sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

VACINA, ICMS E A IRRESIGNAÇÃO IRRESPONSÁVEL DO PATO DONALD

 

Na noite da última quarta-feira, o ministro da Saúde disse em rede nacional de rádio e televisão que haverá vacinas, agulhas e seringas suficientes para imunizar todo o país, e que já há um número suficiente para iniciar a vacinação da população ainda neste mês. Disse ainda que “O Brasil é o único país da América Latina que tem três laboratórios produzindo vacinas. Ou seja, seremos também exportadores de vacina para a nossa região muito em breve”. 

A mudança do cronograma ocorreu em meio a uma disputa sobre quem começará a vacinar primeiro, se o governo federal ou o Estado de São Paulo.

A notícia de que a população tupiniquim começará a ser imunizada a partir de 20 de janeiro seria alvissareira se fosse confiável. Mais de 50 países, entre os quais vizinhos como Chile e Argentina, já começaram a vacinar sua população. Mas nosso ministro da Saúde é um general da ativa que se presta ao patético papel de boneco de ventríloquo do capitão da reserva que o nomeou e muda o discurso conforme o humor do chefe. Seu lema é “um manda, outro obedece”. 

Em meados de dezembro, perguntado sobre o cronograma da vacinação, o general teve o desplante de perguntar: Para que essa ansiedade e essa angústia? Talvez porque 1000 brasileiros morrem todos os dias em decorrência da Covid, general.

Graças à inigualável expertise desse ministro em logística, mais de 6 milhões de testes RT-PCR que deveriam ter sido enviados ao SUS foram “esquecidos” num armazém federal em Guarulhos. Do total estocado, cerca 6,86 milhões de unidades estavam prestes a perder a validade

Depois que imprensa noticiou a barbárie, a Anvisa prorrogou a validade por mais quatro meses. Mal comparando, é como você reclamar que o pão de forma está vencido e o funcionário do mercado simplesmente carimbar uma nova data de validade.

Pfizer afirma ter realizado uma série de tratativas com o Ministério da Saúde. Em agosto, a empresa teria oferecido 70 milhões de doses, com entrega prevista para começar em dezembro. Pazuello tem ressalvas ao imunizante — notadamente quanto à não responsabilização por qualquer efeito colateral e a obrigação do governo brasileiro em fornecer material para diluir produto. Segundo ele, em outros países a Pfizer começou a vacinação com uma quantidade muito pequena de doses. A farmacêutica garante que os termos do acordo oferecido são os mesmos de contratos com outros países, inclusive alguns que já estão vacinando.  

AtualizaçãoO contrato que o governo assinou nesta quinta-feira  com o Butantan prevê a entrega de 8,7 milhões de doses da CoronaVac ao Ministério da Saúde até o dia 31 de janeiro. Ao todo, são 100 milhões de doses — segundo o ministro da Saúde "toda a produção" de vacinas contra a Covid do Instituto será incorporada ao Plano Nacional de Imunização. A aquisição da CoronaVac pelo governo federal, no entanto, gera novo impasse com o governo paulista. Doria tem dito que não abre mão de iniciar a vacinação no estado em 25 de janeiro e prevê 60 milhões até o fim de março. A assinatura do contrato aconteceu no mesmo dia em que o Butantan anunciou que a CoronaVac tem taxa de eficácia de 78% em casos leves e de 100% em casos graves e moderados. A expectativa era de que, após o anúncio, solicitasse à Anvisa o uso emergencial da vacina, mas não houve formalização do pedido devido ao formato de apresentação dos dados de eficácia.

Mudando de um ponto a outro, Doria anunciou no ano passado que novas alíquotas de ICMS entrariam em vigor a partir de janeiro. Em linhas gerais, trata-se de uma redução linear de 20% nos benefícios fiscais a diversos segmentos. 

Mesmo que 80% do benefício tenha sido preservado e que o objetivo do ajuste seja gerar recursos para manter programas públicos de saúde, educação, segurança pública e arrecadar cerca de R$ 7 bilhões para fazer frente aos prejuízos da pandemia, o impacto sobre o preço final (pago pelo consumidor) de produtos como pão, leite, verduras e frutas, além de carne, álcool combustível e óleo diesel, entre outros, chega a 13,6%. 

Como se não bastasse a bordoada vem numa péssima hora, devido ao recrudescimento da pandemia e ao fim do auxílio emergencial, que deixou de ser pago com a virada do ano. 

Após pressão e ações na Justiça, Doria cariou uma força-tarefa com secretários para analisar os pedidos de setores econômicos impactados pelo fim da isenção fiscal de ICMS. Na noite de quarta-feira, o governo anunciou a suspensão de mudanças nas alíquotas que incidem sobre alimentos e medicamentos genéricos. Em nota, o Palácio dos Bandeirantes informou que o projeto havia sido proposto quando a pandemia dava sinais de melhora, e que agora, com aumento dos casos, a situação mudou. 

