Na noite da última quarta-feira, o
ministro da Saúde disse em rede nacional de rádio e televisão que haverá vacinas, agulhas e seringas
suficientes para imunizar todo o país, e que já há um número suficiente
para iniciar a vacinação da população ainda
neste mês. Disse ainda que “O
Brasil é o único país da América Latina que tem três laboratórios produzindo
vacinas. Ou seja, seremos também exportadores de vacina para a nossa região muito
em breve”.
A mudança do cronograma ocorreu em
meio a uma disputa sobre quem começará a vacinar primeiro, se o governo federal
ou o Estado de São Paulo.
A notícia de que a população
tupiniquim começará a ser imunizada a partir de 20 de janeiro seria alvissareira
se fosse confiável. Mais de 50 países, entre os quais vizinhos como Chile e
Argentina, já começaram a vacinar sua população. Mas nosso ministro da Saúde
é um
general da ativa que se presta ao patético papel de boneco de ventríloquo do
capitão da reserva que o nomeou e muda o discurso conforme o humor
do chefe. Seu lema é “um manda, outro obedece”.
Em meados de dezembro, perguntado
sobre o cronograma da vacinação, o general teve o desplante de perguntar: Para que essa ansiedade e essa angústia? Talvez porque 1000 brasileiros morrem todos
os dias em decorrência da Covid, general.
Graças à inigualável expertise
desse ministro em logística, mais de 6 milhões de testes RT-PCR que deveriam
ter sido enviados ao SUS foram “esquecidos” num armazém federal em Guarulhos.
Do total estocado, cerca 6,86
milhões de unidades estavam prestes a perder a validade.
Depois que imprensa noticiou a barbárie,
a Anvisa prorrogou a
validade por mais quatro meses. Mal comparando, é como você reclamar que o
pão de forma está vencido e o funcionário do mercado simplesmente carimbar uma
nova data de validade.
A Pfizer afirma
ter realizado uma série de tratativas com o Ministério da Saúde. Em agosto, a
empresa teria oferecido 70 milhões de doses, com entrega prevista para começar
em dezembro. Pazuello tem ressalvas ao imunizante — notadamente quanto à não
responsabilização por qualquer efeito colateral e a obrigação do governo
brasileiro em fornecer material para diluir produto. Segundo ele, em outros países a Pfizer começou a vacinação com uma
quantidade muito pequena de doses. A farmacêutica garante que os termos do
acordo oferecido são os mesmos de contratos com outros
países, inclusive alguns que já estão vacinando.
Atualização: O contrato que o governo assinou nesta quinta-feira com o Butantan prevê a entrega de 8,7 milhões de doses da CoronaVac ao Ministério da Saúde até o dia 31 de janeiro. Ao todo, são 100 milhões de doses — segundo o ministro da Saúde "toda a produção" de vacinas contra a Covid do Instituto será incorporada ao Plano Nacional de Imunização. A aquisição da CoronaVac pelo governo federal, no entanto, gera novo impasse com o governo paulista. Doria tem dito que não abre mão de iniciar a vacinação no estado em 25 de janeiro e prevê 60 milhões até o fim de março. A assinatura do contrato aconteceu no mesmo dia em que o Butantan anunciou que a CoronaVac tem taxa de eficácia de 78% em casos leves e de 100% em casos graves e moderados. A expectativa era de que, após o anúncio, solicitasse à Anvisa o uso emergencial da vacina, mas não houve formalização do pedido devido ao formato de apresentação dos dados de eficácia.
Mudando de um ponto a outro, Doria anunciou no ano
passado que novas
alíquotas de ICMS entrariam em vigor a partir de janeiro. Em
linhas gerais, trata-se de uma redução linear de 20% nos benefícios fiscais a
diversos segmentos.
Mesmo que 80% do benefício tenha
sido preservado e que o objetivo do ajuste seja gerar recursos para manter
programas públicos de saúde, educação, segurança pública e arrecadar cerca
de R$ 7 bilhões para fazer
frente aos prejuízos da pandemia, o impacto sobre o preço final (pago pelo
consumidor) de produtos como pão, leite, verduras e frutas, além de carne,
álcool combustível e óleo diesel, entre outros, chega a 13,6%.
Como se não bastasse a bordoada vem
numa péssima hora, devido ao
recrudescimento da pandemia e ao fim do auxílio emergencial, que deixou de ser
pago com a virada do ano.
Após pressão e ações na
Justiça, Doria cariou uma
força-tarefa com secretários para analisar os pedidos de setores
econômicos impactados pelo fim da isenção fiscal de ICMS. Na noite de
quarta-feira, o governo anunciou a suspensão de mudanças nas alíquotas que
incidem sobre alimentos e medicamentos genéricos. Em nota, o Palácio dos
Bandeirantes informou que o projeto havia sido proposto quando a pandemia dava
sinais de melhora, e que agora, com aumento dos casos, a situação mudou.
