
basicamente o contrário do que pensam os jornalistas e os donos dos veículos de
comunicação. Tem valores opostos aos dos comunicadores. Aprova o que a mídia condena.
Condena o que a mídia aprova. É a favor da polícia, que a imprensa considera
inimiga dos pobres, e contra os bandidos, que os jornalistas consideram vítimas
da injustiça social. Os heróis da imprensa, como a vereadora Marielle, não são os heróis da
população. E nem o que a imprensa divulga maciçamente como sendo problemas
essenciais para o Brasil é percebido da mesma maneira pela massa — homofobia,
racismo, fascismo, machismo, “agrotóxicos”, terras indígenas, torturas
cometidas quarenta anos atrás são vistos mais com indiferença do que com
indignação. Em questões como a conveniência de eliminar as diferenças entre os
gêneros masculino e feminino, deixando em segundo plano as leis da biologia,
mídia e maioria estão simplesmente em posições opostas.
Ninguém tem ouvido histórias de veículos que triplicaram
seus leitores ou sua audiência nos últimos anos; pelo contrário: salta aos
olhos que o método que vem sendo utilizado está dando errado. E como poderia dar
certo se os resultados são um desastre? O aviso das eleições está aí.
Até quatro anos atrás, era no programa eleitoral obrigatório
que tudo se decidia numa campanha; hoje, a televisão, em seu conjunto, deixou
de existir como um fator de importância numa eleição brasileira. Os “institutos
de pesquisa” tampouco são capazes de mudar coisa alguma, como se viu da derrota
de Dilma Rousseff — vendida como
aquela que seria “a senadora mais votada do Brasil”, mas que acabou em quarto
lugar.
Os meios de comunicação travaram uma guerra sem descanso
contra Bolsonaro, mas sua influência
foi absolutamente nula no resultado da eleição. A internet, o Facebook, o Twitter e o restante do arsenal nuclear que a tecnologia eletrônica
despeja a cada momento sobre o universo das comunicações mudaram a política no
Brasil em 2018. Há muitos anos vêm transformando a imprensa num animal cada vez
mais diferente de tudo o que possa ter sido — e não há sinais de que essa
história venha a tomar um novo rumo.
Em momentos como este, é uma tragédia que a imprensa
brasileira venha demonstrando, no conjunto daquilo que publica em seus
veículos, uma inteligência inferior à inteligência média dos seus leitores,
ouvintes e espectadores. Desse jeito, torna-se cada vez mais inútil para eles.
Ninguém vai chegar a lugar nenhum por aí.
Inspirado em um
artigo do jornalista J.R. Guzzo, publicado na edição impressa de VEJA desta
semana.