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sábado, 23 de novembro de 2024

ELE NÃO SABIA DE NADA

QUANDO A GENTE IMAGINA QUE JÁ VIU O PIOR DAS PESSOAS, APARECE ALGUÉM PARA MOSTRAR QUE O MAL É INFINITO.

 

Sob Bolsonaro, o absurdo era tramado com a naturalidade de um batizado. Adorno tétrico da trama, o assassinato de Lula, Alckmin e Moraes forneceria a apoteose necessária para virar a mesa da democracia em grande estilo. Mas o imprevisto costuma ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, e as consequências sempre chegam depois.
 
"Quem espera sempre alcança", reza a sabedoria popular. Sempre que se via em apuros, Bolsonaro recorria ao versículo multiuso: "conhecereis a verdade e a verdade vos libertará" (João, 8:32). A Operação Contragolpe proporcionou seu encontro com a verdade, mas, ao invés de libertá-lo, a verdade o empurrará à cadeia. 

Até o momento, quatro militares de alta patente e um policial federal foram presos. Bolsonaro, Braga Netto e Mauro Cid estão entre os 37 indiciados pela "suposta" tentativa de golpe — "suposta" porque, como sabemos, sempre há a possibilidade de o que tem rabo de jacaré, couro de jacaré, boca de jacaré e dentes de jacaré ser, na verdade, um coelhinho branco.
 
Em junho de 2022, numa reunião em que o presidente foi filmado rosnando contra a democracia e o bobo da corte dizendo que era preciso virar a mesa antes das eleições, o general Mário Fernandes, número dois da Secretaria-Geral da Presidência, fez coro com os insurretos: 
"...É muito melhor assumir um pequeno risco de conturbar o país [...], para que aconteça antes, do que assumir um risco muito maior de conturbação no 'day after', né? Quando a fotografia lá for de quem a fraude determinar". 

Segundo a PF, o "day after" do general incluía uma carnificina que só não aconteceu por falta de adesão da tropa.
 
Bolsonaro perdeu a reeleição e colecionou derrotas nos pleitos municipais. A inelegibilidade o excluiu da cédula de 2026, mas a vitória de Trump o animou a conceder entrevistas em série, pregando uma "pacificação" escorada numa anistia inusitada. A cada vez mais provável condenação criminal pende como uma espada de Dâmocles sobre seu plano de controlar a sucessão no campo da direita.
 
Em público, Valdemar Costa Neto — ex-presidiário do Mensalão e indiciado na última terça-feira — insiste na tese abilolada de que Bolsonaro "não tem nada a ver com nada". Nos bastidores, porém, a cúpula do PL já admite que subiu no telhado a pretensão mimetizar Lula em 2018, registrando uma candidatura legalmente inviável.
 
A esta altura, falar em solidariedade afronta o razoável, mesmo nos insanos territórios da extrema-direita, e a construção de uma chapa conservadora, sem o veneno golpista do "mito", já começa a ser articulada. Mesmo porque os parlamentares do Centrão são conhecidos por carregar o caixão, não por pular na cova com o defunto. 
 
Cabe aos representantes da direita construir uma alternativa sensata, e a Tarcísio de Freitas, o primeiro da fila, tirar a mão da alça do caixão, trocando uma reeleição praticamente certa para o governo de São Paulo pela aventura de concorrer disputar o Planalto em 2026. Na seara da esquerda, Lula diz que concorrerá ao quarto mandato "se tiver saúde" — se tivesse juízo, o macróbio indicaria um sucessor para recompor o arco conservador que o reabilitou, não por gostar dele, mas para se livrar do refugo da escória da humanidade.
 
Indiciado, Bolsonaro renovou a pose de perseguido. Mas demonizar Moraes perdeu o nexo quando quando o delator Mauro Cid, os ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica (que não aderiram ao golpe) os investigadores da PF, as togas que avalizam os despachos de Moraes e o procurador-geral Paulo Gonet se juntaram à hipotética confraria de perseguidores.
 
Em 1986, ainda capitão da ativa, Bolsonaro amargou 15 dias de prisão disciplinar por publicar na revista Veja o artigo "O salário está baixo". No ano seguinte, a mesma revista revelou que ele e outro capitão planejavam explodir bombas nos quartéis se o aumento do soldo ficasse abaixo de 60%. O então ministro do Exército pediu a expulsão dos insurretos, mas o Superior Tribunal Militar acatou a tese da defesa.
 
Bolsonaro trocou a caserna por um mandato de vereador e outros 7 de deputado federal. Em 1991, defendeu o retorno do regime de exceção e o fechamento temporário do Congresso. Em 1994, disse que preferia "sobreviver no regime militar a morrer nesta democracia". Em 1999, afirmou que "a situação do país seria melhor se a ditadura tivesse matado mais gente" (incluindo o então presidente FHC). Em 2016, 
ao votar favor do impeachment de Dilma, homenageou o torturador da ditadura Carlos Alberto Brilhante Ustra. 

