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sábado, 3 de novembro de 2018

O CAVALO DE TROIA PETISTA E O FUTURO GOVERNO BOLSONARO



Dizia eu na postagem anterior que com o afastamento do juiz Sérgio Moro da 13ª Vara Federal do Paraná, em Curitiba, os processos da Lava-Jato que estavam sob sua pena serão conduzidos pela juíza substituta Gabriele Hardt, pelo menos até que o TRF-4 defina quem assumirá definitivamente o posto. Assim, tanto o julgamento da ação envolvendo a cobertura vizinha à residência de Lula, em São Bernardo do Campo, e o terreno para a construção da nova sede do Instituto Lula, em São Paulo, quanto a instrução do processo sobre o folclórico Sítio Santa Bárbara, no município paulista de Atibaia, ficarão a cargo dessa magistrada, que tem 42 anos, é formada em Direito pela Universidade Federal do Paraná e juíza substituta na 13ª Vara Federal desde 2014.

O convite feito pelo presidente eleito ao juiz Moro, para comandar superpasta da Justiça, caiu como uma bomba no colo da petralhada. A folclórica Dilma Rousseff, por exemplo, do alto de sua parvoíce, relembrou que o magistrado autorizou a gravação e vazou sua conversa com Lula, alimentando o processo de impeachment; condenou e determinou a prisão do ex-presidente sem provas, inviabilizando sua candidatura; vazou a delação de Palocci a uma semana do 1º turno, com o propósito de prejudicar tanto sua candidatura (de Dilma) ao Senado quanto a de Haddad à Presidência, e agora anuncia que vai abandonar a magistratura para ser ministro daquele cuja eleição ele (Moro) viabilizou com suas decisões.

Rezam pela mesma cartilha a lunática presidente da ORCRIM e senadora rebaixada a deputada, Gleisi Hoffmann — para quem “Moro será ministro de Bolsonaro depois de ser decisivo pra sua eleição, ao impedir Lula de concorrer” — e outros “próceres” petistas, como o também senador derrotado Lindbergh Farias, o deputado reeleito Paulo Pimenta, o próprio candidato derrotado Fernando Haddad (que de prócer não tem nada, mas enfim...), e por aí segue a procissão, sempre entoando o cântico da vitimização, do golpe, e mais um sem-número de bobagens que tais. A propósito, o presidente eleito declarou (sobre Moro chefiar o Ministério da Justiça) que “se o PT reclamou é porque a decisão foi acertada”.

A irresignação dessa caterva é mais uma prova de que seus interesses estão anos-luz distantes dos interesses republicanos. Aliás, o PT e seus satélites vêm prometendo fazer a mais radical oposição ao próximo governo, além de cobrar urgência ao TSE na análise da ação que pede a inelegibilidade de Bolsonaro (respaldada numa matéria jornalística da Folha segundo a qual empresas apoiadoras do candidato do PSL teriam comparado pacotes de disparo de mensagens contra o PT por meio do aplicativo mensageiro WhatsApp). É lamentável, para dizer o mínimo, que o país seja obrigado a aturar tamanha desfaçatez desses maus perdedores.

Uma semana antes do segundo turno, a revista IstoÉ publicou uma matéria de capa em que comparava a campanha do "poste" de Lula a um “Cavalo de Troia”. Mas a pergunta é: como alguém poderia acreditar que um imenso cavalo de madeira recheado de soldados fosse um inocente presente para uma cidade?

Observação: No âmbito da informática, essa expressão remete a um programa malicioso, mas travestido em aplicativo útil para ludibriar os incautos. A origem remonta à lenda do Cavalo de Tróia contada por Homero em seu poema “Ilíada”, segundo a qual um grande cavalo de madeira, deixado pelos troianos às portas de Esparta, foi levado para dentro pelos gregos, que pensaram tratar-se de um presente. Mais tarde, na calada da noite, os soldados que estavam escondidos no interior do cavalo abriram os portões para o exército de Troia, que assim venceu a guerra.

 Em seu livro “A Marcha da Insensatez”, a escritora e historiadora americana Barbara W. Tuchman, duas vezes laureada com o Prêmio Pulitzer, aborda um dos maiores paradoxos humanos: a insistência dos governos em adotarem políticas contrárias aos próprios interesses. Em um texto fluido e envolvente, ela destaca quatro conflitos históricos em que ações equivocadas tiveram consequências desastrosas para milhares de pessoas: a Guerra de Troia, a reforma protestante, a independência dos Estados Unidos e a Guerra do Vietnã.

