segunda-feira, 11 de novembro de 2019

AINDA SOBRE O SUPREMO CIRCO DE HORRORES


Há muito que os cidadãos de bem deste país vêm sendo duramente punidos pelas más escolhas de um eleitorado desinformado e semianalfabeto. Para ficar no período pós-redemocratização, a coisa mais parecida com um estadista que ocupou o gabinete mais cobiçado do Palácio do Planalto foi o grão-tucano Fernando Henrique. Dos demais, não se salvou nenhum. É certo que na maioria das vezes — com destaque para o pleito de 1989 e o de 2018 — as más escolhas decorreram de uma quase absoluta falta de opção. Mas é incontestável que o panorama democrático que se descortinava com a volta dos militares aos quartéis começou a se esvanecer quando o caçador de marajás derrotou o fundador do partido dos trabalhadores que não trabalham, dos estudantes que não estudam e dos intelectuais que não pensam. E de lá para cá a coisa só piorou, sobretudo quando o petralha maldito assumiu o poder e, mais adiante, fez eleger sua abjeta sucessora.

Ao longo das gestões petistas — marcadas por um profundo endurecimento dos aparelhos de repressão do Estado e de suas instituições jurídicas —, foram empossados nada menos que oito ministros supremos, sete dos quais ainda permanecem em suas confortáveis poltrona, escarnecendo de quem banca seus polpudos contracheques. Não fosse a PEC da Bengala (proposta em 2005 e aprovada pelo Congresso uma década depois) ter aumentado de 70 para 75 anos a idade em que a aposentadoria dos ministros passa a ser compulsória, já nos teríamos livrado ao menos dos lulistas de Ricardo Lewandowski e Rosa Weber — além de Celso de Mello e Marco Aurélio, indicados respectivamente por Sarney e Collor.

O desserviço que esses inimigos do povo vêm prestando à nação culminou com a decisão da última quinta-feira, cujas nefastas consequências se fizeram notar já no dia seguinte. Ao deixar a sala VIP onde foi tratado como um rei por 580 dias, Lula serviu a uma cáfila de apoiadores o aperitivo para a lauta refeição que ofereceria, no dia seguinte, defronte do Sindicato de Metalúrgicos de SBC (onde havia se encastelado quando teve a prisão decretada e de onde tripudiou da Justiça por mais de 24 horas até finalmente se entregar). 

Em ambas as vezes, o encantador de jegues disparou vitupérios contra o presidente Jair Bolsonaro (a quem acusou de governar para as milícias), o ex-juiz federal Sérgio Moro (a quem chamou de "canalha"), a Paulo Guedes (a quem ser referiu como "demolidor de sonhos" e atribuiu todas as mazelas do Brasil, como se Dilma jamais tivesse existido), a Lava-Jato e a Rede Globo, além de posar como candidatíssimo a um terceiro mandato (embora esteja inelegível até 2035, quando, se o diabo ainda não o tiver carregado, terá 89 anos de idade).

"Eu estou de volta", sibilou, dedo em riste e cenho transfigurado pelo ódio em rascunho de mapa do inferno. Entre os integrantes da claque amestrada que dividiu com ele no palanque, o eterno bonifrate exibia um sorriso idiota, como que para disfarçar seu visível constrangimento, enquanto narizinho, a eterna "amante", parecia ter um orgasmo cada vez que o chefe da quadrilha defecava pela boca, e um sujeito que eu não consegui identificar fazia uma coreografia esquisita, como as macacas de auditório no programa Sílvio Santos. Não fosse trágico, seria cômico.

Entrementes, movimentos de apoio à Lava-Jato e grupos de direita realizavam manifestações de rua em diversas capitais do Brasil, protestando contra a decisão do Supremo e fazendo um apelo ao Congresso pela aprovação da PEC 410, que autoriza a prisão após a condenação em segunda instância, e pela instauração da "CPI da Lava-Toga". A cobertura da imprensa foi pífia, de modo que não me foi possível descobrir em quantos municípios eles aconteceram e com quantos participantes contaram, mas sei que Sampa, Curitiba, Brasília, Rio e Porto Alegre foram as capitais que mais se destacaram.

Na Câmara e no Senado, tramitam duas PECs diferentes regulamentando a prisão após condenação em segunda instância. Os presidentes das respectivas CCJs, Felipe Francischini e Simone Tebet, prometeram pautá-las nas próximas semanas, apostando na pressão das ruas para sensibilizar os presidentes das duas casas, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, que vêm demonstrando resistência ao tema.

Sem prejuízo de outros efeitos deletérios, a decisão dos supremos inimigos públicos jogou mais combustível na já inflamada conjuntura brasileira ao promover um bandido condenado por 20 juízes diferentes em três instâncias do Judiciário (e réu em outras 9 ações penais) a candidato a um terceiro mandato presidencial. No extremo oposto, Bolsonaro recomendou a seus apoiadores incondicionais: "Não vamos contemporizar com presidiário" (mas se reuniu com a cúpula militar do governo e das Forças Armadas para tratar da liberdade do arquirrival), e Moro rebateu na mesma linha do presidente: "Aos que me pedem respostas a ofensas, esclareço: não respondo a criminosos, presos ou soltos. Algumas pessoas só merecem ser ignoradas". Guedes não se manifestou e a Globo se limitou a repudiar as acusações que lhe foram endereçadas.

Graças àquilo que se tornou nossa Suprema Corte, deflagrou-se com mais de três anos de antecedência a sucessão de 2022, e os primeiros discursos soaram como uma declaração de guerra. Lula anunciou que vai sair em caravana pelo país dentro de 20 dias — o que pode ser bom se os paranaenses capricharem mais na pontaria ou se uma bala perdida fizer o que não fizeram aqueles que tiveram chance de golpear a jararaca na cabeça, mas preferiam bater na cauda.

Segundo Josias de Souza, o eleitorado tupiniquim está rachado em três pedaços. Num extremo, um terço pró-Bolsonaro. Noutra extremidade, um terço simpático à radioatividade de Lula. No meio, um terço que reza por moderação enquanto se equipa para decidir a próxima sucessão presidencial. Lula e Bolsonaro parecem subestimar a inteligência da plateia. Um, colecionador de ações criminais, já não retira coelhos da cartola, só gambás. Outro, dedicado à fabricação de crises, não se deu conta de que foi colocado ao volante para dar um rumo à economia, não para passar quatro anos xingando o retrovisor.

Observação: Tanto Figueiredo quanto Bolsonaro disseram (cada qual a seu tempo e à sua maneira) que a ditadura errou. Para o general que preferia o cheiro dos cavalos ao do povo, o erro foi ele, Figueiredo, ter sido encarregado de orquestrar a abertura; para o capitão caverna, foi terem torturado demais e matado de menos. Está cada dia mais difícil contestá-los, e preocupa-me a sensação de que as declarações infelizes do abilolado zero três podem não ser tão estapafúrdias. A que ponto chegamos!