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terça-feira, 8 de março de 2022

ELEIÇÕES 2022 — SALVE-SE QUEM PUDER!

Pode-se não gostar de Ciro Gomes — e eu não gosto —, mas é preciso reconhecer que ele sabe das coisas: “Não dá para a gente votar no Bolsonaro para protestar contra o desastre econômico e de corrupção do PT e do Lula. E, agora, votar no Lula para protestar contra o desastre que Bolsonaro representa. É preciso ter calma e, acima de tudo, construir caminhos de diálogo”. 

Pena o cearense de Pindamonhangaba não ser uma opção válida para quem quer que esta banânia tenha um presidente (mais ou menos) como manda o figurino. Aliás, sociólogo Antonio Lavareda lembra que os franceses costumam dizer que "o segundo turno não é sobre quem ganha, mas sobre quem perde; a rejeição é que decide". Se for realmente assim, ninguém conseguirá se eleger.

***

Neste domingo, 6, o presidente ucraniano disse que, em vez de perdão, haverá julgamento sobre as atitudes da Rússia contra o país vizinho. A terceira rodada de negociações visando ao cessar foi remarcada para a manhã de ontem. A Rússia disse que militares interromperam fogo e abriram corredores humanitários em várias cidades ucranianas, mas os canais de retiradas de civis levam apenas para território russo e para seu aliado, Belarus, um movimento imediatamente denunciado por Kiev como “um golpe imoral.” O anúncio veio após dois dias de cessar-fogo fracassado para permitir que civis fugissem da cidade sitiada de Mariupol, onde centenas de milhares de pessoas estão presas sem comida e água, sob bombardeio implacável e incapazes de retirar seus feridos.

Aqui em Pindorama fica cada vez mais evidente que os partidos estão mais interessados em aumentar suas fatias dos fundos partidário e eleitoral do que em sustentar uma candidatura ao Palácio do Planalto. Moro patina nas pesquisas e, depois das falas infelizes de Kin Kataguiri e Mamãe Falei, enfrenta dificuldades ainda maiores para fazer frente à abjeta dicotomia representada por Lula Bolsonaro (uma coisa é a gente torcer pelo sucesso da terceira via, e outra é a gente se negar a ver os fatos como eles são).

Num cenário polarizado, a verdade é o que menos importa. Para além do direito a suas próprias opiniões, as pessoas agem como se fossem donas dos fatos. Somente “seus fatos” importam. Para elas, ou os outros pensam igual, ou estão errados. Não existe meio-termo nesse “nós contra eles”.

Sectários do lulopetismo corrupto e do bolsonarismo boçal comemoram decisões judiciais que favorecem seus amados líderes — ou desfavorecem os adversários, que eles veem como inimigos figadais —, mas criticam-nas duramente quando a situação se inverte.

Parafraseando Sir Winston Churchill, “fanático é todo aquele não pode mudar de ideia e não quer mudar de assunto”. Não há como dialogar com esse tipo de gente. Para essas vítimas da ignorância, do preconceito e da hipocrisia, argumentos são meros detalhes; o que importa é “ganhar a discussão” a qualquer preço.

Lula e Bolsonaro são farinha do mesmo saco (ou duas faces da mesma moeda, como queiram). E o mesmo se aplica a seus seguidores incondicionais, que os veem como entes divinos, acima do bem e do mal e fora do alcance das leis — que no Brasil parecem ser criadas por criminosos para favorecer criminosos. E dar a chave do berçário a Herodes Antipas (o rei da Judeia que mandou assassinar todos os bebês nascidos na data hoje santificada, quando soube que Jesus Cristo poderia vir a ser o novo rei dos judeus) é o mesmo que descriminalizar o infanticídio.

Segundo as enquetes eleitoreiras, o pleito presidencial de outubro próximo será um embate entre os dois populistas demagogos que ocupam os extremos opostos do espectro político-ideológico. Diante disso, a solução seria o aeroporto, mas a pandemia e o negacionismo desbragado do candidato à reeleição transformou os brasileiros em párias. Diogo Mainardi diz que, entre votar em Lula ou Bolsonaro, é preferível se atirar do Campanário de São Marcos. Para ele, que mora na Itália, isso é fácil. Para os paulistanos, resta o Viaduto do Chá.

Diz um ditado que "enquanto há vida, há esperança". Porém, se existem chances reais de um “outsider” romper a dicotomia, seja abatendo o nefasto capitão cloroquina em seu voo de galinha rumo à reeleição, seja mijando no chope do bocório pernambucano — inclusive no primeiro turno, já que o imprevisto sempre pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos —, está mais que na hora de vermos mudanças no cenário sucessório.

O Antagonista diz que o ex-juiz Moro e o ex-presidiário Lula já se tratam como adversários prováveis e sugerem um duelo clássico: quem terá maior competência política para fazer prevalecer a própria narrativa e bloquear a do adversário. Grosso modo, ambos brigam por assumir os mesmos atributos aos olhos do eleitorado, consideram-se vítimas de injustiças praticadas por poderosos que ousaram desafiar e acreditam que erros políticos ou de conduta pessoal cometidos no passado sejam relativizados à luz dos objetivo que cada qual quis alcançar.

A Lula sobra o cinismo que o surrado animal político consolidou em mais de meio século de atividade política, numa riquíssima trajetória que percorreu da defesa de convicções rumo à busca de oportunidades (de todo tipo); a Moro falta a arte da dissimulação, mas sobra a convicção (pois entendeu bem Maquiavel) que em política é impossível realizar princípios, mesmo os do Direito. O que cada um apregoa como mérito e virtude é exatamente o que o outro afirma ser vileza e vício.

