segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

SOBRE BRUMADINHO, FLÁVIO BOLSONARO E OUTRAS CATÁSTROFES ANUNCIADAS



A catástrofe que se abateu sobre Brumadinho, a exemplo da que ocorreu em Mariana há pouco mais de 3 anos (ressalte-se que ninguém foi punido até agora) foi mais uma tragédia anunciada resultante da ganância desmedida de empresários e da inoperância do poder público. Prova disso é que o plano de contingência da Vale se limitava tocar uma sirene para alertar funcionários e moradores locais do risco iminente de uma barragem se romper, mas, espantosamente, nem isso funcionou. Em última análise, o que temos diante dos olhos é mais um instantâneo do nosso gigante adormecido, deitado eternamente em berço esplêndido, que parece não ter motivo para despertar. Dito isso, vamos em frente.

O imbróglio envolvendo Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz é outra tragédia anunciada (detalhes nesta postagem), cujos novos desdobramentos complicam ainda mais a situação do filho do Presidente e respingam no próprio Presidente. E o que não falta é gente atrás de um "pezinho" para criticar tudo que Jair Bolsonaro faz, diz ou pensa.

Em tese, quem se encontra no olho do furação é Queiroz — espécie de factótum, que está para a família Bolsonaro como José Carlos Bumlai para a dos Lula da Silva. Semanas atrás, Flávio publicou no seu perfil no Twitter: "Pela enésima vez, não posso ser responsabilizado por atos de terceiros e não cometi nenhuma ilegalidade. O ex-assessor é quem deve dar explicações. Todos da minha equipe trabalham e a prova de que o gabinete funciona bem são minhas crescentes votações".

Os esclarecimentos que senador eleito deu até agora são tão inconsistentes quanto os de seu ex-funcionário. Um amontoado de meias-verdades misturadas com fatos reais e versões criadas por seus advogados. Se Flávio não tem nada a ver com o peixe — como ele próprio não se cansa de dizer —, então por que ainda não chamou o ex-assessor às falas, concitando-o a esclarecer de uma vez essa mixórdia? Essa é uma das muitas perguntas que carecem de resposta. Outra mais serão vistas no final desta postagem e algumas serão respondidas na próxima. Mas vamos por partes. 

Quando as tais movimentações atípicas na conta de Queiroz vieram a público, bastava o dito-cujo apresentar a tal “versão plausível” que seu ex-chefe disse ter ouvido dele. Em vez de atender às convocações da Justiça, porém, o ex-assessor se mocozou numa comunidade controlada pelas milícias em Rio das Pedras (RJ), onde sua família tem vans ilegais. Quando reapareceu — tão misteriosamente quanto sumira —, disse em entrevista ao SBT que nunca foi “laranja”, que sempre foi um cara de negócios, que comprava e revendia carros, e por aí afora. Mas a mim parece improvável que todos os funcionários lotados no gabinete do então deputado, que fizeram depósitos na conta Queiroz, tenham comprado os carros que ele supostamente revendia.  

Quando os fatos falam, as suspeitas calam. Mas nem Queiroz, nem seus familiares, nem Flávio Bolsonaro atenderam às convocações do MP-RJ. Às vésperas do réveillon, o pivô da história mal contada foi submetido a uma cirurgia para remover um tumor maligno. Três dias depois, apareceu sambando no quarto do hospital, em um vídeo em que viralizou nas redes sociais. Após ter recebido alta (no último dia 8), o sambista de enfermaria garantiu ter pago a conta com recursos próprios, mas não revelou o valor; prometeu esclarecer "em breve" as movimentações atípicas em sua conta, mas não especificou quando isso ocorreria. E exemplo de seu ex-chefe, não compareceu ao depoimento marcado para o último dia 10. 

