quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

SOBRE LULA E O STF DE GILMAR

Conforme eu adiantei no post anterior, os ministros Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Kássio Nunes validaram a liminar de Ricardo Lewandowski, que havia concedido à defesa do criminoso Lula acesso às mensagens trocadas entre o ex-juiz Sérgio Moro e o ex-coordenador da Lava-Jato, Deltan Dallagnol. O ministro Edson Fachin discordou dos pares quanto ao objeto do julgamento e disse que a corte não analisou apenas se os procuradores teriam o direito de acionar o Supremo.

"O que se tem aqui, para além da questão da legitimidade, é o exame do fornecimento integral do material apreendido na 10ª Vara de Brasília", disse o relator da Lava-Jato no STF, em cujo entendimento não caberia a Lewandowski decidir sobre o tema, uma vez que a defesa do petista já havia apresentado pedido similar a ele, Fachin.

Nunca é demais lembrar que os supostos diálogos foram hackeados dos celulares de Moro, de Dallagnol e de outras autoridades, vazados pelo site esquerdista The Intercept Brasil e apreendidos mais adiante pela PF no âmbito da Operação Spoofing

Gilmar Mendes, que em algum momento de sua ilibada carreira de supremo togado passou de defensor ferrenho da Lava-Jato a cruzado contra o combate à corrupção travado pelos procuradores e o ex-juiz Sérgio Moro, fez a gentileza de ler diversos trechos dos diálogos, tecer críticas contundentes e adiantar, com seu indefectível rosnado ameaçador, que o caso ainda terá "desdobramentos".

A decisão não acolheu a tese da defesa, que pugna pela anulação condenação de Lula por Moro no caso do tríplex do Guarujá. Mas dá uma boa ideia do que podemos esperar do julgamento do habeas corpus do petralha — interrompido em dezembro de 2018 interrompido em dezembro de 2018 por um pedido de vista feito por Gilmar, depois de Fachin e Cármen Lúcia terem votado pela rejeição do HC

Ainda que a suspeição de Moro seja declarada e a condenação anulada, Lula continuará ficha-suja e inelegível, já que foi condenado pela juíza substituta Gabriela Hardt no processo do sítio em Atibaia (decisão essa mantida pelo TRF-4 e pendente de julgamento perante o STJ).

Lewandowski afirmou que concedeu a autorização ao petista porque as mensagens têm relação com o acordo de leniência da Odebrecht, ao qual os advogados tentavam ter acesso havia três anos. Argumentou que tinha competência para analisar a solicitação porque a requisição sobre o acordo da empreiteira está sob sua relatoria desde o ano passado, que a 2ª turma determinou que a Lava-Jato entregasse à defesa as informações sobre as tratativas com autoridades estrangeiras sobre o caso e que a operação resistiu em entregá-las. Frisou ainda que as conversas demonstram que a decisão foi acertada, uma vez que revelaram contato direto de procuradores com autoridades estrangeiras sobre o acordo. “Não estou entrando no mérito, apenas concedi à defesa que tivesse acesso a elementos de convicção que estavam em poder do Estado e que se encontravam no bojo de uma ação penal na qual os tais hackers foram condenados com base inclusive numa primeira perícia no material arrecadado”, disse o eminente magistrado.

Lewandowski classificou de “extremamente grave e impactante o que veio à tona”, quando extremamente grave e impactante, a meu ver, é ele não se dar por impedido de julgar processos que envolvem seu maior benfeitor. A exemplo de Toffoli, o conspícuo togado emergiu das falanges petistas. Amigo da Famiglia Demarchi, ingressou na vida pública por obra e graça de Walter Demarchi, que o nomeou para a Secretaria de Assuntos Jurídicos daquele município ― os Demarchi se orgulham de ter sugerido seu nome quando surgiu uma vaga no STF, e de Lula ter aceitado prontamente a sugestão.

Durante o julgamento da ação penal 470 (mais conhecida como processo do Mensalão), o Lewandowski retribuiu a gentileza atuando mais como defensor dos mensaleiros do que como julgador (talvez você ainda se lembre dos embates históricos travados com o então ministro Joaquim Barbosa). E repetiu a dose quando, então presidente do Supremo, comandou a votação do impeachment de Dilma

Mancomunado com Renan Calheiros, que na época presidia o Senado, Lewandowski fatiou o objeto da votação em dois quesitos. Assim, a despeito de ser expelida da presidência, a anta vermelha preservou seus direitos políticos por 42 votos 36 (e 3 abstenções). O mais curioso é que 19 dos 61 congressistas que votaram pela deposição da mulher contribuíram para lhe conceder esse “prêmio de consolação”.

O advogado Marcelo Knopfelmacher, representante dos procuradores do MPF no processo, afirmou que o pedido para que Lula não tivesse acesso às mensagens não tinha qualquer conotação político partidária ou ideológica. “Trata-se de questão jurídica muito importante no modo de ver desse grupo de sete procuradores da República, que são vítimas dos hackers investigados na Spoofing, que invadiram inúmeros celulares”. 

O causídico salientou também que Lewandowski não poderia ter dado essa decisão porque não era o responsável pelo caso, que a competência era de Fachin, relator da Lava-Jato no STF, ou da ministra Rosa Weber, relatora de habeas corpus de réus na Spoofing.  Mas a 2ª turma não se sensibilizou com a tese do advogado. 

Em nota, os procuradores afirmaram serem ilegais os diálogos hackeados de seus celulares. "As supostas mensagens em poder dos hackers não tiveram sua autenticidade comprovada e são imprestáveis", disseram. 

A subprocuradora Cláudia Sampaio, que falou em nome da PGR no processo, criticou a atuação de Cristiano Zanin (coordenador da defesa de Lula), que, segundo ela, atuou de forma “deselegante”, e destacou que Lula teve acesso a todo o material captado pelos hackers e não apenas às mensagens que lhe diziam respeito. 

O eminente relator proferiu decisão desprezando uma jurisprudência construída por este STF de décadas de recusa de prova ilícita. O MPF entende que é um fato de extrema gravidade. De tantos anos que atuo neste tribunal, nunca vi algo desta magnitude. O presidente tem nas mãos material de opositores, e uso que ele vai fazer disso aparentemente não interessa à Justiça”, disse Claudia.

Após o julgamento, Moro emitiu uma nota em defesa da Lava-Jato e afirmou que a decisão do STF violou a jurisprudência da própria corte. "Lamenta-se que supostas mensagens obtidas por violação criminosa de dispositivos de agentes da lei possam ser acessadas por terceiros, contrariando a jurisprudência e as regras que vedam a utilização de provas ilícitas em processos". Em sua visão, nenhuma das mensagens retrata quebra de imparcialidade ou algum ato ilegal. "A operação foi um marco no combate à corrupção e à lavagem de dinheiro no Brasil e, de certo modo, em outros países, especialmente da América Latina, colocando fim à generalizada impunidade destes crimes", acrescentou o ex-juiza.

Moro anotou ainda que os responsáveis pelo caso "fizeram largo uso da imprensa." O resultado do trabalho "vazava como uma peneira". Algo semelhante ocorre com a Lava-Jato. Tão logo os advogados de Lula apalparam o papelório liberado por Lewandowski, os diálogos começaram a escorrer para as manchetes, completando uma exposição iniciada no ano passado pela vaza-jato de Verdevaldo das Couves, o impoluto.

Durante o julgamento da última terça-feira, Fachin optou por apenas fazer uma reclamação formal, em vez de reagir com as armas do regimento e suspender a questão até que ela fosse ao plenário. Mas afirmou que estão em jogo não apenas os direitos processuais de Lula, mas da turma da Lava-Jato: "Se estamos a falar de garantias do devido processo legal, parece que devamos estender o garantismo a todos", afirmou o ministro. "Entendo que têm legitimidade e interesse os agravantes (procuradores da Lava Jato), porque há explicitação que pode expor violação de direitos a personalidade, até mesmo do direito a intimidade. A decisão (de Lewandowski) atinge-os diretamente", concluiu.

Ficou subentendido que é cada vez maior a tendência da 2ª turma de anular a sentença do caso do tríplex. Nessa hipótese, seria declarada a parcialidade de Moro e o processo retornaria à 13ª Vara de Curitiba, onde seria julgado desta vez pelo juiz federal Antonio Bonat

Em seu voto, Gilmar deu uma ideia do que está por vir: "Ou nós estamos diante de ficção, ou nós estamos diante de um caso extravagante. É o maior escândalo judicial da história da humanidade. É disso que estamos falando. A República de Curitiba envergonha os sistemas totalitários, eles não tiveram tanta criatividade. Da União Soviética, da Alemanha Oriental."

O voto da ministra Carmen Lucia, favorável à defesa, transcendeu a disputa política. Na visão da magistrada, se todos tiveram acesso a essas informações, então a defesa também deveria ter. E não dá para discordar. Cármen disse ainda acreditar que o plenário deve a reconhecer a imprestabilidade das mensagens como prova, na medida em que elas foram obtidas ilegalmente. 

Mas o mal está feito, pois os diálogos foram divulgados. No fundo, os ministros fizeram a mesma coisa que acusam Moro de ter feit: divulgar mensagens proibidas. Mas isso é uma disputa política, nada mais há a fazer. O julgamento de Lula no STF ainda não tem data para acontecer. No entanto, Gilmar antecipou que vai pautar a discussão ainda neste semestre. Sua expectativa era a de que o tema pudesse ser discutido em plenário físico, mas, diante da situação da pandemia, é possível que seja no plenário virtual. E logo depois do carnaval, que o ministro leva pressa.