Doria usou o Twitter para comunicar a decisão, mas nem a nota, nem a postagem fizeram menção ao aumento das alíquotas sobre o diesel e a energia elétrica. Redes de supermercados elaboraram um documento com sete ações para barrar o aumento de imposto, entre as quais apoio a funcionários que pretendessem participar de protestos pacíficos e tratoraços e artes e cartazes de manifestação contra a alta de preços.

Pode-se argumentar que não se trata de aumento, mas de realinhamento, readequação ou outra falácia qualquer. Pouco importa o nome que se dê, o que se pretendeu fazer foi suprimir um benefício fiscal concedido anteriormente. 

Essa prática marota foi muito usada pelos comerciantes na era pré-Real, quando a hiperinflação rondava os 80% a.m. e o poder de compra dos salários evaporava rapidamente. Quando recebiam o pagamento, as pessoas corriam ao supermercado — onde os produtos eram remarcados uma ou duas vezes por dia — e atopetavam a despensa e a geladeira com itens de primeira necessidade. 

Quando a situação ficava insustentável o mandatário de turno trocava o ministro da Fazenda (ou do Planejamento), e o recém-chegado implementava seu próprio “plano econômico” — que invariavelmente congelava preços e salários, funcionava por dois ou três meses, e então a roda girava outra vez (mais detalhes nesta postagem). Quando farejavam um novo “pacote”, os comerciantes dobravam o preço dos produtos e passavam a conceder 50% de desconto. Assim, poderiam burlar o congelamento cancelando a “promoção” e praticando o preço cheio.  

Doria conseguiu mentir dizendo a verdade — ou dizer a verdade mentindo, como queiram. Conta-se que Fidel Castro, questionado sobre a penúria que afligia os cubanos, obrigando, inclusive, universitárias a se prostituírem para sobreviver, disse que era exatamente o contrário: a situação da ilha era tão boa que até as prostitutas frequentavam a universidade.

Por último, mas não menos importante:

A improvável vitória de Trump em 2016 inspirou seguidores no mundo todo, entre os quais destaca-se nosso indômito capitão, que já teria se afogado se seu ídolo fosse adepto do “ofurô”. 

Se parece exagero ver riscos na lamentável tomada do Capitólio, basta atentar para a carta assinada pelos dez ex-secretários de Defesa ainda vivos, que, sem meias palavras, mandaram Trump parar de alimentar o mito da eleição fraudada e de namorar ideias de ruptura.

O próprio vice-presidente Mike Pence, que presidiu a sessão do Congresso que chancelou a vitória de Biden, escreveu uma carta histórica, rejeitando a pressão do chefe para que desconsiderasse votos contestados na eleição — coisa que Pence não poderia fazer ainda que quisesse. Mesmo assim, Trump fez um discurso igualmente histórico, mas pela infâmia, implorando a Pence que descumprisse a Constituição.

O verme cor de laranja não é o único responsável pelo tragicomédia dantesca ocorrida na quarta-feira. Os congressistas que o apoiaram desde 2016 e o absolveram no processo de impeachment são seus cúmplices. 

Por outro lado, a julgar pelos 74 milhões de votos que esse imprestável obteve nas urnas, quase 50% dos eleitores o veem como um líder, alguém que os representa. O que é assustador, posto que Trump conseguiu ativar e colocar em marcha essa parcela nefasta da população — da mesma forma como seu pupilo sul-americano tem feito e continuará a fazer aqui por estas bandas, caso ninguém o impeça.

Trump acredita que tem poderes para seu “autoperdoar”, e vem consultando assessores sobre a possibilidade. Aliados como Sean Hannity, da Fox News, o vêm estimulado nesse sentido, mas os juristas estão divididos quanto à constitucionalidade. Um memorando legal do Departamento de Justiça diz que o presidente não pode perdoar a si mesmo, mas pode deixar o cargo e pedir ao vice-presidente para assumir e perdoá-lo. No entanto, esse memorando não é vinculativo. Outros afirmam que, primeiro, um promotor teria de indiciar o presidente, e a questão seria litigada nos tribunais, provavelmente até a Suprema Corte. Dado o peso da autoridade constitucional e histórica, o autoperdão provavelmente não seria mantido. Mas o que tem Trump a perder? Melhor um escudo ineficiente do que nenhum escudo.

Trump deve deixar a Casa Branca (e o cargo) no próximo dia 20. Todavia, devido aos ataques ao Capitólio, congressistas vem articulando uma maneira de depô-lo antecipadamente. Uma alternativa seria o impeachment, que não só o expeliria do cargo como impediria de concorrer novamente à presidência. Mas é virtualmente impossível realizar um julgamento desses em menos de duas semanas. Uma segunda opção é invocar a 25ª Emenda à Constituição americana, que tem sido discutida periodicamente como um último recurso para tirar do cargo um presidente considerado desonesto ou incapacitado.