Sem outra fonte de renda além do salário de parlamentar, a "Famiglia Bolsonaro" comprou mais de 100 imóveis, 51 dos quais foram pagos total ou parcialmente em espécie. Em "O Negócio do Jair", a jornalista Juliana Dal Piva revela o método usado pelo clã para acumular milhões de reais e construir um projeto político iniciado com o emprego de parentes e coordenado pela segunda esposa. O livro detalha ainda as relações da família com o ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega, que virou chefe da milícia de Rio das Pedras e do Escritório do Crime, e acabou executado em 2020 por policiais militares baianos e fluminenses.  
 
Em meio à pandemia, Bolsonaro desdenhou do vírus, disse que a reação da população e da imprensa era "histeria", chamou a Covid de "gripezinha de nada" e demitiu Mandetta da Saúde porque o médico "estava se achando estrela", nomeou um sucessor que não durou um mês no cargo, e colocou em seu lugar o general Eduardo 
"um manda e o outro obedece" Pazuello. 
 
relatório da CPI da Covid apontou uma dúzia de crimes, mas o genocida saiu ileso graças à subserviência do antiprocurador Augusto Aras, e escapou de 140 pedidos de impeachment porque Rodrigo Maia "viu erros, mas não crimes de responsabilidade", e Arthur Lira avaliou que "todos os pedidos que analisou eram inúteis". 

Ao longo de toda a gestão, o pior mandatário desde Tomé de Souza não só incentivou como participou de atos antidemocráticos, chamou Moraes de canalha e Barroso de filho da puta, transformou o 7 de Setembro em apologia ao golpe de Estado, e por aí afora. Mas o dito ficou pelo não dito. 
 
Derrotado nas urnas, o capetão-golpista se encastelou no Alvorada até a antevéspera da posse de Lula. Mestre em tirar a castanha com a mão do gato, escafedeu-se para a Flórida (EUA) e se homiziou na cueca do Pateta por 89 dias, retornando somente quando poeira dos atos terroristas do 8 de janeiro já havia baixado. 

Observação: Se Bolsonaro não conspirasse 24/7 contra a democracia, não se associasse à a Covid, não rosnasse para o Legislativo e o Judiciário, não se amancebasse com QueirozZambelli, Collor, milicianos e que tais, talvez o ex-tudo (ex-retirante, ex-metalúrgico, ex-sindicalista, ex-presidiário, ex-condenado etc.) ainda estivesse gozando férias compulsórias na carceragem da PF em Curitiba. Mas de nada adianta chorar sobre o leite derramado.
 
Desde a última terça-feira que só se fala na Operação Contragolpe e seus impactos na situação do ex-presidente — uma novela que começou há anos e deve entrar pelo ano que vem, já que novidades surgem dia sim, outro também, e a última peça nunca fica pronta. 

Moraes deve enviar a PGR, nesta segunda-feira, o relatório de 884 páginas que recebeu da PF, mas Gonet dificilmente denunciará os indiciados até o final do ano, e o tempo necessário para alinhar todas as investigações conduzidas pode empurrar a denúncia para depois do recesso judiciário. O recebimento da denúncia pelo STF abrirá prazo para a instrução da ação penal. 

Espera-se que a sentença saia ainda em 2025, para não contaminar as eleições de 2026. Com as penas impostas aos envolvidos no 8 de janeiro variando entre 16 e 18 anos, é provável que, em caso de condenação, o Messias que não miracula permaneça inelegível por mais tempo que os anos que lhe restam de vida. 

Bolsonaro disse a Veja que "jamais compactuaria com qualquer plano para dar um golpe". Lavou as mãos sobre o plano que previa o assassinato de Lula, Alckmin e Moraes. Se alguém cometeu algum crime, ele não sabia. Collor também não sabia do esquema PC, e Lula, do Mensalão. O "eu não sabia" é um velho conhecido dos brasileiros, que reaparece sempre que algum personagem capaz de tudo pede à nação que o veja como como um incapaz de todo.
 
O Brasil terá que aprender a conviver com um Bolsonaro inelegível, indiciado e indefensável. Não será fácil, e ficará mais difícil à medida que o indiciamento evoluir para denúncia, ação penal e provável condenação. Essa convivência pode ser longa, já que a Justiça, conhecida por tardar mas não falhar, move-se em solo brasileiro a velocidade de um cágado perneta. 

O fato de a deusa Themis ter sido retratada sentada diante do STF indica que quem recorre àquela corte precisa ter paciência de : dependendo de quem julga e de quem é julgado, a sentença pode demorar 20 horas ou 20 anos (haja vista as condenações de Maluf, de Collor e do próprio Lula).

Triste Brasil.

sábado, 19 de agosto de 2023

CONVÉM NÃO DISCUTIR COM ESPECIALISTA


Preso desde 3 de maio, Mauro Cid já contabiliza três advogados. O primeiro rodou porque soava mais interessado em salvar o pescoço de Bolsonaro do que em afastar seu cliente da forca, e o segundo, especialista em delações, abdicou da defesa sem converter o vassalo do suserano em colaborador. 