Doria usou o Twitter para
comunicar a decisão, mas nem a nota, nem a postagem fizeram menção ao aumento
das alíquotas sobre o diesel e
a energia elétrica. Redes de
supermercados elaboraram um documento com sete ações para barrar o aumento de
imposto, entre as quais apoio
a funcionários que pretendessem participar de protestos pacíficos e tratoraços
e artes e cartazes de manifestação contra a alta de preços.
Pode-se argumentar que não se trata
de aumento, mas de realinhamento, readequação ou outra falácia qualquer. Pouco
importa o nome que se dê, o que se pretendeu fazer foi suprimir um benefício
fiscal concedido anteriormente.
Essa prática marota foi muito usada
pelos comerciantes na era pré-Real,
quando a hiperinflação rondava os 80% a.m. e o poder de compra dos salários
evaporava rapidamente. Quando recebiam o pagamento, as pessoas corriam ao
supermercado — onde os produtos eram remarcados uma ou duas vezes por dia — e
atopetavam a despensa e a geladeira com itens de primeira necessidade.
Quando a situação ficava
insustentável o mandatário de turno trocava o ministro da Fazenda (ou do
Planejamento), e o recém-chegado implementava seu próprio “plano econômico” —
que invariavelmente congelava preços e salários, funcionava por dois ou três
meses, e então a roda girava outra vez (mais detalhes nesta postagem). Quando farejavam um novo “pacote”, os comerciantes
dobravam o preço dos produtos e passavam a conceder 50% de desconto. Assim,
poderiam burlar o congelamento cancelando a “promoção” e praticando o preço
cheio.
Doria conseguiu mentir dizendo a verdade — ou dizer a verdade
mentindo, como queiram. Conta-se que Fidel Castro, questionado sobre a penúria que
afligia os cubanos, obrigando, inclusive, universitárias a se prostituírem para
sobreviver, disse que era exatamente o contrário: a situação da ilha era tão
boa que até as prostitutas frequentavam a universidade.
Por último, mas não menos
importante:
A improvável vitória de Trump em 2016 inspirou seguidores
no mundo todo, entre os quais destaca-se nosso indômito capitão, que já
teria se afogado se seu ídolo fosse adepto do “ofurô”.
Se parece exagero ver riscos na
lamentável tomada do Capitólio, basta atentar para a carta assinada pelos
dez ex-secretários de Defesa ainda vivos, que, sem meias palavras,
mandaram Trump parar de
alimentar o mito da eleição fraudada e de namorar
ideias de ruptura.
O próprio vice-presidente Mike Pence, que presidiu a
sessão do Congresso que chancelou a vitória de Biden, escreveu uma
carta histórica, rejeitando
a pressão do chefe para que desconsiderasse votos contestados na
eleição — coisa que Pence não
poderia fazer ainda que quisesse. Mesmo assim, Trump
fez um discurso igualmente histórico, mas pela infâmia, implorando
a Pence que descumprisse a
Constituição.
O verme cor de laranja não é o
único responsável pelo tragicomédia dantesca ocorrida na quarta-feira. Os
congressistas que o apoiaram desde 2016 e o absolveram no processo de
impeachment são seus cúmplices.
Por outro lado, a julgar pelos 74
milhões de votos que esse imprestável obteve nas urnas, quase 50% dos eleitores
o veem como um líder, alguém que os representa. O que é assustador, posto
que Trump conseguiu ativar
e colocar em marcha essa parcela nefasta da população — da mesma forma como seu
pupilo sul-americano tem feito e continuará a fazer aqui por estas bandas, caso
ninguém o impeça.
Trump acredita que tem poderes para seu “autoperdoar”,
e vem consultando assessores sobre a possibilidade. Aliados como Sean Hannity, da Fox News, o vêm estimulado nesse sentido, mas os juristas estão
divididos quanto à constitucionalidade. Um memorando legal do
Departamento de Justiça diz que o presidente não pode perdoar a si mesmo, mas
pode deixar o cargo e pedir ao vice-presidente para assumir e perdoá-lo. No
entanto, esse memorando não é vinculativo. Outros afirmam que, primeiro, um
promotor teria de indiciar o presidente, e a questão seria litigada nos
tribunais, provavelmente até a Suprema Corte. Dado o peso da autoridade
constitucional e histórica, o autoperdão provavelmente não seria mantido. Mas o
que tem Trump a perder? Melhor um
escudo ineficiente do que nenhum escudo.
Trump deve deixar a Casa Branca (e o cargo)
no próximo dia 20. Todavia, devido aos ataques ao Capitólio, congressistas vem
articulando uma maneira de depô-lo antecipadamente. Uma alternativa seria o
impeachment, que não só o expeliria do cargo como impediria de concorrer novamente
à presidência. Mas é virtualmente impossível realizar um julgamento desses em
menos de duas semanas. Uma segunda opção é invocar a 25ª Emenda à Constituição americana, que tem sido discutida
periodicamente como um último recurso para tirar do cargo um presidente
considerado desonesto ou incapacitado.