Observação: Graças a um prodígio de suprema magia, Lula passou de ex-presidiário a ex-corrupto e foi reinserido no tabuleiro da sucessão presidencial. Quando chefe do Executivo tupiniquim, o petralha demonstrou simpatia por autocratas cruéis (como Ahmadinejad, Castro, Gaddafi, Maduro e Ortega), chamou facínoras sanguinários de “irmãos” e financiou grupos terroristas (como o Hezbollah e o Hamas contra Israel) e ditaduras horrendas (como Cuba, Nicarágua e Venezuela). Como até um relógio quebrado acerta a hora duas vezes por dia, o sumo pontífice da seita do inferno ironizou a narrativa bolsonarista de que o encontro do “mito” com o presidente russo resultou na retirada de parte das tropas da fronteira com a Ucrânia — o que só teria algum fundo de verdade caso a ideia de Putin fosse ridicularizar o colega brasileiro, visto que a Rússia invadiu a Ucrânia menos de uma semana depois. Bolsonaro & filhos são umbilicalmente ligados a milicianos cariocas. Fabrício Queiroz — unha e carne com o capetão há quatro décadas — foi o operador confesso das rachadinhas do então deputado estadual e atual senador Flávio Bolsonaro. Isso sem falar que o clã já condecorou um assassino de aluguel, morto em tiroteio na Bahia, que Queiroz et caterva depositaram cerca de R$ 90 mil na conta da primeira-dama, e que quatro dos cinco filhos do capetão são alvo de investigações. A exceção é a caçula, Laura, de 11 anos — que foi admitida numa escola militar sem ter sido submetida ao processo seletivoEm sua recente viagem à Hungria, Bolsonaro — que, entre outras virtudes, é admirador confesso do coronel Brilhante Ustra, chefe do DOI-Codi e notório torturador dos tempos da ditadura militar — chamou de “irmão” o tiranete Viktor Orbán. Isso depois de ter declarado apoio e solidariedade a Vladimir Putin. Antes disso, durante o périplo turístico que fez pelas Arábias, o capetão cloroquina elogiou o xeique Mohammed Bin Rashid (que sequestrou as próprias filhas), o príncipe Mohammed Zayed (ditador que nunca foi eleito) e Hamad bin Al Khalifa (no poder há 40 anos). Lula e Bolsonaro, entre outras semelhanças (mensalão e petrolão, rachadinhas e mamatas, filhos que enriquecem rapidamente, autoritarismo e obsessão cega pelo poder, mitomania e messianismo, etc.) apreciam esse tipo de gente. Por alguma razão, os dois dos piores políticos da história são os mais cotados — e com largo favoritismo — pelo esclarecidíssimo eleitorado tupiniquim.

Ambos pedem ao eleitor que faça um julgamento moral. Fala a “verdade” quem diz que prendeu os facínoras e foi traído (Moro) ou quem afirma que os facínoras não o deixaram ganhar as últimas eleições (Lula)? 

Isso nada tem a ver com qual dos dois é o detentor da veracidade objetiva dos fatos recentes: na política, fatos não são elementos objetivos irrefutáveis, mas a percepção que as pessoas têm dos acontecimentos. O ambiente caótico das redes sociais tornou essa lição ainda mais importante — aliás, adversários políticos hoje sequer se entendem sobre o que seriam os fatos a serem discutidos.

Por enquanto, um hipotético um embate Lula-Moro no segundo turno fascina apenas a ínfima parcela de quem acompanha profissionalmente a política. Prova disso é que, na mais recente lista de buscas frequentes no Brasil em 2021 divulgada pelo Google, não figura nas principais categorias qualquer acontecimento ou nome ligado diretamente à política, mas sim o medo da Covid, a emoção com mortes súbitas de figuras queridas e o horror ligado a crimes (além de como arranjar um emprego e ser feliz na relação).

Julgamentos morais são coisa rara em eleições. “Justiceiro” (Moro) e “Injustiçado” (Lula) talvez só fizessem sucesso se estivessem num dos vários reality shows que dominam totalmente a lista dos programas favoritos na TV.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

O ESPINHO DA RACHADINHA

O réu que preside a Câmara mantém trancados a sete chaves cento e tantos pedidos de impeachment em desfavor de Jair Bolsonaro, e o procurador-vassalo se faz de cego quando se trata de investigar os malfeitos de seu suserano (ou não cumpre seus deveres constitucionais por estar ocupado demais distribuindo polpudos contracheques a seus subordinados).

Há no Ministério Público Federal 1.145 procuradores. A pretexto de antecipar vantagens e quitar privilégios atrasados, Augusto Aras autorizou o pagamento de contracheques em dezembro que variaram de mais de R$ 100 mil a quase meio milhão de reais. Beneficiaram-se 720 procuradores. Um deles beliscou R$ 471 mil.

Não bastasse a arquitetura constitucional que o autoriza a “jogar parado”, o chefe do Ministério Público conta com a cumplicidade geral do Senado, que a aprovou sua renomeação e se furta a analisar pedidos de impeachment contra ele, do STF, que impediu a tramitação de representações no Conselho Superior do MPF, e da advocacia garantista por autodeclaração, que aplaudiu a recondução do dito-cujo ao cargo.

Dessa "inércia" e de "atos protelatórios” se fez governo irresponsável, inimputável e incontrolável. Aras vendeu "descriminalização da política" e entregou extinção da punibilidade da delinquência pública. Não denuncia ação política nenhuma — nem mesmo diante da abundância de provas da política de morte que afeta crianças na pandemia —, embora simule diligência por meio de "averiguações preliminares" e pedidos sigilosos que dificultam acusar o golpe.

Essa omissão holística tem numerosos exemplos desde 2019. Contra precedentes da própria PGR, o procurador não se opôs a iniciativas do presidente contra urnas eletrônicas, defendeu legalidade do "orçamento secreto" — maior engrenagem de compra de voto da história brasileira — e não questionou as ameaças de Bolsonaro a conselheiros da Anvisa — apenas anunciou "providências" para protegê-los.

