Há muito que os cidadãos de bem deste país vêm sendo duramente
punidos pelas más escolhas de um eleitorado desinformado e semianalfabeto. Para
ficar no período pós-redemocratização, a coisa mais parecida com um estadista
que ocupou o gabinete mais cobiçado do Palácio do Planalto foi o grão-tucano Fernando Henrique. Dos demais, não se
salvou nenhum. É certo que na maioria das vezes — com destaque para o pleito de
1989 e o de 2018 — as más escolhas decorreram de uma quase absoluta falta de
opção. Mas é incontestável que o panorama democrático que se descortinava com a volta dos militares aos quartéis começou a se esvanecer quando o
caçador de marajás derrotou o fundador do partido dos trabalhadores que não
trabalham, dos estudantes que não estudam e dos intelectuais que não pensam. E de lá para cá a coisa só piorou, sobretudo quando o petralha maldito assumiu o poder e, mais adiante, fez eleger sua abjeta sucessora.
Ao longo das gestões petistas — marcadas por um profundo
endurecimento dos aparelhos de repressão do Estado e de suas instituições
jurídicas —, foram empossados nada menos que oito ministros supremos, sete dos
quais ainda permanecem em suas confortáveis poltrona, escarnecendo de quem
banca seus polpudos contracheques. Não fosse a PEC da Bengala (proposta em 2005 e aprovada pelo Congresso uma
década depois) ter aumentado de 70 para 75 anos a idade em que a aposentadoria
dos ministros passa a ser compulsória, já nos teríamos livrado ao menos dos lulistas de Ricardo Lewandowski e Rosa Weber
— além de Celso de Mello e Marco Aurélio, indicados respectivamente por Sarney e Collor.
O desserviço que esses inimigos do povo vêm prestando à
nação culminou com a decisão da última quinta-feira, cujas nefastas
consequências se fizeram notar já no dia seguinte. Ao deixar a sala VIP onde
foi tratado como um rei por 580 dias, Lula
serviu a uma cáfila de apoiadores o aperitivo para a lauta refeição que ofereceria, no dia seguinte, defronte do Sindicato de Metalúrgicos de SBC (onde havia se
encastelado quando teve a prisão decretada e de onde tripudiou da Justiça por
mais de 24 horas até finalmente se entregar).
Em ambas as vezes, o encantador
de jegues disparou vitupérios contra o presidente Jair Bolsonaro (a quem acusou de governar para as milícias), o
ex-juiz federal Sérgio Moro (a quem
chamou de "canalha"), a Paulo
Guedes (a quem ser referiu como "demolidor de sonhos" e atribuiu
todas as mazelas do Brasil, como se Dilma
jamais tivesse existido), a Lava-Jato
e a Rede Globo, além de posar como candidatíssimo
a um terceiro mandato (embora esteja inelegível até 2035, quando, se o diabo ainda
não o tiver carregado, terá 89 anos de idade).
"Eu estou de
volta", sibilou, dedo em riste e cenho transfigurado pelo ódio em rascunho de mapa do inferno. Entre os
integrantes da claque amestrada que dividiu com ele no palanque, o eterno
bonifrate exibia um sorriso idiota, como que para disfarçar seu visível constrangimento,
enquanto narizinho, a eterna "amante", parecia ter um orgasmo cada vez que o chefe da quadrilha defecava pela boca, e um sujeito que eu não
consegui identificar fazia uma coreografia esquisita, como as macacas de
auditório no programa Sílvio Santos.
Não fosse trágico, seria cômico.
Entrementes, movimentos de apoio à Lava-Jato e
grupos de direita realizavam manifestações de rua em diversas capitais do
Brasil, protestando contra a decisão do Supremo e fazendo um apelo ao Congresso
pela aprovação da PEC 410, que
autoriza a prisão após a condenação em segunda instância, e pela instauração da "CPI da Lava-Toga". A cobertura da imprensa foi pífia, de modo que não me foi possível descobrir em quantos municípios eles aconteceram e com quantos participantes contaram, mas sei que Sampa, Curitiba, Brasília, Rio e Porto Alegre foram as capitais que mais se destacaram.
Na Câmara e no Senado, tramitam duas PECs diferentes regulamentando a prisão após condenação em segunda instância. Os presidentes das respectivas CCJs, Felipe Francischini e Simone Tebet, prometeram pautá-las nas próximas semanas, apostando na pressão das ruas para sensibilizar os presidentes das duas casas, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, que vêm demonstrando resistência ao tema.
Na Câmara e no Senado, tramitam duas PECs diferentes regulamentando a prisão após condenação em segunda instância. Os presidentes das respectivas CCJs, Felipe Francischini e Simone Tebet, prometeram pautá-las nas próximas semanas, apostando na pressão das ruas para sensibilizar os presidentes das duas casas, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, que vêm demonstrando resistência ao tema.
Sem prejuízo de outros efeitos deletérios, a decisão dos
supremos inimigos públicos jogou mais combustível na já inflamada conjuntura
brasileira ao promover um bandido condenado por 20 juízes diferentes em três
instâncias do Judiciário (e réu em outras
9 ações penais) a candidato a um terceiro mandato presidencial. No extremo
oposto, Bolsonaro recomendou a seus
apoiadores incondicionais: "Não
vamos contemporizar com presidiário" (mas se reuniu com a cúpula militar do governo e das Forças Armadas para tratar da liberdade
do arquirrival), e Moro rebateu na
mesma linha do presidente: "Aos que
me pedem respostas a ofensas, esclareço: não respondo a criminosos, presos ou
soltos. Algumas pessoas só merecem ser ignoradas". Guedes não se manifestou e a Globo se limitou a repudiar as
acusações que lhe foram endereçadas.
Graças àquilo que se tornou nossa Suprema Corte, deflagrou-se com mais de três anos de antecedência a
sucessão de 2022, e os primeiros discursos soaram como uma declaração de guerra.
Lula anunciou que vai sair em caravana
pelo país dentro de 20 dias — o que pode ser bom se os paranaenses capricharem
mais na pontaria ou se uma bala perdida fizer o que não fizeram aqueles que
tiveram chance de golpear a jararaca na cabeça, mas preferiam bater na cauda.
Segundo Josias de
Souza, o eleitorado tupiniquim está rachado em três pedaços. Num extremo,
um terço pró-Bolsonaro. Noutra
extremidade, um terço simpático à radioatividade de Lula. No meio, um terço que reza por moderação enquanto se equipa
para decidir a próxima sucessão presidencial. Lula e Bolsonaro parecem
subestimar a inteligência da plateia. Um, colecionador de ações criminais, já
não retira coelhos da cartola, só gambás. Outro, dedicado à fabricação de
crises, não se deu conta de que foi colocado ao volante para dar um rumo à
economia, não para passar quatro anos xingando o retrovisor.
Observação: Tanto Figueiredo
quanto Bolsonaro disseram (cada qual a seu tempo e à sua maneira) que a
ditadura errou. Para o general que preferia o cheiro dos cavalos ao do povo, o
erro foi ele, Figueiredo, ter sido encarregado
de orquestrar a abertura; para o capitão caverna, foi terem torturado demais e matado de menos. Está
cada dia mais difícil contestá-los, e preocupa-me a sensação de que as declarações
infelizes do abilolado zero três podem não ser tão estapafúrdias. A que ponto
chegamos!