Convidar Sérgio Moro
para comandar
a pasta da Justiça e, mais adiante, ocupar uma cadeira no STF foi uma maneria de o presidente eleito sinalizar que a Lava-Jato seguirá seu
curso sem interferências do Executivo, bem como de de exibir a “régua” a ser usada na composição de seu Ministério.
Moro aceitou o convite na manhã de ontem — não sem “certo
pesar”, segundo declarou em nota, já que terá de encerrar prematuramente uma carreira de 22 anos na magistratura (nesse caso não cabe afastamento, é
preciso pedir exoneração do cargo de juiz para assumir o de ministro). Por
outro lado, o “superministério” (que englobará as pastas da Justiça e da Segurança Pública) lhe dará a oportunidade de implementar reformas
anticorrupção e anticrime organizado, além de não obstar uma futura promoção ao Supremo — aliás, é mais comum um
ministro da Justiça ascender à Corte do que um juiz de primeira instância.
Observação: A menos que algum ministro do STF morra ou deixe o cargo por outro motivo que não a aposentadoria compulsória, a próxima vaga só se abrirá em
novembro de 2022, quando decano Celso de
Mello completar 75 anos. Ainda que vários pedidos de impeachment pairem
sobre as cabeças de Gilmar Mendes, Toffoli e Lewandowski, todos dormitam placidamente nas gavetas do Congresso,
e mesmo com a renovação dos quadros do Legislativo
no ano que vem as chances de um deles prosperar são bastante remotas.
Moro ficou de conceder uma coletiva à imprensa na próxima
semana, mas já adiantou que, para evitar controvérsias desnecessárias, não participará das novas audiências da Lava-Jato. Pelo que eu entendi, isso significa que ele não julgará sequer o
processo em que Lula é réu por
suposto recebimento de propina da Odebrecht
na forma de um apartamento em São Bernardo do Campo (a cobertura vizinha àquela
em que ele morava até se mudar para a Superintendência da PF em Curitiba) e um terreno em São Paulo (onde seria construída a nova
sede do Instituto Lula), cujos autos estão conclusos para sentença.
Observação: Em suas razões finais, além de alegar que o réu foi tratado como culpado desde a fase inicial e que deve absolvido por insuficiência de provas, a defesa do criminoso de Garanhuns saiu-se com a seguinte pérola: “Como é
sabido, o Sr. Jair Bolsonaro
disputou o segundo turno das eleições presidenciais com um correligionário do Defendente.
Ao longo da campanha realizou declarações atentatórias ao Estado de Direito e,
no que interessa ao processo, ameaçou publicamente o Defendente e seus
correligionários, afirmando, em tom de galhofa, que iria ‘varrer do mapa esses
bandidos vermelhos do Brasil, que o Defendente iria “apodrecer na cadeia” e que
seus aliados políticos, seu concorrente aí incluso, seriam jogados ao
cárcere para ‘ficar alguns anos’ ao lado do Defendente.” A instrução encontra-se
encerrada e os autos, conclusos para sentença.
Com o afastamento de Moro, caberá à juíza substituta Gabriela Hardt dar andamento aos processos da Lava-Jato. Ela já substituiu o magistrado em outras ocasiões — numa delas, mandou prender o ex-ministro José Dirceu, que, na sequência,
conseguiu um habeas corpus no STF — mas, na condição de juíza substituta, não poderá assumi-los em definitivo, cabendo ao presidente do TRF4,
desembargador Thompson Flores, designar o substituto de Moro entre os juízes titulares vinculados à corte e que tenham interesse em assumir a vara (pelas regras, a preferência é daquele que tiver mais tempo de magistratura).
“Moro é recado claro de
moralidade. E com a PF na Justiça, sob seu comando, é a garantia
de que a Lava-Jato vai continuar”,
disse o advogado Gustavo Bebianno,
um dos principais conselheiros do presidente eleito. Mas nem todo mundo pensa
assim: ouvi há pouco na CBN um jurista
dizer que, ao abandonar a Lava-Jato, Moro
decretará o fim da operação, e que para o magistrado, a nomeação será o mesmo
que “passar de cavalo a burro”. Não sei se faz sentido: se as pastas da Justiça e da Segurança Pública forem reagrupadas, o futuro ministro passará de
juiz da Lava-Jato a chefe dos
investigadores.
O grão-tucano FHC pendurou no Twitter uma nota sobre as primeiras mexidas ministeriais promovidas por Bolsonaro. “Moro na Justiça. Homem sério. Preferia vê-lo STF, talvez uma etapa.” Em seguida, sobre as incorporações de pastas: “Fusões de ministérios sim, com prudência. Já vimos fracassos coloridos (sic).” E arrematou: “Torço pelo melhor, temo que não, sem negativismos nem adesismos. A corrupção arruína a política e o país. Se Moro a combater ajudará o país.”
Na avaliação do coordenador da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, a decisão de Moro é “bastante positiva para a causa anticorrupção e para o Brasil. Como
ministro da Justiça, ele poderá impactar ainda órgãos muito importantes para o
controle da corrupção, como a Polícia
Federal, a CGU e o COAF, ampliando sua influência positiva
dos casos em Curitiba para todo o país.” Sobre a acusação de o magistrado
ter se deixado seduzir pela política:
“Se o juiz Moro tivesse aspiração política, ele
poderia ter se tornado presidente ou senador nas últimas eleições com alta
probabilidade de êxito. Mentiras como essa serão repetidas, mas não vão abalar
a Lava-Jato. Quanto à Lava-Jato: “Seguirá com outros
magistrados. Há ainda bastante por fazer e será feito. Perde-se o grande
talento de um juiz, mas a maior parte da equipe seguirá firme lutando contra a
corrupção, como profissionais, na operação, e como cidadãos.”
Especulações abundam, mas eu acho temerário tirar conclusões
antes que a poeira assente, razão pela qual limito-me a transcrever uma fábula
que li quando criança, e que cai como uma luva no caso em tela: