segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

A NOVELA COAF/BOLSONARO



Como não houve notícia mais comentada e replicada nos últimos dias do que a novela das movimentações financeiras atípicas de Fabrício Queiroz, duble de assessor de gabinete e motorista do deputado federal e ora senador eleito Eduardo Bolsonaro, podemos ir direto aos finalmentes: quem foi eleito tendo o combate à corrupção como principal mote de campanha não pode agir como os corruptos que prometeu enquadrar.

É claro como água que por trás dos ataques contra o clã do presidente eleito está o dedinho do PT (*), e que a prática de contratar apaniguados para não trabalhar e funcionários de gabinete que devolvem parte do salário aos políticos é mais velha que a serra e tão comum quanto cachorro mijar em poste. Aliás, não é possível aceitar que políticos possam ter tantos funcionários sem controle de atividades, com salários altíssimos, sem nenhuma razão. Mas, de novo: quem baseou sua campanha num discurso antilulopetismo e anticorrupção (o que dá no mesmo) não pode alegar que fez o que todo mundo fazia. Bolsonaro e seus filhos estão em evidência e na desconfortável posição de vidraça; para eles, o buraco é ainda mais embaixo.

(*) Talvez seja o dedo mindinho que Lula perdeu num acidente de trabalho pra lá de suspeito, já que o petralha nunca foi chegado no batente — clique aqui para conferir o que diz o ex-engenheiro sênior da CSN Lewton Verri, que conheceu o molusco eneadáctilo na década de 70 e o considera um sindicalista predador e malandro, que traía os “cumpanhêros” começando e encerrando greves para ganhar dinheiro em acordos espúrios, e aqui para acessar uma postagem que revolve mais a fundo as vísceras desse caso espúrio.

Até onde a vista alcança, ainda não se pode acusar Bolsonaro pai e Bolsonaro filho de qualquer malfeito. Mas o fato do tal assessor não apresentar uma explicação plausível mina a confiança do eleitorado que acreditou nas promessas de campanha do deputado capitão. A mídia está de olho, o que é bom, pois elucidar esse “mistério” é de fundamental importância, mas a imprensa cumpanhêra, que apoia a oposição ferrenha do PT e seus satélites — tipo “se hay gobierno soy contra” — quer mais é ver o circo pegar fogo.    

Não tenho procuração para defender Bolsonaro ou quem quer que seja, mas faço parte dos 75% de brasileiros que acreditam que o país vá melhorar com o próximo governo. Afinal, a última coisa de que precisaríamos é ser governados por um criminoso condenado e preso — curiosamente, mesmo sendo público e notório que Haddad no Planalto seria Lula no poder, 47.038.963 de eleitores votaram boneco do ventríloquo, alegando que a vitória de Bolsonaro ressuscitaria a ditadura ou, no mínimo, seria uma séria ameaça à democracia, como cantam em prosa e verso jornalistas, cientistas políticos, sociólogos, filósofos e outros cérebros que habitam o bioma superior de Nova York ou Paris e dão a si próprios a incumbência de explicar o mundo às mentes menos desenvolvidas.

Segundo Flávio Bolsonaro, "há suspeitas nas movimentações financeiras de assessores de vários partidos, incluindo o PSOL, mas a mídia só ataca a mim" — o que não deixa de ser verdade, mas até aí morreu o Neves. Na quarta, 12, Bolsonaro pai afirmou que, "se algo estiver errado, que paguemos a conta". Ambos afirmaram em algum momento que os esclarecimentos do assessor se dariam ao Ministério Público, mas seria melhor para todos se o imbróglio fosse esclarecido o quanto antes, pois a suspeita que paira sobre o clã arranha a reputação do presidente eleito antes mesmo de sua posse (no famoso episódio envolvendo Francenildo dos Santos Costa, acusado doze anos atrás de ter sido subornado para delatar o Palocci, a origem do dinheiro foi esclarecida em questão de horas e Lula não teve alternativa que não exonerar o superministro).

Quando há justificativa, os fatos falam. Quando não há, as versões sussurram e as suspeitas prosperam. Nos bastidores do Congresso, comenta-se que nem Bolsonaro pai nem Bolsonaro filho conseguiram até o momento dar uma explicação que estanque o prejuízo político gerado pelo caso, enquanto a oposição já sonha com a primeira CPI da nova administração. Para além disso, o episódio tira a força de Flávio Bolsonaro na sua estreia no Senado e traz implicações diretas nas articulações para a eleição do novo presidente da Casa — sua fragilização fortalece Renan Calheiros, que diz não ser candidato e que a definição sobre quem postulará o posto só se dará na véspera do pleito, mas vem atuando nos bastidores para viabilizar seu nome. O governo de transição repudia o retorno do cangaceiro das Alagoas ao comando do Congresso Nacional, e já articula uma candidatura alternativa, na qual o nome mais forte é o do tucano Tasso Jereissati.

Há mais elementos que aumentam as suspeitas do caso Fabrício: sete outros assessores que estão ou foram vinculados ao gabinete do senador eleito, na ALERJ, realizaram depósitos na conta do dito-cujo, e a maior parte desses depósitos ocorreu em datas próximas ao dia de pagamento dos funcionários da Assembleia. O relatório do COAF identificou ainda transações consideradas "atípicas" de assessores de outros 20 deputados da ALERJ de diferentes partidos, entre eles PT, PSC e PSOL.

Nas redes sociais, Flávio Bolsonaro se diz angustiado, e que é o maior interessado em que tudo se esclareça “para ontem”. Com efeito. O estrago que as acusações podem gerar na base de apoio ao futuro governo é reconhecido até mesmo por deputados que apoiam o presidente eleito. "Se não ficar bem esclarecido no recesso, a oposição já inaugura 1º de fevereiro com um pedido de CPI", alerta o deputado Sóstenes Cavalcante. Em entrevista ao ESTADO, a também deputada eleita Janaína Paschoal, coautora do pedido de impeachment da rainha bruxa do Castelo do Inferno, defendeu a investigação do caso. "Vamos apurar e o que tiver de ser será. Não é isso que o presidente [Bolsonaro] sempre fala? Que não temos que ter medo da verdade? Seja ela qual for. Nosso País tem que amadurecer".

Comenta-se à boca pequena que Fabrício reaparecerá nos próximos dias e, ao que tudo indica, sua versão da história deverá eximir Flávio Bolsonaro e o restante do clã de qualquer responsabilidade. Os elementos colhidos até aqui pelos investigadores apontam, porém, para uma prática conhecida nas sombras das casas legislativas, na qual funcionários de gabinetes são instados a devolver uma parte do salário como contrapartida à própria contratação. O dinheiro, na maioria dos casos, é usado para bancar despesas dos titulares dos mandatos. 

Para não estender ainda mais este texto, volto ao assunto na próxima postagem.