O causídico recém-contratado tenta vestir farda nos crimes do fardado. Tão logo assumiu, afirmou que, por sua formação militar, seu cliente "sempre prezou pelo respeito a chefia, pela obediência hierárquica, e é exatamente essa obediência a um superior militar que há de afastar a culpabilidade dele",  parecendo buscar inspiração no ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que cunhou o lema: "Um manda e outro obedece". 

AtualizaçãoO advogado Cezar Roberto Bitencourt deu declarações confusas e divergentes sobre a suposta decisão de Cidinho no caso da venda de joias. Na quarta, disse que não sabia detalhes das acusações porque havia recém-assumido a defesa e ainda não tinha encontrado seu cliente, mas adiantou  que "assessor cumpre ordens do chefe". Depois do primeiro encontro com Cid, o criminalista disse que já havia concedido muitas entrevistas e que a atitude poderia "irritar o outro lado também". Questionado sobre quem seria o "outro lado", ele respondeu: "O chefe dele, é claro". Disse ainda que o objetivo da PF era chegar até Bolsonaro, e que a chance de seu cliente partir para uma delação premiada era "nula". Horas depois, em mais uma nova versão, o doutor afirmou que Cid decidira confessar a atuação na venda das joias e declarar que havia cometido o crime por ordem de Bolsonaro. "Ele vai confessar o que ele praticou, comprou e vendeu, o atestado das vacinas. Ele vai confessar", completou. Ontem, outra reviravolta: "Não, não tem nada a ver com joias! Isso foi erro da Vejs (sic) não se falou em joias!", escreveu Bitencourt na mensagem. Mais tarde, ele disse que o caso não se trata de joias, mas de somente uma: um relógio Rolex, e que não se trataria de uma confissão, mas "esclarecimentos" a serem feitos aos investigadores, e que Cid não ia culpar o ex-presidente: "Tem muitas coisas que não tem nada a ver. Na realidade houve um equívoco, houve má-fé. Em primeiro lugar [é um equívoco] que o Cid vai dedurar o Bolsonaro".

Mesmo sem delatar, Cidinho pode mijar no chope do capetão, e sua defesa se arrisca a tropeçar numa obviedade: o militar não responde a inquéritos militares, mas por crimes ordinários em extraordinários processos que correm no STF. O general Santos Cruz, expurgado por Bolsonaro de um ministério palaciano por se recusar a ser um Pazuello, já ensinou que "farda não é pano de chão; hierarquia e disciplina são princípios nobres, não significam subserviência e nem podem ser resumidos a uma coisa 'simples assim, como um manda e o outro obedece', como mandar varrer a porta do quartel."
 
Até a semana passada, Bolsonaro tinha: 1) o general Lourena Cid para segurar a língua do filho; 2) a cumplicidade muda de Frederick Wassef; 3) as orações de Michelle e 4) a solidariedade dos seus milicianos políticos. Hoje, ele precisa se certificar da fidelidade do mensaleiro ex-presidiário Valdemar Costa Neto, que pode ser a última coisa que lhe resta. 
 
Tratado pela PF como membro da "organização criminosa" das joias, o Cidão parece mais preocupado com sua autodefesa do que com a autocombustão do filho — cujo novo advogado realça uma obviedade: a quadrilha não é acéfala, e Cidinho, militar disciplinado, apenas interpretou ao pé da letra o nome do seu cargo. Nessa versão, quem deve pagar pelos crimes é o chefe, não o ajudante cumpridor de ordens.
 
O dublê de advogado e mafioso de comédia
 apelidado de "Wacéfalo— por ter transformado a operação de recompra de um Rolex numa lambança com aparência de confissão — adicionou um drama novo à rotina do defensor do ex-presidente. Cada vez que o perdigueiro jurídico da família da rachadinha rosna, o causídico precisa explicar por que seu cliente é amigo dele. 

Fred perdeu as prerrogativas de associado da OAB. Autoconvertido de advogado em delinquente, sofre batida policial em público e tem 4 celulares apreendidos pela PF numa churrascaria. Michelle já não tem tanto tempo livre para as preces: com as contas pessoais em desalinho, prestes a ser intimada a prestar depoimento, precisa construir uma defesa. Madame ainda acredita que Deus existe, mas começa a suspeitar que Ele não é full-time. 

O lixo que vaza pelas bordas do tapete que Cid filho hesita em levantar expõe varrições que estão mais próximas do Código Penal do que da porta do quartel. É improvável que a nova pregação da defesa alivie suas culpas, mas a lealdade, já bem extenuada, parece chegar ao limite. 

Bolsonaro precisa examinar periodicamente a rigidez do dedo indicador da esposa, pois delações domésticas não são incomuns na política brasileira. No final de 2021, ele disse que havia três alternativas para seu futuro: a prisão, a morte ou a vitória. Como não obteve a vitória e nem morreu, só lhe resta a prisão. Em privado, até Costa Neto já o vê atrás das grades. 

Convém não discutir com um especialista.

Com Josias de Souza

terça-feira, 18 de julho de 2023

VADE RETRO!