No Brasil dos nossos dias, às vésperas do segundo turno das eleições mais conturbadas da história tupiniquim, o PT tentou apresentar à sociedade sua versão do Cavalo de Troia. Por trás do verde e amarelo que substituíram o vermelho petista, o procurador do criminoso de Garanhuns tentou se dissociar da imagem do outorgante (que de início procurou assimilar, até mesmo comendo o “s” dos plurais em seus discursos) e se travestir num simpático ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo. Todavia, a sequência de erros administrativos e o envolvimento de Lula e seu partido nos escabrosos casos de corrupção que quase arruinaram o Brasil continuam vívidos na memória de uma parte expressiva da população, daí a fraude vermelha ter sido derrotada por uma diferença de quase 11 milhões de votos.

Contumaz em atribuir aos adversários os próprios erros e suas consequências, o PT acusa o presidente eleito de transformar o pleito em plebiscito, quando na verdade quem fez isso foi o próprio PT. A ideia de posar de democrata de última hora, apresentar-se como alguém capaz de aglutinar os partidos de esquerda e pacificar a nação não funcionou, como não funcionaram tantas outras estratégias petistas. 

Na farsa inicialmente encenada, o presidiário metido a candidato imaginava que a liderança nas pesquisas lhe outorgaria uma espécie de absolvição popular, coroando a tese de que “sua condenação não passou de uma injustiça”. Mas falhou, continua preso, e seu preposto foi derrotado por um candidato que, até não muito tempo atrás, não passava de um simples deputado do baixo clero, para não dizer um ilustre desconhecido.

Por esse mesmo fantasioso caminho da redenção pelas urnas seguiriam outros petistas enrolados com a Justiça, que também ganharam nas urnas idêntica resposta à que foi dada ao fantoche de Lula. O formato plebiscitário foi aceito, mas para derrotar o PT, como provaram os resultados das urnas no primeiro turno (quando faltou pouco para Bolsonaro sagrar-se presidente) e comprovaram no segundo. 

O PT apostava que prevaleceria na memória do eleitorado a lembrança do ascensão econômica havida durante a primeira gestão de Lula, mas que o que prevaleceu foram a corrupção das gestões petistas e crise gestada e parida pela imprestável gerentona de araque. O que se pretendia esconder na barriga do Cavalo de Tróia restou escancarado aos olhos da população (ou pelo menos da parcela pensante da população).

Preso há quase sete meses na carceragem da PF em Curitiba, Lula transformou sua cela em comitê de campanha e recebeu visitas frequentes de seu “poste” — numa sequência interrompida somente quando o próprio presidiário lhe ordenou que só voltasse lá depois da vitória no segundo turno. Na prática, pouco mudou, pois a ausência do contato pessoal entre o criador e a criatura foi suprida por emissários do PT, que continuaram indo a Curitiba, dia sim outro também, para receber instruções sobre os rumos da campanha. Aliás, se o resultado da eleição tivesse sido outro, a presença de Lula no governo Haddad seriam favas contadas: preso, Lula governaria o país da mesma maneira que dirige seu apodrecido partido; solto, certamente teria uma posição de destaque no Ministério de seu poste.

Também como parte da estratégia de transformar a eleição em plebiscito, Lula tentou emplacar Dilma como senadora, para que, com a legitimidade outorgada pelos eleitores mineiros, continuasse defendendo as “realizações” de seu governo e a narrativa de que seu impeachment foi um golpe — falou-se até que ela seria a nova presidente do Senado. Mais uma vez, porém, “faltou combinar com os russos”: a anta não foi eleita e o poste foi varrido pelo tsunami antipetista e antilulista representado pelos 57,8 milhões de votos obtidos por Jair Messias Bolsonaro.

Engana-se redondamente quem acha que o PT aprendeu a lição. Mesmo derrotado por um sentimento majoritário antilulista, a associação criminosa travestida de partido tenta manter a liderança da esquerda brasileira anunciando uma oposição sem trégua ao novo governo. Haddad, pasmem, continua insistindo no ramerrão da “prisão injusta” de Lula. A presidente nacional da legenda, Gleisi Hoffmann, chegou mesmo a dizer, na véspera do segundo turno, que o indulto seria o presente ideal para o criminoso de Garanhuns (que completava 73 anos naquele dia).

