O desejo era antigo ― vinha desde a consumação do impeachment
da anta vermelha ―, mas faltava coragem para torná-lo realidade quando a população não só rosnava nas redes sociais como saía às ruas para mostrar
os dentes. Finalmente, há coisa de duas semanas, nosso temerário presidente ―
aquele dos 3% de aprovação popular ― trocou Leandro Daiello, por Fernando
Segovia no comando da PF.
Daiello ocupava o
cargo desde 2011 e teve papel preponderante na Operação Lava-Jato. Segovia foi ex-adido policial na África
do Sul e ex-superintendente da PF no Maranhão, feudo da família Sarney ― cujo macróbio patriarca foi um
dos responsáveis pela oportuna indicação do delegado, e sua nomeação, recebida
com reservas, é vista como fruto de uma “forte
movimentação do quadrilhão do PMDB”. Precisa dizer mais alguma coisa? Precisa,
sim. Até porque todo mundo merece o benefício da dúvida, embora concedê-lo a
alguns é uma prova incontestável de ingenuidade. Mas vamos por partes.
A nomeação de Segovia
pode ser resumida da seguinte maneira: um presidente da República sob
investigação da PF troca o chefe daqueles
que o investigam. Não à toa, o gesto presidencial foi prontamente retribuído: em
sua primeira entrevista coletiva, logo após a cerimônia de posse, o delegado
reduziu as denúncias oferecidas contra Temer
pelo então procurador-geral Rodrigo
Janot, sustentadas nas delações da JBS
e em investigações da própria PF, a
“um ponto de interrogação que fica hoje no imaginário popular brasileiro”.
Não satisfeito com essa “pérola”, Segovia
pariu mais uma ao dizer que “uma única mala talvez não desse toda a
materialidade criminosa que a gente necessitaria para resolver se havia ou não
crime, quem seriam os partícipes e se haveria ou não corrupção”
[referindo-se à mala com R$ 500 mil em dinheiro vivo, entregue por Ricardo Saud a Rodrigo Rocha Loures ― homem da mais estreita confiança do
presidente, segundo o próprio presidente ―, numa operação controlada da PF].
O discurso de Segovia
foi uma peça política, algo inadmissível a um diretor da PF. Igualmente inadmissível foi ele se comportar como um ministro
do Planalto, um advogado de Temer ou
o próprio presidente. Seu pronunciamento, além de conter erros factuais acerca
das investigações, revelou desconhecimento técnico sobre os inquéritos de Temer e deixou a nítida impressão de
subserviência ao palácio do Planalto.
O fictício detetive Hercule Poirot, imortalizado nos romances policiais da
inesquecível Ágata Christie, fazia perguntas para estruturar um
raciocínio que desembocava em surpreendentes revelações. Já Segovia
não dá respostas, apenas formula insinuantes indagações.
Em vez de deixar o problema na floresta do “imaginário popular”, Segovia deveria anunciar que vai correr atrás de respostas. O fato de se sentir à vontade para minimizar
em público as gravíssimas denúncias de corrupção contra aquele que o nomeou ― e
obtidas em grande parte por seus (agora) subordinados ― indicam o triste curso
que as coisas tomaram em Brasília.
Por essas e outras, as declarações de Segovia e as circunstâncias de sua nomeação são preocupantes. Sobre
Temer, ele disse que “o presidente continuará a ser investigado com
a celeridade de todos os outros inquéritos”. Não é o que parece. Como bem ironizou o procurador da Lava-Jato Carlos Fernando Santos Lima, “quantas
malas de dinheiro seriam suficientes para o novo Diretor-Geral da Polícia
Federal?”
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