Minha primeira régua como eleitor é bastante simples: não
voto em quem fala errado e não lê livros. Os livros que julgo certos, bem
entendido. Por exemplo, se noto que um sujeito nunca leu Retrato do Brasil, de Paulo
Prado, eu o risco do meu caderninho. É um critério que sempre evitou que eu
votasse em Lula e evitará que vote
em Jair Bolsonaro ou qualquer outro
candidato que está no páreo. Na verdade, é um critério que me levou a votar em
bem pouca gente desde a década de 80, quando comecei a minha via-crúcis de
eleitor.
O meu colega Ruy
Goiaba já escreveu que ler e ser culto não faz ninguém necessariamente
melhor. Concordo. Em Vidas dos Césares,
Suetônio conta que o imperador Nero teve o filósofo Sêneca como preceptor e conselheiro,
compunha versos, achava-se grande cantor, a ponto de evitar falar a fim de conservar
as cordas vocais, nutria “um amor não pequeno” pela pintura e escultura, chegou
a dizer que “a arte o manteria vivo” — e, entre outras atrocidades, forçou Sêneca a suicidar-se e mandou matar a
mãe (de quem examinou o cadáver, elogiando algumas partes e criticando outras),
o meio-irmão, a mulher e o tio. Também incendiou Roma por senso estético. Ele
não gostava da feiura dos velhos edifícios, das ruas demasiado estreitas e
queria apropriar-se de áreas vizinhas ao seu magnífico palácio, a Domus Aurea, para embelezá-las (Domus
Aurea que tinha afrescos com cenas da Ilíada, de Homero, uma das obras preferidas de Nero). Escreve Suetônio:
“Alegrado — são as suas palavras — pela ‘pela beleza das chamas’, cantou A
destruição de Troia”.
Vidas dos Césares
é um dos livros que julgo certos. Seria recomendável que os governantes o
lessem, porque relata como o poder extremo leva a loucuras extremas que
sobrepujam eventuais realizações positivas. No capítulo dedicado a Nero, aliás, Suetônio começa relatando o que o monstro fez de razoável — como
tirar a licença dos condutores de quadrigas para promover tumultos e roubar. O
autor também inclui entre as decisões acertadas de Nero ter supliciado cristãos, “gênero de indivíduos dedicados a uma
nova e maléfica superstição”. No entanto, como bons cristãos, perdoemos o
romano Suetônio. Nero é exemplo de que leitura não
implica sabedoria. Contudo, na minha opinião talvez intransferível, não ler
torna alguém pior. No mínimo, porque demonstra falta de capacidade de
concentração. Boa parte dos brasileiros pensa o oposto, não importa o espectro
ideológico a que pertençam.
Uma das razões de Lula
ter sido elevado ao panteão da esquerda foi a sua falta de cultura, que
expressaria a concreta sabedoria proletária, contra a alienação encobridora do
capitalismo. Bolsonaro subiu ao
altar da direita brasileira também por causa do seu anti-intelectualíssimo de
militar adestrado nas regras imutáveis da balística — um tiro de canhão nos
relativismos morais típicos do pensamento esquerdista. Lula e Bolsonaro são,
assim, igualmente louvados pela sua ignorância. É preciso admitir, no entanto,
que há uma diferença fundamental entre os dois. Lula representa uma ameaça real à democracia; Bolsonaro, não, ao contrário do que propagam na imprensa. Pelo
menos até o momento.
No poder, Lula e seus seguidores tentaram criar um Conselho
Federal de Jornalismo para amordaçar a imprensa. Quiseram expulsar o americano Larry Rohter do Brasil, porque o
correspondente do jornal The New York Times fez uma reportagem sobre o alto
consumo etílico do petista. Tiraram da editora Abril publicidade de estatais,
por causa da cobertura da Veja dos escândalos petistas. Instituíram o mensalão,
esquema para comprar votos da base aliada com dinheiro público. Forjaram um
dossiê contra José Serra, pago com
dinheiro da Odebrecht (o nosso
dinheiro, quer dizer). Financiaram, com recursos públicos, blogs sujos para
manchar a reputação de jornalistas críticos ao governo. Aparelharam a máquina
federal de alto a baixo. Criaram um Conselho Nacional de Justiça para tentar
controlar magistrados independentes. Cumpliciados com as maiores empreiteiras
do país, dilapidaram a Petrobras, para enriquecer pessoalmente e promover
campanhas políticas com montanhas de dinheiro roubado, um claro atentado ao
âmago da democracia representativa. Aliaram-se ao venezuelano Hugo Chávez e ao cubano Fidel Castro, além de outros tiranetes latino-americanos,
para minar liberdades fundamentais e tentar perpetuar-se no poder. Ao final, Dilma Rousseff — criatura de Lula — destruiu a economia, botou
milhões de brasileiros na fila do desemprego e promoveu uma enorme fraude
fiscal para maquiar as contas do governo, contrariando a lei e cometendo o
crime de responsabilidade que a levou ao impeachment.
