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terça-feira, 27 de novembro de 2018

VEÍCULOS FLEX: MELHOR USAR GASOLINA OU ÁLCOOL? (Parte 14) — SOBREALIMENTAÇÃO (COMPRESSOR E TURBOCOMPRESSOR — CONTINUAÇÃO)


MEDIOCRIDADE ATIVA É UMA MERDA.

Em poucas palavras, a sobrealimentação, principal responsável pelo downsizing dos motores, consiste em forçar a entrada de mais oxigênio na câmara de combustão. Esse efeito pode ser obtido através do aproveitamento dos gases expulsos da câmara no ciclo de descarga (ou seja, usando uma energia que seria desperdiçada) ou “pegando carona” na rotação do virabrequim (através de um sistema de polias e correia que rouba potência do motor para fazer o motor gerar mais potência). Tanto num caso como no outro, propulsores de capacidades cúbicas reduzidas geram mais torque e potência (conforme o ajuste da pressão do compressor, o ganho de potência pode variar de 50% à 300%), consomem menos combustível e poluem menos a atmosfera.

Observação: Ao nível do mar, 23,14% da massa do ar atmosférico é composta de oxigênio. Para conseguirmos mais massa para o mesmo volume de ar, de duas uma: ou reduzimos a temperatura, ou aumentamos a pressão. Reduzir a temperatura de admissão de forma que os ganhos sejam significativos requer um equipamento de grande porte e alto custo. Além disso, temperaturas muito baixas comprometem a vaporização e consequente a homogeneidade da mistura — é isso que acontece com nossos carros nas manhãs frias de inverno, quando o motor demora a “pegar” e engasga até a temperatura normal de funcionamento ser alcançada. Portanto, a solução mais viável é aumentar a pressão, e é aí que entram os compressores. Em linhas gerais, eles comprimem o ar que está sendo admitido e o enviam para os cilindros com maior densidade, permitindo que mais combustível seja injetado e mais potência seja gerada. 

A ideia da sobrealimentação surgiu no século XIX, mas foi somente em 1905 que o suíço Alfred Büchi descreveu o turbo, em sua patente, como “uma máquina reciprocante na qual a energia cinética dos gases de escape moveria um eixo ligado a uma turbina, que serviria como pré-compressor para o ar admitido pelos cilindros” — aliás, uma definição exata de como funcionam os turbocompressores atuais.

Inicialmente, o sistema era usado apenas em motores de grande deslocamento volumétrico, como os de navios, trens e aviões — nestes últimos, além de aumentar a potência, o turbo minimizava os efeitos da rarefação do ar em grandes altitudes. Na indústria automobilística, depois de estrear em motores a diesel de caminhões, essa inovação chegou às pistas quando a Cummins inscreveu nas 500 Milhas de Indianápolis um carro com motor turbodiesel (ele não venceu a prova, mas percorreu todas as 500 milhas sem parar nos pitstops). Nos veículos de passeio, o primeiro modelo “turbinado” foi o Chevrolet Corvair Monza Spyder, cujo flat-6 de 2.4 litros, auxiliado pelo turbocompressor, produzia 151 cv.

Se fôssemos detalhar o funcionamento do compressor mecânico e do turbo, jamais terminaremos esta sequência de postagens. Então, resumindo a história em poucas palavras, o compressor mecânico fornece torque de forma mais linear do que o turbo, além de não estar sujeito ao turbo lag — “atraso” decorrente do tempo que a turbina demora para “encher” e gerar pressão positiva no coletor de admissão, e que pode culminar com um indesejável tranco.

Observação: A última vez que eu ouvi falar em compressor mecânico em veículos nacionais foi quando a Ford lançou o Fiesta 1.0 Supercharger, em 2002, com um compressor mecânico que aumentava sua potência de 65 cv para 95 cv a 6.000 rpm, e o torque, de 8,9 kgfm a 3.650 rpm para 12,6 kgfm a 4.250 rpm. Se na versão aspirada o carrinho demorava 18,2 segundos para ir de 0 a 100 km/h e atingia 150 km/h de velocidade máxima, na Supercharger ele alcançava 100 km/h em 13 segundos e atingia respeitáveis 176 km/h de velocidade máxima. Todavia, devido ao tamanho avantajado do compressor mecânico e o estresse a que o motor era submetido pelo uso de correia e polias levaram a Ford a abandonar o Supercharger. Hoje em dia, esses compressores são usados apenas em motores grandes, como os V8 5.0 e V6 3.0 da Jaguar Land Rover, o V8 6.2 LT4 do Chevrolet Camaro e o V8 5.0 do Mustang Shelby, cujo público alvo prioriza o desempenho sem se preocupar com custo e consumo mais elevados.