As investigações foram suspensas pelo ministro supremo Luiz Fux no último dia 16. O magistrado acolheu uma Reclamação de Flávio Bolsonaro questionando a competência do MP e reivindicando foro privilegiado no STF. Em entrevista à Record, o senador eleito disse que não poderia ser investigado sem autorização do Supremo, mas que é o maior interessado em esclarecer tudo e não quer privilégio nenhum, apenas ser “tratado dentro da lei e da Constituição”. Aguarda-se para a próxima sexta-feira a decisão do ministro Marco Aurélio, sorteado relator da Reclamação, que definirá em qual instância do Judiciário as investigações terão prosseguimento (o ministro já ventilou que será o MP-RJ, mas a experiência ensina que não se deve confiar em barriga de criança, promessa de político e cabeça de juiz).

Abiscoitar parte do salário dos assessores é uma prática largamente utilizada por parlamentares. Segundo o Globo, a lista de funcionários fantasmas na Alerj inclui gente ligada ao PT, PP e MDB, um pastor evangélico, uma dona de salão de beleza e até um morador do município de Búzios, que fica distante 175 quilômetros da capital (mais detalhes neste vídeo). Claro que a habitualidade não torna o "pedágio" legal ou moralmente aceitável; aliás, o próprio Presidente afirmou que se o filho errou, deve pagar — mas depois abrandou o discurso e disse que estavam atacando “o garoto” para atingi-lo e a seu governo, que considera o episódio um “massacre”, e por aí vai.

Até aí eu concordo. Uma verdadeira caça às bruxas — fomentada em grande medida pela mídia e opositores do atual governo — está em curso. Mas volto a lembrar que os fatos precisam falar para as suspeitas calarem. Quem votou em Bolsonaro espera que ele cumpra suas promessas de campanha, sobretudo no que concerne ao combate à corrupção. Não fosse assim, teriam escolhido o fantoche do presidiário de Curitiba, a "personificação" da corrupção na política tupiniquim.  

Com a cirurgia a que Bolsonaro se submeterá nesta segunda-feira, é bem possível que a pressão sobre o Planalto diminua, permitindo desassociá-lo das suspeitas que pairam sobre "zero um". Mas há quem diga que não haverá trégua e que o Governo não pode dar declarações dúbias, sob pena de desgastar seu capital político. Acredito eu que, somada à tragédia de Brumadinho, a internação do Presidente deve mudar momentaneamente o foco da imprensa, mas há muitas perguntas sem resposta, e é fundamental que as respostas venham com a possível brevidade, pois já se fala até na renúncia renúncia de Flávio Bolsonaro (o senador eleito nega, naturalmente, mas onde há fumaça costuma haver fogo).

Talvez o prólogo deste governo não esteja saindo como como gostaríamos, mas o epílogo do capítulo da história que se está escrevendo precisa ser diferente.

Entre outras perguntas que carecem de resposta, enumero as as seguintes:

1) Se Flávio Bolsonaro realmente não tem nada a ocultar, por que não presta depoimento e põe fim à parte que lhe toca nesse imbróglio?

2) Em sendo apenas citado (e não formalmente investigado), por que ele não atende às convocações do MP-RJ?

3) Por que levou o caso ao STF, mesmo sabendo que a PGR pode ampliar o escopo das investigações e envolver o próprio Presidente?

4) Por que fez 48 depósitos de R$ 2 mil cada, em dinheiro, no autoatendimento da Alerj, quando poderia ter depositado o valor total, de uma só vez, na boca do caixa?

5) Ainda que sua versão sobre a origem do dinheiro tenha sido confirmada pelo comprador do apartamento que ele tinha na Barra, por que as datas não batem?

6) Como ele afirma que ganha mais como empresário do que como político se, para isso, sua franquia precisaria gerar um lucro muito superior à média do mercado (sem mencionar que os imóveis objeto de investigação foram comprados quando o "zero um" ainda não era franqueado da Kopenhagen)?

7) Como se explica o fato de o então deputado ter condecorado com a Medalha Tiradentes — a maior comenda do Legislativo do Rio — o miliciano Adriano da Nóbrega, hoje suspeito de participação no assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, além de contratar para trabalhar no seu gabinete a mãe e a mulher desse sujeito (que está foragido da Justiça)?

Se alguém puder respondê-las, sou todo ouvidos. Senão, eu mesmo tentarei fazê-lo no post de amanhã.