Empunhando a bandeira do "Mais Brasil, menos Brasília", Bolsonaro prometeu uma nova economia de mercado, com amplo programa de privatizações e pagamento da dívida pública, mas encerrou sua abjeta passagem pelo Planalto com 0% de crescimento do PIB


Logo no início do governo, o "mito" articulou a deposição do presidente da Venezuela através do manto da ajuda humanitária. Passados quatro anos e meio, Maduro continua governando o país vizinho (para gáudio de Lula, que o considera um monumento à Democracia), ao passo que o capitão está inelegível até 2030. Seu ministro da Justiça, Anderson Torres, e seu ajudante de ordens, Mauro Cid, seguem detidos.

 

À CPMI dos atos golpistas no último dia 11, Cid disse que é alvo de ao menos oito investigações criminais e que foi orientado por seus advogados a se manter em silêncio. A Advocacia do Senado acionou a 10ª Vara da Justiça Federal de Brasília contra o não-depoente por abuso do direito ao silêncio e "calar a verdade como testemunha". Sua defesa alegou que ele ficou em silêncio por ter sido constrangido pelos parlamentares, e  pediu que ação seja arquivada.

 

Desde que foi preso, em 3 de maio, o ex-ajudante do ex-mandatário recebeu 73 pessoas — entre as quais 41 militares. Outros visitantes ilustres foram Fábio Wajngarten, que tem interesse direto em seu depoimento à CPMI, e o coronel Jean Lawand Júnior, que também é investigado


Após tomar conhecimento do "número elevadíssimo de visitas", o ministro Alexandre de Moraes as restringiu à mulher, aos filhos e as advogados de Cid. A "farra das visitas" também é alvo de uma investigação da comissão parlamentar, que quer saber se Lawand visitou o preso antes ou depois de trocar mensagens com ele sobre um golpe de Estado e cobrar dele uma ação de Bolsonaro para impedir a posse de Lula.

 

Mesmo já declarado inelegível, Bolsonaro enfrenta outras 15 Ações de Investigação Judicial Eleitoral no TSE. A corte retomou no último dia 14 o andamento de duas delas — numa delas, o ministro-corregedor Benedito Gonçalves rejeitou o pedido de produção de provas feito pela defesa e determinou que o MPE se manifeste sobre a acusação por uso indevido de estrutura pública em ato de campanha; na outra, abriu novo prazo para que o investigado e outros que respondem solidariamente a ele por uso indevido dos meios de comunicação social e abuso de poder político se pronunciem. A depender do resultado dessas ações, a inelegibilidade do capetão pode se estender até 2031.

 

Bolsonaro sempre desdenhou de pandemia, mesmo depois das mais de 700 mil mortes ocorridas no Brasil — 10,5% das óbitos no mundo para uma população que corresponde a 2,7% da mundial. Seu ministro da saúde mais longevo — que não era médico, mas general da ativa e fiel seguidor do "um manda e o outro obedece defendeu enfaticamente o tratamento preventivo com cloroquina e outros fármacos comprovadamente ineficazes contra o SARS-CoV-2.

 

Nos discursos proferidos em Brasília e na capital paulista no 7 de Setembro de 2021, Bolsonaro atacou as instituições (notadamente o STF, com destaque para o ministro Alexandre de Moraes, a quem chamou publicamente de "canalha"). Em julho de 2022, convocou uma reunião com embaixadores para denegrir nosso sistema eleitoral. Nas comemorações de 7 de Setembro, voltou a defender o fechamento STF. Depois de sua derrota nas urnas, ocorreram várias tentativas de golpe de Estado — com direito a acampamentos defronte a quartéis e depredação das sedes do Poderes —, que só não foram adiante por falta de adesão da alta cúpula das FFAA. 

 

Somam-se a esses descalabros o patético autoexílio na Flórida (EUA), o escândalo das joias sauditas e a falsificação de cartões de vacina. Em março, Bolsonaro retornou ao Brasil para engordar as aposentadorias que recebe como militar da reserva e ex-deputado com o salário de R$ 41,6 mil, pagos com dinheiro do contribuinte pelo partido do ex-presidiário Valdemar Costa Neto, do qual o imbrochável ora inelegível figura como "presidente de honra". Mas o subprocurador-geral Lucas Furtado encaminhou uma representação ao TCU pedindo a suspensão cautelar desse pagamento, uma vez que usar recursos públicos para remunerar pessoa condenada pelo TSE à inelegibilidade configura "violação direta e mortal do princípio da moralidade administrativa".

 

Bolsonaro chegou ao Planalto travestido de representante da antipolítica, embora morasse no déficit público desde 1973. quando virou o soldado que o general Ernesto Geisel classificou posteriormente de mau militar. Enxotado da caserna, elegeu-se vereador, deputado federal e presidente da República. Ao longo dessa trajetória, ergueu o conglomerado da rachadinha e amealhou invejável patrimônio. 

 

Não há como negar a existência de um movimento conservador brasileiro, e que Bolsonaro, como líder radical, influenciará alguns eleitorados em cidades do país em 2024. Mas tudo indica que ele dificilmente voltará ao cenário das eleições presidenciais. 