A 25ª Emenda foi promulgada após o assassinato de John Kennedy, cujo antecessor, Dwight Eisenhower, sofreu um ataque cardíaco debilitante enquanto ocupava o cargo. A ideia era criar uma linha clara de sucessão e se preparar para contingências urgentes com presidentes. 

O historiador presidencial Douglas Brinkley disse que nunca pensou que estaria discutindo seriamente a expulsão de um presidente que representava um perigo para a República. "Nosso país está sendo mantido como refém agora por Donald Trump", disse ele. "Mitch McConnell [o líder republicano no Senado] e a presidente do Parlamento Pelosi não podem nem mesmo se encontrar no Capitólio hoje, então acho que agora temos que ir ao nosso 'kit constitucional' e descobrir o que podemos fazer para controlar Donald Trump. Certamente a 25ª Emenda está lá (dentro do kit)".

Alguns membros do gabinete de Trump vem discutindo essa possibilidade, mas o processo não é tão simples. O vice-presidente Mike Pence teria de apoiar a medida e reunir a maioria dos funcionários do Gabinete presidencial para atestar que o Trump não tem condições de continuar no cargo — que Pence assumiria temporariamente. Trump, obviamente, contestaria a decisão, e Pence e o Gabinete teriam quatro dias para argumentar. Na sequência, o Congresso votaria o apoio à retirada do presidente, cuja aprovação exige maioria absoluta de dois terços (67 senadores e 290 membros da Câmara). O Congresso também poderia indicar seu próprio órgão para revisar a aptidão do presidente, em vez do Gabinete. A presidente da Câmara, Nancy Pelosi, apresentou um projeto de lei nesse sentido, mas o texto não foi sancionado.

Na maior vitrine que sobrou do trumpismo — falo do governo Bolsonaro —, esses movimentos certamente serão acompanhados atentamente pelos bolsomínions. O Trump Cucaracho fala em fraude eleitoral (sem apresentar provas) desde antes de ser eleito, como que obcecado pelo voto impresso. “Sem o voto impresso, posso dar adeus à reeleição”, insiste o capitão, sabendo que não haverá voto impresso, porque o Congresso não aprovará e o STF já vetou.

Na live de ontem, Bolsonaro afirmou que cabe ao Legislativo e não ao Judiciário decidir se haverá voto impresso no país. Que em 2015 o Congresso aprovou uma emenda dele para implantar o sistema, mas o Supremo a derrubou em 2018. Disse ainda que a decisão foi uma interferência e repetiu que o problema da votação nos Estados Unidos foi a falta de confiança e transparência. “Qual o problema disso? Estão com medo? Já acertaram a fraude para 22? Só posso entender isso aí. Não posso esperar chegar 2022, nem sei se vou ser candidato, para começar a reclamar. Temos que aprovar o voto impresso. Quem vai decidir? É o Congresso Nacional, disse.

Observação: Nos bastidores do TSE, fala-se que o presidente do tribunal, ministro Barroso, deveria determinar a abertura de um inquérito para que Bolsonaro apresentasse provas sobre as supostas fraudes. De acordo com alguns magistrados, a Corte Eleitoral pode adotar um tom mais duro em relação a Bolsonaro, uma vez que o Brasil tem uma Justiça Eleitoral consolidada, diferentemente dos Estados Unidos. 

No universo paralelo pontificado pela primeria-prole, a fraude tupiniquim já está no forno e a confusão nas ruas de Washington remete às aglomerações estimuladas por bolsonaristas e aos protestos antidemocráticos ocorridos no primeiro semestre do ano passado. É nítido que Bolsonaro prepara o terreno para incitar seus apoiadores a rechaçar a qualquer resultado que não seja sua vitória nas urnas.

O presidente teme a debacle econômica que pode advir neste ano, além de todo o caos gerencial da pandemia — outro ponto em comum com seu paradigma americano. Se sua popularidade entrar em parafuso — o que o fim do auxílio assistencial se encarregará de providenciar —, ele terá de se agarrar à sua base mais fiel e radical e ceder mais espaço aos aliados antes demonizados.

Conhecida por farejar patos mancos como tubarões farejam sangue na água, a malta do Centrão, que já apoiou todo mundo, do PT a Bolsonaro, e estava confortavelmente aboletada no governo Dilma quando o tsunami do impeachment colheu a gerentona de festim, segue no poder, mas não tem vocação para carregar caixão político, como deixou bem claro em 2016. Se 2022 assistir a um embate polarizado e histriônico, como Bolsonaro sugere sempre que pode, talvez a lição americana seja lida com antecipação pelo Centrão.

Trump tem de ser preso por ter articulado, estimulado e comandado o atentado contra a democracia que desmoralizou os Estados Unidos. Só uma resposta dura contra o chefe golpista pode restaurar a legalidade. Se for punido por seus crimes, talvez ainda haja esperança de que a democracia sobreviva naquele país.

E o mesmo se aplica aqui.