Ainda mais gritantes foram suas posições em torno da CPI. Quando Bolsonaro tentou obstruir a instauração da comissão e pressionou o senador Jorge Kajuru a pedir o impeachment de ministros do STF, Aras não viu crime ou ilegalidade (apenas uma “perspectiva pessoal”). Instalada a CPI, recusou-se a investigar fatos e denúncias que foram surgindo no processo (como da Covaxin).

Contrariando a tradição da própria instituição que chefia, o taifeiro do capetão argumentou que seria preciso esperar o relatório final da CPI — e ministra Rosa Weber alertou-o de que ele não poderia ser só "espectador". Concluído o relatório (de 1.200 páginas) que imputa uma dezena de crimes ao mandatário, esperou 30 dias e pediu ao STF providências que não sabemos quais são, solicitou sigilo — e o STF aceitou — e abriu novo capítulo de "averiguações preliminares", como se a CPI fosse apenas uma pré-preliminar.

Nenhuma denúncia, nenhum inquérito sequer. Aras bloqueou quase tudo que pôde. Sobraram procedimentos heterodoxos que o STF, com advertências à paralisia do PGR, viu-se forçado a instaurar. Das 276 ações que o PGR propôs no período, apenas uma foi contra o governo, em tema inofensivo para Bolsonaro. A jornalista Renata Lo Prete foi cirúrgica na avaliação do descalabro: "Bolsonaro está disposto a delinquir na vacinação das crianças porque perdeu o medo. No momento, ninguém está com medo de parar na cadeia".

A ausência de medo se explica. Aras libera Bolsonaro, Bolsonaro libera subordinados, como Queiroga, e incita militantes, como a turba que ameaçou de morte conselheiros da Anvisa. Nessa bolsa de valores, cadeira no STF vale mais que vida de crianças. Soaria demagógico e hiperbólico, não estivéssemos falando de Jair Bolsonaro e Augusto Aras.

Bolsonaro soube antes de ser empossado que a rachadinha cairia sobre a cabeça de seu primogênito, e desde então vem se empenhando em esconder o escândalo debaixo do tapete. Com a ajuda de Bibo Pai, Bobi Filho realizou nos tribunais superiores o sonho de todo réu: travar o processo e matar provas.  Juridicamente, esquivou-se da sentença condenatória; politicamente, condenou-se junto com o pai ao convívio com a suspeição perpétua.

Amigo e ex-assessor de Jair Bolsonaro na campanha de 2018, Waldir Ferraz (vulgo Jacaré) declarou à revista Veja que a advogada Ana Cristina Valle, ex-mulher do capitão, chefiou um esquema de rachadinha que incluía os gabinetes do ex-marido, na Câmara Federal, de Zero Um, na Alerj, e de Zero Dois, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro.

Exceto pelo fato de ter saltado de lábios amigos, a entrevista não injetou novidades no drama do presidente. Hoje, graças a investigações jornalísticas e do Ministério Público, sabe-se que Bolsonaro comanda uma organização familiar que explorou durante três décadas uma holding da rachadinha com sede no seu gabinete, em Brasília, e filiais nos mandatos dos filhos Flávio e Carlos, no Rio. 

Dos cinco filhos que Bolsonaro teve em três casamentos, somente a caçula Laura, que tem 11 anos — não é alvo de investigações. Afora o célebre caso de Zero Um e as rachadinhas, a PF e o Ministério Público apuram suspeitas contra Eduardo, Carlos e Renan Bolsonaro, que incluem tráfico de influência, contratação de funcionários fantasmas e envolvimento na organização de manifestações que pediram o fechamento de instituições como o Congresso e o Supremo.

Flávio tentou desqualificar a entrevista do amigo do pai, mas deu com os burros n’água porque a coisa foi gravada. Bolsonaro se irrita quando lhe perguntam sobre a origem do dinheiro depositado pelo operador Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama — chegou mesmo a manifestar o desejo de "encher de porrada" a boca de um repórter. Há dois meses, disse que pretende participar de debates presidenciais, desde que não sejam abordados assuntos familiares — trata-se claramente de um pretexto para a fuga.

Há duas alternativas para Bolsonaro: ou providencia argumentos melhores ou abandona a pose de 2018, quando tripudiava da corrupção alheia. Se a entrevista do amigo Waldir serviu para alguma coisa foi para lembrar a Bolsonaro que ele entrou em 2022 com o espinho da rachadinha cravado no pé.

Com Josias de Souza

sábado, 15 de janeiro de 2022

ATÉ QUANDO, CATILINA, ABUSARÁS DA NOSSA PACIÊNCIA? (FINAL)

 

Jair Messias Bolsonaro nasceu no município paulista de Campinas, cursou a Academia Militar das Agulhas Negras e se formou em Educação Física e mestre em saltos pela Brigada Paraquedista do Rio de Janeiro. Em 1986, quando servia no 8º Grupo de Artilharia de Campanha, ganhou projeção nacional ao escrever, na seção Ponto de Vista da revista Veja, o artigo intitulado O salário está baixo”. A insubordinação lhe rendeu 15 dias de prisão e 150 telegramas de solidariedade das mais variadas regiões do país, além do apoio de oficiais e de mulheres de oficiais, que realizaram manifestação defronte ao complexo militar da Praia Vermelha, no Rio.

No ano seguinte, Veja noticiou a invasão da prefeitura de Apucarana (PR) pelo capitão Luís Fernando Valter de Almeida — que, à frente de 50 homens, leu manifesto contra os baixos salários das forças armadas — e divulgou um plano em que Bolsonaro e o também capitão Fábio Passos da Silva pretendiam “explodir bombas em várias unidades da Vila Militar, da Academia Militar das Agulhas Negras (...) e em vários quartéis” (a operação só seria executada se o reajuste concedido aos militares ficasse abaixo de 60%, e serviria para “assustar” o ministro do Exército).