Bolsonaro não fez
nada disso. É, até o momento, friso, apenas mais um político ignorante. A
diferença é que o fato de ser de direita é um agravante na universidade e nos
meios de comunicação colonizados pela esquerda. A sua defesa às vezes pitoresca
do regime militar não significa automaticamente que queira virar ditador ou vá
legalizar a tortura, como já deram a entender (e decerto a escolha do general Hamilton Mourão ajuda bastante os seus
detratores). Quando diz que policial tem de matar bandidos e as pessoas têm o
direito de autodefesa, ele expressa, Ipanema goste ou não, a opinião da maioria
dos cidadãos, não de um gueto. Bolsonaro
ataca a imprensa, mas nunca falou em “controle social da mídia”. A sua
misoginia (Janaína Paschoal não o
acha misógino), grosseria e comentários politicamente incorretos sobre negros
são os mesmos das conversas de boteco de petistas, assim como as suas piadas
sobre gays.
Bolsonaro só mostra a
imprudência de dizer bobagens abertamente. Ou talvez a esperteza. Encontrei-o
uma vez e perguntei se não iria suavizar o seu discurso. Respondeu que não,
porque era esse discurso que o havia trazido até os patamares de popularidade
que ocupa. Como se viu na entrevista na GloboNews, e se verá em todos os
debates, o candidato desnorteia os jornalistas porque não atenua os seus pontos
de vista nem tenta esconder o seu despreparo. Usa o reconhecimento desse
despreparo como ativo. Como outra prova da sua diferença positiva em relação
aos concorrentes, subvertendo a lógica eleitoral. Os seus eleitores aplaudem
porque ele parece mais genuíno do que os concorrentes. Não menos importante, é
enfático ao afirmar ser contra o PT e defender integralmente a Lava-Jato. Bolsonaro traduz em ondas tropicais o
cansaço de uma parcela expressiva de eleitores decepcionada com o cinismo da
esquerda e a desonestidade acima da média histórica dos políticos em geral.
Eu jamais votaria em Lula
ou no seu poste e nunca votaria em Bolsonaro,
como já disse. Mas o primeiro provou ser infinitamente mais perigoso para a
democracia do que o segundo — inclusive porque ainda conta com um partido forte
e aliados de ocasião poderosos. Bolsonaro
não tem quase ninguém do establishment do seu lado. Com o PT de volta à
Presidência, o país entrará em curto-circuito institucional. Lula será beneficiado com indulto e,
criminoso condenado, nomeará o ministro da Justiça, o diretor da PF, o PGR,
ministros do STF e do STJ e desembargadores federais — além do presidente da
Petrobras, empresa que está do lado dos acusadores em processos contra Lula. Com Bolsonaro na Presidência, ele terá de fazer alianças de forma
idêntica aos outros — e o risco de não conseguir tecê-las será baixo, tendo a
crer, porque político nacional gosta de aderir a quem tem a caneta na mão.
Obviamente terá de mostrar flexibilidade, como qualquer Onyx Lorenzoni é capaz de lhe dizer. A gritaria da esquerda será
trilha sonora constante durante todo o seu mandato, a estridência de Bolsonaro idem, mas estamos acostumados
ao barulho desde sempre.
Sob Bolsonaro, o
Brasil continuará a ser um país de segunda categoria, com um ministro da
Fazenda competente que conseguirá fazer um décimo do que promete. Se Paulo Guedes aguentar o tranco e o
Planalto e o Congresso não atrapalharem além da conta, gastos públicos serão
contidos e algumas estatais, fechadas ou vendidas. Quem sabe haverá uma
simplificação fiscal. Nada muito diferente do que ocorrerá no caso de Geraldo Alckmin conquistar a cadeira
presidencial. Poderemos entrar, assim, num modesto círculo virtuoso, porque o
mercado se contenta com pouco, visto que não nutre maiores esperanças em
relação ao Brasil, que já foi devidamente precificado, desde que mantido em
condições mínimas de temperatura e pressão. Sob Lula e o seu poste (ou Ciro
Gomes), mergulharemos no caos, com a economia entregue desta vez a um
maluco desenvolvimentista que revogaria as poucas reformas feitas sob Temer. Dito isso, volto a Suetônio. Depois de Nero, o capítulo é sobre Galba. Ao contrário de Nero, um gastão, Galba era conhecido por sua avareza. Precisaríamos de um presidente
avaro que durasse mais do que Galba.
Ele foi assassinado e teve a cabeça cortada depois de sete meses no poder.
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