sexta-feira, 28 de agosto de 2020

SOBRE A LAVA-JATO, O STF E O PGR


Embora tenha ganhado notoriedade a partir de 2014, a outrora pujante e ora agonizante Operação Lava-Jato nasceu em 2008, a partir de uma escuta telefônica que levou a uma rede de postos de combustíveis em cujos lava-rápidos (daí o nome da operação) lavavam-se não só veículos, mas também vultosas quantias em dinheiro de origem pra lá de suspeita.

Preso preventivamente, o empresário Hermes Magnus cantou feito um rouxinol, e suas informações levaram os investigadores até o doleiro Alberto Youssef e o então diretor de abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa — a quem Youssef presenteara com um Range Rover Evoque. A partir daí, cada pena que os agentes federais puxavam trazia junto um galinha.

Os feitos da maior operação de combate à corrupção desde a chegada de Cabral, há 520 anos são públicos e notórios, como também os são os ataques desfechados contra ela por políticos de alto coturno — só para ficar num exemplo notório, em 2016 o então senador Romero Jucá sugeriu ao ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, que uma "mudança" na governo federal resultaria num pacto para “estancar a sangria”.

Desgraçadamente, o que não falta no Congresso — além de probidade e vergonha na cara, naturalmente — é parlamentar que aspira ao fim da Lava-Jato, até porque metade do senadores e a terça parte dos deputados federais são investigados, denunciados e réus. Mas como reclamar de infanticídio se entregamos a Herodes a chave do berçário?

Nossas leis são criadas por políticos que se elegem para roubar, roubam para se reeleger e se escondem atrás de um abjeto foro especial por prerrogativa de função — ou seja, só podem ser investigados pelo MPF e processados e julgados pelo Supremo Tribunal Federal. O STF é rápido como um guepardo quando se trata de conceder habeas corpus a seus bandidos favoritos, aprovar aumentos salariais para seus membros e autorizar despesas com mordomias — ano passado, chamou a atenção do TCU uma licitação de R$ 1,3 milhão para a compra de acepipes importados e vinhos premiados. Já quando se trata de processar e julgar ex-presidentes corruptos e sevandijas do parlamento, os togados são lerdos como cágados pernetas.

A Lava-Jato foi responsável pela prisão de centenas de políticos e empresários, além de ter recuperado R$ 4 bilhões para os cofres públicos — a expectativa é de que, entre multas e acordos de leniência, esse valor chegue a R$ 14 bilhões. Uma das condenações mais emblemáticas foi a da autodeclarada “alma viva mais honesta do Brasil” — que, a despeito de ser réu em oito ou nove ações criminais, alvo de uma dúzia de investigações e de ter sido condenado a quase 26 anos de reclusão, deixou a cadeia depois de cumprir míseros 580 dias, e ainda pugna pela anulação das sentenças arguindo a “suspeição” do então juiz Sérgio Moro.

Ironicamente, a ação saneadora nascida na era do lulopetismo e cuja intensificação foi promessa de palanque do falastrão autoritário que apoiamos para evitar o retorno da besta-fera vermelha ora faz água graças ao esforço conjunto dos três Poderes.

Bem mandado ou bem industriado, o passador de pano geral — puxa-saco nomeado pelo capitão falácia — tornou-se uma ameaça para a Lava-Jato do Paraná (o braço paulista da força-tarefa atua mais discretamente; o do Rio parece ter perdido o impulso depois que o juiz Bretas foi edulcorado com a promessa de uma vaga no STF; o de Brasília ninguém sabe, ninguém viu). Aras vem se saindo melhor que a encomenda, pelo menos para os interesses do mandatário da vez e de seus mui ilibados rebentos, de quem parece ter se tornado aliado político-ideológico e defensor atávico. 

Observação: E depois acusam Dallagnol e Moro de parcialidade nos processos contra o abjeto sumo pontífice da seita do inferno e deus pai da Petelândia. Não fosse trágico, seria cômico.

O chefe do MPF atacou frontalmente a força-tarefa do Paraná ao caracterizá-la como uma "uma caixa de segredos", justificando tal afirmação com o volume de informação acumulado e sua suposta "opacidade". 

Os 350 terabytes de dados reunidos, citando mais 38 mil pessoas, por si só não revelam nada além daquilo que foi perceptível pela opinião pública desde 2014: um trabalho incessante, que chegou ao esquema de corrupção político-econômico na Petrobras, mas foi ainda mais longe, expondo tentáculos internacionais desse aparato arquitetado nas entranhas do partido político que estava no poder. 

O PT pode ter sido o mais visado, mas não foi o único. Além do criminoso de Garanhuns, os emedebistas Eduardo Cunha, Sérgio Cabral e Michel Temer engrossam a lista das prisões realizadas no âmbito da operação, que também atingiu tucanos como Aécio Neves, José Serra e Geraldo Alckmin Empresários também foram parar atrás das grades, reforçando que ideologia e poder econômico pouco importavam. Foram 293 prisões e 253 condenações. 

O "punitivismo" denunciado de forma despropositada pelo PGR é, como os números explicitam, a justiça sendo finalmente feita para os crimes de colarinho branco, como há muito se esperava no país.

Aras desmoraliza a Lava-Jato para imobilizar suas engrenagens. Eventuais erros e deslizes processuais cometidos pela força-tarefa, se houve, devem ser tratadas pelas corregedorias do MP e da PGR. No entanto, em vez de seguir os trâmites protocolares, talvez para prestar vassalagem àquele que tem o poder de indicá-lo para o STF, o chefe do MPF achou por bem lavar a roupa suja em público. 

Primeiro, para uma plateia de advogados criminalistas interessados em ver a Lava-Jato conjugada no passado. Depois, para senadores — em meio aos quais, como vimos, não é difícil encontrar quem tenha o mesmo interesse, ainda que disfarçado pelo discurso anticorrupção que é de praxe —, teceu críticas a operações de busca e apreensão da PF em gabinetes de parlamentares.

Ao se apropriar do termo "lavajatismo", Aras e a defesa de Lula se tornam quase siameses. O discurso é o mesmo, de descrédito da operação e de enumeração de supostos abusos — que, na boca do procurador-geral, não podem surgir como ilações. Seu comportamento não é republicano, mas se encaixa perfeitamente nesses tempos em que a quebra de decoro institucional passou a ser encarada com uma assustadora naturalidade.

O desmonte da Lava-Jato é evidente, mas pode vir a implodir a própria reputação do Ministério Público Federal, o que é inaceitável na mesma proporção.

Com A Gazeta.