Voltando ao downsizing, a combinação da injeção direta com a sobrealimentação permitiu o desenvolvimento de motores mais econômicos e capazes de entregar torque constante a partir de baixíssimas rotações. Nos modelos com turbo nativo (ou seja, instalado “de fábrica”), nem se ouve mais o tradicional “espirro” produzido pela válvula de alívio da pressão quando se tira o pé do acelerador, pois o excesso de ar é redirecionado para o coletor de admissão ou para o filtro de ar. Por outro lado, o indesejável turbo lag, continua presente, razão pela qual algumas montadoras vêm optando pelo turbo elétrico, como é o caso da Audi com o SQ7 e-turbo (foto).

No turbo convencional, o movimento da turbina (caixa quente), que é acionada pelos gases provenientes do coletor de escape do motor, é transferido por um eixo a um compressor (caixa fria), o que aumenta a pressão do ar (ar limpo) que entra no coletor de admissão. O problema é que em baixas rotações o gases são insuficientes para alimentar satisfatoriamente o compressor, e assim se dá o turbo-lag.

No turbo elétrico, em vez da caixa quente acionada pelos gases, um motor elétrico faz funcionar o compressor (independentemente da rotação do motor) que trabalha em conjunto com outros dois turbocompressores convencionais, um de baixa pressão e outro de alta pressão. O primeiro fôlego é dado pelo e-turbo, que atua em regimes de giro baixos e médios. Quando os gases resultantes da explosão da mistura ar-combustível passam a acionar plenamente os turbos convencionais, o e-turbo aproveita fluxo de ar que passa por ele para gerar energia elétrica, aumentando a eficiência do motor de 15% a 20%.

Observação: O e-turbo é um voraz consumidor de energia. Em momentos de pico, ele necessita de até 7 kW (equivalente a 5 secadores de cabelo ligados ao mesmo tempo), potência que, num sistema convencional de 12 V, precisaria de 583 A para ser gerada. Assim, a Audi optou por vincular a turbina a um sistema de 48 V, que gera a mesma potência com apenas 145 A. A energia recuperada pelo e-turbo vai para uma bateria dedicada, mas pode ser aproveitada pelo sistema de 12 V que alimenta o restante do veículo com o auxílio de um conversor.

O deslocamento volumétrico do motor é apenas um dos responsáveis pelo torque e potência que ele produz, e a sobrealimentação é apenas uma das maneiras de se obter esse resultado. Outra opção que merece algumas linhas é a sobrealimentação química, como é o caso do “Nitro”, que é usado para gerar mais em provas de arrancada e de velocidade.

O processo consiste em injetar óxido nitroso (NO) na corrente de admissão — quando aquecido a aproximadamente 300°C, o “gás do riso” sofre a dissociação de suas moléculas e libera oxigênio (que representa 36% da sua massa). Somado ao combustível extra injetado, esse aumento de oxigênio faz com que a combustão da mistura comprimida pelo pistão gere mais energia. E como está liquefeito sob pressão dentro de uma garrafa, esse gás muda de estado e sofre uma queda sensível de temperatura ao passar pelo difusor e encontrar uma pressão ambiente muito mais baixa. Com isso, todo o fluxo admitido também sofre resfriamento, e o resultado é um considerável aumento de densidade. E como a densidade está diretamente ligada ao ganho de potência...

Para desespero dos puristas, os enormes V8 de antigamente deram lugar aos V6, e estes vem sendo progressivamente substituídos por propulsores de 4 ou 3 cilindros, com cilindradas de 1000 CC a 1.600 CC, mas com torque e potência de sobra, maior economia de combustível e menor emissão de poluentes.

Dúvidas? Escreva. A sessão de comentários está aí para isso mesmo.

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

VEÍCULOS FLEX: MELHOR USAR GASOLINA OU ÁLCOOL? (Parte 13) — SOBREALIMENTAÇÃO (COMPRESSOR E TURBOCOMPRESSOR)


SE: UMA ÚNICA PALAVRA DE MIL LETRAS.