Os capitães “negaram peremptoriamente, da maneira mais veemente, por escrito, do próprio punho, qualquer veracidade daquela informação”, mas, após o surgimento de provas documentais (na ocasião da reportagem realizada na Vila Militar, Bolsonaro havia desenhado um croqui, no qual, de forma didática, explicara à repórter o funcionamento de uma carga de dinamite) e depoimentos testemunhais, o ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves, deu sinal verde para uma sindicância que concluiu que os insurretos deveriam ser expulsos das forças armadas. Ainda assim, o Superior Tribunal Militar acolheu a tese da defesa, segundo a qual os acusados "foram vítimas de um processo viciado", e a expulsão dos capitães não aconteceu. Mas a carreira militar de ambos terminou ali. 

Bolsonaro passou para a reserva e chegou a cogitar de trabalhar como limpador de casco de navio, aproveitando o curso de mergulho que fizera anos antes, mas sua notória aversão ao batente levou-o a aproveitar a repercussão de sua reforma nos meios militares para se eleger vereador pelo e, na sequência, deputado federal, ambas as vezes pelo PDC. Em 1993, ajudou a fundar o PPR — fruto da fusão do PDC com o PDS — e voltou a provocar polêmica ao defender o retorno do regime de exceção e o fechamento temporário do Congresso.

Observação: A despeito da evidente contradição, o deputado que defendia o fechamento do Congresso — dizendo que preferia “sobreviver no regime militar a morrer nesta democracia” — tornou a se candidatar em 1994 e foi reeleito com 135 mil votos. O TRE-RJ anulou a eleição por suspeita de fraude e realizou um novo pleito, mas Bolsonaro confirmou sua reeleição e foi empossado em fevereiro do ano seguinte.

Em agosto de 1995, com a criação do PPB — resultado da fusão do PPR com o PP —, Bolsonaro migrou para a nova agremiação e foi reeleito, em 1988, com 102.893 votos. Em junho de 1999, a Mesa Diretora da Câmara decidiu propor ao plenário sua suspensão por um mês, por ter defendido o fechamento do Congresso e afirmado que “a situação do país seria melhor se a ditadura tivesse matado mais gente”, incluindo o presidente Fernando Henrique Cardoso. Acabou que a Mesa recebeu uma retratação e decidiu aplicar apenas uma censura, mas voltou atrás quando Bolsonaro alegou que sua assinatura havia sido falsificada. Mesmo assim, a proposta nunca chegou a ser votada pelo plenário da Câmara.

Questionado por empregar em seu gabinete a companheira Ana Cristina Vale, o pai e a irmã dela, Bolsonaro alegou que estava se divorciando e argumentou que, por não ser casado com Ana Cristina, a contratação não caracterizava nepotismo. Em dezembro, durante um almoço de desagravo ao ex-comandante da Aeronáutica, Walter Braüer, o ex-capitão defendeu o fuzilamento do presidente Fernando Henrique Cardoso — chegando mesmo a dizer que o fuzilamento era até “algo honroso para certas pessoas”. O líder do governo na Câmara pediu a cassação de seu mandato, mas, mais uma vez, a proposta nunca chegou ao plenário da casa.

No início de 2000, Bolsonaro defendeu a pena de morte para qualquer crime premeditado e a tortura em casos de tráfico de drogas. Atacou os homossexuais, dizendo não “admitir abrir a porta do meu apartamento e topar com um casal gay se despedindo com beijo na boca, e meu filho assistindo a isso”, e seguiu defendendo os interesses das FFAA. Inconformado com o aumento da ingerência civil sobre os militares a partir da criação do Ministério da Defesa pelo governo FHC, chamou o ministro de “canalha”, “patife” e “imoral”, acusou-o de postergar o reajuste dos militares e de estar “servindo aos interesses dos EUA no país”.

Reeleito em 2002 com 88.945 votos, nosso herói declarou-se contrário à reforma da previdência. Trocou o PPB pelo PTB, que deixou em 2005 para se filiar ao PFL, que deixou meses depois para ingressar no PP (nova denominação do PPB, sua antiga legenda). Quando Roberto Jefferson denunciou o esquema do mensalão, Bolsonaro endureceu seus ataques ao PT e aos políticos do partido envolvidos nos escândalos. Chamou José Dirceu de “terrorista” e José Genoíno de “delator”. Chegou mesmo a levar à CPI do Mensalão o coronel reformado Lício Augusto Ribeiro Maciel, responsável pela prisão e interrogatório do petista em 1972, para desmentir a versão de que ele teria sido torturado para entregar os companheiros.

Em outubro de 2005, por ocasião do referendo sobre a comercialização de armas de fogo, Bolsonaro, crítico contumaz das campanhas de desarmamento anteriores, mandou confeccionar cartazes com frases como “O exército do PT é o MST” e “Entregue suas armas: os vagabundos agradecem”, e posicionou-se entre os defensores e organizadores da campanha do “não”, dizendo ser favorável “ao desarmamento, sim, mas dos bandidos” (ao final, venceram os partidários do “não”, com 63% dos votos).

Reeleito para o quinto mandato consecutivo com 99.700 votos, Bolsonaro se envolveu em mais uma polêmica, dessa vez por conta da situação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol, no estado de Roraima. Na ocasião, o representante indígena no debate atirou água no ex-capitão. Em 2009, o PCdoB entrou com representação contra ele, por quebra de decoro.