As urnas deixaram bem claro o que pensam do discurso petista 57.797.847 eleitores, a exemplo do que fizeram o senador Cid Gomes (“Lula tá preso, babaca, vai fazer o quê?”) e o rapper Mano Brown, que mijaram no chope dos petistas ao denunciar os “equívocos” cometidos pela ORCRIM e seu distanciamento do povo. Mas quem pôs a cereja no bolo foi Ciro Gomes, ao declarar seu rompimento com o PT — que muito provavelmente ficará isolado na condição de oposição radical a qualquer preço (detalhes nesta postagem). O ex-governador do Ceará sinaliza que fará uma oposição mais equilibrada — até onde isso lhe for possível, dado seu notório temperamento explosivo —, que pode render frutos para sua liderança. 

Em última análise, a única chance de o PT voltar a se colocar como grande esperança do povo brasileiro seria um retumbante fracasso do governo Bolsonaro, mas isso já é outra conversa. Por essa e outras, o partido jogará no “quanto pior, melhor”, como sempre fez ao não votar em Tancredo Neves para presidente, não apoiar o governo de transição de Itamar Franco, não assinar a Constituição de 1988, não apoiar o Plano Real, e por aí vai.

Agora, diante do convite (e respectiva aceitação) feito a Moro para comandar a pasta da Justiça, a seita maldita, temendo pelo próprio rabo, alardeia uma suposta parcialidade do juiz Moro contra Lula — o que também tem precedentes: em em 1989, depois de ter sido derrotado por Collor no segundo turno da primeira eleição direta pós redemocratização, o partido acusou o presidente eleito de estar pagando favores (depois que Collor convidou Francisco Rezek, ministro do STF que coordenara a eleição como Presidente do TSE, para a pasta das Relações Exteriores). Guardadas as devidas proporções, é isso que o PT faz agora, em mais uma lunática teoria conspiratória que vê na nomeação do magistrado a “prova cabal” de parcialidade na condução dos processos contra Lula. Mas basta ter olhos e isenção de ânimo para ver que é perfeitamente natural um candidato eleito em grande parte por defender a luta contra a corrupção e apoiar a Lava-Jato convidar o símbolo maior desse combate para integrar seu ministério .

Haveria muito mais a dizer, mas vejo agora que o texto já ficou longo demais. Para encerrar, relembro apenas que a partir de janeiro Moro deverá controlar a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Controladoria-Geral da União e parte do Coaf — hoje atrelado ao Ministério da Fazenda. Sua agenda será “anticorrupção” e “anticrime organizado”, segundo o presidente eleito, que prometeu ao escolhido “total liberdade” para indicar o primeiro escalão do que chamou de “superministério”, além de “caminho aberto” para ser indicado ao Supremo Tribunal Federal em 2020, na vaga que será aberta pelo atual ministro Celso de Mello.

Petralhada, tremei!

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

SÉRGIO MORO, O SUPERMINISTÉRIO DA JUSTIÇA E A FÁBULA DO VELHO, O MENINO E O BURRO



Convidar Sérgio Moro para comandar a pasta da Justiça e, mais adiante, ocupar uma cadeira no STF foi uma maneria de o presidente eleito sinalizar que a Lava-Jato seguirá seu curso sem interferências do Executivo, bem como de de exibir a “régua” a ser usada na composição de seu Ministério.

Moro aceitou o convite na manhã de ontem — não sem “certo pesar”, segundo declarou em nota, já que terá de encerrar prematuramente uma carreira de 22 anos na magistratura (nesse caso não cabe afastamento, é preciso pedir exoneração do cargo de juiz para assumir o de ministro). Por outro lado, o “superministério” (que englobará as pastas da Justiça e da Segurança Pública) lhe dará a oportunidade de implementar reformas anticorrupção e anticrime organizado, além de não obstar uma futura promoção ao Supremo — aliás, é mais comum um ministro da Justiça ascender à Corte do que um juiz de primeira instância.

Observação: A menos que algum ministro do STF morra ou deixe o cargo por outro motivo que não a aposentadoria compulsória, a próxima vaga só se abrirá em novembro de 2022, quando decano Celso de Mello completar 75 anos. Ainda que vários pedidos de impeachment pairem sobre as cabeças de Gilmar Mendes, Toffoli e Lewandowski, todos dormitam placidamente nas gavetas do Congresso, e mesmo com a renovação dos quadros do Legislativo no ano que vem as chances de um deles prosperar são bastante remotas.