Vimos que os “motorzões” de muitos cilindros e capacidades cúbicas entre 5 e 7 litros vêm perdendo espaço para versões menores, que consomem menos combustível e poluem menos nossa já irrespirável atmosfera. O responsável por esse prodígio é o “downsizing” (mais detalhes no post anterior), que resulta em propulsores com menos cilindros e menor capacidade cúbica, mas desempenho semelhante ao de seus “irmãos maiores”.

Torno a lembrar que motores de combustão interna transformam a energia calorífica produzida pela queima da mistura ar/combustível na energia cinética que faz o carro se movimentar. Para isso, o combustível líquido é vaporizado e combinado com certa quantidade de ar. Trocando em miúdos: quanto mais oxigênio entra nos cilindros, mais combustível pode ser queimado, e quanto maior a quantidade dessa mistura dentro da câmara de combustão, mais torque e potência o motor irá gerar. É uma maneira bem primária de resumir essa questão, evidentemente, mas suficiente para o leitor a compreender o princípio que levou à adoção dos turbocompressores e dos compressores mecânicos nos automóveis.

A capacidade cúbica (ou cilindrada, ou deslocamento volumétrico) do motor está diretamente relacionada ao número de cilindros e ao diâmetro e curso dos pistões. Em poucas linhas, ela indica a quantidade de mistura que “enche” a câmara de combustão durante o ciclo de admissão (quando o pistão se desloca de seu ponto morto superior para o inferior). Quanto maior a quantidade de ar sugado pela depressão produzida pelo movimento descendente do êmbolo, mais combustível poderá compor a mistura e, consequentemente, maior será a força resultante de sua queima.

Observação: Quanto maior a pressão que empurra o pistão para baixo, mais torque e potência serão
repassados pelo eixo de manivelas (ou virabrequim), através do volante do motor (*), ao sistema de transmissão, que irá desmultiplicar as rotações e transferi-las para as rodas motrizes. Simples assim. 

À luz dessa breve introdução, fica fácil concluir que a alimentação dos cilindros determina o regime do motor, ou, em outras palavras, quanto maior a quantidade de mistura introduzida nas câmaras, maior a força produzida. O problema é que o volume aspirado é sempre inferior à cilindrada, já que os gases sofrem uma perda de carga e não enchem completamente as câmaras. E é aí que entra a sobrealimentação, que pode ser conseguida com um turbocompressor ou um compressor mecânico. Ambos têm a mesma finalidade, ou seja, pressurizar o ar para o interior dos cilindros. A diferença é a maneira como cada qual faz isso: no turbo, são os gases de escape (provenientes da queima da mistura e liberados no ciclo de descarga) que acionam a turbina, fazendo funcionar o compressor. No sistema mecânico, o compressor, a exemplo do alternador e da bomba d’água, é acionado por uma correia ligada a uma polia (ou seja, aproveita o movimento giratório do virabrequim).

Tanto um sistema quanto o outro têm vantagens e desvantagens, mas isso já é assunto para a próxima postagem.

(*) O volante do motor é um disco metálico pesado (30 kg em média), fixado na extremidade posterior do virabrequim, que funciona como um “reservatório de energia cinética”. Basicamente, ele é responsável por dar início às quatro fases de combustão de um motor do ciclo Otto — quando o motorista dá a partida, a energia da bateria aciona o motor de arranque, que gira o volante; acumular energia cinética para “dar um empurrãozinho a mais” ao giro do motor nas chamadas fases passivas (admissão, compressão e descarga); transmitir torque ao câmbio — ao soltar o pedal da embreagem, o motorista faz com que o disco de fricção seja pressionado pelo platô contra o volante, “pegando carona” no giro do motor e transferindo o movimento rotacional do virabrequim para o câmbio, que o desmultiplica e transmite para as rodas motrizes. Sem a massa do volante, o funcionamento do motor seria irregular, gerando vibrações que seriam transmitidas para o habitáculo, causando desconforto aos ocupantes do veículo (as vibrações não absorvidas pelo volante são amenizadas pelos coxins — peça feita de metal e borracha, sobre a qual o motor é apoiado e preso ao chassis (ou ao monobloco, conforme o caso).