Reeleito em 2010 com 120.646 votos, Bolsonaro foi candidato à presidência da Câmara e obteve 9 votos — contra 375 do parlamentar eleito, Marco Maia, 106 de Sandro Mabel e 16 de Chico Alencar. Em abril de 2011, criticou o que batizou de “kit gay” e atacou o deputado homossexual Jean Willys (“Eu não teria orgulho de ter um filho como você”). No mês seguinte, meteu-se em nova polêmica envolvendo o projeto de lei que criminalizava a homofobia. 

Em 2014, já de olho no Palácio do Planalto e diante da recusa de Ciro Nogueira, dono PP, em lançar sua candidatura à Presidência, filiou-se ao PSC. Como a sigla também não lhe fez a vontade, reelegeu-se mais uma vez deputado federal (com 464 mil votos). Durante o impeachment de Dilma, dedicou seu voto ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, apontado como torturador durante a ditadura militar, o que lhe rendeu mais uma denúncia ao Conselho de Ética da Câmara (dessa vez por apologia à tortura). 

Em 2017, concorreu novamente à presidência da Câmara, mas obteve míseros quatro votos (o vencedor foi Rodrigo Maia). Ainda em 2017, sem garantias sobre o lançamento de sua candidatura ao Planalto, cogitou de migrar para o PSDC e chegou a assinar um compromisso de filiação ao PEN.

Em 2018, Gustavo Bebianno articulou a filiação de Bolsonaro e filhos e ao PSL de Luciano Bivar. Na condição de pré-candidato à Presidência, o ainda deputado se dedicou a fazer campanha Brasil afora. Sua candidatura foi oficializada em julho de 2018 e recebeu o apoio formal do PRTB, que indicou como postulante a vice o general Hamilton Mourão. À época, Bolsonaro ressaltou que, embora não tivesse amplas estruturas partidárias e dispusesse de pouco tempo de propaganda na televisão, confiava na espontaneidade dos seus apoiadores, que se mobilizariam em plataformas digitais e viabilizariam uma campanha massiva, mas de baixo custo.

No evento de lançamento da candidatura ao Planalto, defendeu a fusão de ministérios, a privatização de braços da Petrobras e o fim da "indústria de multas", fazendo referência às estradas e também a órgãos associados à defesa do meio ambiente e à fiscalização de condições de trabalho. Foram lançadas ainda as candidaturas dos filhos 01 ao Senado e 03 à Câmara Federal (o primeiro pelo Rio de Janeiro e o segundo por São Paulo). 

Nas pesquisas divulgadas ao longo de 2018, o candidato do PSL chegou a ser apontado como o segundo na preferência dos eleitores, atrás apenas do presidiário Lula, que ainda recorria da condição de inelegível, embora já apontasse o duble de poste e bonifrate Fernando Haddad como seu preposto. Iniciada oficialmente a campanha, Bolsonaro seguiu com sua agenda de viagens pelo Brasil até ser esfaqueado, internado e submetido a uma série de intervenções cirúrgicas. O caso teve ampla repercussão e não só colocou o candidato em evidência como lhe serviu de pretexto para escapar dos debates televisivos.

Tendo o antipetismo como principal cabo eleitoral, Bolsonaro confirmou sua liderança no primeiro turno (e ajudou a eleger diversos parlamentares e que o apoiaram em campanha — entre os quais os filhos Flávio Rachadinha, que conquistou uma cadeira no Senado, e Eduardo Bananinha, que passou a integrar a segunda maior bancada na Câmara Federal) e derrotou Haddad no segundo, (com 55% dos votos válidos) eleger. 

Na condição de presidente eleito, iniciou as tratativas para composição de seu quadro ministerial, que prometeu balizar por critérios técnicos (e não ideológicos). Empossado em 1 de Janeiro de 2019, defendeu ampla agenda de reformas, assumiu compromissos com o combate à criminalidade e à ideologia de gênero, alardeou um modelo conservador e tradicional para a "família", implementou um mote com os dizeres "Mais Brasil e menos Brasília" e defendeu o porte de armas, o excludente de ilicitude e o livre mercado como diretriz econômica. E deu no que deu.

Bolsonaro foi casado com Rogéria Nantes Nunes Braga Bolsonaro, vereadora no Rio de Janeiro entre 1993 e 2001 — com quem teve os filhos Flávio, Carlos e Eduardo, que também seguiram pelo política —, contraiu segundas núpcias com Ana Cristina Vale, com quem teve outro filho (Jair Renan), e, em 2007, com Michele Bolsonaro, com quem teve a menina Laura, hoje com 11 anos de idade. 

No âmbito judicial, o "mito" é investigado em seis inquéritos. O assim chamado inquérito das fake news, que tramita no STF, investiga um esquema de disseminação sistemática e organizada de informações falsas com o objetivo de fragilizar as instituições e a democracia. Outro inquérito (esse no TSE) investiga ataques sem provas às urnas eletrônicas e tentativa de deslegitimar o sistema eleitoral brasileiro. Além disso, aliados do presidente foram alvo de operações contra atos ofensivos à democracia e às instituições do Estado. Por último, mas não menos importante: dos cinco filhos que o capitão teve em três casamentos, quatro são investigados pela PF (a exceção fica por conta da caçula).

FONTESPortal da Câmara dos Deputados; Portal do Estado de São Paulo; Portal da Folha de São Paulo; Portal O Globo; Portal Jornal do Brasil; Portal IstoÉ; Portal Veja; Portal do Tribunal Superior Eleitoral; Portal de notícias do Jornal Extra; Portal do El País; Portal do jornal Estado de Minas.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

RETROSPECTIVA — QUARTA PARTE

Há coisas que parecem acontecer somente no Brasil (e ainda dizem que Deus é brasileiro!). Ao contrário do que escreveu Karl Marx, a história nem sempre se repete como tragédia ou farsa. Às vezes — para o bem ou para o mal — ela reproduz fielmente o passado.