Vade retro, Satanás!

sexta-feira, 3 de março de 2023

DE VOLTA AO PESADELO


Em maio de 2021, o general Eduardo "um manda e o outro obedece" Pazuello postou-se ao lado do então presidente em um comício extemporâneo. Da feita que o Estatuto dos Militares e o Regulamento Disciplinar do Exército proíbem a participação de militares da ativa em atos político-partidários, o general Paulo Sérgio Nogueiraentão comandante do Exército, se viu diante de um dilema: punir o Pazuzu, arriscando-se a ser desautorizado por Bolsonaro, ou desmoralizar a instituição.

Nogueira determinou a abertura de um processo disciplinar, mas Bolsonaro telefonou ao general Braga Netto, então ministro da Defesa, e proibiu qualquer nota ou manifestação pública a respeito do caso. Ficou decidido não punir Pazuello e, a pretexto de que a Lei de Acesso à Informação restringe documentos por haver dados pessoais, impor sigilo de 100 anos ao processo. Bem mandado, o general Paulo Sérgio foi promovido ao posto de ministro da Defesa. 
 
Acabou que a reeleição de Bolsonaro deu com os burros n'água, e o eleitor, ao optar por burros mais secos, autorizou Lula a levantar os tapetes do antecessor. A quebra do sigilo confirmou a suspeita de que a bolsonarização do pior ministro da Saúde de todos os tempos era apenas parte do detrito; o que se desejava esconder era o lixão da anarquização das "minhas Forças Armadas".
 
Além de evitar que eventuais netos de Laurinha (filha de Bolsonaro com Michelle) passassem pelo constrangimento de descobrir, num futuro remoto, que seu bisavô reincorporou os militares brasileiros à idade da Pedra Lascada, a exposição da lambança com cem anos de antecedência deu ao Brasil a oportunidade de transformar o futuro — esse espaço gasoso e impreciso do calendário — em algo mais concreto. Mas para que isso ocorra o bordão "sem anistia" precisa ser estendido às fardas que flertaram com a fraude hermenêutica segundo a qual as Forças Armadas seriam instituições com poderes para moderar quase tudo na República, exceto o próprio tacape.
 
Bolsonaro não conseguiu instrumentalizar as FFAA no atacado, mas não faltam evidências de que oficiais da ativa e da reserva se tornaram cúmplices de suas delinquência — como aconteceu na "gestão cloroquínica" da pandemia, na terceirização da soberania da Amazônia ao crime organizado, na deformação do feriado de 7 de Setembro, nas motociatas, nos comícios, no questionamento ao sistema eleitoral e mais um inesgotável etcetera. Nesse caldeirão de perversões institucionais, fervilharam as ideias gosmentas que levaram multidões às portas dos quartéis para pedir uma intervenção militar contra o resultado das urnas, e essa gosma escorreu até os prédios dos Três Poderes.
 
No dia 8 de janeiro, militares não só negligenciaram a proteção da sede da Presidência — ou, no dizer de Lula, "abriram as portas do Planalto para o vandalismo" — como também acionaram blindados para impedir que a polícia prendesse em flagrante os responsáveis pelo quebra-quebra, refugiados no portão do QG. As detenções foram postergadas para o dia seguinte, quando parte da falange bolsonarista já havia escapado. 

Nesse cenário, a suspensão do sigilo que mantinha Pazuello atrás de um véu diáfano de proteção é a parte mais fácil do trabalho. Para que o serviço seja completo, é preciso responder duas perguntas: 1) Quando e como serão punidos os militares que se acumpliciaram com Bolsonaro? 2) Que Forças Armadas a democracia brasileira deseja ter?
 
Está claro que Bolsonaro não conseguiu virar a mesa, mas não está suficientemente esclarecido o que se pretende obter com os militares que Lula e o ministro José Múcio (Defesa) escolheram para se sentar ao redor da nova mesa, e, pior, falta disposição para retirar as fardas antidemocráticas que continuam embaixo da mesa. Foram afastados dos arredores mais de uma centena de militares, mas os suspeitos de negligência no 8 de janeiro saíram de fininho. 
 
Os civis da intentona estão submetidos aos rigores da caneta de Alexandre de Moraes, mas os fardados frequentam "investigações preliminares" do Ministério Público Militar. Para os paisanos, a cadeia preventiva. Sem anistia. Para as fardas, uma transferência da vitrine para o fundo da loja. Sem esculacho. 

O eleitor deu de presente a Pazuello o escudo de um mandato. O general Nogueira e seus assemelhados permanecem protegidos pelo silêncio coletivo e pela benevolência dos deuses da impunidade. Triste Brasil.

Com Josias de Souza

domingo, 15 de maio de 2022

QUER CONHECER O CARÁTER DE UMA PESSOA? DÊ-LHE PODER!


O epigrama que intitula esta postagem é atribuído a Abraham Lincoln, mas a frase completa é outra — e não foi dita por Lincoln, mas sobre Lincoln: “Se quer descobrir a verdadeira natureza de um homem, dê-lhe poder. Quase todos os homens conseguem enfrentar a adversidade — apenas um grande homem consegue superar a prosperidade. É a glória de Abraham Lincoln que nunca abusou do poder a não ser para a misericórdia. Ele era absolutamente honesto. Quando teve poder, usou-o para ser misericordioso”.