A 25ª Emenda foi promulgada após o assassinato de John Kennedy, cujo antecessor, Dwight Eisenhower, sofreu um ataque cardíaco debilitante enquanto ocupava o cargo. A ideia era criar uma linha clara de sucessão e se preparar para contingências urgentes com presidentes.
O historiador presidencial Douglas
Brinkley disse que nunca pensou que estaria discutindo seriamente a
expulsão de um presidente que representava um perigo para a República. "Nosso país está sendo mantido como refém
agora por Donald Trump", disse ele. "Mitch
McConnell [o líder republicano no Senado] e a presidente do Parlamento Pelosi
não podem nem mesmo se encontrar no Capitólio hoje, então acho que agora temos
que ir ao nosso 'kit constitucional' e descobrir o que podemos fazer para
controlar Donald Trump. Certamente a 25ª Emenda está lá (dentro do kit)".
Alguns membros do gabinete de Trump
vem discutindo essa possibilidade, mas o processo não é tão simples. O vice-presidente
Mike Pence teria de apoiar a medida e
reunir a maioria dos funcionários do Gabinete presidencial para atestar que o Trump não tem condições de continuar no
cargo — que Pence assumiria
temporariamente. Trump, obviamente, contestaria a decisão, e Pence e o Gabinete teriam quatro dias
para argumentar. Na sequência, o Congresso votaria o apoio à retirada do
presidente, cuja aprovação exige maioria absoluta de dois terços (67 senadores
e 290 membros da Câmara). O Congresso também poderia indicar seu próprio órgão
para revisar a aptidão do presidente, em vez do Gabinete. A presidente da
Câmara, Nancy Pelosi, apresentou um
projeto de lei nesse sentido, mas o texto não foi sancionado.
Na maior vitrine que sobrou do
trumpismo — falo do governo Bolsonaro —,
esses movimentos certamente serão acompanhados atentamente pelos bolsomínions.
O Trump Cucaracho fala em
fraude eleitoral (sem apresentar provas) desde antes de ser eleito, como que
obcecado pelo voto
impresso. “Sem o voto
impresso, posso dar adeus à reeleição”, insiste o capitão, sabendo
que não haverá voto impresso,
porque o Congresso não aprovará e o STF já vetou.
Na live de ontem, Bolsonaro afirmou que cabe ao Legislativo e não ao Judiciário decidir se haverá voto
impresso no país. Que em 2015 o Congresso aprovou uma emenda dele para
implantar o sistema, mas o Supremo a derrubou em 2018. Disse ainda que a decisão foi
uma interferência e repetiu que o problema da votação nos Estados Unidos foi a
falta de confiança e transparência. “Qual
o problema disso? Estão com medo? Já acertaram a fraude para 22? Só posso
entender isso aí. Não posso esperar chegar 2022, nem sei se vou ser candidato,
para começar a reclamar. Temos que aprovar o voto impresso. Quem vai decidir? É
o Congresso Nacional”, disse.
Observação: Nos bastidores do TSE,
fala-se que o presidente do tribunal, ministro Barroso, deveria determinar a abertura de um inquérito para que Bolsonaro apresentasse provas sobre as
supostas fraudes. De acordo com alguns magistrados, a Corte Eleitoral pode
adotar um tom mais duro em relação a Bolsonaro,
uma vez que o Brasil tem uma Justiça Eleitoral consolidada, diferentemente dos
Estados Unidos.
No universo paralelo pontificado
pela primeria-prole, a fraude tupiniquim já está no forno e a confusão nas ruas
de Washington remete às aglomerações estimuladas por bolsonaristas e aos
protestos antidemocráticos ocorridos no primeiro semestre do ano passado. É
nítido que Bolsonaro prepara
o terreno para incitar seus apoiadores a rechaçar a qualquer resultado que não
seja sua vitória nas urnas.
O presidente teme a debacle
econômica que pode advir neste ano, além de todo o caos gerencial da pandemia —
outro ponto em comum com seu paradigma americano. Se sua popularidade entrar em
parafuso — o que o fim do auxílio assistencial se encarregará de providenciar
—, ele terá de se agarrar à sua base mais fiel e radical e ceder mais espaço
aos aliados antes demonizados.
Conhecida por farejar patos mancos
como tubarões farejam sangue na água, a malta do Centrão, que já apoiou todo mundo, do PT a Bolsonaro, e
estava confortavelmente aboletada no governo Dilma quando o tsunami do impeachment colheu a gerentona de
festim, segue no poder, mas não tem vocação para carregar caixão político, como
deixou bem claro em 2016. Se 2022 assistir a um embate polarizado e histriônico, como
Bolsonaro sugere sempre que pode, talvez a lição americana seja lida
com antecipação pelo Centrão.
Trump tem de ser preso por ter articulado, estimulado e comandado
o atentado contra a democracia que desmoralizou os Estados Unidos. Só uma
resposta dura contra o chefe golpista pode restaurar a legalidade. Se for
punido por seus crimes, talvez ainda haja esperança de que a democracia
sobreviva naquele país.
E o mesmo se aplica aqui.