A julgar pelo exercício de futurologia que se convencionou chamar de pesquisas de intenções de voto, o ex-presidiário travestido de "ex-corrupto" e o maníaco que (ainda) ocupa o Palácio do Planalto disputarão o segundo turno em 2022. E a menos que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, o picareta dos picaretas fará picadinho do capitão despirocado.

Relembrando: No âmbito judicial, Bolsonaro é investigado em seis inquéritos. O assim chamado inquérito das fake news, que tramita no STF, investiga um esquema de disseminação sistemática e organizada de informações falsas com o objetivo de fragilizar as instituições e a democracia. 

Outro inquérito (esse no TSE) investiga o mandatário por ataques sem provas às urnas eletrônicas e tentativa de deslegitimar o sistema eleitoral brasileiro. Além disso, aliados do presidente foram alvo de operações contra atos ofensivos à democracia e às instituições do Estado. Para além disso, dos cinco filhos que teve em três casamentos, quatro são investigados pela PF (a exceção fica por conta da caçula, Laura, de 11 anos).

Bolsonaro enfrenta ainda desgaste nos campos político e econômico, com inflação, desemprego e pobreza em alta. Em Goiânia, ao lado de líderes evangélicos, o “mito” declarou: "Deus me colocou aqui, e somente Deus me tira daqui", ecoando uma frase já comum em seus discursos populistas. Já do lado de fora da igreja, tirou fotos com apoiadores e tomou caldo de cana. Depois de falar com os devotos, reuniu-se com políticos e empresários de Goiás em um local onde foram colocadas tendas e montado um palco. 

Entre, entre 1994 e 2014, o resultado das urnas foi uma obviedade decorrente da ordem dos fatos. A exceção ocorreu justamente na disputa de 2018. O meio ambiente institucional já havia sido crestado pela Lava-Jato, e o ventre rasgado por uma faca, na terra devastada, deu à luz o ogro, que faz o que faz.

O excepcional se manifestou num determinado contexto, e o monstro insiste em perpetrar monstruosidades. A mais recente consiste em avançar contra a vacinação das crianças. Na distopia em curso, não basta a montanha de quase 620 mil cadáveres. É preciso também apostar numa forma de infanticídio. Ou a extrema direita não se revela por inteiro.

Infelizmente, essa gente não vai desaparecer. Continuará por aí a infernizar o país e a envenenar as instituições. E isso vai requerer especial atenção do futuro presidente da República, do Parlamento e do Judiciário. 

Parte considerável do "empresariado bolsonarista" já foi "empresariado lulista", ainda que tivesse de se sujeitar a conviver com um ex-sindicalista malandro. Na alma profunda, muitos desses empresários sempre apreciaram as boçalidades que hoje ouvem de Bolsonaro sobre meio ambiente, armas, benefícios sociais, mulheres, negros, índios, crianças...

Se algum dia alguma entidade internacional resolver fazer o ranking das melhores elites econômicas da Terra, a nossa estará protagonizando o seu vexame no fim da lista. Enquanto o Estado brasileiro tiver o tamanho que tem, essas frações dos endinheirados ficarão grudadas ao poder de turno como craca, pois dependem desse Estado agigantado para seus negócios.

Bolsonaro é a própria voz da besta que, de modo surdo mas permanente, sussurra atraso, violência, reacionarismo, estupidez, preconceito. Esse coro do absurdo não constitui a maioria do país, mas a nefasta polarização semeada pelo PT de Lula e estrumada pelos tucanos ao longo das últimas décadas, os delinquentes que ora vemos no poder não estariam aí, a escandalizar o bom senso com seu festival de asneiras, ignorâncias, mistificações e ideias torpes e homicidas.

A voz do dublê de mau militar e parlamentar de propostas delinquentes deveria ter permanecido à margem do establishment político. As instituições jamais poderiam ter caído nas suas garras. Mas caíram. Além do fenômeno nativo da Lava-Jato, há o novo tempo da política, das notícias, da cultura, da moral, da ética, dos costumes. 

Esse novo tempo é hoje plasmado pelas redes sociais. Elas se transformaram na ágora do mal. Em vez da sonhada democratização e da pluralidade de vozes, assistimos à organização de verdadeiras milícias de opinião, que se estruturam para normalizar a mentira, o engodo, o preconceito, a discriminação.

Não é só a voz do idiota que se horizontalizou com a de Schopenhauer. Algo mais aconteceu. Desfez-se a ideia de representação. Nos EUA, a invasão do Capitólio fala por si mesma. E notem que o principal responsável por um grave atentado à democracia resta impune, fazendo política.

Difícil prever as consequências calamitosas de uma eventual reeleição de Bolsonaro. Quando se vê empresários, alguns graúdos, flertando com essa possibilidade, a gente se dá conta do buraco em que se meteu. Por outro lado, a derrota do tiranete, se de fato acontecer, não enterra a distopia que ele vocaliza nem põe fim à vandalização do debate de que ele é, a um só tempo, consequência e causa.

O bolsonarismo nasceu da desordem e a alimenta. O próximo presidente eleito, seja ele quem for, encontrará um novo velho Brasil arcaico. Antes das redes sociais, por mais que os confrontos pudessem ser acerbos, muitas vezes pouco elegantes, inexistia uma máquina organizada para espalhar o ódio, a desinformação, a agressão a valores elementares da ciência, o estímulo à violência, o incentivo ao preconceito.

O país tem de enfrentar — e isso inclui os três Poderes da República — a máquina organizada para espalhar mentira, ódio e preconceito, estimulando a agressão a pilares da sociedade democrática, que se acoita nas redes sociais. 