Durante décadas, os elogios feitos ao antigo presidente por Robert G. Ingersoll foram largamente citados e corretamente atribuídos ao escritor na imprensa norte-americana. Contudo, a partir da década de 1930, a citação foi sendo cada vez mais resumida, e acabou atribuída indevidamente a Lincoln. Questões de autoria à parte, o poder desperta paixões. Na visão de alguns, ele corrompe; na de outros, ele revela. Machado de Assis poetizou o tema em A Mosca Azul.

Tanto Bolsonaro quanto Lula precisam do poder como do ar que conspurcam com sua pútrida respiração. O petralha foi eleito em 2002, exerceu o poder por mais de 13 anos e agora quer voltar à cena do crime. O sociopata foi eleito em 2018 e quer permanecer na cena do crime. Ao que tudo indica, um deles realizará seu intento graças ao despreparo do eleitorado tupiniquim, composto majoritariamente por gente incapaz de perceber que políticos não devem ser endeusados, mas cobrados, e que, como as fraldas, devem ser trocados regularmente, e pelos mesmos motivos.

Em seu penúltimo despautério eleitoreiro, Bolsonaro deu mais uma prova de sua total incompatibilidade com o exercício do cargo que ainda ocupa graças à leniência do Legislativo e do Judiciário. Como derrubar os presidentes da Petrobras não funcionou, ele subiu o tom e o status, demitindo o próprio ministro de Minas e Energia. Seria mais sensato utilizar os dividendos bilionários distribuídos pela empresa aos acionistas (entre os quais o governo brasileiro, que é o acionista majoritário) para criar um fundo de amortização que minimizasse os impactos do preço do barril do petróleo no mercado internacional (causado pela invasão da Ucrânia) e da alta do dólar (causada pela instabilidade gerada pelo atual governo). Mas a Bolsonaro interessa jogar para a plateia (leia-se sua bolha de apoiadores), sinalizando que ele fez sua parte; se não deu certo, não foi por culpa dele.

Dirigindo-se à imprensa numa "entrevista sem direito a perguntas", o novo ministro deixou claro que Bolsonaro trocou um almirante por um comediante. Esperava-se que Adolfo Sachsida dissesse meia dúzia de palavras sobre a política de preços da Petrobras e a trama do centrão para destinar R$ 100 bilhões do pré-sal à construção de uma rede de gasodutos que se ajusta às conveniências do empresário Carlos Suarez, o “rei do gás”. Em vez disso, ele citou Deus, família e Bolsonaro, enalteceu a iniciativa privada e falou que o Brasil é um “porto seguro” para investimentos das “democracias ocidentais” (que, não sem razão, andam assustadas com o que ocorre por aqui). Sobre combustíveis, inflação, soluções possíveis, nem uma palavra.

De acordo com Josias de Souza, o mais novo integrante da trupe ministerial preferiu contar duas anedotas para anunciar o que chamou de “primeiro ato”. Numa, disse que será incluída no programa de privatização do governo a PPSA, estatal criada para explorar o pré-sal. Na outra, disse ter encomendado estudos para privatizar também a Petrobras. Tudo isso a cinco meses da eleição e a sete meses do final deste governo. O ministro desceu do palco sem responder a perguntas, mas esclareceu que suas anedotas são 100% avalizadas pelo presidente da República.

Paulo Guedes, ex-chefe de Sachsida, prometeu arrecadar R$ 1 trilhão com a venda de estatais no primeiro ano da gestão Bolsonaro. Não privatizou nenhuma empresa. O governo havia fixado esta sexta-feira 13 como data-limite para a venda da Eletrobras. O processo está travado no TCU. Ao fazer graça com privatizações sem dizer coisa alguma sobre os planos para frear os reajustes dos combustíveis, o ministro nos faz pensar em Bolsonaro como aqueles vira-latas de antigamente, que corriam atrás de carros, tentando lhes morder os pneus. A diferença é que o “mito” corre atrás de um carro parado. Ele passa a impressão de que vai enterrar os caninos na estatal a cada novo aumento dos combustíveis, mas acaba sempre mordendo o próprio rabo.

Ainda no início desta pavorosa gestão, um ato falho levou Bolsonaro a dizer em alto e bom som que “não nasceu para ser presidente, mas para ser militar”. Mas sua carreira no Exército terminou devido a acusações de indisciplina e insubordinação. A história começou em 1986, quando o então integrante do 8º Grupo de Artilharia de Campanha publicou na revista Veja um artigo intitulado “O salário está baixo” — e foi agraciado com 15 dias de prisão. No ano seguinte, a própria Veja denunciou a “Operação beco sem saída”, na qual Bolsonaro e o também capitão Fábio Passos da Silva pretendiam explodir bombas de baixa potência em várias unidades da Vila Militar, da Academia Militar das Agulhas Negras e em diversos quartéis caso o reajuste do soldo ficasse abaixo de 60%.