Moro ficou de conceder uma coletiva à imprensa na próxima semana, mas já adiantou que, para evitar controvérsias desnecessárias, não participará das novas audiências da Lava-Jato. Pelo que eu entendi, isso significa que ele não julgará sequer o processo em que Lula é réu por suposto recebimento de propina da Odebrecht na forma de um apartamento em São Bernardo do Campo (a cobertura vizinha àquela em que ele morava até se mudar para a Superintendência da PF em Curitiba) e um terreno em São Paulo (onde seria construída a nova sede do Instituto Lula), cujos autos estão conclusos para sentença. 

Observação: Em suas razões finais, além de alegar que o réu foi tratado como culpado desde a fase inicial e que deve absolvido por insuficiência de provas, a defesa do criminoso de Garanhuns saiu-se com a seguinte pérola: “Como é sabido, o Sr. Jair Bolsonaro disputou o segundo turno das eleições presidenciais com um correligionário do Defendente. Ao longo da campanha realizou declarações atentatórias ao Estado de Direito e, no que interessa ao processo, ameaçou publicamente o Defendente e seus correligionários, afirmando, em tom de galhofa, que iria ‘varrer do mapa esses bandidos vermelhos do Brasil, que o Defendente iria “apodrecer na cadeia” e que seus aliados políticos, seu concorrente aí incluso, seriam jogados ao cárcere para ‘ficar alguns anos’ ao lado do Defendente.” A instrução encontra-se encerrada e os autos, conclusos para sentença.

Com o afastamento de Moro, caberá à juíza substituta Gabriela Hardt dar andamento aos processos da Lava-Jato. Ela já substituiu o magistrado em outras ocasiões — numa delas, mandou prender o ex-ministro José Dirceu, que, na sequência, conseguiu um habeas corpus no STF — mas, na condição de juíza substituta, não poderá assumi-los em definitivo, cabendo ao presidente do TRF4, desembargador Thompson Flores, designar o substituto de Moro entre os juízes titulares vinculados à corte e que tenham interesse em assumir a vara (pelas regras, a preferência é daquele que tiver mais tempo de magistratura).

Moro é recado claro de moralidade. E com a PF na Justiça, sob seu comando, é a garantia de que a Lava-Jato vai continuar”, disse o advogado Gustavo Bebianno, um dos principais conselheiros do presidente eleito. Mas nem todo mundo pensa assim: ouvi há pouco na CBN um jurista dizer que, ao abandonar a Lava-Jato, Moro decretará o fim da operação, e que para o magistrado, a nomeação será o mesmo que “passar de cavalo a burro”. Não sei se faz sentido: se as pastas da Justiça e da Segurança Pública forem reagrupadas, o futuro ministro passará de juiz da Lava-Jato a chefe dos investigadores.

O grão-tucano FHC pendurou no Twitter uma nota sobre as primeiras mexidas ministeriais promovidas por Bolsonaro. “Moro na Justiça. Homem sério. Preferia vê-lo STF, talvez uma etapa.” Em seguida, sobre as incorporações de pastas: “Fusões de ministérios sim, com prudência. Já vimos fracassos coloridos (sic).” E arrematou: “Torço pelo melhor, temo que não, sem negativismos nem adesismos. A corrupção arruína a política e o país. Se Moro a combater ajudará o país.”

Na avaliação do coordenador da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, a decisão de Moro é “bastante positiva para a causa anticorrupção e para o Brasil. Como ministro da Justiça, ele poderá impactar ainda órgãos muito importantes para o controle da corrupção, como a Polícia Federal, a CGU e o COAF, ampliando sua influência positiva dos casos em Curitiba para todo o país.” Sobre a acusação de o magistrado ter se deixado seduzir pela política

Se o juiz Moro tivesse aspiração política, ele poderia ter se tornado presidente ou senador nas últimas eleições com alta probabilidade de êxito. Mentiras como essa serão repetidas, mas não vão abalar a Lava-Jato. Quanto à Lava-Jato: Seguirá com outros magistrados. Há ainda bastante por fazer e será feito. Perde-se o grande talento de um juiz, mas a maior parte da equipe seguirá firme lutando contra a corrupção, como profissionais, na operação, e como cidadãos.”

Especulações abundam, mas eu acho temerário tirar conclusões antes que a poeira assente, razão pela qual limito-me a transcrever uma fábula que li quando criança, e que cai como uma luva no caso em tela: