Tudo muda o tempo todo no mundo, diz Lulu Santos em “Como um Onda”. Peço venia ao cantor e compositor carioca para discordar. Nem tudo muda. A incompetência chapada do eleitorado tupiniquim, por exemplo, tornou-se cláusula pétrea nesta pobre nação. Daí a qualidade de nossos governantes e representantes — gente que, salvo raríssimas exceções, elege-se para roubar e rouba para se eternizar no poder. E um poder que se serve em vez de servir não serve.
Está mais que na hora de virar o jogo. Não deveria ser assim. Mas é. Diz-se que o Brasil não merece mais um impeachment presidencial em tão pouco tempo. Talvez não. Mas será que merece um governo como esse?
Parece que ninguém aprendeu nada com os dois impeachments anteriores, nem com os aziagos 13 anos, 4 meses e 12 dias sob jugo do abjeto lulopetismo — oito sob a batuta de um picareta e os demais com esse mesmo picareta nos bastidores, manipulando uma “gerentona” incompetente, pernóstica e arrogante, que antes de entrar para a política levou à breca duas lojinhas do tipo R$1,99, e isso nos anos 1990, quando a paridade entre o real e o dólar favorecia enormemente esse tipo de comércio.
Fosse o Brasil um país sério e essa senhora estaria dividindo a cela com seu criador e mentor (que cumpriu míseros 580 dias dos mais de 25 anos de prisão a que foi condenado, graças ao compadrio de uma corte suprema eivada de militantes fantasiados de ministros togados).
Foi por essas e outras que avalizamos o contrato de locação do atual inquilino do Palácio do Planalto, e que agora vemos com pesar a transformação de seu governo num misto de mercado persa e espetáculo circense, onde a população faz o pepel de palhaço. Claro que o momento está longe de ser o ideal para outro impeachment abrilhantar a história da nossa “frágil democracia”, mas se o preço a pagar para evitá-lo é uma viagem de volta aos tempos do autoritarismo, melhor que se lasque o presidente do que nós.
Falando no general da banda, fica cada vez mais difícil dar fé ao que dizem o capitão caverna e sua entourage, notadamente para tentar justificar o injustificável e defender o indefensável. Segundo Merval Pereira, “o silêncio eloquente do presidente sobre a prisão de seu amigo de longuíssima data Fabrício Queiroz explicita a gravidade da situação”. E eu não poderia concordar mais.
A depender do que os investigadores encontrarem nos celulares e documentos apreendidos em Atibaia, a situação pode levar a crise institucional a um desfecho que se prevê desde os primeiros escândalos deste governo. O caminho para o impeachment parece ser inevitável, já está marcado no GPS político; só não se sabe a velocidade em que isso se dará. Que a vaca foi pro brejo, disso ninguém duvida. A questão agora é calcular a distância do brejo e a velocidade da vaca.
Entre tantos episódios lamentáveis protagonizados por alguém que já reconheceu publicamente não ter nascido para presidente, mas para militar — e que nem para isso prestou, pois teve a carreira abortada por indisciplina e insubordinação —, o penúltimo foi de uma bizarrice a toda prova. A propósito, escreveu Josias de Souza em sua coluna:
“Na definição do poeta gaúcho Mário Quintana, ‘a mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer.’ No caso do título de doutor que Carlos Alberto Decotelli dizia ter obtido na Universidade Nacional de Rosário, na Argentina, a mentira esqueceu que o doutorado só vira uma verdade quando acontece a apresentação da devida tese. Pilhado, o novo ministro da Educação desprezou a saída mais simples e preferiu executar acrobacias acadêmicas que esticam a mentira.”
ATUALIZAÇÃO:
Depois que piada a colombiana perdeu a graça — falo de Ricardo Vélez Rodríguez, que “comandou” o MEC por 3 meses e 18 dias —, Bolsonaro trocou o humor negro pela tragédia polonesa, e só se conformou em defenestrar o obelisco da grosseria porque sofreu pressão de todos os lados.
Para fechar com chave de ouro sua passagem pelo governo, Abraham Weintraub fez questão de causar mais constrangimentos (detalhes nesta postagem). E como que imbuído do propósito de confirmar a lei de Murphy —segundo a qual não há nada tão ruim que não possa piorar — o capitão trevoso escalou um mitômano para ocupar a vaga aberta com a saída pela esquerda do ministro sem educação — que caiu pra cima: como reconhecimento pelos "bons serviços prestados" ao MEC, a tragicomédia foi indicada para ocupar uma diretoria no Banco Mundial.
A suspeita de que Decotelli não teria o título de doutor pela Universidade Nacional de Rosário foi confirmada pelo reitor da instituição argentina. O alegado curso de mestrado na FGV também teria sido um plágio, e o pós-doutorado na Alemanha, jamis existido.
Decotelli também teria sido responsável por um bizarro edital de licitação envolvendo a compra de 1,3 milhão de notebooks para a rede pública de ensino. Ao examinar o edital, a CGU apurou que 350 colégios receberiam mais de um computador por aluno, e que a Escola Municipal Laura de Queiroz, de Minas Gerais, que reúne 255 estudantes, seria agraciada com 30.030 aparelhos.
Depois de muitas idas e vindas e outras tantas informações inconsistentes, o general da banda aceitou a demissão de Decotelli, posto que mantê-lo no cargo depois dessa lambança toda seria dar mais munição aos críticos contumazes de seu governo. Aliás, em que pesem todas as ressalvas que tenho em relação ao capitão das travas, esse imbróglio me leva a reconhecer que ele está coberto de razão ao reclamar da imprestabilidade das informações que lhe são prestadas pelo GSI do Gen. Augusto Heleno.
Observação: Questionado, Heleno chamou os críticos de ‘desinformados’ e afirmou que não cabe ao GSI ou à Agência Brasileira de Inteligência examinar currículos de quem está para assumir algum ministério, e que essas informações são de responsabilidade de cada profissional. Na minha terra, isso se chama "tirar o seu da reta".
Mudando de um ponto a outro, deu no Estadão que o presidente Bolsonaro (temos outro?) vem intensificando as negociações com o Centrão para, além de livrar-se de eventual processo de impeachment ou inquérito no STF, incluir no pacote a blindagem seu primogênito, alvo de investigações e sujeito a ter o mandato parlamentar cassado pela comissão de ética (?!) do Senado.
O desembargador Paulo Rangel, autor do voto decisivo que deu foro privilegiado ao Zero Dois, queria anular não só as provas contra o filho do presidente, mas também contra outras 94 pessoas investigadas na primeira instância pelo esquema de rachadinha, tais como o sócio do senador na loja de chocolates, sua senhora, a esposa de Queiroz e uma filha do casal, além de empresas, ex-assessores e familiares suspeitos de colaborarem para o esquema, que foram alvo de quebras de sigilo e buscas e apreensões determinadas no ano passado pelo juiz de primeira instância Flávio Itabaiana.
Em 2010, ao tomar posse como desembargador do Tribunal de Justiça do Rio, Rangel agradeceu efusivamente o apoio à sua candidatura por parte da primeira-dama Adriana Ancelmo (mulher do ex-governador Sergio Cabral) e do procurador-geral Claudio Lopes — ambos acabariam presos pela Lava-Jato na investigação sobre o megaesquema de corrupção montado pelo marido da dita-cuja.
Segundo o desembargador, Adriana gostou do seu currículo e de sua história de vida, passando a defender seu nome. “Sou grato a honraria que me foi deferida porque sei da pressão que se faz num processo eleitoral dessa envergadura.” O magistrado também citou o apoio do desembargador Luiz Zveiter, que é citado na delação de Cabral, homologada por Edson Fachin em fevereiro.
Em seu voto, o magistrado disse que agiu de acordo com sua consciência, considerou que Itabaiana não tinha competência para supervisionar a investigação e, por isso, com base na teoria dos “frutos da árvore envenenada” (isto é, os vícios da planta transmitem-se aos seus frutos), defendeu a anulação de todos seus atos no caso. Em nota divulgada pelo TJ-RJ, o desembargado disse ainda que a decisão do STF de 2018 (*) não se aplica ao senador, “que passou de deputado estadual para senador, sem nunca ficar sem mandato parlamentar, e, portanto, não poderia ter uma investigação na primeira instância”.
(*) Na ocasião, o Supremo definiu que só mantêm a prerrogativa de foro parlamentares cujos atos investigados tenham ocorrido durante o mandato e tenham relação com a função. Quando deixa o mandato, o caso desce para a primeira instância.
O voto de Rangel só não prevaleceu por causa da desembargadora Mônica Tolledo, que manteve válidos os atos do juiz de primeira instância, apesar de votar pela remessa do caso ao Órgão Especial. A relatora, Suimei Cavalieri, votou por manter o caso com o juiz, por entender que ele sempre teve competência e, portanto, legitimidade para autorizar as diligências e coletar as provas.