De acordo com o general Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército à época, os capitães “negaram peremptoriamente, da maneira mais veemente, por escrito, do próprio punho, qualquer veracidade daquela informação”. Mas provas testemunhais e documentais — entre as quais um croqui desenhado pelo próprio Bolsonaro — levaram o general a apresentar um pedido de expulsão dos envolvidos. Em 1988, já desligado do Exército, o ex-capitão (que sempre balizou sua atuação política em assuntos caros aos fardados) foi eleito vereador com o apoio das Forças Armadas. Dois anos depois, levou sua bandeira da Câmara Municipal para a Federal, onde passou 27 anos, aprovou dois míseros projetos e colecionou mais de trinta ações criminais.

Em 1991, no primeiro de seus sete mandatos consecutivos, Bolsonaro defendeu o retorno do regime de exceção e o fechamento temporário do Congresso, mas a ação penal por crime contra a segurança nacional, ofensa à Constituição e ao regimento interno da Câmara deu em nada. Em 1994, disse que “preferia sobreviver no regime militar a morrer naquela democracia”. Em 1999, a Mesa Diretora da Câmara propôs um mês de suspensão ao parlamentar por defender o fechamento do Congresso e afirmar que “a situação do país seria melhor se a ditadura tivesse matado mais gente” — entre os quais o então presidente Fernando Henrique —, mas a pena aplicada não passou de uma simples advertência. Meses depois, quando ele voltou a defender o fuzilamento de FHC, o então líder do governo na Câmara chegou a pedir sua cassação, mas a proposta sequer chegou ao plenário da Casa. Em 2016, ao votar a favor do impeachment de Dilma, a inesquecível, Bolsonaro fez uma homenagem ao coronel torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra e foi denunciado ao Conselho de Ética da Câmara por apologia à tortura, mas, mais uma vez, nada aconteceu.

 

Durante a campanha presidencial de 2018, circulou na Web a informação (falsa) de que Bolsonaro teria deixado o quartel por “insanidade mental”. A assessoria de imprensa do Exército divulgou uma nota afirmando que ele havia sido transferido para a reserva automaticamente ao se eleger vereador, conforme determina o Estatuto dos Militares. Balela. O então capitão só não foi expulso do Exército porque a denúncia que o levou às barras da Justiça Militar partiu de Veja, e os episódios que a embasaram aconteceram durante a ressaca da ditadura — época em que ninguém tinha mais aversão à imprensa do que os militares. Fala-se, inclusive, que o STM teria condicionado a absolvição favorável à reforma do acusado.

 

Declarações polêmicas sempre foram (e continuam a ser) a marca registrada de Bolsonaro. A exemplo de Ciro Gomes, o presidente diz o que pensa antes de pensar no que vai dizer. Ciro é mais um populista que aspira ao Planalto (que ora disputa pela quarta vez), mas sua oratória é admirável, ao passo que a de Bolsonaro obreia com a de Dilma, que era incapaz de juntar cré com lé numa frase que fizesse sentido.

 

Bolsonaro foi eleito presidente graças a uma conjunção de fatores, entre os quais o antipetismo e a competência de Gustavo Bebianno como articulador de campanha, sem falar na providencial facada que levou de um despirocado inimputável (mas que não come merda nem rasga dinheiro). Graças a Adélio Bispo, o então candidato do PSL arrumou uma justificativa para não participar dos debates em que seria fatalmente trucidado pela retórica de Ciro Gomes. Mas a pergunta que não quer calar é: se não nasceu para ser presidente, por que diabos o sujeito fez da reeleição seu único projeto de governo? “Prometo que, se eleito, vou trabalhar noite e dia, durante os quatro anos do meu mandato… para ser reeleito”, teria sido sua mais sincera promessa de campanha, como bem destacou o ex-delegado federal Jorge Pontes

 

Bolsonaro percorre a conjuntura que o desfavorece criando crises para desviar a atenção dos graves problemas que não consegue resolver. Entre uma motociata e outra, passeia de jet-ski, participa de atos antidemocráticos, faz discursos golpistas, vitupera o STF, o TSE e as urnas eletrônicas, diz que o lucro da Petrobras “é um estupro”, frita ministros e presidentes da estatal em lives e defende a privatização da empresa. Como sabe que isso não vai acontecer, troca Roberto Castello Branco por Joaquim Silva e Luna, e este por José Mauro Coelho, numa clara tentativa de encontrar um novo Pazuello (um manda e o outro obedece), como fez na Saúde com a nomeação de Marcelo Queiroga. 

 

Mudam as moscas, mas a merda continua rigorosamente a mesma. Com perfis diferentes, os dois degolados e o ministro recém-empossado concordam no principal: reprimir o preço dos combustíveis na marra é burrice (que o diga a ex-gerentona de araque). Eliane Cantanhede escreveu no Estadão que a demissão de Bento Albuquerque serviu de alternativa à já cansativa guerra contra o TSE. Foi como mudar de canal para distrair o país com a ficção da privatização da Petrobras e mais um episódio da série “como jogar almirantes no mar, brigadeiros no ar e generais na terra crua” — o que provocou apenas muxoxos nos grupos de WhatsApp de oficiais da Marinha, deixando a preocupante sensação de que os militares estão anestesiados por salários, privilégios e a falsa sensação de poder. Por outro lado, quem manda no país é o Centrão, e o Centrão, diferentemente dos fardados, defende as eleições e as urnas eletrônicas.