Existe hoje um país em que milhares, talvez milhões, ainda que constituam a minoria, preferem dançar com o risco de morte a tomar vacina. Pior: criminosos, sob o pretexto de exercitar a liberdade de expressão, espalham mentiras sobre imunizantes, inventando malefícios sem apontar comprovação ou evidência técnica.

As milícias digitais sem rosto têm hoje o poder de desestabilizar governos, de intimidar a Justiça, de ameaçar Parlamentos, de impedir a correta aplicação de políticas públicas que salvam vidas. 

É evidente que Bolsonaro é hoje, entre os políticos, o principal beneficiário dessa máquina criminosa. Ele conseguiu levar milhares às ruas para protestar contra o suposto risco das urnas eletrônicas, numa pregação escancaradamente golpista.

Quem quer que venha a governar o país — e queira Deus que não seja nem Bolsonaro nem Lula — terá de se preparar para esse enfrentamento. E terá de manter um diálogo lúcido com o Congresso e com o Judiciário para que os delinquentes, que se escondem sob o manto da liberdade de expressão, paguem por seus crimes, inclusive o de pandemia. 

Mentir sobre imunizantes e atacar os métodos comprovadamente eficazes de reduzir o contágio é sinônimo de espalhar a doença. E o presidente fez e faz isso. Essa é apenas uma das razões pelas quais ele deveria ser despachado, sem escalas, do Palácio do Planalto para o Presídio da Papuda.

Com Reinaldo Azevedo

sábado, 26 de junho de 2021

O SEXO DOS ANJOS E O INFERNO ASTRAL DO GOVERNO FEDERAL


Segundo os ensinamentos da Igreja, anjos são entidades espirituais que “fazem o meio-de-campo” entre os mortais e o Criador. Eles não nascem, não morrem nem se reproduzem. Até porque são seres assexuados — daí usarmos a expressão “discutir o sexo dos anjos” quando aludimos a questões eminentemente acadêmicas (cujo debate não produz resultados práticos). 

A quem interessar possa, a divisão dos anjos em nove coros foi citada pela Bíblia, mas quem colocou ordem no mundo angelical foi São Tomás de Aquino, que o classificou em três esferas e determinou as características e funções de cada um dos coros (no livro Suma Teológica, escrito entre 1265 e 1273).

Podemos dizer que a CPI do Genocídio discute o sexo dos anjos quando ela se debruça sobre o uso de Cloroquina, Hidroxicloroquina e assemelhados no tratamento da Covid. Até porque isso é matéria vencida; a ineficácia chapada desses fármacos já foi decretada pela ciência. O que precisa ser focado, salvo melhor juízo, são as ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia e, paralelamente, a malversação do dinheiro público pelo Ministério da Saúde e pelos gestores estaduais e municipais. Ou eram. Na noite de ontem, ao final da sessão, o foco da Comissão tornou-outro. Mas vamos por partes.

Na última quinta-feira, o epidemiologista Pedro Hallal, pesquisador da Universidade Federal de Pelotas (RS), e a médica Jurema Werneck, representante do Movimento Alerta, forneceram evidências de que o número de vítimas do vírus maldito poderia ter sido bem menor se o Executivo e outras autoridades públicas tivessem seguido a ciência. Não foi exatamente uma revelação, visto que os fatos falam por si. Bastaria analisá-los desapaixonadamente — isto é, sem se deixar influenciar por questões político-ideológicas — para chegar à mesma conclusão dos eminentes pesquisares, e atribuir as responsabilidades pelo “genocídio” a quem de direito.

Em sua coluna no jornal O Globo, Merval Pereira faz especulações interessantes sobre o fato de a demissão de Ricardo Salles ter ocorrido no mesmo dia em que a compra “nebulosa” da vacina indiana colocaram o governo numa sinuca de bico (quando a bola com que se joga fica encostada à caçapa, sem ângulo para bater nas outras bolas, donde o uso metafórico dessa expressão para definir uma situação sem saída).

Empenhado em defender Bolsonaro, o ministro Onyx Lorenzoni “atirou no mensageiro” ao imputar ao deputado federal Luis Miranda o crime de denunciação caluniosa, e ao servidor do Ministério da Saúde e irmão do deputado, Luis Ricardo Miranda, o crime de prevaricação. Rompido com o governo e ameaçado de processo, Luiz Miranda, que até então jogava no time do Planalto, ora se junta a ala de desafetos, como antes dele Gustavo Bebianno, Joice Hasselmann, Alexandre Frota, Santos Cruz e tantos outros.

Aos membros da CPI interessa desvendar o suposto esquema de corrupção que está por trás da dos detalhes, digamos, pouco ortodoxos da compra da vacina indiana — mais um imbróglio desmente a narrativa de que “não existe corrupção neste governo”. 

Suspeitas de rachadinha no gabinete do então deputado federal Jair Bolsonaro não faltam. Na presidência, o capitão se tornou alvo de um inquérito por “suposta” interferência na Polícia Federal (que caminha a passo de lesma desde a aposentadoria do decano Celso de Mello). De seus cinco filhos, só a caçula — Laura, de11 anos — não é alvo de investigações. 

Afora o célebre caso de Zero Um/Queiroz, a PF e o Ministério Público apuram suspeitas contra Eduardo Bolsonaro, Carlos Bolsonaro e Renan Bolsonaro (que incluem tráfico de influência, contratação de funcionários fantasmas e envolvimento na organização de manifestações em prol do fechamento do Congresso e do Supremo). 

Bolsonaro sempre disse ser um “defensor da família”, mas acabou demonstrando que falava de sua própria família. Não vou esperar foderem a minha família ou amigo para trocar “alguém da segurança”, disse o presidente na fatídica reunião ministerial de 22 de abril do ano passado, referindo-se ao comandante da PF e ao MP do Rio de Janeiro, que já estava nos calcanhares dos filhos Flávio e Carlos.

O ora ex-ministro Ricardo Salles responde a denúncias de conluio com madeireiros para exportação de madeira extraída ilegalmente na Amazônia. Dois delegados da PF que investigaram a ilegalidade do carregamento de madeira foram removidos de suas funções, mas as investigações continuam (o inquérito será remetido para a primeira instância, já que Salles perdeu a prerrogativa do foro privilegiado ao ser exonerado).

Um dia antes de se livrar de Salles (para afastar do Planalto mais um denunciado por corrupção), Bolsonaro fez um elogio público ao boiadeiro — a exemplo de como procedeu em relação a Pazuello, o inimputável. A troca de seis por meia dúzia ficou ainda mais evidente no Meio Ambiente, pois Joaquim Álvaro Pereira Leite, sucessor do passador de boiadas, deve dar sequência à política mais voltada à produção que à proteção ambiental (até porque quem apita é Bolsonaro; seus ministros só continuam ministros se fazem o que ele manda).

Salles foi escanteado porque o Planalto não tem como de lidar com tantas denúncias de corrupção ao mesmo tempo. E o caso da Covaxin é chumbo grosso. Tanto que o presidente da CPI, senador Omar Aziz, disse que o depoimento dos irmãos Miranda  tem potencial para derrubar a República”. 

Luis Ricardo, chefe de importação do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, relatou ao MPF e à imprensa ter sido pressionado para acelerar o processo de compra da Covaxin. A negociação está sob suspeita em razão do valor unitário das vacinas — US$ 15 cada —, e da participação de uma empresa intermediária

Já o deputado Luis Miranda afirmou ter alertado diretamente o presidente sobre as suspeitas. De acordo com informações do jornal O Estado de São Paulo, Bolsonaro determinou à PF a instauração de nenhum inquérito para apurar a compra da Covaxin.

Minutos após abrir a sessão de ontem, Aziz se reuniu com Luis Miranda, a pedido do deputado, que chegou ao Senado vestindo um colete à prova de balas. Pouco antes da abertura da sessão, o presidente da comissão disse que o ministro Queiroga estava tentando atrapalhar as investigações e pediu ao senador Renan Calheiros que incluísse as obstruções no relatório da Comissão.

Nós recebermos informações sobre 81 e-mails da Pfizer. Soubemos pela imprensa que tiveram outros 20 e-mails que não chegaram à essa CPI. Nós requisitamos informações vastas, diversas, sobre a atuação de diversos personagens que estão sendo inquiridos e investigados no âmbito de Comissão Parlamentar de Inquérito. As informações não chegam. Isso é concretamente uma forma de obstrução aos trabalhos desta comissão”, afirmou o vice-presidente da Comissão, senador Randolfe Rodrigues.

Atualização: Nas conversas exibidas na CPI, Luis Ricardo afirmou que o acordo previa o envio de vacinas ao Brasil perto da data de vencimento. Ele também disse ter medo de se expor ao fazer a denúncia, mas revelou aos senadores que o ministro Onyx Lorenzoni mentiu ao acusá-lo de falsificar o “invoice” — espécie de nota fiscal internacional — com desconformidades em relação ao contrato de compra da Covaxin. O recibo, entretanto, está disponível no sistema do Ministério da Saúde.

Paralelamente, o irmão do depoente, deputado Luis Miranda, reafirmou que teria pedido o encontro com Bolsonaro no Palácio da Alvorada, no dia 20 de março, em que as suspeitas foram relatadas. O presidente teria citado o nome de um parlamentar, mas ele (o depoente) não se lembrava quem era o dito-cujo (ao final, a senadora Simone Tebet conseguiu extrair o nome do deputado: Ricardo Barros).

Observação: Deve haver algum micróbio na sala de audiências da CPI que afeta a memória dos investigados, convidados, testemunhas e assemelhados. Dizem as más-línguas tratar-se de uma bactéria chamada "cara de pau".

Luis Miranda disse ainda ter avisado Eduardo Pazuello sobre os indícios de irregularidades e ouvido do então ministro da Saúde que sabia que seria exonerado após não ceder à pressão de parlamentares para liberar “pixulé” para um grupo de deputados. Em sua despedida do ministério, Pazuello afirmou a integrantes da pasta que pressões políticas pesaram para sua saída — vídeos do discurso foram gravados e, posteriormente, revelados. Na ocasião, Pazuello chegou a citar que “todos quererem um pixulé no fim do ano”, sem explicar a quem se referia.

Resumo da ópera: documentos apontam que, em 16 dias, o Ministério da Saúde mudou de posição e deixou de exigir que a Covaxin estivesse na fase 3 de testes na Anvisa para iniciar o processo de compra da vacina. (Veja a cronologia.) Um dos pontos considerados suspeitos por Luis Ricardo foi o envolvimento da Madison Biotech, autora da “invoice”. No endereço informado pela empresa, em Cingapura, funciona em um escritório de contabilidade, o Sashi Kala Devi Associates. A Madison foi criada em 14 de fevereiro de 2020.

Pela manhã, antes da sessão, Bolsonaro disse que tinha “zero preocupação” com o depoimento dos irmãos Miranda. À tarde, porém, ao ser questionado sobre as negociações da vacina, o presidente se exaltou e voltou atacar a imprensa . Ele insultou a jornalista Victória Abel, da CBN, dizendo que ela deveria voltar para a faculdade e até “nascer de novo”. A CBN repudiou o tratamento agressivo do presidente à repórter.

A ver a merda que vai dar. Porque vai dar merda. Isso é tão certo quanto o fato de o Mensalão e o Petrolão terem existido e sido obras petistas. A quem votou no capetão-honestidade, a revelação do segredo de polichinelo pode surpreender. Mas não a quem vem acompanhando o cenário tupiniquim através da lente deste humilde blog.