 

Observação: Na Venezuela, o chavismo corrompeu as Forças Armadas com vantagens salariais e negócios escusos. No Brasil, o bolsonarismo acariciou as forças militares com investimentos orçamentários e mimos previdenciários. Há um ano, editou-se portaria para colocar os contracheques dos generais de estimação do capitão numa laje acima do teto salarial do serviço público. Ali, os comandantes de escrivaninha passaram a receber até R$ 78,6 mil mensais, o dobro do salário dos ministros do Supremo. Na época, até o vice-presidente disse que a medida não era ética, mas o próprio Mourão e seus companheiros de armas Luiz Eduardo Ramos, Augusto Heleno e Walter Braga Netto embolsaram ganhos extras superiores a R$ 300 mil em um ano. O escárnio ajuda a explicar a submissão dos generais ao capitão indisciplinado. Assim como Bolsonaro, Chávez, um coronel golpista, chegou ao poder pelo voto. No início, simulou respeito às instituições. Aos pouquinhos, corroeu a democracia por dentro. Comprou os militares, anulou o Legislativo, calou a imprensa e cooptou o Judiciário. Milícias bolivarianas armadas pelo governo vigiam e amedrontam a população. Qualquer semelhança com o projeto político de Bolsonaro não é mera coincidência. A milícia bolsonarista, por ora, opera apenas em ambiente virtual. Simultaneamente, o governo civil mais militar da história arma a população. Bem pagos, os generais bolsonaristas compartilham com o capitão a mesma aversão à imprensa, ao Judiciário e ao sistema eleitoral. Bolsonaro deve recitar o CPF e o RG diariamente diante do espelho para ter a certeza de que é ele mesmo quem preside o Brasil, não um impostor venezuelano.

 

Como não costuma erguer a bandeira branca por muito tempo, Bolsonaro já afirmou que o ministro Fachinfoi descortês com as Forças Armadas” ao dizer que “quem trata de eleições são as forças desarmadas”. Aguardemos, pois, os próximos capítulos.

terça-feira, 12 de abril de 2022

QUEM SAI AOS SEUS NÃO DEGENERA

 

A novela da presidência a Petrobras chega ao último capítulo nesta quarta-feira. Adriano Pires declinou do convite alegando conflitos de interesse, mas o fato é que sua posição em relação ao petróleo não combina com a de Bolsonaro, que é um símbolo do atraso, e que tanto Roberto Castello Branco quanto Joaquim e Silva e Luna foram defenestrados por não se submeterem à vontade do capitão, que claramente deseja fazer com a petrolífera o que fez com a PF, a PGR, o TCU... 

 

À  primeira vista, Mauro Ferreira Coelho, o indicado da vez, preenche os requisitos básicos (nome limpo, experiência e fluência em inglês, entre outros). Mas Bolsonaro é o tipo de suserano que exige do vassalo obediência cega e disposição para dar o rabo e pedir desculpas por estar de costas — que o digam o general Eduardo “um manda e o outro obedece” Pazuello e sua versão de jaleco, Marcelo Queiroga. Para esse presidente, o currículo é o que menos importa — como demonstram as indicações de Carlos Alberto Decotelli, o ministro “relâmpago” da educação, e Kássio Nunes Marques, o ministro “tubaína” do STF. 

 

Na última quinta-feira, Jair Renan Bolsonaro, que é investigado por suposto tráfico de influência e lavagem de dinheiro, chegou com duas horas de atraso à superintendência da PF em Brasília. Com o filho do pai estava o dublê de advogado e mafioso de comédia Frederick Wassef (aquele em cuja casa a polícia encontrou o então foragido Fabrício Queiroz, cujo nome dispensa maiores apresentações). O depoimento durou horas, mas o resultado da investigação é tão incerto quanto o passado do Brasil (basta lembrar como atuou o passador-de-pano-geral da República em relação aos 90 pedidos de investigação envolvendo sua alteza irreal). 


O depoente se disse "revoltado" com o inquérito — talvez porque, a exemplo do pai e dos irmãos, ele acha que não deve nada a ninguém. Muito menos explicações. Tanto é que o depoimento deveria ter ocorrido em dezembro, mas o investigado não apareceu. Alegou que estava doente. A revolta contrasta com o padrão de vida de zero quatro. Meses atrás, ele se mudou com a mãe para uma mansão (no bairro mais chique de Brasília) avaliada em R$ 3,2 milhões, cujo aluguel mensal é de R$ 15 mil


Segundo Wassef, seu cliente é vítima de mentiras produzidas pela oposição comunista para prejudicar o pai presidente. Essa tese segue na mesma linha da aleivosia de que o país está diante de um fabuloso mal-entendido, de uma sequência impressionante de coincidências maliciosamente interpretadas, que acabou fazendo um filho modelo de um pai exemplar parecer um malandrão. 


Triste Brasil.

 

Com Josias de Souza